sexta-feira, 22 de abril de 2016

RUI SOUSA | Nos 60 anos da morte de António Maria Lisboa


António Maria Lisboa continua ainda hoje a ser encarado como um dos casos mais emblemáticos da presença surrealista em Portugal. A sua actividade artística enquanto membro do grupo Os Surrealistas, a sua postura de absoluta inconformidade, a qualidade dos seus poemas, o tom estranho e de algum modo místico que alguns deles evidenciam, o facto de ter sido um dos mais empenhados em sistematizar as concepções orientadoras do colectivo, a morte prematura nas condições que se conhecem (a viagem a Paris, em condições já bastante débeis, e a marginalidade da sua presença face à família), o acidentado e polémico percurso que conduziu à edição da sua obra (sobretudo a disputa entre Mário Cesariny e Luiz Pacheco pelo conteúdo e extensão das suas Poesias) e o próprio trabalho de perpetuação do seu lugar no contexto do grupo que o autor de Pena Capital nunca deixou de fazer contribuíram para essa magnitude que o acompanha. Também a semelhança entre a sua morte prematura e a de Mário de Sá-Carneiro, dando a Fernando Pessoa e a Mário Cesariny o papel de herdeiros de uma obra e, também por via dela, de construtores de uma dada perspectiva sobre os colectivos artísticos em causa (o grupo de Orpheu e a aventura surrealista em Portugal) terá ajudado a fazer do poeta de Isso Ontem Único um caso singular no panorama do Surrealismo em Portugal.
Agora que passam seis décadas desde a morte do poeta (Novembro de 1953), será perfeitamente natural que António Maria Lisboa surja como importante orientador de um Congresso que tem por missão reflectir acerca do lugar do Surrealismo em Portugal, nas suas amplas dimensões e enquadramentos. Idealizado por um leque de jovens investigadores, muitos dos quais leitores interessados e mesmo estudiosos do tema em apreço, este Congresso procura ser um dos mais notáveis eventos científicos dedicados ao Surrealismo na sua expressão portuguesa, reunindo alguns dos mais notáveis especialistas no tema e abordagens sempre inspiradoras de jovens doutorandos que perspectivam o assunto de ângulos pouco explorados, além de testemunhos de alguns nomes que sofreram a influência do Surrealismo na sua prática artística. Essa abrangência mais se evidenciará na mesa redonda dedicada a António Maria Lisboa, reunindo diferentes vozes numa ampla perspectiva sobre o poeta e, por extensão, sobre o seu lugar no contexto geral do Surrealismo-Abjeccionismo.



O Programa do Congresso encarará o movimento de acordo com a abordagem que neste momento se afirma, provavelmente, como a mais dinamicamente prolífera: acompanhando a sua evolução cronológica conforme tem sido exposta (ou seja, percorrendo as datas e acontecimentos relevantes desde a formação do Grupo Surrealista de Lisboa à desagregação dos grupos surrealistas, em meados da década de 50), mas ganhando uma amplitude muito mais expressiva. Nesse sentido, serão de toda a importância os espaços dedicados às heranças nacionais e internacionais do Surrealismo em Portugal (colocadas no mesmo patamar e conduzidas para um sentido de confluência produtiva) e depois à presença do Surrealismo, quer naqueles que imediatamente se encaram como devedores da presença surrealista e mesmo como segunda geração surrealista, quer nos que foram indelevelmente influenciados pela transfiguração da Literatura Portuguesa resultante das conquistas surrealistas. O Abjeccionismo, enquanto deriva intrinsecamente portuguesa do Surrealismo, será portanto alvo de uma atenção particular, do mesmo modo que nomes associados ao Grupo do Café Gelo, como Luiz Pacheco, Manuel de Lima, Virgílio Martinho ou Herberto Helder serão reflectidos enquanto expressões muito diversas de uma mesma ética orientadora, bastante marcada pelo contexto social, cultural e político em que se notabilizaram, que, de acordo com a própria proposta do Abjeccionismo, encontram na sua individualidade e subjectividade criativa a resposta a uma mesma revolta, estruturada de acordo com os mesmos entendimentos também no que respeita à expressão artística.



Finalmente, este Congresso, que tem a Literatura como mote fundamental, procurará assinalar a abrangência do Surrealismo enquanto programa estético com presença nas mais diversas formas artísticas, nomeadamente nas Artes Plásticas e no Cinema. Uma atenção que também presta homenagem a António Maria Lisboa, que, sendo essencialmente um poeta, dedicou alguma da sua criatividade a essa concepção muito própria da criação artística, capaz de englobar num mesmo espírito diferentes artes. Algo que mais e melhor salienta o espírito englobante e de diálogo que se pretende venha a estar presente no Congresso, ajudando a contribuir para a definição de um espaço particular do Surrealismo em Portugal no seio da tradição com raízes românticas e gestação integrada no percurso das Vanguardas Históricas a que pertence.



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Texto originalmente publicado em A ideia - Revista de cultura libertária – II série – vol. 16 – n.º 71-72 – Outono de 2013, aqui reproduzido graças à autorização de seu diretor, António Cândido Franco. Página ilustrada com obras de Nelson de Paula (Brasil).



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Organização a cargo de Floriano Martins © 2016 ARC Edições
Artista convidado: Nelson de Paula
Agradecimentos a António Cândido Franco, Maria Estela Guedes, Carlos Felipe Moisés e Nicolau Saião
Imagens © Acervo Resto do Mundo
Esta edição integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim estruturado:

1 PRIMEIRA ANTOLOGIA ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO SURREALISMO
3 O RIO DA MEMÓRIA

A Agulha Revista de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011 restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica, sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.

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