O poeta, editor, ensaísta e tradutor cearense Floriano Martins (1957)
é possuidor de grande carisma e simpatia, capaz de cativar àqueles que têm um
dedinho de prosa com ele. É, ainda, grande entusiasta dos sentimentos e da
cultura latino americanos, lançando um olhar muito especial até a poesia. Temos
aqui um breve diálogo sobre a Agulha
Revista de Cultura que há mais de 15 anos dirige com tanto empenho e
dedicação. Uma espiadinha por detrás das cortinas dessa publicação que é um
discurso político sem saliva, que é uma bricolagem das diversas culturas desse
nosso continente latino-americano.
CCP | De onde surgiu a ideia de criar a Agulha?
FM
| Agulha Revista de Cultura é, de
algum modo, desdobramento do que eu já fizera antes, com o jornal Resto do Mundo (1988) e a revista Xilo (1999), ambos impressos. A rigor,
eu sempre fui movido por essa paixão editorial e desde a adolescência algum em
mim procurava criar espaço de convivência e de divulgação da voz do outro. Aos
poucos se vai ganhando experiência, bem como definindo melhor o raio de
abrangência de sua paixão. Quando chega o momento de criar a Agulha Revista de Cultura eu já tinha
todo um espectro definido, de relacionamento com a cultura hispano-americana e
sua necessidade de entrada no Brasil.
CCP | Será que poderia comentar um pouco mais sobre essas
publicações anteriores? Quais os temas?
FM | Resto do Mundo
tinha essa pretensão expressa no próprio título, de trazer para leitores
brasileiros o desconhecido relevante. Publicamos textos (poemas, ensaios,
entrevistas, conferências) de nomes como Artaud, Pasolini, Sábato, Paz,
Sologuren etc. Saíram apenas três números e ao final me ajudava em sua feitura
o poeta Sérgio Campos. Resto do Mundo
era reflexo do que na época eu já vinha fazendo, sistematicamente para a
imprensa, graças a colaborações fixas em suplementos literários no Brasil e
mesmo em Portugal. Por sua vez, a revista Xilo
- cuja edição eu dividia com o poeta Adriano Espínola -, por ter como base o
Ceará, estava empenhada em estabelecer uma relação entre a cultura local, a
nacional e a internacional. Infelizmente o projeto foi abortado por ingerência
na sala de finanças. Indagas sobre temas, mas ambas publicações foram, de algum
modo, protótipos da Agulha Revista de
Cultura. Espaços para a difusão do pensamento e da criação. Espaço definido
pela qualidade e a variedade.
CCP | Quem são os mentores dessa ideia? Como funciona a revista ao
largo desses anos?
FM
| A revista é todo ela uma concepção minha, mas é bom lembrar que uma pequena
ajuda do acaso favoreceu seu aparecimento. Em 1999 editamos, Adriano Espínola e
eu, um número único de uma revista chamada Xilo,
de grande tiragem e distribuída nacionalmente em bancas de revista e livrarias.
O projeto, por conta de sua ambição de circular mensalmente, deveria contar
sempre com três números prontos no momento em que fosse a público cada edição.
Um impedimento da empresa editorial à qual o projeto estava vinculado tornou
impossível a sua sequência, de maneira que o grupo se desfez e eu me vi com
material inédito, solicitado para a revista, e agora sem destino. Por uma
questão de ética profissional, tive então que pensar em uma solução, e foi
quando pensei que valeria apostar no mundo virtual.
CCP | De que maneira esse projeto se torna possível
financeiramente?
FM
| Um dos fatores mágicos da circulação de Agulha
Revista de Cultura é que não há dinheiro envolvido em sua existência. Os
primeiros números saíram com um projeto gráfico acanhado, por conta de meu
total desconhecimento de como lidar com a nova plataforma. Logo em seguida
conheci o Soares Feitosa, do Jornal de
Poesia, que me convidou para migrar a revista para seu provedor. Ele me
daria toda a cobertura e, como uma espécie de escambo, eu criaria um paralelo
ao projeto lusófono do Jornal de Poesia.
Com isto nasceu o Projeto Editorial Banda
Hispânica. Nesta mesma época convidei o Claudio Willer para dividir comigo
a edição da revista, o que me daria tempo de cuidar também do novo desafio. Ao
cabo de 10 anos, quando então já havíamos ganho o Prêmio ABCA, achamos por bem
encerrar a aventura editorial. Foi quando então passei a editar, por dois anos,
a Agulha Hispânica, que cuidava
apenas de cultura hispano-americana. Em conversas com o Márcio Simões, que
dirige a Sol Negro Edições, uma valiosa casa de livros artesanais, sediada em
Natal (RN), concluímos que já estava na hora da Agulha Revista de Cultura voltar, assim que em 2012 retornamos com
o projeto original da revista, desta vez acompanhado pelo Simões. Avançamos
bastante em difusão, design, passamos a publicar matérias em inglês e francês,
além de espanhol e português, e logo saímos do Jornal de Poesia e passamos a utilizar a linguagem do blogspot. Eis
aqui o novo endereço da revista:
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/.
CCP | Como é o diálogo na revista, no que diz respeito à formação
da equipe editorial?
FM | Veja bem, não há uma equipe editorial. Houve uma época em
que elegemos um conselho editorial, porém, como na maioria dos casos, se
tratava de uma conveniência de referencial. Por algum momento também
estruturamos a criação de sessões, tanto de resenhas de livros e discos, como
de uma galeria de revistas, onde dávamos destaque (na maioria na forma de
entrevista com seus editores) a revista que vinham realizando um projeto de
algum modo paralelo ao nosso, em vários países. Posteriormente chegamos à
conclusão de que as parcerias efetivas poderiam se dar em um ambiente ainda
mais expressivo, permutando edições especiais dedicadas à poesia de cada país
envolvido, bem como a mútua participação de editores em eventos literários.
Limpamos na ficha técnica da Agulha
Revista de Cultura tudo aquilo que pudesse representar apenas uma retórica
editorial. Mantemos os nomes dos tradutores, uma valiosa equipe de voluntários
que nos ajudam quando é necessário. A rigor, a revista é feita unicamente por
mim e o Márcio Simões.
CCP | Como funciona a relação com os colaboradores?
FM | Funciona como uma espécie de colégio de magos. A
universidade criou um tipo de mentalidade que logo foi adotada pelo mercado,
que diz respeito ao entendimento de que um texto deixa de ser inédito a partir
do momento em que é publicado. Bem, cabe indagar quais as condições dessa
publicação. Um texto acadêmico é absolutamente inédito fora do ambiente
universitário. Um livro de poemas de curta tiragem mantém-se inédito fora da
esfera de seus poucos e eventuais leitores. Obras tornadas públicas em face de
uma dada circunstância jamais ultrapassam sua raia de origem. Aqui poderia dar
mil exemplos. A rigor, somos todos inéditos. Quando tratamos com nossos
colaboradores, vamos sempre em busca de ampliar o ambiente de leitura de seus
textos. Claro que isto não impede que muitas matérias publicadas na Agulha Revista de Cultura tenham sido
preparadas especificamente para ela. É uma graça plena, não há dúvida. Porém me
interessa muito a ideia de recuperar textos e obras de reduzida circulação.
Como sabemos, o espaço de difusão virtual é bem mais amplo que seu equivalente
no mundo impresso.
FM
| Como a nossa conversa está girando em torno da Agulha Revista de Cultura, vale lembrar que esta não é uma
publicação formalmente ligada ao movimento surrealista. A presença destacada do
Surrealismo em nossas páginas resulta de sua importância inquestionável, de sua
influência perene, no que tange à criação artística em praticamente todo o
mundo. No entanto, lidamos com uma pauta aberta, dando ao leitor condições de
criar seu próprio espaço de leitura, de preferência, de amizade.
CCP | Mas não se poderia dizer que a política editorial da revista
é uma extensão de seu projeto pessoal: traçar um caminho do surrealismo pela
América Latina?
FM | Bom, tais projetos se confundem em um só, e não poderia
ser de outro modo. Porém não se limitam ao Surrealismo. Não são coordenadas
atreladas ao movimento e sim uma rota que permite averiguar existência e
valores reais do Surrealismo entre nós. O que se passa é que foi um movimento
extremamente relevante para as artes e o pensamento no Século XX, mantendo até
hoje uma visceralidade renovada, de que é prova a recente edição de uma
exposição internacional do surrealismo na Costa Rica, da qual participei com
obras e com um dos ensaios do catálogo. Há também um aspecto histórico, o fato
de que, sobretudo no Brasil, o Surrealismo foi muito castigado pelo preconceito
e a certa intenção estratégica da parte de alguns protagonistas de nossa
cultura. Mas tanto a revista quanto meus livros de ensaios se abrem para outros
panoramas, outras investigações, e mesmo em relação ao Surrealismo não há perda
de sentido crítico, ou seja, não há um acento ortodoxo em momento algum. De
todos modos, é um dado fundamental este cuidado que tenho com trazer à tona o
mapa real de atuação do Surrealismo em nosso continente, de que são exemplos um
livro de estudos que recentemente foi publicado no México e uma versão bem mais
ampliada do mesmo que agora nos preparamos para publicar pela ARC Edições.
CCP | A pluralidade que caminha em um sentido distinto ao eixo
convencional é um dos interesses da Agulha
Revista de Cultura, ao que me parece, de que maneira é possível manter uma
revista com tamanha qualidade e pluralidade ao largo de 16 anos?
FM
| Se o mercado editorial desse oportunidade a quem conhece os bastidores da
criação (em todos os setores) sem esse cabresto suicida do imediatismo e da
ganância, logo nos surpreenderíamos com o quanto de qualidade e pluralidade
existe no mundo. Em grande parte por acomodação mercantilista editores deixam
de cumprir um de seus papéis fundamentais, que é o de sair à procura de
material substancioso para ofertar a seus leitores. Não há mistério ou receita
mágica. Trata-se apenas do essencial: dispor-se a trabalhar corretamente.
CCP | O Brasil tem sido há muitos anos uma ilha em nosso
continente latino-americano e a Agulha
Revista de Cultura é um dos periódicos que busca construir pontes e
diálogos com nossos vizinhos. Como adensar esse diálogo, escancarar as
fronteiras?
FM
| As iniciativas corretas são todas institucionais. Cabe ao Estado definir com
quem quer manter parcerias culturais e como tornar este um fator de
enriquecimento de seu povo. Culturalmente nós somos uma ilha não apenas em
relação ao continente, mas sim com respeito ao mundo inteiro. O país sempre se
ressentiu da criação e sustentabilidade de projetos, em todas as áreas. Somos
uma espécie de nau à deriva no rio da história. Trazendo o dilema para a
atualidade e para o ambiente americano (não esquecer que América é todo o
continente, nosso continente), uma vez aceita a realidade cultural do mesmo,
com sua amplitude e diversidade, um bom começo seria promover intercâmbios na
educação, estimular a realização de eventos, programas de tradução, simpósios,
bem como facilitar a produção de obras de interesse comum etc. No entanto,
nosso Estado está à míngua por completo e sinceramente não vejo como possa se
recuperar nem mesmo de seus cataclismos internos.
CCP | Conte-me o que mais te move e o que mais o senhor quiser e
achar relevante, será um prazer lê-lo.
FM
| Creio que devemos continuar centrados nas atividades da Agulha Revista de Cultura. Um dos reflexos da criação de um
ambiente mínimo de diálogo entre culturas de língua portuguesa e espanhola é a
recepção da revista em outros países, não só por meio de sua circulação, como
também do estabelecimento de projetos comuns com editores de outras revistas e
a presença física de seu editor em eventos culturais em vários lugares. Graças
à revista foi possível desenvolver projetos editoriais em países como Portugal,
México, Costa Rica, Estados Unidos, dentre outros. Mais recentemente, nos
últimos dois anos, podemos criar um selo impresso, ARC Edições, desdobramento
do que antes já vínhamos fazendo na área de eBooks. E agora mesmo estamos
publicando uma série de 30 edições especiais da revista, que cuidam tanto de
migrar, para a base atual, matérias publicadas em nossa fase I (1999-2009)
quanto de destacar autores e temas relevantes para a cultura em nosso tempo. Ou
seja, a revista permanece em plena atividade, buscando sempre ampliar seu papel
de órgão difusor da cultura e das artes.
CCP | Como é possível adquirir a revista impressa?
FM | Não há revista impressa. Agulha Revista de Cultura será sempre virtual. A propósito, recordo
que certa vez contamos com a presença do português Júlio Resende, como um de
nossos artistas convidados. Como sabes, a revista traz a cada número um acervo
de dezenas de obras de um mesmo artista, a quem igualmente dedicamos um ensaio
ou entrevista. Pois bem, quando fui a Portugal surgiu a oportunidade de visitar
o artista e ali me surpreendi com uma impressão do número em que ele
participava. Foi a primeira vez que vi a revista impressa, o que me encheu de
orgulho e cheguei mesmo a pensar em buscar condições para uma pequena tiragem
impressa de cada número. Anos depois, em conversas com uma editora mexicana,
chegamos a planejar uma série de quatro volumes antológicos, em formato livro,
reunião do que de melhor a revista havia publicado em seus primeiros 10 anos de
atividade. Porém o projeto não encontrou patrocínio e voltou a repousar no
ninho de sua impossibilidade. Para completar esse capítulo das surpresas
impressas, relembro ainda que há poucos meses me encontrei com a artista
plástica Susana Wald na Costa Rica, que me presenteou com uma edição impressa
de seu eBook Intuiciones y obsesiones,
publicado em nossa "Coleção de Areia". Tal presente me deu a tentação
de fazer algumas edições impressas dos principais títulos desta coleção
virtual. Quem sabe um dia.
*****
Caroline Costa Pereira.
Estudante do 4º ano de letras português/espanhol na Universidade de São Paulo.
Esta entrevista foi realizada em maio de 2016, em função de uma monografia sua
dedicada à Agulha Revista de Cultura.
Página
ilustrada com obras de Franz von Stuck (Alemanha, 1863-1928), artista convidado desta edição de ARC.
Agulha Revista de
Cultura
Fase II | Número 17 |
Junho de 2016
editor geral | FLORIANO
MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente |
MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO
MARTINS
revisão de textos &
difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FLORIANO MARTINS
GLADYS MENDÍA | MÁRCIO SIMÕES
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GLADYS MENDÍA | MÁRCIO SIMÕES
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