Em 2015, adentrando o
primeiro semestre de 2016, mantivemos, Leila Ferraz e eu, uma intensa
correspondência virtual, praticamente a diário. Durante este período tratamos
de assuntos os mais diversos, dentre eles a nossa participação em uma Exposição
Internacional do Surrealismo realizada na Costa Rica e um livro de
poemas/fotografias que estamos os dois preparando, uma deliciosa aventura a
quatro mãos. Também foram oportunos os momentos de memória de nossas relações
com o Surrealismo, bem como uma valiosa troca de ideias acerca de poesia,
surrealismo e arte. O que reproduzimos aqui, em três capítulos, cada um deles
dedicado a um semestre, é um fragmento desse diálogo sem fim, diálogo franco de
dois criadores que em muito se identificam. Espero que seja igualmente valioso
para nossos leitores.
● FEVEREIRO
14
LF | Boa
tarde, Floriano! Recentemente recebi o convite através da Camaleonart para
participar da próxima exposição na Costa Rica sobre o Movimento Surrealista.
Você já havia mencionado a respeito antes de ir para a Austrália. Talvez ainda
dê tempo de enviar material para o endereço constante da carta. Ou, como você é
o responsável pelo Brasil, como entendi, mando para você? Alguns dos trabalhos
antigos estão amarelados pelo tempo, outros eu ainda não localizei. O que você
acha? Ah! Você gostou dos poemas, das fotos, das reproduções? Diga-me o que
achou. Assim me serve de guia.
FM | Eu
estarei presente na exposição e sou autor do ensaio do catálogo. Desde o começo
defendi como indispensável a tua presença. Não deixe de enviar, para o novo
endereço, o teu trabalho. Tudo tem que ir mais cedo para que eles cuidem das
molduras. Estou em uma casa de praia, repousando, munido apenas de um Android
com teclado miúdo. Ao regressar comento algo sobre teu trabalho. E vamos pensar
na revista Agulha, onde também quero te publicar. Ali terá que ser ensaio.
LF | Está
bem, meu amigo, já estou separando um material – poemas e também senti vontade
imensa de expor desenhos recentes. Continuo trabalhando. Há alguns cadáveres
delicados entre eu, Sergio Lima, Raul Fiker, Roberto Bicelli e mais alguns
colegas de antigamente. Vou reuni-los e te mandar. Você decide o que fazer.
● MAIO
02
FM | Depois,
querida, quando teu tempo permitir, eu gostaria de saber um pouco da essência
de tua relação com o Surrealismo, quando e em que circunstância te sentiste
atraída por ele, enfim, reminiscências… Pode ser? A minha ideia é ver se
conseguimos montar um diálogo nosso, não propriamente uma entrevista contigo,
mas uma conversa nossa, ou seja, eu posso fazer a maior parte das perguntas,
mas eu queria que na medida em que a conversa avance a gente pudesse trocar
impressões sobre muitas coisas, sobre o surrealismo em si, aquele momento em
torno da exposição e da revista A Phala,
principalmente sobre tua relação com o movimento em si, não apenas (claro) seu
aspecto burocrático. Evidente que vamos ter que comentar alguns aspectos
envolvendo o Sergio, e não sei como reages a isto. De qualquer modo, o diálogo
é aberto, franco. E também saberei aceitar se me dizes que não.
LF | Sim,
digo sim, como diria Molly em seu monólogo no livro Ulisses, de James Joyce. Estive em Algeciras, em 1968, só para ver
e desenhar os rododendros dentro da praça mencionada no final do livro. As
coisas que fiz, li e escrevi a partir dos 18, 19 anos foram o início do meu
encontro inevitável com o Surrealismo, aos 20 anos.
● MAIO
0
3
FM | Quero
começar pelas reminiscências porque a partir delas eu faria algumas outras
perguntas. Vamos fazer um diálogo bem informal e mantendo esse ritmo de idas
& vindas.
● MAIO
04
LF | Sergio
Lima é o pai de minhas filhas. Nossa relação é cortês, magoada e difícil.
Parece que quebramos um cristal e estamos olhando para as cintilações até hoje.
Não vamos conciliar dor e amor nesta reencarnação. Mas sou uma senhora delicada
e posso conversar sobre ele com isenção.
● MAIO
05
LF | O
anexo que você mandou, chegou e cá estou respondendo a tua pergunta. Ela me
trouxe reminiscências importantes, já que tenho a possibilidade de recuar mais
de 50 anos no tempo! E espero que você compreenda se às vezes estarei mais
fluente e outras menos. Mas o fato de me dedicar às respostas. Com calma e
tempo, no silêncio aqui de casa e sem interrupções (que são muitas) faz com que
eu me sinta em território livre. Solta… e assim possa buscar em minha memória,
textos e art works as respostas verdadeiras para mim, para ti e quem se
interessar por eles. Vou digitalizar uma água forte para te mandar como
ilustração e talvez outras imagens. Procurar o que seja em meio às minhas
coisas é de deixar qualquer um louco. Mas também não tenho medo da loucura.
● MAIO
06
FM | Ótimo,
querida. Que te sintas inteiramente à vontade. Este é o plano. E não temos
problema de espaço ou tempo.
LF | Quero
te mandar esse início de texto para você comentar se está ou não consistente.
Isso porque as pessoas que mencionei e os fatos que começaram a tomar forma
nessa época já davam os primeiros sinais de havia pelo menos duas vertentes,
talvez mais e se iniciava uma batalha de tendências, às vezes muito divergentes
e cansativas.
● MAIO
11
FM | Me
diz uma coisa: chegaste a estar com o Aldo Pellegrini?
LF | Lembro-me
de Aldo Pellegrini sim. Vieram outros intelectuais com ele, mas não participei
das reuniões, eu estava com minhas filhas, que tinham acabado de nascer. Sei
que veio uma delegação para visitar a exposição em 1967. Esteve Per Ole
Stackman, da Suécia, que adquiriu todos os desenhos que expus na Mostra. Não
tive mais notícias dele. Quem tem todos esses registros é o Sergio – ele guardou
todos os documentos – praticamente – e as cartas. Em nossa separação, em
1971/72, ele ficou com esse material. Comigo, apenas um desenho que
representava o tema: a Mão desenhada,
da qual saíam fios das palavras chaves que estavam no texto de Breton,
pendurado no teto. Os fios ligavam as palavras mágicas aos trabalhos expostos. O Sergio
tem tudo documentado. Realmente a mim cabem as reminiscências. Vocês não têm se
falado? Estive em Roma, Milão, Madrid e Paris com o Sergio. Em Milão, estivemos
com Arturo Schwartz a fim de convidá-lo para a exposição. Isso tudo também
coincidiu com a morte de Breton – na véspera de falarmos com Arturo, Breton
morre. Foi uma comoção geral e todos estavam de luto, não só em Paris, mas em
todos os lugares aonde o movimento atuava… Mesmo assim pude ver La boîte en valise, ou melhor, sua
réplica, que estava na Galeria em Milão. Essa é a história que estou
escrevendo, mas quis me colocar antes, como artista, surrealista, mulher e
alguém que em duas oportunidades conviveu com o Grupo Surrealista em Paris:
1966, organização in loco da
exposição, e 1968, sozinha, quando a Revolução de Maio propiciou uma divisão do
grupo, por conta de tomada de partidos. Enfim, estou escrevendo sobre isso e só
tenho a memória como aliada, neste momento.
FM | Também
acho que não devemos mais pensar em alguma cumplicidade do Sergio. Ele já
deixou bem claro a nossa discordância de visão da história! Eu já lhe fiz uma
entrevista, e também as minhas considerações críticas a seu trabalho. Tudo isto
sai em um livro que publico em breve.
● MAIO
15
LF | Olhe
só o que chegou aqui! Fiquei tão feliz que até tirei uma foto meio tremida de
emoção. Você é uma pessoa muito especial. Um poeta memorável e sensível. Os livros
são excelentes e até o selo da embalagem é lindo. Overnight medley é apaixonante! Ainda não consegui ler muito,
porque estou entusiasmada. Querido amigo, generoso, grande poeta e sensível
artista plástico, muito obrigada por acrescentar beleza em minha vida! Com carinho, Leila (amei as
dedicatórias)!
● MAIO
16
LF | Outro
dia falei com uma de minhas filhas que se eu não conseguisse publicar em vida,
era para as crianças mandarem meus originais para você, que saberia o que fazer
com eles. Ela achou ótimo!
FM | Eu
me sinto imensamente honrado, querida.
LF | Fico
feliz em saber e se não conseguir em vida me resolver com o que já produzi,
deixo de herança pra ti.
FM | E
me desdobrarei a cuidar de tudo. Só não me deixe dinheiro, porque eu tenho um
talento especial para gastá-lo (risos)…
LF | Deus
te abençoe amigo. Não sabes como eu te agradeço.
FM | Vou
abrir uma cerveja belga, agora mesmo, em nossa homenagem, minha querida.
LF | Melhor
eu parar, senão começo a chorar… tome um gole por mim. Salute! O Willer sempre me disse: Aberração, quando vais aparecer? Eu adorava, aliás, era assim: materialize-se, aberração! Estou me
materializando. Deuses, como sou lenta!
FM | Quando
publiquei A vida inesperada dei por
conta que deixei de fora, por preciosismo, uma série de poemas de 1998. Mas
acho que foi uma boa mão do acaso objetivo, porque esses poemas estão
intimamente relacionados com um conjunto de colagens que fiz mais ou menos na
mesma época. Penso agora em reuni-los em um livro só, poemas e colagens.
LF | Ah!
Certo. Muitos dos teus textos têm essa qualidade de arrebatamento. Você nos faz
enveredar com paixão pelos caminhos do amor, da vida das sensações. Já estava
agora mesmo pensando nisso. Não tenho tempo a perder… A vida me chama para sua
mais épica aventura: a morte! Não tenho medo em dizer isso, porque vivi cada
segundo de minha vida intensamente. Sabe o que admiro em tuas colagens? Esse
arrebatamento que nos faz cruzar as grandes águas. As águas do inconsciente.
Vejo aí todo o esplendor da magia e da alquimia humanas.
FM | Obrigado,
querida. Eu tenho uma grande amizade com os abismos. Não sei se já leste um
romance do José de Alencar chamado O
tronco do Ipê. Na infância me chamava muito a atenção o momento em que um
personagem mergulhava em um rio para buscar uma criança que se havia afundado. Aquela
cena do mergulho na escuridão das águas fez a minha rota de acesso ao abismo. Sobre
a morte, olhe, eu rio sempre do Cruzeiro Seixas, quando ele se despede de mim
dizendo, "O teu velhíssimo Artur", ou quando começa uma carta assim:
"Não vais acreditar, mas ainda estou vivo…". No ano passado eu tive
um infarto no baço, exames posteriores detectaram uma vesícula já convertida em
um morcego murcho grudado ao fígado, fiz uma cirurgia para livrar-me do diabo,
e tive uma parada respiratória. Passado o susto, hoje me sinto remoçado.
LF | Lembro-me
vagamente, porque bem criança eu procurava as nascentes dos rios para ver as
águas aflorando, em particular um que havia em nosso sítio e que vertia contra
um vidro… Lugar feminino, lugar uterino cheio de entranhas e forças.
FM | E
cheguei a uma conclusão filosófica, espiritual, belíssima em minha vida: já
estou pronto para morrer, razão pela qual não morrerei nunca. A vida ou a morte
é só o que temos, no momento em que temos, de modo que se estou vivo, tenho
vida, se estou morto, tenho morte. Nenhuma interfere na outra.
LF | Nossa,
Floriano, que susto! E ainda levas a vida nessa velocidade? Eu tive um espasmo
cardíaco, cinco dias de UTI e percebi claramente como a morte faz parte da
vida.
FM | Eu
tive coma alcoólica aos 14 anos, aos 23 saí de meu corpo por alguns minutos (vi
a aflição das pessoas tentando me reanimar)… A vida ou a morte, siamesas, não
mudarão meu ritmo de ser.
LF | O
espasmo foi acontecendo, dolorido, mas a minha curiosidade em saber da morte
era maior e pensei ah! Então isto é morrer… Como é parte da vida, não morremos,
continuamos de outra forma. Bem, dessa vez não morri, mas se tivesse, também
estava pronta.
FM | Sim,
estou pronto. Não morremos, quando estamos prontos. Claro que morremos, mas se
trata de outra morte… Não é mesma de quem a teme. Não espero ir para parte
alguma, por bem ou por mal. Morrerei apenas.
LF | Certo.
Concordo contigo. A dor só é imensa quando a morte leva alguém da gente.
FM | Sim,
aí sim, estar vivo é a grande dor. Sobreviver é a loucura. É um conceito
invertido sempre muito bem explorado pelas religiões.
LF | Essa
questão sempre foi um vórtice para a humanidade. Algo que nos leva para o
buraco negro da razão ou da fé.
FM | De
um modo grosseiro, a fé nos destrói.
LF | Não
creio em pecado. Não seria capaz de me suicidar por covardia pura. Passei 11
anos em um colégio de freiras que me entulhava de fé grosseira. Que mal me
fizeram! Jamais senti qualquer arrebatamento naquela época. Os arrebatamentos
vieram com as transgressões.
FM | O
arrebatamento é uma curiosa forma de equilíbrio entre a transgressão e a
aceitação.
LF | Por
isso me identifiquei tanto com o surrealismo
FM | O
surrealismo é o mais adorável poço de contradições de que o homem já foi capaz.
O
fato do surrealismo sobreviver a si mesmo é um sinal maravilhoso. O marxismo
não sobreviveu a si mesmo. O comunismo não sobreviveu a si mesmo. O freudismo, este é que bem não sobreviveu
a si mesmo.
LF | A
gente viu isso em 68 e 69, quando o movimento surrealista francês se extinguiu.
FM | Há
um momento, querida, em que as regras se tornam inaceitáveis por elas mesmas.
LF | Mas
as imagens de Jung, sim, elas permaneceram.
FM | A
tríade surrealista do amor, poesia e liberdade, não era uma fraude, mas sim um
sinal de que as fraudes desabariam todas por aí. Claro, porque Jung somos nós. Jung
não era uma seita. Jung não almejava uma ortodoxia. Péret chamou a atenção de
Breton o tempo todo para evitar isto. Artaud extrapolou, o que era correto.
LF | Sim,
não almejava uma ortodoxia, isso fica bem claro na ruptura dele com Freud. Nas
cartas trocadas entre os dois, eles debatem amplamente sobre isso. E os signos
vencem.
FM | Freud
tinha praticamente desprezo por Breton.
LF | Eu
lastimo o dogmatismo excessivo de Breton. Algo que também vejo em Sergio Lima.
FM | Sim,
os seguidores, uma espécie de cartel do surrealismo. Agora, graças a eles é que
se aproveitaram do surrealismo os acadêmicos. Hoje há um bando de oportunistas
de toda safra.
LF | Creio
que o momento de minha separação com Sergio se deu quando eu passei a ter meus
próprios conceitos, munida dos instrumentos que ele havia me fornecido. Muito
conhecimento que obrigatoriamente não me fazia pensar como ele em vários
aspectos. Isso foi muito difícil em nossa relação.
FM | O
Cesariny em Portugal foi outro problema imenso, pela mesma razão. Lá houve a
morte prematura do Antonio Maria Lisboa e a viagem do Cruzeiro para a África.
LF | Em
praticamente todos os casos. As grandes discussões que assisti no La promenade de Vênus, em 1968, eram
sobre arte engajada e arte não engajada, o princípio do fim que se deu em 1969.
De um lado, Vincent Bounoure; do outro, Schuster.
FM | A
este respeito tive oportunidade de conversar com André Coyné, Pierre Rivas,
Ludwig Zeller, Cruzeiro Seixas.
LF | A
Beat Generation era muito tentadora para Roberto Piva e Claudio Willer, apareceu
como algo novo, cotidiano, possível e semelhante a eles.
FM | Adoro
visitar as cartas de gente que passou pelos cafés parisienses na época
bretoniana. Isto me esclareceu muito, por exemplo, da relação do Surrealismo
com os chilenos, sem esquecer a velha birra com o Huidobro. Já sei que estou te
soterrando com muitas coisas.
● MAIO
20
FM | O
céu vem de dentro. O orgasmo não sabe onde parar. Hoje eu pari como uma velha
índia bêbada. Recordo sempre quando eu era um miúdo, oito anos, sei lá, a Chica
Gorda, velha macumbeira que cuidava de tudo na casa de minha avó materna, que
me criou, ela, a Chica, era toda a magia daquele momento: o fogo assando
castanhas, o sangramento das galinhas, o ferro de engomar de brasas, ela
preparando seu cachimbo etc.
LF | Etc.
E eu acordava às quatro da manhã com meus primos correndo por cima como tranças
de cabelos. Na cozinha minha avó paterna acabara de torcer o coador. Cheiro de
café emaranhado em minha roupa. Miúda, uns oito ou nove anos eu engolia a broa
e saía da cozinha. A lenha crepitara a noite toda – bruxos em pesadelos não me
deixavam olhar para trás. E saía, mergulhando meus encantos de adormecida nas
brumas à beira do lago. Meus primos, enfeitiçados, já tinham subido para o
galinheiro. Eu, sonambúlica, flutuava na neblina. "Corre, corre menina,
senão os ovos esfriam e não fazem mais efeito!" Ah! Essas avós e tias
mulatas que me criaram! "Corre, já! Pegue os dois ovos, estes aqui, tome,
e feche os olhos… Assim, agora, ponha-os sobre as pálpebras!". "As
pálpebras" – eu murmurava. E colocava os ovos das poedeiras para mor de
enxergar melhor. Para sempre. Sempre! Negra noite caída aos meus pés, mais
parecia madrugada e o sono me molhou. Sonhos mergulhados em sonhos ainda
respingavam. E fui embora. Etc.
● MAIO
21
LF | Boa
tarde, Floriano. Acabei de reler a carta de Cruzeiro Seixas. Fiquei muito
emocionada. Ele nos fala de uma solidão, um abandono, de um esquecimento, que
muitas vezes senti. Fico a pensar até que ponto eu conseguiria transmitir com
tanta lucidez e clareza algo semelhante ao que aconteceu aqui no Brasil. Não
conseguiria ser didática e precisa. Talvez me faltassem datas e nomes. Também
era muito jovem quando convivi com os Surrealistas em Paris. E numa época
delicada, 1968. No ano seguinte, o movimento se dissolveu. Contudo, estou aqui
recuperando o que posso para enviar a você algo com substância e sensibilidade.
Não espero concluir o trabalho, porque memórias não se extinguem. Se você puder
comentar algo sobre o que acabei de escrever, agradeço.
FM | Certamente
incluirei em nossa entrevista a tua memória parisiense, querida. Não te excedas
em zelos de uma memória infalível, pois o tom de nossa conversa será informal e
mais me interessam as tuas impressões do que propriamente as precisões da
memória. Quanto à memória familiar, qualquer dia eu te envio uma novela que
escrevi, em que tratei de usar como uma forma de expurgo de tantas coisas
familiares que me ficaram entranhadas até a alma. Perdi a minha família toda
muito jovem. Não conheci avô materno ou paterno, meu irmão morreu eu tinha 14
anos, perdi a mãe aos 20, o pai aos 23, e já se foi quase toda a banda materna
da família…
LF | Sabe,
Floriano muitas vezes me perguntei de onde vinha essa força toda que você tem
ao escrever. Uma força imensa, que chega trazendo os mínimos sentimentos e
explode em verdades eternas. Uma força interior capaz de conhecer todas as
palavras e saber onde colocá-las. Como quem dedilha um cello. Como se você
estivesse em transe recebendo as estrelas do universo e vertendo-as com a
generosidade de quem dá o seio a uma criança. Que poder você tem, que força,
Floriano! E você que tão menino foi vendo desaparecerem um a um seus mais
queridos afetos. Aqueles que nos embalam e assopram histórias de carinho em
nossos ouvidos. Ou nos recebem de mãos abertas em perdão eterno. Memorável é
você, um poeta sem fim e sem começo porque sempre é. Então me pergunto: o que
dá a força é o sofrimento? Essa lágrima que não se cansa de escorrer. A boca
sempre à procura… Um coração generoso que compartilha suas batidas como as
esperanças dos humanos em serem parte, fazerem parte de. Do que? Eu não sei,
mas é provável que você saiba, meu amigo. Sabe, Floriano, quando leio sou capaz
de sentir a emoção das palavras. As frases comovidas. Os largos sorrisos.
FM | Sim,
querida, que bonito que me digas isto, pelo carinho, pela percepção, pela
cumplicidade, sim, mil vezes sim, eu fui fazendo a minha vida em função do
presente. Porém um presente que possui um imensurável grau de abrangência e que
se multiplica à força da generosidade em todas as direções, para dentro e para
fora de mim.
LF | Também
enxergo através das linhas e construo as imagens que tão gentilmente um poeta
oferece. Eu fiquei tão comovida e sensibilizada com a linda carta de Artur, da
qual você foi o portador. Consegui vislumbrar cada momento de espera que ele
teve… E uma palavra de conforto não chegou. Até não se esperar mais. A tua força
criativa jamais se esvairá. Ela é como um vaso comunicante em ciranda pelo
universo.
FM | Ele
leva em si um peso imenso por esta palavra tão esperada não haver chegado até
hoje, aos 94 anos de idade. Uma vez me escreveu uma carta que começava mais ou
menos assim: "Meu amigo, talvez você não acredite, mas eu ainda estou
vivo". Eu me comovo semanalmente a cada parágrafo de suas cartas, e
reuni-las todas agora é uma espécie de bênção. […] Como sempre, quando
terminamos algo, um poema, uma tela, uma canção, sentimos aquele vazio e nos
últimos anos eu cheguei a pensar várias vezes que não voltaria a escrever
poemas e que então me dedicaria mais à fotografia. Passam poucos meses e o
diabo do poema começa a bater na fronte, de dentro, querendo sair…
LF | Como
é bom saber que você tem um amigo tão querido como Cruzeiro Seixas. Um amigo de
94 anos e que não o deixa sozinho, porque escreve para ele. Isso sim é um
estado de maravilha e que não me venham os teóricos falar de maravilha se não
sentiram essa delicadeza de afeto!
FM | Nós
nos correspondemos desde 2003, quando eu fui surpreendido por um telefone dele,
para um celular de uma amiga, eu estava com ela em Portugal, na estrada, do
Porto para o Algarve… Desde então jamais nos separamos…
LF | Você
e o Cruzeiro Seixas?
FM | Sim,
eu e o Artur (Cruzeiro Seixas)… Outro querido amigo é o chileno Ludwig Zeller,
que hoje tem 88 anos. Este eu conheço há mais tempos, há uns 25 anos ou mais. Outro
imenso surrealista; outro intenso ser humano.
LF | Sabe
Floriano, há mais ou menos dez anos, recebi um e-mail teu. Você me pedia para
te mandar algum material meu. Eu morava em Taubaté e trabalhava muito para
cuidar do filho caçula. Naquele momento, parei. Olhei em volta e vi todos,
todos os milhares de livros que carregara pra baixo e para cima a vida toda. De
mudança em mudança. Os meus poemas todos guardados, misturadamente num caos,
minhas milhares de fotos escondidas dentro de um baú que eu trouxera de Paris,
em 1969… E eu, esquecida e por fim sumida numa cidadezinha chamada Taubaté. Já
não queria mais ouvir nada, nem ninguém. Mas te pedi: Floriano, eu estou de mudança… você pode me esperar. E você
respondeu que sim. Sem perguntar quantos anos, quanto tempo isso iria demorar.
E agora estamos conversando. Você não pode imaginar como é que eu me sinto,
segura, de que temos uma longa conversa pela frente, com tempo suficiente para
que eu perca o medo de me expor, como já senti inúmeras vezes. Ou de não
corresponder ao que realmente sou.
FM | De
algum modo o tempo mantém uma secreta relação amorosa com o espaço. E somos
todos, graças a essas conexões mágicas com que tecemos o destino, seus filhos
mais diletos…
LF | Floriano,
vou pegar o trabalho de responder às tuas perguntas com mais disciplina. Achar
um tempo para me dedicar a ele, todos os dias. Assim, acho que esta angústia de
não achar o que quero no meio de tudo o que tenho vai passando. Vai ser um
tempo só meu, sem interrupções.
FM | Este
diálogo que estamos montando merece toda a atenção, querida, e naturalmente
livre de ansiedade, o que não quer dizer livre de dedicação (risos). Estou
certo de que será uma bela entrevista, uma bela e sincera conversa. Mãos à
obra.
LF | Mãos
à obra. E continuamos. Desculpe o estado emocionado. Mas acho que você entende.
As mulheres são muito diferentes dos homens, sob vários aspectos, nem melhores
nem piores, apenas diferentes porque carregam uma bagagem de maternidade que
não tem tamanho. Só tempo e espaço.
● MAIO
26
LF | Olá
Floriano, boa tarde! Tudo bem contigo? Espero que sim porque eu consegui pegar
essa gripe estranha que dá aqui em Sampa. Estou acamada, porém lendo o teu A vida inesperada. Creio ter organizado
as informações que precisava para responder às tuas duas perguntas. Aos poucos
a memória volta com novas imagens. O Retrato
de Aurélia, publicado a partir de uma reprodução de A Phala, e mesmo L'hommage
des siécles, trouxeram momentos preciosos e a lembrança de Seurat. Elvio,
que está no Grupo Surrealismo Solúvel sugeriu digitalizar e publicar as imagens
da Roupagem de Funcionamento Simbólico
Anticintura de Castidade, traje que vesti para Maureen Bisilliat fotografar
e expormos a foto no catálogo da exposição de 1967. O que você acha? Você
gostaria que eu ilustrasse o texto com essas fotos? Ou mesmo algum outro
desenho? O que você acha do Elvio publicá-las? Caso tenha alguma a ideia,
retorne, está bem.
FM | Estou
ausente porque mergulho neste livro com o Cruzeiro Seixas. Eu tive a desgraçada
dessa virose e quase não me larga. Acho perfeita a ideia do Elvio. Quanto à
nossa entrevista, ela não terá imagens, ao menos nesta primeira fase. Depois
pensamos em como solucionar. Também tenho aqui a ideia de fazer algo contigo,
talvez pudéssemos criar algo, textos e desenhos, depois conversamos a respeito.
Acabei de dizer ao Valdir que tenho em mente escrever uma série de poemas que
teria mais ou menos por título O livro
apócrifo das taras, e pensei que poderias mais do que simplesmente
ilustrar, que poderíamos fazê-lo juntos… Mas primeiro vamos cuidar de tua saúde
e da entrevista.
LF | Não
me mates do coração! Que maravilha! Acho até que tuas palavras curaram minha
gripe. Claro que sim! Acho até que começamos a fazer um texto de memórias, como
se fosse um cadáver delicado, quando você trouxe lembranças de quando era
miúdo, oito ou nove anos e terminou o texto com etc. Então comecei meu texto com etc. e narrei memórias de quando era pequena. Sinto-me honrada pelo
convite! Sobre O Livro Apócrifo das Taras,
a proposta é magistral. O título é uma obra-prima. Farei renascer a jovem de 25
anos que fui um dia. Vou precisar dela!
FM | Nada
impede que descubramos mil formas de simbiose neste livro, o que inclui cadáveres
deliciosos, desenhos, poemas, colagens, fotografias e, ao final, até mesmo um
diálogo sobre o parto dessa maravilha.
LF | Perfeito!
Haja fôlego, dona Leila para acompanhar teu ritmo. Principalmente em diálogos.
Você é rápido, lúcido e tem o dom de revelar os gestos das palavras. Em A Vida Inesperada você leva o leitor à
cumplicidade e o faz abrir-se para infinitas possibilidades do imaginário.
Oroborus em sua forma esplêndida.
FM | É
um dom, um encanto, um feitiço, uma maldição, um pouco de cada coisa, e talvez
este seja o meu maior mérito, o caldeirão, a simbiose. Melhor do que ter mil
bocas será sempre ter mil ouvidos, porém melhor mesmo, mesmo, de verdade, é ter
os seis sentidos afinados por um mesmo diapasão…
● MAIO
28
FM | Hoje
fiquei paquerando um polvo, grande, fresquinho, no caminho de volta me
arrependi de não tê-lo comprado, acho que amanhã voltarei lá para buscá-lo,
será o almoço do sábado, estás convidada… Tangerina é outro dos meus caprichos
diários, fico mal humorado se não houver tangerina…
LF | Muito
obrigada! Farei teletransporte no sábado. Adoro polvo, principalmente em sushi!
Meu perfume predileto tem como essência básica a tangerina.
FM | No
sushi eles são especiais, porém eu sei cozinhar um polvo com aquele trio de
pimentões coloridos (amarelo, laranja e vermelho) e muita cebola, uau, capaz
que eu sonhe com ele esta noite (risos)… Minha filha que mora na Austrália é a
minha grande companheira de comer de tudo (como dizemos aqui, encaramos até
sopa de pedra), quando estamos juntos é sempre uma festa gastronômica…
LF | Ah!
Assim também não vou dormir! Rs. Por causa da compota de caju com queijo, fiz
meu filho João comprar goiabada e queijo branco. Qualquer dia eu te conto
quando pedi isso mesmo de sobremesa para Micheline, a mulher de Vincent
Bounoure, quando o casal nos convidou para jantar em sua casa… Eles não tinham
goiaba, mas fomos de fraises même! Quais
as frutas que há na Austrália?
FM | Há
poucas coisas na vida, em termos de alimentos, de que não gosto, quase todas eu
diria que detesto mesmo, a começar por frutas cristalizadas, vinho do Porto e
mascar coentros (aqui em casa eles são triturados em um processador)… Recordo
que quando conheci o Sergio Lima ele me serviu chá com um bolo de frutas
cristalizadas, um horror!
LF | E
tinha vinho do Porto? Foi a primeira bebida que me ofereceu quando fui pela
primeira vez em sua casa. Ele adora vinho do Porto.
FM | Devia
ter, sim, mas o clima já estava armado com o bolo. Era suficiente.
LF | Fico
imaginando vocês dois tomando chá com bolo cristalizado. Que estranho…
FM | A
Austrália é um país ocidental perdido na Oceania. Sergio sempre me pareceu
alguém com uma imensa e invisível trava…
LF | Eu
tenho muita vontade de conhecer a Nova Zelândia. Trava… Sim, trava. É imensa e triste,
mas visível. Ele sempre manteve um véu em nosso relacionamento, uma formalidade
que me assustava.
FM | Framboesas,
groselhas, tâmaras, nêsperas, morangos, pêssegos… Tens razão, é muito visível,
pesada, uma tranca espiritual… É uma coisa muito estranha, que inclusive
compromete a aceitação dele perante os outros, como se não transmitisse
sinceridade… Peras e cerejas são uma delícia, as bananas são maiores e possuem
um sabor diferente (assim como as cenouras e os milhos)…
LF | No
começo fascinava, mas eu fui crescendo e ele não gostou muito do monstrinho que
estava criando. Ele me tomou pela mão e abriu muitos caminhos através do
surrealismo. Mas não podia discordar dele. E fui dizendo e mostrando que com a
mesma espada de samurai que ele me dera para abrir os segredos insondáveis, se
ele não me deixasse livre para ser livre, a espada acabaria por cortá-lo. Eu
era assim.
FM | Damascos
e mangas são comuns em algumas regiões, os abacaxis são meio desgostosos.
LF | Nossa
conversa está deliciosamente engraçada!
FM | É
como eu te disse há poucas semanas, ele precisa de seguidores e não de amigos… Sim,
estou adorando mesclar tudo isto, aliás, eu sou toda uma mescla… Uma vez peguei
um barco e fui almoçar com a minha filha em um restaurante em uma ilha (antigo
forte naval hoje convertido em museu de armas e restaurante), ali eu comi o
melhor canguru da minha vida… Sidney (arrisco dizer) é a cidade mais
cosmopolita que há no mundo. Cada vez fico mais íntimo de lá, como uma segunda
cidade.
LF | É
verdade. Isso me transformou em rebelde, freak
etc. Como nosso relacionamento foi ficando difícil conforme a convivência se evidenciava!
FM | Sim,
quando saímos da sala para a cozinha, muitos relacionamentos, não apenas os
amorosos morrem aí, nesse rito de passagem, quando se sai do palco para o
bastidor…
LF | E
esse comportamento dogmático, asséptico, intolerante, se refletiu na
organização da Exposição Surrealista de 1967.
FM | O Sergio
supostamente se dava com dois surrealistas que de algum modo se pareciam muito
com ele e os três viviam como que à sombra do Breton. Refiro-me ao português
Cesariny e (embora menos) ao argentino Pellegrini. Agora, em relação ao tema, minha
preocupação não é com o modo como ele receberá este diálogo, e sim que aos
leitores não pareça um comportamento desonesto da minha ou da tua parte. Cada
um que cuide do grau de sua suscetibilidade, eu não posso fazer nada a este
respeito. Acho que temos uma atividade pública e que deve suportar as críticas.
LF | Essa
é uma preocupação minha também. Minha memória afetiva traz lembranças que
talvez ele nem possa encarar.
FM | Uma
vez eu estive em um jantar com o Raul Fiker e amigos comuns, gente da UNESP,
cheguei a ficar constrangido com a nenhuma consideração que eles tinham pelo Sergio.
LF | Sim,
eu mesma creio ter sido banida do mundo surrealista quase que por vendetta. Isso sempre acontece, porque
ele não se entrega. Sofre ambiguamente. Por um lado porque sente que dá muito
de si e não é reconhecido, por outro não favorece um espaço de relacionamento
confortável. Ele é extremamente formal.
FM | E
sempre foi absolutamente ingênuo em relação ao Brasil. Como diria o Tom Jobim,
isto aqui é um país para profissionais (risos).
LF | Hoje,
creio, com a nova esposa mantém um novo círculo de amizades e reconhecimentos
no exterior.
FM | Olha,
até onde sei, há variações, algumas perigosas, como a relação dele com o
português Miguel de Carvalho. Anne LeBrum já confessou sua completa desilusão
em relação a ele. Sua relação é mais com um surrealismo periférico, como em
Canárias ou esse duvidoso em Portugal.
LF | Referente
à Annie LeBrun, a história, creio, é em relação a Charles Fourier… Longa
historia. Conto em outra ocasião.
FM | O
mais importante é que há uma dupla ressalva em relação ao Sergio Lima, que eu
sempre trato de aclarar: sua importância como um introdutor (mais do que
propriamente como difusor) e o dilema causado pelo excesso de ortodoxia. É
praticamente idêntico ao que houve em Portugal em relação ao Cesariny. Os dois
parecem siameses…
LF | Sabe,
Floriano, uma das piores e devastadoras críticas que ele recebeu por parte do
grupo surrealista francês, foi quando da publicação do livro O corpo significa, que foi tido como um
catálogo bibliográfico.
FM | O
livro é mesmo indigesto, mas é reflexo do autor, de sua imensa dificuldade de
articular um pensamento.
LF | Foi
uma lástima… Sim, vamos parar, mas é tanta coisa que a memória me traz que às
vezes me perco. Você conseguiu ler Uma
aventura surrealista?
FM | Eu
sou tão autodidata quanto ele, porém sempre tive cuidados com a gramática, a
língua, o exercício da reflexão, a oratória etc. Fiz mais do que ler: revisei
os dois primeiros volumes…
LF | O Sergio
se utiliza do galicismo como ferramenta de trabalho e convicção.
FM | Fechaste
a conversa com chave de ouro, querida. Vamos lá, me preocupa a tua saúde, vai
descansar…
LF | Boa
noite e obrigada pela compota de caju com queijo. Uma iguaria!
● MAIO
29
FM | Leila,
eu ando pensando no que te sugeri e não foi uma sugestão esgalhada. Acabo de te
enviar um primeiro poema já escrito em nome dessa ideia de um breviário de
taras ou manias. Não é tão simples, porque não se trata de uma melancolia
científica, não se trata de um cartório de parafilias. O universo das taras e
manias é cientificamente limitado. A rigor, há malucos de toda espécie. Ando
pensando em estranhezas comportamentais, perfis não catalogados etc. Vamos ver.
Quero tua opinião.
LF | O
poema é tão lindo! Jamais alguém escreveu algo tão intenso, sensível e
misterioso! Poemas livram a alma de sua pele e deslumbram cada centelha que nos
une como humanos. Emocionada é pouco para balbuciar a comoção que teu poema
criou dentro de mim. Estou sensibilizada, atordoada, sem saber como responder.
Parece que me esqueci das palavras, dos seus significados, dos seus luxos
asiáticos e pés macios. Já não sei aonde buscar as evocações, as arquiteturas
do sonho fértil cunhado em moedas eloquentes. Como responder à letra viva? Como
apalpar a complexidade dos símbolos sem decifrar enigmas? Onde está a chave
certa do orador? Já não me lembro como desnudar as pregas, vir à luz e sair dos
lábios. Reabrir os segredos do oráculo e apalpar a face do resplendor. Abrir as
cartas e professar uma soada de calas.
● MAIO
30
FM | A
ideia está mantida, com uma variação no título: O livro proscrito das taras (crês que é melhor do que apócrifo?). Pensei que um capítulo
inicial seria conjunto: poemas meus conjugados a desenhos teus. Uma série de 12
poemas e 12 desenhos. Depois pensamos em outros capítulos. Um capítulo só teu.
Outro só meu. Outro de interferências plásticas (um no trabalho do outro), e
quem sabe mais um de poemas escritos a quatro mãos. É uma ideia maluca que me
veio agora à cabeça. Não sei o que pensas e nem quero impor nada, apenas
sugerir um caminho.
● JUNHO 06
LF | Bom
dia, Floriano! Hoje eu me sinto melhor. Trago-te boas novas! Após dias tentando
encontrar umas pastas com as minhas antigas anotações sobre a exposição
surrealista de 1967… Eis que as encontro! Talvez não estejam completas. Mas o
material – que é velhíssimo – e foi feito, em sua maioria, em papel de seda,
traz minhas anotações e, portanto, uma boa parte da minha memória afetiva sobre
aquele evento. Esse fato me trouxe um grande alívio porque de memória talvez eu
esquecesse alguns detalhes importantes. Eles estão aqui, bem como duas ou três
plantas alucinantes da montagem da exposição. Mais um pouquinho de paciência e
logo te passarei essas lembranças. Há uns dois ou três desenhos que fiz da mão
com as localizações das diversas salas. E também há, mas não sei aonde, o
desenho que levei para Paris para apresentar ao grupo de então – em 1966. Tudo
isso era para ser mostrado ao Breton… que falecera alguns dias antes de lá
chegarmos, creio que dois ou três.
● JUNHO 02
LF | Bom
dia, meu amigo! Imagino que você tenha asas nos pés… Mas não provoca
avalanches. Também já fui assim. Concordo com você quanto a por ordem e tratar
das prioridades. A memória afetiva, às vezes nos engana. Lembranças se misturam
com imaginações e acabam formando um só corpo. Muitas vezes exagerando cá e lá
ou mimetizando o que de fato aconteceu. Fico temerosa em confundir lembranças
com emoções e acho tudo isso um grande desafio. Vou fazer o melhor que puder,
mas creia-me, não será um texto apaixonado! Por mais que eu queira dar asas às
lembranças, estas empalideceram com o tempo. É por isso que amo poetar. Solto
todas as amarras de pensamentos e eles, livres, criam e recriam. Fico em estado
de graça. Mas tudo bem, farei o melhor possível. Com este material concreto que
achei, será mais fácil, mesmo assim, vejo como é cheio de entrelinhas – literalmente
– o livro secreto de minhas memórias. Que nunca dantes fora aberto.
FM | Eu
ando com um gosto especial de polvo na boca. O mercado fica a cinco minutos
daqui, de carro. Agora o trânsito está pior porque estão com mania de cavar
túneis na cidade. Eu moro em uma região tranquila, um bairro bem arborizado,
daquele tipo dentro/fora da cidade. É
uma região protegida, tem um imenso parque ecológico, um bosque, um rio, uma
avenida rasgando tudo em duas metades, uma metade é mais comercial, na outra,
apenas casas. É nesta metade que eu moro.
LF | Achou
o polvo? Hum?! Comprou? Como que vocês vão prepará-lo… Agora quem ficou com
vontade fui eu. Estava pensando cá com meus mexilhões: o polvo pertence à
categoria das Taras Proscritas, sem dúvida.
FM | Não
resta dúvida de que na quinta-feira eu encarnarei um polvo na forma de um dos
poemas… Polvo é o próprio Lautréamont…
LF | Preparar-me-ei
para encontrar o polvo ou Lautréamont. Já tive um encontro com ele. Aliás,
mandamos a foto para o Breton, em 1966.
FM | Estou
quase concluindo a recuperação de minhas colagens. Sabe que me deu saudade,
porque desde 2005 que não uso mais as tesouras. Mas não evocarei Lautréamont no
poema, ele é muito espaçoso (risos)…
LF | Tenho
medo de tesouras.
FM | Eu
as deixei de usar (tesouras, lupas, colas) porque fiquei fascinado com a
técnica de sobreposição que a fotografia digital permite.
LF | Também
acho essa técnica espetacular. Mas não tenho todos os recursos digitais para
realizá-la.
FM | Eu
uso os laços poligonais do Photoshop e uma boa tabela de filtros. E trabalho
apenas com fotos minhas, tenho um acervo imenso da matéria-prima. Socorro
sempre me diz admirar-se como eu me disciplino e me organizo. Tive que comprar
um PC de última geração para poder fazer o Photoshop funcionar com essas fotos
imensas. Já trabalhei com fotos em PVC com 2 metros… Há mais de 20 anos que
moro na mesma casa, porém antes nós vivíamos nos mudando, inclusive de cidade.
Tudo isto bagunça a vida de qualquer um.
LF | Preciso
dos braços de um polvo para me ajudar. Verdade, eu vivi mais de dez anos numa
casa enorme e sempre tive muitos livros, fotos, laboratório fotográfico, papéis
até não ter mais onde guardar. Agora moro num apto pequeno e tive que me
desfazer de muita coisa.
● JUNHO 05
FM | Olhe,
eu tenho pensado neste primeiro momento, uma série de 10 ou 12 poemas que
seriam os meus, acompanhados por desenhos teus. Mas este seria um capítulo do
livro, Logo podemos ver outro capítulo de nossas colagens intercaladas. Também
penso em um terceiro capítulo com poemas teus e fotografias minhas. Um quarto
capítulo poderia ser quem sabe um extenso poema a quatro mãos. […] Não terminei
a revista. Aguardo ainda chegar um material da Galiza. Amanhã eu me dedicarei
ao nosso livro. No domingo, se a Socorro não me matar (por abandono), eu faço a
revista.
LF | Tadinha
dela faz isso não… Minha filha disse que vocês são um casal muito, muito legal.
FM | Ainda
somos. Já passamos por poucas e boas (porque não é fácil ser casada comigo),
mas já estamos com 37 anos de boa festança.
FM | Nós
somos bem humorados, o que já é uma vitória nessa vida.
● JUNHO 06
FM | A
realidade há muito não me incomoda. Gosto de escrever sozinho, mas este estar
sozinho pode ser em ambiente público, gente ao lado conversando, eu mesmo aqui
conversando contigo. Nada no mundo me tira de mim mesmo…
LF | Por
isso que você tem essa produção inacreditável. É dom, talento, fluxo de
neutrinos vindos do universo. Ah! quanto tempo perdi!
FM | Sim,
querida, completamente aberto, um casarão com mil portas e janelas… Tem vezes que
eu mesmo me espanto. Durante muito tempo em minha vida eu não compreendia isto.
Hoje que me alimentei de técnicas, informações, vivências, deixo fluir toda a
volúpia intensa do ser… Um primeiro verso logo se corrige (sempre acho que meio
mundo entendeu errado o princípio da escritura automática).
LF | Que
homem feliz você é! As mulheres não podem ser assim! A não ser que se esqueçam
dos filhos que pariu.
FM | Mas
os meus filhos já estão bem criados… Agora lhes toca me criar. O poema
continua: Os corpos se abrem modelando em
seu íntimo a memória cortante do desejo. A casa não se atreve a duvidar dos
novos sítios onde se escondem algumas sombras e vísceras. E adoro
dicionários, me cerco deles, como uma revoada de mistérios.
LF | Temos
algo mais em comum: eu sou apaixonada por dicionários desde menina. Lia
dicionários como quem lia Monteiro Lobato. Tenho dezenas de toda espécie.
FM | Que
bonito! Sabe que nunca entendi poeta que não se apega a dicionários… Não
dominam o idioma, não sabem escrever, não se livram do metrônomo, mal se
expressam. Na infância eu era apaixonado pela Delta Larrousse, pelas várias
enciclopédias, eram meu passaporte, minha viagem pelo mundo inteiro. Depois
pousou em minhas mãos um livro mágico, o Ramo
Dourado, do James Frazer. Logo em seguida fui eletrocutado pelos 120 dias de Sodoma, em uma edição
portuguesa, proibida, que consegui trocar por meia dúzia de discos.
LF | Eu
também. Tínhamos todos. Comecei aos cinco anos com a coleção completa de Jules
Verne, depois Tarzan completo, daí O
tesouro da Juventude, depois Machado, Eça, Koestler, Fernando Pessoa e tudo
o que pode haver no meio.
FM | Queres
ler o que escrevi até aqui? Foram 10 poemas. Penso que deveria escrever mais dois,
e depois te entregar em mãos para teu diálogo, desenhos ou colagens, como
queiras. Pensei em diversas formas de taras, mas sem incorrer em seus lugares
comuns. Algumas são taras ligadas a certo desconhecimento de si. Outras são
criminais. Umas também de… melhor que leias…
LF | Como
vivi a maior parte de minha vida escrevendo sem expor meus escritos, perdi na
dimensão de infinito que podem ter. Na verdade, a quantidade de textos, poemas
e etc. que tenho é absurda. Teria que encontrar alguém para me ajudar. […] Meu
Deus, Floriano! Como ficaram lindos! Muito lindos mesmo. Nem sei como te
agradecer. Deve ser a tua mente de versos e formas esplêndidas que dá o tom
certo nos teus dedos ágeis. Você e Keith Jarrett nasceram sob o dom das musas.
As musas mitológicas que contemplam raros homens. Os poemas ganharam brilho.
Olhares aqui e ali encontraram a respiração em sua frequência mágica. Essa
fonte inesgotável que você tem e que tanto fascina. Dá vontade de te mandar
todos os meus poemas e dizer: faça a criatura, senhor criador. Leila. Um grande
beijo. Obrigada.
FM | Pode
mandar. Eu e o Keith estamos à espera…
LF | É
muita coisa! Posso mandar todos via correio. Dá uma mudança. Muitos são
manuscritos e às vezes nem eu entendo minhas garatujas. Mas hoje, separando
papéis de papéis, poemas em quatro páginas e só encontrando a partir da segunda,
bem que pensei como seria bom ter você por perto. Depois me lembrei que você
está pertinho. É só eu me disciplinar. Mas saiba, vou dizer pela terceira vez,
se eu me for, não haverá ninguém que queira ficar com meus poemas e fotos. Não
deixe ninguém jogar nada fora. Se você quiser.
FM | Vou
dizer pela enésima vez o quanto me honras e naturalmente aceito o carinho do
espólio, embora torça pela nossa imortalidade. De todo modo, reitero: desde já
estou aqui. Estamos de acordo em tudo, mas tens que me prometer uma coisa:
evites morrer. Ainda temos muita coisa juntos para fazer.
LF | Ah!
As mulheres de minha família são uma praga. A bisa morreu aos 104, minha avó
91, a outra 94, minha tia está lúcida e trabalhando aos 94. Minha mãe idem, aos
91… as tias continuam suas jornadas. Eu estou fazendo 71, dia 21… e assim vão
estas mulheres. Vou me cuidar mais, isso sim. Porque me dou demais à família.
Não posso ver alguém dodói que já me meto a cuidar. Chega!
FM | Dentro
de 24 dias eu faço 58 anos. Mas no fundo não devo ter mais do que 13 anos.
● JUNHO 09
LF | Como
eu estava sem sono, comecei a ler as maravilhas publicadas no teu grupo Abraxas. Infinitas leituras varando a
noite. Há anos não me dava o direito a essa prática que me era habitual. Então
o corpo estranha e as sequências dos hábitos, também. Ainda me espanto em saber
que posso escrever com a alma liberta do corpo.
FM | Que
bonito o que me contas, da criação. De seu impulso original. A taquicardia da
criação é de outra natureza, não creio que mate. Eu não a tenho em isolado,
porque comigo acontece uma queimação proporcional dos seis sentidos. Hoje
acordei com um verso e por ele vou tomar uma trilha: "Não sei em quantos
me desfaço para ser quem sou."
LF | Siga
o caminho de quantos és, disfarçando as pegadas, apagando as sombras da manhã e
solte o espaço que teu corpo aprisiona. É uma sensação alucinante.
FM | O
poema aceita toda a liberdade do mundo, porém sucumbe ante o mínimo esgar de
ansiedade. Vou parir. Não te esqueças nunca de que nossa maquininha orgânica
necessita uns três litros d'água sendo repostos diariamente. Este hábito
sozinho é garantia de umas duas ou três eternidades.
LF | Gostei
da garantia de três eternidades. Já bebi dois copos de água. Beberei o terceiro
brindando nossa maquininha orgânica. Depois, dormirei. Até breve.
FM | O
poema segue: Não sei em quantas me
desfaço para ser quem sou. Convenço-me toda ao anonimato para que um dia quem
sabe se revele esse bosque ungido pelo sangue das formas imprecisas.
LF | Tentarei
um poema de alma masculina. Eu sendo um homem. Às vezes começo assim, mas
percebo que volto para o universo feminino. Já consegui tratar-me como ser
feminino e ser masculino. Vou tentar o masculino. Deve ser estranho!
FM | É
estranho, sim, mas é o ponto, aquele ponto em que nos desfazemos de nós mesmos,
o ponto que equivale a mais mergulhamos em nós. Eu sou homem e mulher, no
singular e no plural, a todo instante.
LF | Eu
também sou. Exercitei-me pouco no sentido anímico essencial. Agora preciso
separar-me de mim mesma e dar espaço a um lado desconhecido. Totalmente. Não
sei se foi porque a presença do masculino em minha vida, segundo Wesley Duke
Lee, não deu-me o devido trato. Isto ele só me disse muitos anos após nos
conhecermos. Doeu tanto, mas tanto, que a ferida não cicatrizou até hoje.
FM | Mas
ele, de algum modo, tem razão, uma razão que serve para todos nós, não te
sintas um patinho feio, eu diria: bem vinda à terra santa.
LF | Terra
santa? O que é isso? Confraria? Os homens também se sentem assim? Ou só as
mulheres? Você já ouviu algo semelhante?
FM | Eu
nunca pensei em mim como homem, Leila. Desde a adolescência fugia das rodas de
gênero. Fugia primeiro das rodas de homens, os meninos. Eu me refugiava na roda
das meninas. Mas elas são tontas também.
LF | Eu,
ao contrário, queria ser menino. Detestava laços e rendas. Nunca terminei um
bordado na escola de freiras, trocava meus lanches para outras meninas bordarem
para mim. Usava faquinha na cintura e calça jeans que meu pai comprava nos States. Gostava de aventuras e minha
roda de amigos era masculina. De repente, tudo mudou! E me vi menina, moça,
mulher, linda, orgulhosa dos meus atributos. Mesmo continuando a achar o papo
das meninas muito chato. Acho que é assim mesmo! Nunca experimentei outra forma
de relacionamento para saber até onde poderia ir com outra mulher. Pode ter
faltado. Não sei.
FM | Mas
é porque se trata de uma barbárie isso de criar atributos inconciliáveis entre
os gêneros, quando na verdade são um complemento… Eu já experimentei ir para a
cama com outro homem, mas este não é o ponto. A diversidade não é uma questão
de gênero, é outro mergulho no que temos de mais singular em cada um de nós,
poder conjugar essas distinções.
LF | Que
maravilha! Acho que você sim conseguiu ultrapassar as barreiras do
irreconciliável. Por isso sabe pinçar as almas e uni-las tão maciamente. Te
invejo!
FM | Terminei
a minha série de nosso livro das taras, 14 poemas, queria tanto no último
explicar o que me moveu ao tema, acho que o resultado foi bom, eu vou te enviar
agora, mas lê depois, fica aqui mais um pouco, conversando.
LF | A
inveja é um desejo que quase chega lá. Fica no limiar. Quase voyeur. E isso
pode enlouquecer uma pessoa.
● JUNHO 10
LF | Bom dia, Floriano! Ainda não consegui resolver o problema de meu
celular. Então às vezes vou utilizar esta linha ao invés do PC ou do tablet
para me comunicar contigo.
FM | Tudo bem, querida. Ontem avancei ainda mais no projeto de nosso livro.
Mais tarde reviso e te envio um novo arquivo, com 14 poemas.
LF | Quantas taras faremos? Estou indo com os textos, mas avancei muito com
os desenhos.
FM | Eu escrevi 14 taras, acho que é o suficiente, para este primeiro
capítulo, onde quero os teus desenhos. Hoje te mando tudo, já revisado.
LF | Barbaridade! 14 desenhos? Estou perdida! Isso ė uma exposição! Terei que
fugir de casa, caso contrário a família não me deixa trabalhar em paz… Me
acuda!
FM | Este é só o primeiro capítulo do livro. A minha ideia é que as coisas se
invertam no segundo capítulo: 14 poemas teus acompanhados por 14 colagens
minhas, que tal?
LF | Está bem… Vou passar na psiquiatra!
FM | Eu tenho aqui uma que cuida de mim há 2 anos…
● JUNHO 11
FM | Tens sido um amor, querida, toda a divulgação que vens fazendo, que
maravilha, obrigado, de coração. Ontem estive lá no local do lançamento, tão
bonito, é um quintal, na expressão mais acolhedora do termo. Não poderia haver
melhor sítio para celebrar meu retorno a Fortaleza (desde 1998 não lanço livro
aqui).
LF | Parabéns querido amigo. Você me faz sentir orgulhosa em ser brasileira.
Admiro – te imensamente. Pela verdadeira inspiração poética. Fôlego,
perseverança e crença de que é possível ser poeta. Teus trabalhos de arte vêm
da inesgotável fonte para qual abriste tua imaginação. Te admiro e respeito com
o um grande artista, escritor e poeta. E como diz minha filha: Mãe, ele é tão simples e boa gente como
ninguém. Obrigada por ser tua amiga. Grande beijo, tua grande amiga.
FM | Que bonito o que te diz a Camila. Sempre achei uma bobagem tão grande a
máscara do intelectual ou do artista. Bando de atores frustrados. A
representação sempre teve outro sentido para mim. Obrigado uma vez mais por teu
carinho. Não lamento que não nos tenhamos conhecido antes, pela simples razão
de que passado e futuro não seriam nada sem o presente. Aqui estamos nós. E
valemos pelo nosso presente, também no sentido de dádiva cósmica. Um beijo.
LF | Estou no caminho! Decidindo apenas quais desenhos, colagens ou fotos, te
mando. As taras só as minhas prediletas, pois adoro escrevê-las quando o santo
baixa! Beijos.
FM | Recordo que teus poemas não necessitam ser escritos para este livro,
pensando em teu baú sem fundo de poemas guardados. Creio que também os desejos
e colagens e fotos. O primeiro capítulo são estes meus poemas acompanhados de desenhos teus.
O segundo capítulo são os teus poemas acompanhados de uma série de colagens
minhas.
LF | Muito bom. Mais fácil e … quantos poemas e quantos desenhos?
FM | Vamos fazer tudo igual, 14 de tudo, 14 poemas meus, 14 poemas teus, 14
colagens minhas, 14 desenhos teus…
LF | Este camaLeon é maravilhoso. Agora vou buscar os netos na escola. Paro
com tudo e só volto à noite. Abraxas.
FM | Camaleões são leões de cama?
LF | Você não perde uma. Hein! Claro que são… Como diz uma de minhas gêmeas:
botou na frente é gol. É camaleonArt. Certo?!
FM | Eu tenho uma ótima sobre futebol: o tipo comete penal e reclama que eu
faço gol… Este é meu final de semana de ser avô, sexta e sábado…
LF | É bem isso. Devem achar engraçada uma senhora senil teclando no msm na
porta do colégio.
● JUNHO 12
FM | Gostei muito dessa mescla de foto, colagem, nanquim, do que postaste por
último. Acho que essa combinação de gêneros é benéfica, mas somente quando
encontramos uma voz a partir da mistura. Acho que estás pertinho disto, a
imagem já me sugere um teatro. Estou lendo as entrevistas com o Ítalo Calvino,
ele falando o que pensa das narrativas, da forma que as definiam até a primeira
metade do século XX e as formas que elas assumiram a partir daí. É um livro tão
precioso.
LF | Chegarei lá. Creio. Precisava de uma ferramenta que em princípio agora
tenho. Doravante é ouvir a voz.
FM | Oba! A voz! Essa criança entranhada que temos dentro de nós, e que está
muito além de nossa concepção de tempo e espaço… Viva!!! Na infância, na casa
de meus pais, havia uma biblioteca com o que estimo dez mil títulos. Uma
desordem plena, os livros estavam ali dispersos de tal modo que encontrar algum
era uma aventura. Acho que isto me foi benéfico. Tanto quanto o fato de que os
livros não tinham mesmo nada (aparente) entre si, pois era a biblioteca de um homem
apaixonado pelo conhecimento, sem uma gota de preconceito, digamos, um
renascentista. Lembro um verso de Milton: "Longe de mim chamar-te ou culpa
ou mancha / ou crer-te impróprio do lugar mais puro". Em meio a todos
aqueles livros só haviam dois exemplares de poesia: o Paraíso perdido do Milton e o volume de sonetos do Shakespeare. Até
os 14 anos esta foi a única poesia que li.
LF | Você já nasceu poeta. Como Milton e Shakespeare. Poetas já nascem assim.
A sensibilidade nos atravessa como os neutrinos. Somos permeáveis às vozes das
esferas. Subimos e descemos nas escalas como uma criança trepa em árvores
goiabeiras. Não lembro um dia em minha vida que não tenha colhido um fruto da
imaginação. Desde pequenina. Acho que você é assim e mais um pouco. Um pouco de
algo que nunca tive ou me esqueci ou passei adiante com a maternidade. Estou
viva. E adoro subir em árvores. Percorrer de baixo para cima e de cima para
baixo os sons vocálicos cabalísticos. Amo viver! Floriano: gosto tanto quando
você fala dos teus tempos de menino! Você. Consigo ver cada imagem das palavras
e todas as reverberações ao redor.
● JUNHO 13
FM | Houve um tempo em que eu próprio estava fechado para essas lembranças.
Nos últimos anos muita coisa mudou em minha vida, em termos de perspectivas, de
ângulo de olhar. Vou ao mercado antes que a preguiça me paralise.
LF | Ah! Algo que quero te perguntar mas pode me responder depois, sei que
estás ocupado. É sobre a voz dos desenhos e das fotos.
FM | Hoje estou de avô, querida, a cabeça em um mundo de sonhos, ela está
aqui com uma amiguinha, a casa está uma bagunça, depois te conto. O tema é
lindo, me abre um pouco mais a janela para entrar claridade: "a voz dos
desenhos e das fotos", já estou curioso… Hoje eu comprei cavala, pargo,
siri patola e… a maravilha das maravilhas… três imensos polvos, uau! Vou passar
uma semana régia de frutos do mar…
LF | Ah! tentação das tentações. Mar das delícias! Mergulho nas ondas
insondáveis do mar. Perfumes, aromas sutis e escancarados. Sabores de lambuzar
a boca… Oh Netuno! Que tentação! Coma um pouquinho por mim. Muito agradecida,
senhor Floriano!
● JUNHO 15
FM | Tento voltar à normalidade. O fim de semana com a netinha foi daquelas
coisas inesquecíveis… Um beijo, querida. Agora podemos falar sobre as vozes
("a voz dos desenhos e das fotos"), como sugeriste.
LF | Bom dia amigo! O caranguejo está belíssimo. Para falar das vozes ou da
voz, preciso de tempo e agora estou de saída para a psicoterapia. Na volta, ou
a tarde, poderemos conversar com calma. Aqui está muito frio e chovendo.
Preciso tomar cuidado com essa geladeira do inverno. Beijo grande. Até.
Abraxas.
FM | Sim, toma cuidado com a tua recuperação de saúde. Não deixa de tomar
bastante líquido, incluindo chás quentinhos… No começo da tarde eu vou tomar
uma massagem, na volta conversamos. Minha filha, assim como tu, confundiram
meus siris patolas com caranguejos, que horror! (risos) Eram gigantescos…
LF | Ah! Que delícia de caranguejo. Vou comê-los todos. E a cor… cor de laca
japonesa. Uma iguaria sem fim!
FM | Sim, tens razão, sobre a laca japonesa, eles já vêm com sua própria
louçaria implícita.
LF | É e nos enganam dizendo que é carapaça.
FM | Minha querida, estou conseguindo tempo para organizar meus guardados
todos. Começo com os livros (arquivos originais) e as colagens, mas logo farei
o mesmo com as fotografias… Claro que para conseguir isto eu deixei na gaveta
por um ou dois meses o projeto de meu livro sobre vanguardas. Não importa.
Haverá tempo para tudo.
LF | Uma coisa de cada vez. Está ótimo assim. Chego à conclusão: não sei se
vale a pena fazer análise com minha idade. Não te preocupes comigo. De verdade.
É que às vezes toco em certas teclas doloridas. Mas isso acontece com todo
mundo. Fiz análise por mais de 30 anos. Parei e voltei a fazer há uns 3 ou 4
anos. Só que é muito cansativo e estou preferindo encarar meus trabalhos e
viabilizá-los. Como venho fazendo, você me incentiva muito e isso faz a
diferença. Tento explicar ao meu analista lacaniano que já estaria mais do que
na hora de parar. E ele insiste. Insiste. Até eu me aborrecer. A análise tem
tomado muito tempo de minha vida e prefiro fazer outras coisas mais
interessantes, como ser canal para meus poemas, fotos e desenhos. Ótimo!
Consegui objetivar a subjetividade. É isso. O que me levou à análise foi a vida
que tive. Algumas situações escolhidas, outras, consequência das escolhas e
outras imponderáveis.
FM | Quando alguém acha que está na hora de parar a análise e o analista
insiste no contrário, é sinal de que a análise já deveria ter parado há tempo.
Jamais consegui entender por que um criador necessitaria fazer análise ou se
viciaria em alguma droga, afinal a criação é um excepcional canal de expansão
do ser e de mergulho profundo nos enigmas da alteridade. Certamente a vida
cotidiana possui umas engrenagens complexas que podem nos travar o espírito.
Mas ao mesmo tempo é tão bom identificar os obstáculos e atropelá-los ou
circundá-los ou confundi-los ou iludi-los etc. Eu fiz análise por três meses.
Eu estava muito mal com a minha síndrome de pânico, não controlava as crises,
acabei me deixando convencer e fui a um. Um dia, ao me despedir dele, parei à
porta e virei o corpo, ele então se antecipou e me disse: "Já sei que não
voltarás. Boa sorte". E nunca mais.
LF | Floriano você é um homem resolvido, culto e que sobreviveu a perdas
extremas muito jovem ainda. Provavelmente teve que assumir imensas
responsabilidades e o fez. Quando se trabalha em propaganda, como eu trabalhei,
o ego se torna insuportável. É um mundo onde todos têm ganas de competir. Quem
não faz o jogo, mais cedo ou mais tarde vê-se obrigado a se retirar. No caso de
ser mulher e ter começado a trabalhar em 1969 para criar as meninas e de ter
sido extremamente talentosa, não pactuava com os egos que me circundavam. Isso
durou muito tempo. Na verdade quem tinha vocação para o trabalho era eu. Eu que
sustentava a tudo e a todos. Até não aguentar mais. Hoje, não posso ouvir falar
em propaganda, nem em publicitários. Desci do trem andando. Venho de três
casamentos que não deram certo e todos os percalços de uma jovem mulher que
preferiu ser independente a subjugada. Traumas, dores, desilusões, e um
sentimento de frustração que me acomete de vez em quando. Quando percebo que eu
mesma criei situações para isso… Poderia ser mais genérica e menos específica
em meus comentários. Porém eles são as bases das minhas desilusões. Não me
abato, contudo, e continuo sendo o fiel da balança e o porto seguro para a
minha família. Já fui financeiramente. Hoje não mais. Todavia nada me falta. E
de vez em quando tenho um ataque de catabasis. Volto à tona revigorada. Mais
forte. Qual psicanalista lacaniano não daria a mão para analisar uma poeta
surrealista? Vide a história do Lacan. Hoje disse a ele que eu me dava alta
porque tinha muito o que fazer para perder tempo com miudezas.
FM | Ótimo, duplamente. Pela força de percurso, que bonita estrada estiveste
a construir, sobretudo considerando os percalços todos. E ótimo pelo "já
me bastei". Além da afinidade em relação à criação, querida, eu também te
quero um bem danado.
LF | Sei disso querido amigo. Também te quero um bem danado e principalmente,
não te preocupes comigo. Eu sou tua amiga para sempre e isso me traz uma grande
alegria na velhice. É a certeza de que a amizade é uma dádiva entre os seres
humanos. Uma das poucas que vale a pena.
FM | Então não me preocupo mais. É que sempre achei que um bom vinho
compartilhado vale mais do que mil sessões de análise.
LF | É por isso que me permito soltar a alma poética e compartilhar contigo
as mais belas imagens que posso criar.
● JUNHO 22
FM | Hoje nos desencontramos. Mas já temos em pauta o fundamental: tua série
de poemas (estou me coçando de desejo de fazer a série de colagens para eles),
a sequência da entrevista e, se puderes, tua opinião sobre aquele projeto que
te enviei. Agora eu vou para a cozinha preparar uns congelados. Beijo grande.
● JUNHO 25
LF | Já voltou? Então passei o dia mal humorada! Agora é que estou acertando
o pêndulo do relógio. Aproveitei para reler as respostas às tuas perguntas. Há
gralhas que preciso corrigir. Fora isso, quero saber de ti o que estás a achar
do texto. É esse o tom? Perdi aquele fio de prata que me guiou de início. Agora
são outros alinhavos. Contudo não quero perder nem o fio, nem a linha.
FM | Vim rapidamente trocar de roupa e vou à casa de meu filho, está
chovendo, algo absolutamente atípico. Bom, eu acho que o ritmo e o tom da
entrevista estão muito bem. Não te preocupes muito com as gralhas, para não
estancar a fluidez, vemos isto ao final. O fio de prata permanece.
LF | Que bom! Obrigada amigo Floriano! Continuemos, pois. Chega de parto
assistido!
● JUNHO 26
FM | Estou completamente disperso hoje, não consigo sequer contar até cinco.
Certamente reflexo desta semana maluca. Não importa, amanhã tomo um banho de
piscina e passa.
LF | Aqui está um frio de estepe russa. Meu neto está pulando em cima de mim
e diz que eu não consigo me defender…
FM | Adoro essa gurizada nos fazendo de pula-pula…
LF | Eu também, mas convenhamos, já estou crescida demais.
● JUNHO 28
FM | A
maior importância dessa entrevista é ter criado um ambiente natural,
espontâneo, para refletir sobre os temas ali referidos. Essa cadeia múltipla de
fontes, dentre outras coisas, tratou de aguçar a minha percepção, e graças a
ela pude estabelecer conexões entre os inúmeros códigos que definem a nossa
vida sem deixar-me deter por preconceitos de espécie alguma. Logo na primeira
adolescência perdi completo interesse pela escola justamente por isto, por se
tratar de um mundo onde a fluidez da percepção é estancada de forma violenta.
LF | Sim.
Esse teu raciocínio é muito apropriado… mas algo escapa do teu controle e temos
então o que mais admiro em teu trabalho. Um prazer enorme que passa em canal
direto com o leitor, por um caminho raramente 0ercorrido na linguagem eu diria
linguagem em transe.
FM | Já
do ponto de vista de uma poética, sua estrutura se define igualmente por uma
soma de recursos, todos eles ao dispor da conjugação de um encanto. Como os
instrumentos que atuam juntos em uma peça sinfônica, por exemplo.
LF | Sim.
Com a capacidade de que cada instrumento pode ser ouvido isoladamente e transcende
seu sentido quando conjugado, orquestrado.
FM | Claro,
tudo o que falo se completa justamente neste momento mágico em que "algo
me escapa ao controle". O leitor, o ouvinte, saberá identificar essa zona
comum em sua relação com o texto.
LF | É
disso que estou falando. A transcendência. Na fotografia ela se dá pelo noema fotográfico. Barthes trata disso
em A Câmara Clara. Em poesia não sei
que nome dar… Ou se existe essa verdade inerente ao instante da palavra na
frase.
FM | As
centelhas do salmo, da ode, da máxima, do dístico, dos tercetos, as cenas, os
personagens, o ritmo da fala, o sentido crítico do discurso…
FM | Acho
que em um poema também podemos usar noema,
pois é este mesmo o recurso, a intenção, mais claramente a de deslocamento do
ambiente em que atua comumente uma palavra, um conceito, um verbo.
É
um dos truques mais prazerosos da minha criação…
LF | Está
bem. Vou adotar noema ao instante
único que uma palavra adquire naquele texto em particular. Noema – o instante em que a palavra se apresenta em seu estado mais
revelador!
FM | Adotemos.
Evidente que a mágica está nesse encontro entre o intencional e o inesperado. Quando
eu falo em truque é porque já me identifico muito com esse recurso. Veja no
livro A vida inesperada que há um
capítulo chamado Teatro impossível,
onde os personagens são objetos inanimados, seja um vestido, uma máscara, o
próprio cenário etc. O objeto torna-se o próprio pensamento.
LF | Mas
lamento as intelectualidades dos críticos de arte e literatura. Creio que se
agarram como náufragos nas boias das referências aparentemente seguras dos
pensamentos já consagrados. É difícil expressar a originalidade criativa…
porque ela foge do controle.
FM | Sim,
hoje mesmo eu fiz um comentário sobre paródia aqui no FB e alguém já me acenou
com Foucault, ora, quando converso com alguém quero ouvir seu próprio argumento
e não "as boias das referências consagradas".
LF | Para
mim este é o encanto, a distinção, a magia. O fator que bane a mediocridade de
um texto e o ceticismo sobre uma confissão de leitor.
FM | No
entanto se dão muito bem críticos e a horda desses poetas previsíveis que
circulam por toda parte. […] Ele não determina ou direciona ou força uma
cumplicidade, ele (ao contrário) abre perspectivas para que a cumplicidade se dê
de acordo com a percepção do leitor, ao seu modo. Ele está ali (o poema) com
todos os seus recortes convidativos, suas evocações mágicas, aberto ao leitor
que venha espreitá-lo e juntos revelar um outro momento, um renascimento da
criação. Ele não limite a consciência do leitor, ele simplesmente a expande.
LF | A
cumplicidade é sensual. Erótica. Incontrolável. Atemporal. Por que é tão
difícil compreender o que passa em corrente
alternada, como diria Octavio Paz.
FM | Por
isto João Cabral jamais me despertou uma gota de interesse. Boa lembrança deste
belíssimo livro do Paz (curiosamente muito melhor ensaísta do que poeta). João
Cabral é a antítese do sensual, do erótico, do incontrolável, do atemporal. Ou
seja, a própria antítese da criação.
LF | João
Cabral despertou outros interesses para um público quase de embaixada… Não quero
ser injusta. Mas onde está aquela onda, o turbilhão, o arrebatamento, o
mistério, o nunca revelado, apenas enunciado…?
FM | Quando
mais se aproximou disto, foi quando esteve com os espanhóis integrantes do
grupo Dal al set. E não foi por uma questão de domínio de linguagem que perdeu
essa conexão mágica, mas sim porque se ausentou de si mesmo. O que não foi o
caso de um amigo do grupo, o magnífico poeta Juan-Eduardo Cirlot, que mergulho
no chamado domínio de uma linguagem, porém sem perder precisamente essa joia
que é a noema.
LF | Do
enunciado que eu e você, para falarmos dos protagonistas deste diálogo,
exibimos sem pudor… Porque aqui ele não cabe. Vale dizer que um dos grandes
méritos do Surrealismo está justamente aí. Você me entende? No despudor de
Magritte e Duchamp. Ou em Benjamim Péret. Ou Jean Benoit…
FM | Os
nomes que referes são excelentes lembranças, eu apenas diria Magritte mais do
que Duchamp, na mesma proporção em que diria Péret mais do que Benoit.
LF | Ou
os espelhos de Robert Benayoun – com suas imagens espelhadas.
FM | E
o termo lindo por ti empregado: despudor.
LF | Sim.
Vou além com Duchamp… Um grande transgressor. Você viu a obra dele Étant donnée la lampe de éclairage?
FM | A
escritura automática está longe de restringir-se a uma evocação do nonsense, como muitos supõem, até
maldosamente. Não, eu jamais vi a obra em si, apenas as fotos existentes, essas
fotos comuns, corriqueiras.
Ela
(a escritura automática) está intensa e intimamente ligada ao que chamas de
despudor.
LF | Despudor
é um pressuposto, sine qua non. É
totalmente ingênuo, quase inocente. Arrebatador e instintivo.
FM | Sim,
a força do instinto, sem a qual não há criação em seu sentido mais amplo.
LF | Se
tivermos pudor, não conseguimos tornar as palavras em objetos orgásticos.
FM | O
pudor nos paralisa na linha do superficial, não nos permite ir além de qualquer
coisa. E este é talvez o maior dilema do criador no Brasil. Porque somente o
despudor nos deixa adentrar o corpo do símbolo e desvelar seu espírito.
LF | Não
só no Brasil… No ocidente judaico-cristão. Estamos cheios de exemplos disso.
Principalmente no cinema. Bergman, Fellini…
FM | Evidente,
como uma marca castradora de toda uma cultura, eu me referi ao Brasil apenas
pela maior intimidade com os dilemas de nossa própria casa.
LF | Certo.
Com certeza. No Brasil beiramos o ridículo, com raras exceções.
FM | No
caso da poesia, por exemplo, mesmo na América Hispânica encontramos uns belos
exemplos que superam essas limitações.
LF | Quem?
Podes me dizer? Estou um pouco desatualizada.
FM | O
Brasil beira o ridículo porque é uma orgia de aspectos negativos, não apenas a
ausência de despudor, mas as oscilações de caráter. Evidente que a maior parte
desses poetas possuem relação direta ou mesmo indireta com o surrealismo, como
o peruano César Moro, os chilenos Rosamel del Valle, Humberto Díaz-Casanueva,
Ludwig Zeller, Enrique Lihn…
LF | Oscilações
de caráter… Estou tentando me posicionar quanto a isto. Estou precisando
urgentemente ler esses poetas e intelectuais. Conhecer suas obras. Principalmente
agora que voltei à vida!
FM | Dentre
os argentinos o Enrique Molina está bem acima dos demais, porém há ali um caso
curioso que é o Roberto Juarroz, que embora sendo uma poética não surrealista
(como no caso do Manoel de Barros) possui certa aura de encantamento que é
fascinante, embora se desgaste (em ambos) em reiterações.
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Leila Ferraz (Brasil,
1944). Poeta, artista plástica, ensaísta. Contato: leilaferraz2006@gmail.com. Página ilustrada com obras de Leila Ferraz (Brasil), artista convidada desta edição de ARC.
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Agulha Revista de
Cultura
Fase II | Número 19 | Agosto
de 2016
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