A magia não é em si que
uma vontade e esta vontade é o grande mistério de toda a maravilha e de todo o
segredo: ela opera pelo apetite do desejo do ser.
Jacob Bohème
A Magia é a cultora do
desejo que a torna além do bem e do mal, em uma esfera pertencente ao
arrebatamento e à violação. O sentimento (ou melhor, a sensação) de poder que
transforma o que tenho no que sou e lança-me a tudo que pareça estar contra o
meu movimento.
A Magia é o estranho e o exterior transpassando
as barreiras da representação da minha vontade para transformarem-se exatamente
naquilo que não me pareça ou estranho ou me faça sentir exterior. Ou seja, é a
introdução ao meu relacionamento com o mundo – a ruptura da vontade-razão, a
sacralização do Amor.
Há uma queda de barreiras na atitude mágica
fundamental que suprime a diferença entre os indivíduos - ou mais corretamente
os elementos – criando uma vinculação de supremo saber, em se reencontrando a
cada instante como parte de um sistema de realidades descritas nos domínios da
proibição, do interdito, onde minha representação se mistura à integridade de
um movimento de analogias.
Este arrebatamento ao secreto, antes de
tornar-se poético, não pressupõe, de maneira alguma, uma atitude religiosa,
apesar de que na Magia, o princípio secreto se assemelha ao da Religião, em
tanto que “Oculto”, mas opõem-se nos pontos essenciais. Isto porque a Religião
pressupõe um poder diferente ao do homem, do qual ele depende e a ele deve
submeter-se.
Essencialmente natural, ele pertence à Magia, ao
que é espontâneo, natural até, ao mal, mas onde o bem não lhe é contraditório,
e sim um movimento de mesma intensidade e força, embora criando uma diferença
básica: o sentido (em tanto que direção no espaço) oposto. Para Heráclito, o
contrário é acordo, das discordâncias nasce a mais bela harmonia e tudo se
torna uma luta.
Le genre mixte est le lien universal du mouvement. Si quelque innovation
présente des difficultés, il faut pour les aplanir mettre em jeu le genre mixte
qui achemine doucement et insensiblement. Nous savons observer cette règle en
medicine; elle doit s’étendre à tout le mécanisme social.
Charles Fourier – De L’orgie de musée ou omnigamie mixte en
ordre composé harmonique
“A
Arte, desde a sua origem, é mágica porque ela constitui a projeção do desejo,
do desejo que o mágico deve ‘bem’ representar no traço ou na palavra. (...) É
mágica toda obra de arte capaz de instituir ou de fortificar a atitude mágica
fundamental ou, em termos de ocultismo, a experiência das correspondências no
próprio artista ou no admirador que a sinta, a compreende e que dela participe.”
Este é um processo lúdico universal, no qual os
gestos, os traços, os movimentos atirados a um mesmo ponto de encontro cósmico
voltam revestidos de desejos.
É a execução de agir, conforme as leis da
intuição mágica nos revelam, inscrevendo-nos em pedras negras como caracteres
faiscantes; esta insígnia do Mágico Alquimista Natural estabelece uma linguagem
legível por caracteres íntimos e que correspondem ao processo de analogia e
metáforas do qual me servi para estabelecer um primeiro contato entre os
homens, entre eu e o universo e a minha mágica e os homens.
Antes de tudo é necessário fazer o pensamento
falar (oralmente) no domínio do maravilhoso onde as manifestações intermitentes
das frases incorporassem a criação ao aquém do que seria impossível trocar a
palavra pelo ruído e este pelo gesto, numa insistência à visualização da
própria imagem poética.
Já pressupondo uma eleição de valores e
considerando a linguagem como forma de conhecimento e vinculação à realidade
suprassensível e à intuição poética, a Mão, em tanto que instrumento do
conhecimento táctil entre o homem e a natureza, faz parte do Mundo do
Mimetismo, da Cabala Fonética e das manipulações eróticas.
A Mão coloca-se nos degraus das forças
estelares, segundo os mágicos, como uma força mediadora entre o cérebro – o
motor imóvel –, e ela própria – força ativa, pela qual o motor se movimenta. Em
termos de caracteres manuais, a linguagem seria uma forma de conhecimento
pertencente ao mecanismo do Espaço e este se submeteria à regência do Tempo. A
palavra seria então no Tempo, o Espaço percorrido pela Mão através de um corpo
infinitamente abismal – a Voz. Esta, segundo a tradição oral, é a extensão
máxima do movimento da Mão no Espaço, portanto um instrumento com as características
dos espongiários – força absorvível, dotada de elasticidade e percepção.
*****
Leila Ferraz (Brasil, 1944). Poeta, artista
plástica, ensaísta. Contato: leilaferraz2006@gmail.com.
Página ilustrada com obras de Leila Ferraz (Brasil), artista convidada desta
edição de ARC.
*****
Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 19 | Agosto de 2016
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
os artigos assinados não refletem necessariamente o
pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de
material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
Nenhum comentário:
Postar um comentário