terça-feira, 19 de julho de 2016

LEILA FERRAZ | A quiromancia e o surrealismo


A mão coloca-se nos degraus das forças estelares, segundo os mágicos, como uma força mediadora entre o cérebro – motor imóvel – e a mão – a força ativa pela qual o motor se movimenta.
Em termos de caracteres manuais, a linguagem seria uma forma de conhecimento pertencente ao mecanismo do espaço e este se submeteria à abrangência do tempo.
A palavra seria no tempo, o espaço percorrido pela Mão através de um corpo infinitamente abissal – a Voz. Esta, segundo a tradição Oral, é a extensão máxima do movimento da Mão no espaço.
A quiromancia é uma ciência adivinhatória que ensina a arte de conhecer o caráter de uma pessoa, vocações, aptidões intelectuais e morais, passado, presente e futuro pela forma e linhas das mãos. Como ciência, foi cultivada no antigo Egito, Índia e mais tarde difundida entre os gregos e romanos e depois popularizada no mundo europeu pelos ciganos.
Há duas espécies de Quiromancia que se conservaram como métodos adivinhatórios: a Quiromancia que se conservam como métodos de adivinhação: a Quiromancia física, revelando o destino e o caráter da pessoa pela inspeção das mãos e a Quiromancia Astrológica, que através do estudo das formas e linhas da mão tenta descobrir a influência planetária destas linhas.





A Quiromancia está dividida em Quirognomia, que estuda as formas das mãos, entre outros estudos, e a Palmisteria, que se ocupa do estudo das saliências e das linhas das palmas. As formas da mão, os sete tipos de linhas, os dedos, são regidos por planetas situados nos montes respectivos; as unhas, as diversas significações dos montes das mãos, os sinais modificadores, as sete principais linhas, o anel de Vênus, as linhas do pulso fazem parte de uma hierarquia do microcosmo intelectual regidos pela Imaginação. É interessante frisar que a partir das mãos em tanto que observadas com as palmas abertas, considerou-se o processo de interpretações das realidades existentes, que pode sofrer uma quantidade significativa de transformações, implicando em analogias, em metáforas. O sentido Alquímico do gesto transforma o corpo humano total, ou melhor, o homem e seu universo psíquico, para a palma de uma mão – e isto é perfeitamente compreensível em termos de imagem poética. Através de um processo equivalente à metáfora, a mão aberta contém as formas delirantes de um corpo feminino, trazendo pelas intersecções de suas linhas a complexidade do seu destino, a exuberância alucinada, todas as tradições: ligadas ao Princípio Feminino do Mundo. O seu natural “maligno”, a ascendência ao Sagrado e o sentido do Oculto.
A associação de ideias delirantes sobre os temas relacionados com o homem é a expressão dramática de uma atitude eletiva sobre o Surrealismo, enquanto aberto, irredutível sobre um novo julgamento de valores em termos de Arte, de Vida.
A função desse novo critério de julgamento é uma transgressão mental da própria consciência que nos permitirá furiosamente abalar e minar para todo o sempre o pensamento e a vida.
Será uma liason organique, portanto agressiva, de vida, ou seja, somente após a compreensão de um “sentido transgressivo”, é que se pode atingir o outro lado do mistério. Isso porque começo a transmitir a visualização de acontecimentos repetidos sempre simbolicamente e cada vez mais intensos na medida de serem transgressores. Aos poucos esses modelos se tornam sensíveis e vivos e começam a ser regidos pelo princípio do prazer.
“O erotismo é para a vida sensual o que a poesia é para a linguagem. O erotismo é poético. Ele é a poesia do Amor Carnal, graças a esse amor impregna-se de espiritualidade e tende a lançar um ponto entre o possível e o impossível”.
Tudo o que pode haver, entre o Homem e a Natureza, é ultrapassado na medida em que há uma entrega total. Uma abertura ampliadora de energia solar e da destruição do homem, para que ele possa renascer a cada dia vindo de um mundo sem distância. Assim, nasce também o Amor. As repetições simbólicas, que são decorrentes as ideias sobre a natureza, Homem e Linguagem (enquanto instrumento do próprio homem para que ele possa, a partir de si e já coroado pelo Amor, falar).
Esse foi o pensamento e a intenção da XIII Exposição Internacional do Surrealismo, que aconteceu em 1967, São Paulo, na Fundação Armando Álvares Penteado.
Havia a intenção de montagem em termos mágicos e labirínticos. Propiciar ao visitante a possibilidade de “experimentar” uma iniciação e uma nova ordem de mistérios. As ligações seriam metaforicamente as linhas, os sinais modificadores do destino do homem, os montes da palma e demais pontos teriam a mesma condução. Enfim, a montagem obedecia a uma ordem determinada de iniciação aos mistérios da palavra através de relacionamentos visuais que o visitante/expectador pudessem ter a partir de objetos dispostos de uma forma preconcebida. Assim, cada “compartimento” formado por intersecções das linhas no espaço ultrapassavam a mera figuração plástica. Antes de tudo constituía-se em um movimento holístico e vital. Uma atitude em movimento. Nessa exposição, procurou-se dar esse sentido pelo constante relacionamento entre das obras expostas com o texto-chave (Do surrealismo e de suas obras vivas) de André Breton. Tal relacionamento se dava sobre uma organização espacial/física em forma de mão aberta com cada trabalho ligado ao texto de Breton, suspenso e preso a partir do teto. Era um emaranhado de linhas e obras de arte que ganhavam um sentido próprio e único para cada indivíduo. E seu relacionamento com as obras expostas. Na medida em que cada frase do texto se ligava a um momento – pictórico, poético, fotográfico, escultural, roupagens, objetos, enfim a tudo que cabia naquela mão invisível, apenas sensível. O expectador era convidado a todo o momento a se locomover pelo espaço, acompanhando os fios ligados à cada conceito ou ideia proposta no texto de Breton e a colocar-se em disponibilidade para vivenciar um mundo surrealista em sua essência primordial: o dar e receber um entendimento mágico.

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Leila Ferraz (Brasil, 1944). Poeta, artista plástica, ensaísta. Contato: leilaferraz2006@gmail.com. Página ilustrada com obras de Leila Ferraz (Brasil), artista convidada desta edição de ARC.



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Agulha Revista de Cultura
Fase II | Número 19 | Agosto de 2016
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