1. Nas nossas pesquisas surrealístico-totêmicas, Zuca com Floriano Martins, sobre as poderosas forças inconscientes que secretamente forjam a História, Natural e Humana, desde os Pitecantropos Eretos até as mais recentes Civilizações, deparamo-nos com o Mystério do Labyrintho de Naska.
Chama-se Nazka uma civilização peruana que se desenvolveu num período
pré-incaico, e que nos deixou um colossal Labyrintho de uma dimensão
descomunal, e que se apresenta sem qualquer razão ou explicação, tal as
estátuas da Ilha da Páscoa.
Este labyrintho, visto a centenas de metros de altura, de um avião, ou,
melhor ainda, de um zepelim, se transforma numa série de desenhos concatenados,
de rara elegância, e alta qualidade estética, comparáveis às das
Pyrâmides do Egypto.
Como os naskas não possuíam aparelhos aéreos… Então… Para quê?… Como?… E
por que?… Criaram um labyrintho-figurativo… que não viam?…
Como o desenho-labyrintho só se revela visto duma altura abissal…
então… poderia ter a função de indicar o local, para eventual aterrissagem… de
quem?… discos-voadores?… tal suposição foi considerada por escritores de
ficção-científica, com algum sucesso, nas últimas décadas do século passado.
Mas se aceitarmos reconsiderar os relatos dos grandes monumentos
literários da mais longínqua Antiguidade… então… Plac!… Eureka!… Nas primeiras
páginas do primeiro Livro da Bíblia, lemos que, pouco após a condenação de
Adão e Eva, nos primórdios da Civilização, os Anjos do Senhor andaram se
enrabichando pelas filhas do homem… Então… Plaf!… Eureka!… Plec- Plec-Plec
(estalo os dedos)… Sendo os Anjos uns Gigantes Alados… se enrabicharam pelas
Gigantonas Patagonas da Terra do Fogo!…e de seus amores… nasceu a Raça dos
Gigantes, que aparecem em várias Mitologias, da Grécia, da Alemanha, e de
outras civilizações.
2. Tudo isto parecia a solução certa para o desencontro entre o que se tinha
e o que não se via. As Gigantonas poderiam então tecer seus papiros com
singelas adagas em seus cabos de serpente e deixar pistas falsas para outras
civilizações que certamente por ali passariam escavando o passado em busca de
novas histórias destinadas ao desapego ao tempo e ao espaço.
Com suas luas balançando enquanto mexiam braços e pernas aquecendo o
selo de tantos reinos preparados para sucumbir, as avultadas Patagonas
evidenciavam sua preferência pelos Gigantes Alados mais bem dotados. E
desenhavam na glande de seus amantes um afilado farol cuja ponta projetava o
dorso do labyrintho visto de infinitos ângulos.
Uma delas, de nome impronunciável, espalhou corpos perecíveis, como
raminhos ocultos, pelas dobras de cada passagem. Há rumores de que a primeira
treva criada o foi na forma de uma andorinha, cujo perfil se movia cada vez que
era entrevista. O mundo então foi recortado em duas vinhetas, o mistério
interior e o mistério exterior. Há outra versão que garante que as duas
vinhetas foram enterradas em páginas distintas de um livro sagrado, cuja
verdade revelada há séculos vem ostentando seus dogmas relativos, que não se
completam até que se revele a chave de localização dessas vinhetas.
Desde então a Terra do Fogo vem mudando de coordenadas, vagando pelo
planeta como um peregrino manco. Comenta-se ainda que o labyrintho-figurativo
retém em suas catacumbas lacradas a memória laudatória de todas as ficções
científicas e fábulas alvoroçadas que pregam os motivos de tanta violência por
parte dos divinos soberanos que triunfam sobre a Terra.
3. Para concluir, deixamos uma questão, à argúcia de
nossas alertas leitorinhas: teria Humboldt conhecido mais de perto as
Gigantonas? Ou… preferiu ele permanecer prudentemente a bordo
do navio? Tal questão já agulhava a curiosidade do Capitão Flowers, o que
ensejou instigante diálogo.
CAPITÃO FLOWERS – Pois
então, Doutor Humboldt, não quer dar um passeio pela praia, e ver as Gigantonas
Naskas?…
DOUTOR HUMBOLDT – Ora,
Capitão… Não estudei ainda essas belas lendas oriundas do pensamento infantil
dum povo ainda em estado pre-civilizado.
CAPITÃO FLOWERS – Sim,
os naskarenhos são muito infantis… Mas bem baixinhos, e as naskarenhas
praticamente anãs… Não obstante, em viagem anterior, desembarquei de escaler
justamente aqui, onde ora nos encontramos, e, para estirar um pouco as pernas,
parti numa passeada à beira-mar, e, de repente deparei-me com uma gigantona de
uns bons três metros e meio de altura… Muito gentil, boazinha, ainda meio
infantil… Começamos a brincar… Ela achava que eu fosse um bonequinho…
Escureceu, e dormimos, ela me cerrando a seu colo colossal…
DOUTOR HUMBOLDT – Cena
idílica e comovente, Capitão Flowers… Vou relatá-la em minhas memórias da
viagem. Mas… e depois?…
CAPITÃO FLOWERS – Quando
acordei… estava só… Minha adolescente amigona havia partido… Mas me deixou uma
carinhosa lembrança… Uma tatuagem belíssima, Doutor Hiumboldt, exprimindo todo
seu carinho e devoção…
DOUTOR HUMBOLDT – Ela
lhe tatuou no braço?… Uma âncora? Ou talvez… uma… sereia?…
DOUTOR HUMBOLDT – Já
sei, capitão, ela esculpiu-lhe umas flores…
CAPITÃO FLOWERS – Talvez,
induzindo ela fosse eu um Capitão, ela me esculpiu… um farol.
DOUTOR HUMBOLDT – Um
farol tatuado no coração!… Vou anotar nas minhas memórias da viagem.
CAPITÃO FLOWERS – Muito
bem, Doutor Humboldt… Digamos que tenha sido, talvez, no coração.
Como
todos nós sabemos, a História é um abismo que seguimos preenchendo com os mais
díspares acréscimos, desde que a memória não levante suspeitas sobre o que de
fato ocorreu. Por este motivo os mistérios são precavidos em deixar sempre uma
ponta de dúvida sobre o que é ou deixa de ser razoável. Afinal, os milagres se
reconhecem quando o acaso lhes favorece um encontro…
FLORIANO
MARTINS
(Brasil, 1957). Poeta, ensaísta, editor, tradutor. Dirige a Agulha Revista de Cultura e a ARC
Edições. Zuca Sardan (Brasil, 1933). Poeta e artista plástico. Esta é uma
primeira experiência de ensaio a quatro mãos levada a termo pela dupla que
recentemente publicou O iluminismo é uma
baleia (ARC Edições, 2016), trilogia de peça de um teatro automático.
Página ilustrada com obras de Kenichi Kaneko (Brasil), artista convidado desta
edição de ARC.
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