segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

SANDRA REGINA SCHERER | A escultura de Paulo Aguinsky


Ao falar sobre a obra do escultor Paulo Aguinsky, é imprescindível que se faça um retrospecto comentando brevemente sobre a origem primordial do artista Paulo Aguinsky. Natural de São Borja, cidade localizada no extremo oeste do rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina, separada geograficamente pelo rio Uruguai. Se um rio é um bom divisor físico de fronteiras, por outro lado, do ponto de vista de influências e trocas culturais, que por ventura possam se estabelecer entre os povos vizinhos, este divisor pode ser pouco representativo; pois desde os mais simples hábitos são exportados e importados passando inevitavelmente por adesões de vocábulos, costumes, forma de selecionar e preparar alimentos, etc. sem entrar em detalhes sobre a assimilação de conceitos, pendores pelas mesmas músicas, das artes e festas que se fundem e multiplicam. De maneira geral os fronteiriços organizam-se de forma subliminar em uma irmandade particular, porém muito própria para cada região.
Paulo Aguinsky nasceu em 1942, final da segunda guerra mundial em que a efervescência deste fato deixou profundas chagas comprometendo de forma global todos os povos, mesmo aqueles que estavam muito distante do conflito. Paulo Aguinsky, neto de imigrantes, tanto por parte de pai como de mãe, oriundos da Europa, escaparam das atrocidades do nazismo e vieram para a América do Sul, precisamente Argentina e Brasil. Eram agrupamentos de pessoas com formação diferente, conhecimentos diversos, alguns técnicos em vários setores do comércio e da indústria. Artistas, entre estes, tios de Paulo Aguinsky; músicos profissionais em sua terra natal, que prontos, chegados a Buenos Aires trataram de logo arrumar um pseudônimo portenho, e “seguiram o baile”; formaram uma orquestra, adaptando-se ao gosto e predileções do meio cultural, obtendo desta arte meio de sobrevivência dentro do setor musical. Tendo a boa sorte de atuar naquilo que faziam de melhor.
 Nesta época os meios de comunicação eram precários no Brasil e ainda mais contundentes em lugares distantes dos grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo. Distante até mesmo era Porto Alegre. O sinal de rádio somente era exequível nos dias límpidos em todo o estado. (Sem comentar a extensa e prestimosa antena acessória; um robusto fio de cobre em espiral que serpeava no teto da sala de um extremo a outro).
Com o que se podia contar, na realidade, em alto e bom tom, eram as emissoras de rádio localizadas em Buenos Aires, potentes e mais próximas. Ai sim! Obtinha-se as mais variadas notícias do mundo; escutava-se todas as notícias, lançamentos de boleros e tangos, música clássica, poesia, novelas… Essa familiaridade com a língua espanhola e toda sua cultura faziam parte dos informes do dia a dia.
As falas em português com frequência estavam naturalmente assistidas por vocábulos da língua espanhola – o consagrado “portunhol”, falado sem preconceito, não só lá na São Borja mas em quase toda a estendida fronteira do Brasil.
Terminadas as aulas da manhã, a tarde era livre: correr nos campos vizinhos, caçar passarinhos com bodoque, banhar-se nos açudes; longe dos olhos do pai e da mãe nada era proibido. Nos fins de semana ir pescar piavas no rio Uruguai com o pai era uma expectativa que crescia a cada dia durante a semana.
 Das atividades culturais, talvez a mais marcante da infância de Paulo Aguinsky, tenham sido as “as trovas”, evento domingueiro esperado com ansiedade que ocorria no auditório da pequena rádio local da cidade. Os trovadores que se desafiavam deviam reunir, entre tantos assuntos um elemento fundamental que os qualificava e que gerava grande entusiasmo entre os ouvintes pela capacidade que dispunham os contendedores de improvisarem respostas surpreendentes, em versos rimados, com tanta rapidez e precisão! As trovas na escola, durante a hora do “recreio grande” era um dos ‘brinquedos preferidos, formado com platéia e tudo. Aguinsky e seu colega Jucata formavam uma dupla de protagonistas trovadores; dos mais entusiastas e aguardados pelejadores. Se tomarmos como ponto de vista a necessidade de sinalizar um marco que possa identificar um indivíduo com um artista, diríamos que “a trova”, para o menino Paulo Aguinsky foi a chama inicial que se ascendeu para a sua arte, e, é a mesma luz que perdura e o ilumina até os dias atuais, quer na poesia quer nas artes plásticas – O continuado poder de criar e improvisar.
Uma vez que se possua ou se adquira a capacidade de improvisar, expandem-se as funções que ultrapassam os limites daquilo que entendemos do que é real. A vida é algo que ignoramos sua verdadeira natureza e, aquilo que poderemos denominar de arte, nada mais é que uma necessidade do compartir, é a expressão elevada do arrebatamento, a possibilidade de pôr à vista os mais genuínos dos relacionamentos humanos. Aos onze anos de idade Paulo Aguinsky foi matriculado em um internato em Porto Alegre, (era costume na época, dadas as deficiências do ensino nas cidades interioranas), e o que ocorria já no primeiro grau. As famílias que dispunham de condições encaminhavam os filhos para outros centros com mais recursos. Assim, para o “Paulinho”, como era chamado por todos, conteve seu derradeiro adeus as caçadas de bodoque, aos banhos de açúde, as pescarias de piavas no rio Uruguai com o pai, adeus brincadeiras, amigos, trovas… Adeus São Borja.
Uma criança separada de seu reduto familiar onde brinca e interage com o meio ambiente através de seus brinquedos e brincadeiras com os amigos; vê seu mundo ruir. A separação dos pais, e de tudo de importante que existe na vida de uma criança; impinge um grande sofrimento. Configura-se como uma perda implacável, por mais objetiva e nobre que possa parecer a intenção de quem determina tal ato.
Paulo Aguinsky partiu para o internato com o número “106” bordado em todos os seus pertences, uma identificação particular, ditame predeterminado, administrativamente da
escola.Em um internato, que pela sua natureza, recebe estudantes dos mais diferentes rincões, com alunos oriundos das mais variadas e diversificadas formações culturais, torna-se muito difícil, a qualquer recém chegado uma adaptação imediata.
 Na busca por encontrar uma relação com o novo ambiente, novos amigos, na cata de uma lacuna, de algo que lhe permitisse “respirar”; Aguinsky, descobriu nos novos livros do currículo a poesia; “eram muito parecidas com as trovas, mas escritas” e podiam ser relidas infinitamente. De imediato, tomou-as como seu novo brinquedo. Também a declamação, que a escola tinha como prática corrente em suas atividades sociais lhe criaram grande alento. Passou a escrever poemas e publicá-los no jornal da escola, por anos praticou intensamente esporte e teatro. Conheceu a cerâmica e, de forma autodidata, passou juntamente com a poesia a dar grande destaque em sua vida a estas duas atividades. Esta foi a forma encontrada pelo artista para dar vazão à sua espontaneidade, à sua criatividade, à sua capacidade de improvisar e expressar-se através da arte. Ao formar-se no segundo grau, pensou fazer o curso de belas artes na Faculdade de Belas Arte em Porto Alegre, mas ficou inseguro ao perceber a vida de dificuldades que levavam os artistas plásticos de uma maneira geral na cidade e no Brasil. Pensou que uma profissão bem estabelecida, que lhe oferecesse condições de continuar realizando sua arte livre, independente dos aspectos econômicos que tanto desencaminham o trabalho artístico. Formou-se em medicina em 1972.


*****

SANDRA REGINA SCHERER AGUINSKY (Brasil). Arquiteta e curadora. Professora na URGS. Página ilustrada com obras de Paulo Aguinsky (Brasil), artista convidado da presente edição.


*****

Agulha Revista de Cultura
Número 105 | Dezembro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80






Nenhum comentário:

Postar um comentário