quinta-feira, 22 de abril de 2021

WILSON COÊLHO | Bar Don Juan, de Antônio Callado – entre o mito e a utopia

 


Em Buenos Aires, na ponte da Boca:

Todos prometem e ninguém cumpre. Vote em ninguém.

Em Caracas, em tempos de crise, na entrada de um

dos bairros mais pobres:

Bem-vinda, classe média.

Em Bogotá, pertinho da Universidade Nacional:

Deus vive.

Embaixo, com outra letra:

Só por milagre.

E também em Bogotá:

Proletários de todos os países, uni-vos!

Embaixo, com outra letra:

(Último aviso.)

EDUARDO GALEANO

 

A afirmação de que o romance Bar Don Juan, de Antônio Callado, desmitificou a luta armada [1] pode até parecer verdadeira, mas para que isso aconteça, faz-se a priori necessário – além de bloquear algumas das quase infindas possibilidades de interpretação tanto do mito quanto da utopia – reduzir a idéia de luta armada a uma única perspectiva ficcional da qual se utiliza o autor. Mas existem tantas interpretações quanto o número de leitores. Se ainda quisermos aprofundar o tema, podemos fazer coro com os que acreditam que cada leitor é um coautor em potencial. E, levando em conta uma espécie de caricatura de “revolucionários” na caracterização dos personagens, pode surtir um efeito mais absurdo ainda acreditar que o livro de Antônio Callado seja capaz de abranger todos os segmentos e aspectos da luta armada no Brasil no final da década de sessenta e início dos anos setenta. Isso não significa diminuir ou colocar em xeque a estética de Antônio Callado, mas – pelo contrário – provocar novas formas de olhar e interpretar a partir da variedade de outros elementos que sua obra suscita como possibilidade de representação, considerando que

 

para ler tanto o mundo quanto os textos de modo suspeito, é preciso elaborar algum tipo de método obsessivo. A suspeita, em si, não é patológica: tanto o detetive quanto o cientista suspeitam em princípio que certos elementos, evidentes mas aparentemente sem importância, poder ser indícios de uma outra coisa que não é evidente – e, baseados nisso, elaboram uma nova hipótese a ser testada. [2]

 

A estrutura ou espinha dorsal ou, ainda, o que muitos chamam de pretexto é simples. Trata-se de um grupo de intelectuais de esquerda da Zona Sul que, tendo como ponto de referência o Bar Don Juan, tentam organizar um esquema revolucionário capaz de integrar o movimento brasileiro com os guerrilheiros bolivianos, juntando-se às forças de Che Guevara. Tudo isso se dá simultaneamente ou em torno de João e Laurinha, casal que foi torturado pela polícia.

Ficção ou realidade? Será possível uma leitura ingênua do Bar Don Juan, no sentido de se fazer uma interpretação desvinculada da história? A todo momento, entendendo a ficção como uma produção do espírito, surge uma determinada ação, um colocar-se diante de algo que sugere como uma prova material, como um rastro, uma pegada. Daí uma espécie de tentação de buscar uma trilha, um caminho ou um atalho para o ponto de chegada. Mas muitas das vezes caímos numa armadilha e aquilo a que supomos ser ponto de chegada é ponto de partida. É dizer que o conjunto de esforços ou procedimentos utilizados na interpretação da obra e a obra mesma como o tema que explora acabam numa dicotomia. De um lado, o mito paradisíaco da sociedade sem classes e, do outro, a utopia da revolução em prol dessa sociedade do paraíso terreno. Mas convém distinguir, conforme Herkenhoff, entre o mito e a utopia, bem como, a imaginação intencional da fantasia “solta”.


O mito é um sucedâneo da realidade, que consola o homem daquilo que ele não tem: seu objetivo é esconder a verdade das coisas, é alienar o homem.

A utopia, pelo contrário, é a representação daquilo que não existe ainda, mas que poderá existir se o homem lutar para a sua concretização.

O mito nasce da fantasia descomprometida, com a única finalidade de compensar uma insatisfação vaga, inconsciente.

A utopia fundamenta-se na imaginação orientada e organizada. É a consciência antecipadora do amanhã. [3]

Neste sentido, estão aqui estabelecidos dois marcos. Num extremo está colocado o mito e, no outro, a utopia que – apesar de ser considerada um não-lugar – aqui se firma como uma referência. 

 

A MORADA DO MITO

 

A começar pelo título do romance, Bar Don Juan, estamos diante de uma sugestiva presença que se impõe: o mito de Don Juan. Tudo bem que o nome Don Juan não pode passar de uma mera alusão ao lendário personagem espanhol em virtude de ser conterrâneo do velho Andrés, o proprietário do bar. Mas a princípio esta informação torna-se irrelevante. Existe um conceito donjuanista que perpassa todas essas explicações, caso contrário, alheio à esfera desse mito, o nome Don Juan a partir do romance não tem significado algum, exceto o de ser o nome de um bar que poderia se chamar qualquer coisa apenas como forma de dar “nome aos bois”.

Afora a ideia de que o conceito do personagem Don Juan tenha se originado de um fato real narrado pela Crônica de Sevilha, além de ter servido de inspirações para diversos autores, tanto no teatro quanto na poesia, passando pela música e pelo romance, sem esquecer que na filosofia tem uma posição de destaque em Nietzsche, convém observar que:

 

…ele é também um ser de ruptura, que corrompe o ciclo de troca e da circulação das mulheres (deseja-as todas) e do dinheiro (recusa-se a pagar suas dívidas). Mito do desejo e da morte, que se apoiaria sobre uma base arcaica trazida à luz pela psicanálise (o deflorador sagrado, o duplo e sua culpabilidade, a relação entre Eros e Tânatos), o mito de Don Juan traduziria a mais profunda obsessão do homem, a de unidade e de união, ante a realidade da divisão dos sexos e a ruptura entre o tempo vivido e a eternidade postulada. [4]

 

Isto posto, independente da intenção ou não de Antônio Callado ao intitular seu livro, alguns elementos aqui se insurgem aludidas ao mito, considerando que a trajetória dos personagens do Bar Don Juan está repleta de tentativas de ruptura, o desejo e a morte são presenças constantes, a vida dupla e o sentimento de culpa e, de uma forma ou de outra, a busca da unidade.

Numa outra perspectiva, o mito também se sustenta do Comandante Che Guevara como o líder revolucionário capaz de mudar a América Latina, dando continuidade à Revolução Cubana e varrer de vez o continente do capitalismo através de sua teoria de “foco insurrecional” ou “foquismo” que elegia o campo como o terreno fundamental da luta armada. Em diversas passagens, temos Lênin, Trotsky, Marighela, Lamarca, Prestes e outros personificando o mito do guerrilheiro salvador. Esses no plano mais imediato, mas não convém esquecermos do fato de que há uma menção a Moisés, o homem da terra prometida e, ainda, uma outra figura mítica e quase onipresente que é São João da Cruz.

 

Faz-se interessante observar a presença da montanha nesses personagens. No caso de Che Guevara, a Sierra Maestra e Santa Cruz de la Sierra. Moisés recebe a tábua dos dez mandamentos no Monte Sinai e, por sua vez, São João da Cruz prega a subida ao Monte Carmelo. Seria demasiado absurdo afirmar que os frequentadores do Bar Don Juan não o concebem como uma espécie de Olimpo para elaborar seus planos quixotescos em prol de uma guerrilha rural?

 

…Aquella eterna fonte está escondida
que bien sé yo do tiene su manida,
aunque es de noche.

(…)

El corriente que nace de esta fuente
bien sé que es tan capaz y omnipontente,
aunque es de noche.

(…)

Aquí se está llamando a las criaturas,
y de esta agua se hartan, aunque as escuras,
porque es de noche…”
[5]

 

O NÃO-LUGAR DA UTOPIA

 

Apesar das cartilhas marxistas terem gerado uma tremenda crítica aos “socialistas utópicos”, por aqueles que se diziam “socialistas científicos”, as palavras de ordem eram “revolução socialista”, “ditadura do proletariado”, além de muitas outras para, enfim, se chegar a uma “sociedade sem classes”, ou seja, o comunismo.

Se a utopia é aceita como “a representação daquilo que não existe ainda”, bem como aquilo que “poderá existir se o homem lutar para a sua concretização”, aqui nesse romance ela se manifesta – tendo em vista o momento histórico do Brasil – a partir da história de um grupo de intelectuais de esquerda da Zona Sul do Rio de Janeiro que não vê outra perspectiva de derrubar a ditadura militar para chegar ao socialismo. Mas essa possibilidade de derrubar a ditadura em direção ao socialismo, enfraquecida sua “legalidade” após o AI-5 em 1968, somente é visualizada numa luta clandestina que se fortalece na ideia da luta armada.

Equivale dizer que a utopia como um não-lugar aqui está representada pelo vazio e esse vazio é o lugar que existe para ser preenchido como uma forma de ação.

 

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

 


Mas entre o mito e a utopia existe um abismo onde uma realidade se real-iza. É dizer que muitos dos conceitos tanto se esvaem como se formam e se reformam na medida em que os acontecimentos se dão como sucedâneos de ações que determinam o rumo das coisas que não estão previstas, como uma espécie de efeitos colaterais. Podemos aqui tomar emprestado para a figura do mito que, assim como a filosofia, carrega a ideia de princípio e, para a figura da utopia, o conceito de finalidade, ou seja, a condição primeira como uma pedra de fundação, o ponto de partida e, no segundo momento, o ponto de chegada como a justificativa redentora do vir-a-ser.

O que parece notório é que aqui, no processo de real-ização como fenômeno, acontecimento, o mais importante historicamente é o meio, a travessia do rio e não as margens e num certo percurso já nem mesmo interessa de onde veio ou para onde vai. Considerando o amadorismo e a inexperiência daqueles que compõe, conforme o autor, a esquerda festiva, tem-se aí a falta de espaço livre para o acontecimento, há quase que uma crise entre o urbano e o rural. O acontecimento mesmo, como o ideal revolucionário, trata-se apenas de um pretexto para os pequenos acontecimentos de periferia.

Em meio a esse elenco onde se confundem atores com personagens, desfilam seres (ou não-seres) quase que asfixiados pela subjetividade onde a guerrilha é camuflagem de uma guerra pessoal. Para Mansinho, os princípios revolucionários de tomar da burguesia o que ela expropriou da classe dominada, princípios esses que regem sua necessidade de assaltar bancos para garantir financeiramente a luta em prol de mudar o país, são totalmente esquecidos e já não interessa mais a finalidade de patrocinar a revolução. Como uma espécie de coisa em si, o que importa é o meio, é o prazer do assalto, assim como o prazer de conquistar sexualmente as mulheres e já não importa se é Dorinha, Mariana, Karin ou qualquer outra.

No caso de Geraldino, estamos diante do protótipo do ex-padre, aquele que se supõe rompendo com os dogmas da cristandade, embora não faça outra coisa senão inventar um Cristo mutante com macacão de operário sujo de graxa, a tentativa de conseguir um substituto ideológico para sua fé partida ao meio e, numa possibilidade historicizada, pode-se fazer uma analogia com a atitude muito comum entre os partidários e coadjuvantes da teologia da libertação muito em voga na época.

Se levarmos em conta a afirmação de Marx de que num sistema capitalista não existe a possibilidade da arte a não ser como uma forma de investimento ou como instrumento embelezador do regime, Murta não passa de um cineasta medíocre, artista sem obra, a divagar e propagar o sonho apocalíptico do que poderia ser se tivesse sido e vira protagonista de um drama onde ele interpreta mocinho e bandido ao mesmo tempo.

Gil, por sua vez, procura a realidade através da literatura, como se essa não fosse outra coisa que um script dos acontecimentos, ou seja, a história como um roteiro a priori e não como registro. Um intelectual que, no pior dos sentidos, conforme Sartre que não concebe o escritor que não seja engajado, sobrevoa tranquilo por sobre a tempestade dos acontecimentos. O que lhe interessa é Mariana que, diga-se de passagem, tem como marca maior em seu papel a de ser objeto de desejo e disputa entre Gil e Mansinho.

Aniceto é o símbolo da coragem bruta, o selvagem místico, no sentido mais estreito da compreensão, ou seja, selvagem por perceber o mundo sem a mediação da razão e místico por acreditar que forças mágicas são capazes de explicar e definir o mundo, bem como, de protegê-lo.

Joelmir, o ex-sargento, agora o camponês contemplativo, no meio do mato, às margens do Miranda, alimentando a ideia de um amor universal, ao lado de Valdelize. Há muito não tem contato com os “revolucionários”, não recebe sequer uma notícia, mas guarda o terrível segredo diante do mundo: tem as armas para a revolução. Como diz o autor, “só nessa altura da vida Joelmir descobria de que eram feitas as pessoas por dentro: de perguntas”.

Enfim, tirando uma passagem rápida de Paulino, o incômodo e neófito marxista que, depois de citações de Bakunin, Bernini e outras coisas sobre couraçado Potemkin, mais-valia e revolução, é levado pelos policiais por uma banal e estúpida confusão de bêbados no bar, resta-nos uma atenção ao casal Laurinha e João que – conforme observado anteriormente – prestam-se ao desempenho do papel-referência do romance. Se, num primeiro momento, para Laurinha era muito interessante e havia o desejo de também ser presa e se submeter aos interrogatórios, ou seja, realizar as suas “bodas com a revolução” em que os chamados “subversivos” enganavam e ridicularizavam a estupidez dos inquisidores. Agora, tudo mudou de figura quando ela é estuprada pelo policial torturador que, por ironia do destino, tem o nome de Salvador, um fantasma que se instala entre o casal. Mas a única coisa que lhe interessa é João que, por sua vez, cria num determinado momento uma quase obsessão em relação ao homem que torturou e estuprou sua mulher. Ao reconhecer a insignificância de seu problema particular em relação à grande causa coletiva, concentra-se em outras atividades, uma espécie de rei Arthur em Excalibur que, diante da relação entre sua mulher Guenevière e o cavaleiro Lancelot, recorre a uma justiça aristocrática onde o monarca não pode se comportar como o marido traído. Mas existe uma aproximação muito maior entre esse João e San Juan de la Cruz, seu homônimo e inspirador. Conforme o próprio Antônio Callado – pela boca do velho Andrés – Don Juan se torna a afirmação de Deus contra o ateísmo, mas ele se insurge justamente para dizer que Deus existe, caso contrário, não haveria tamanha desgraça na Espanha onde o generalíssimo Franco demonstra o seu poder:

 

San Juan de la Cruz plantou Deus no chão. Deus é o cedro que ele plantou e que ainda vive no jardim do convento de Granada. (…) Quer dizer que, transformando poesias populares de amor em poesias de amor a Deus, San Juan foi um místico marxista, que pôs a religião com os pés na terra, o amor começando entre o homem e a mulher para depois virar amor de Deus. [6]

 

De um lado, João faz o percurso da subida ao Monte Carmelo e, ao mesmo tempo, uma releitura do poema Noche escura, em que San Juan de la Cruz inicia a busca da perfeição, mas essa é uma busca onde o mérito é passar pelo caminho da negação espiritual como a possibilidade da união com Deus. E João é mais ou menos isso. Apesar de ser o personagem mais sincero naquilo que acredita como a revolução, num certo sentido, o mais organizado, o mais politizado, também carrega consigo esse amor que tem os pés na terra. É como se para ele a revolução não pudesse existir sem esse amor, da mesma forma que parece ser impossível dizer que ama se não luta pela revolução, pois ela se realiza nele. A procura é mero pretexto para existir fazendo, sentir-se incluído. Não é por acaso a fala de Gil quando afirma ser “menos hermético do que o símbolo de João”, ao acreditar que “a revolução brasileira existe, mas ainda lhe falta o inimigo”. [7]

 

UM E O OUTRO E O MESMO

 

A essa altura, já podemos dizer que o mito e a utopia se confundem, ou seja, há a necessidade de uma coexistência para que ambos se afirmem. Se de imediato alguns apregoam que o romance de Antônio Callado se propõe a desmitificação da luta armada, é mister que – pelo menos, num primeiro momento – a mesma já seja admitida como mito. Numa proposta de mediação dialética para a tentativa mais politizada de compreensão, a utopia pode ser considerada como a antítese ou a contradição do mito. Daí, surge um novo problema ou uma nova forma de enfoque:

 

Se o mito é uma fala despolitizada, existe pelo menos uma fala que se opõe ao mito, é a fala que permanece política. É preciso, neste ponto, voltar à distinção entre linguagem-objeto e metalinguagem. Se eu for um lenhador, e se nomear a árvore que abato, qualquer que seja a forma da minha frase, falarei a árvore, e não sobre ela. Quer isso dizer que a minha linguagem é operatória, ligado ao seu objeto de um modo transitivo: entre a árvore e mim, não há nada além do meu trabalho, isto é, um ato: eis uma linguagem política; apresenta-me a natureza somente na medida em que vou transformá-la, é uma linguagem através da qual ajo o objeto: a árvore não constitui para mim uma imagem, mas, simplesmente, o sentido do meu ato. [8]

 


Mas Antônio Callado, do ponto de vista político, por muitas das vezes, parece também se colocar no livro como personagem, confundindo entre os personagens e os sujeitos “reais” ou real-izados, tomando emprestado a voz da descrença, num existencialismo niilista onde nada é consequente. Não significa que eu me atenha ao sentido vulgar do niilismo e sequer do existencialismo, mas me parece que a postura niilista-existencial no autor não se trata da negação de um apriorismo, muito pelo contrário, seu niilismo existencial tem o cheiro de alguém que desconfia de algo apenas por ter deificado uma ideia matricial desse algo, ou seja, essa revolução é uma farsa porque para se fazer a revolução é necessário… Daí, despeja uma série de alegorias como, por exemplo, no momento em que Joelmir fala da diferença entre carnaúba e carandá se justificando a João o seu “esfriamento revolucionário”. Ele afirma que, como aprendeu no norte, a carnaúba:

 

…dá cera para guardar na árvore a água, que é pouca. Aqui no Pantanal água sobra. Por isso é que a carandá não dá cera, não é mesmo? (…). Assim são as coisas. A gente dá á carnaúba ela não faz mais força, vira carandá, largada aí pelos campos. Revolucionário sem ocupação não dá mais cera não, João. Os guerrilheiros da gente aqui virou tudo carandá. [9]

 

Num certo sentido, parece interessante estabelecer uma dialética que possa colocar em contradição o mito e o homem, o homem e o revolucionário. Che Guevara é revolucionário porque é o Che Guevara ou é Che Guevara porque é revolucionário? Mas aquela máxima de Che de que hay que endurecerse pero sin perder la ternura, fica resumida agora no fato de estar puxando o guerrilheiro El Moro, ferido em combate na Bolívia, no lombo de um burro, quando esse diz:

- Comandante, me deixe por favor. Me largue aqui. Não é possível atrasar a marcha com um burro inútil montado num mulo. Não é próprio de um capitão de guerrilhas pôr em risco a vida de todos por causa de um aleijado.

E o Comandante, afagando o pescoço do mulo, não se sabendo bem a respondia ao Moro ou se falava ao mulo:

 

A gente precisa endurecer, mas sem perder a ternura. [10]

 

Não há aqui a pretensão de uma palavra final, considerando que o tema suscita inúmeros questionamentos, principalmente, levando em conta as possibilidades diversas de se ler o Bar Don Juan. Capciosas ou não, podemos até encerrar com algumas perguntas: onde estão os limites entre a realidade e a ficção? O romance de Antônio Callado lido por um brasileiro que conhece minimamente a história é o mesmo livro lido por alguém que sequer conhece o Brasil?

 

NOTAS

1. Cláudio Figueiredo em Crônica das ilusões perdidas da esquerda, Jornal do Brasil, Caderno B, 17 de setembro de 2001.

2. ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 2001, 2001, p. 57.

3. HERKENHOFF, João Batista. Direito e utopia. São Paulo: Editora Acadêmica, 1990.

4. Grande Enciclopédia Larousse Cultural. São Paulo: Círculo do Livro, 1988.

5. CRUZ, San Juan de la. Poesía completa y comentarios em prosa. Barcelona: Planeta, 4ª, 1997.

6. CALLADO, Antônio. Bar Don Juan. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, 6ª ed., p. 50.

7. CALLADO, Antônio. Bar Don Juan. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, 6ª ed. P. 123.

8. BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Difel, 6ª ed., 1985, pp. 165-166.

9. CALLADO, Antônio. Bar Don Juan. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, 6ª ed. P. 102.

10. Idem, ibidem, p. 118.



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Número 169 | abril de 2021

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