Falar ou
escrever sobre a Literatura Policial não é ainda tarefa fácil no nosso país –
como em certos outros, de resto… Dizemos fácil
para não dizermos insuspeita.
Com efeito, são profundas as marcas deixadas por dezenas de anos de
obscurantismo e mentira erguidas em torno deste género literário em que a
imaginação reina como deusa e ao qual o pensamento oficial e académico sempre
anatematizou e tentou reduzir ao silêncio, considerando-o e levando assim parte
do público a considerá-lo, a priori, como um género menor da literatura.
Não é por isso invulgar ver ainda hoje alguns dos seus apreciadores funcionarem
um pouco como “amantes ocultos”, encobrindo os policiais entre dois ou três
volumes de clássicos universais da chamada literatura geral – um Balzac, por
exemplo, ou um Dickens, que por sinal também escreveram estórias de mistério…
Esta atitude de ocultação, sendo obviamente provocada pela menoridade
cultural da chamada inteligentsia,
tem também a ver com a insuficiente ou atabalhoada difusão da LP mas,
sobretudo, com a falta de textos de apoio estruturados que incentivem a sua
descoberta despreconceituosa e informada, a sua leitura desinibida e, porque
não, o seu estudo crítico.
Diversos escritores e poetas lusitanos – e, é verdade, também alguns
críticos desempoeirados – incluindo Fernando Pessoa, se têm interessado pela
literatura policial. Mas, até agora, desconhece-se a existência de qualquer
obra especificamente dedicada ao seu estudo mais aprofundado. Os leitores
portugueses – e noutros países afins o panorama é semelhante – continuam,
aliás, impedidos de dispor das traduções de alguns estudos importantes
realizados em França, Estados Unidos e Inglaterra. É o caso dos célebres
ensaios de Dorothy L. Sayers, Howard Haycraft, Thomas Narcejac, Roman Gubern e
outros que será redundante assinalar. O género policiário, mau grado o esforço
editorial e não só de homens como Victor Palla e Roussado Pinto, que foram
grandes divulgadores, para citar apenas os mais conhecidos, enfrenta pois aqui
uma “estranha maldição” como o personagem de um dos mais famosos romances de
Dashiel Hammett. Mais adiante procuraremos caracterizar o porquê deste facto.
E, se nos é permitida a ironia, talvez tenha uma faceta positiva este
desinteresse dos académicos pela LP, que doutra forma talvez não tivesse um
rosto tão popular e inocente, dado que frequentemente os académicos estragam
aquilo em que tocam por dever de estatuto, arredando a paixão de leitores
intemeratos…
Sendo muito grande – e maior a cada dia que passa – a influência da LP
em diversos níveis, do literário e artístico ao científico, é natural que
certos editores a tenham colocado sob vigilância…e publicação. Poética da
tragédia e da violência, a literatura policial entrança em moldes muito
próprios o tecido mágico da arte efabulativa, utilizando desinibidamente a
imaginação, o humor negro e o suspense. Forjada a partir dum mundo feroz,
competitivo, desapiedado e rude, a LP não é efectivamente um género inferior
mas a fotografia a vermelho-sangue duma época contraditória, conturbada e, por
desgraça, bem real. Abertamente dramática com Michael Innes, John Connoly ou Hubert
Monteilhet, desconcertante com Charles Williams ou Joel Townsley Rogers, jogo
sinistro com Dorothy Sayers ou Agatha Christie, penetrante com Georges Simenon,
Minette Walters ou Raymond Chandler, ela equaciona de forma assaz apropriada
factos penosos inerentes à condição humana, introduzindo-lhes a poesia que o
mistério transporta consigo. Como o grego Édipo, o detective da ficção
policiária repõe no ambiente fechado em que se move o sentido perfeito da Vida,
destroçando o segredo da Esfinge e desfazendo as teias que o cerceavam.
Universo febril de correspondências e símbolos, floresta petrificada, o terror
na novela policial é transformado em morada aberta e purificada mediante o
conhecimento que extirpa a confusão. É esse aliás, no plano mais elevado, o
sentido último da aposta humana: apropriação da Realidade além do erro, do
dolo, do crime. Nesta medida, a LP é altamente simbólica, reflexo mas também
utopia – porque, evidentemente, em geral na sociedade não há detectives como na
ficção. Gideon Fell e Poirot, sendo credíveis e consistentes, diríamos
possíveis, movem-se num universo que é decididamente talhado no material da
Poesia.
Sendo a literatura policial o género literário que melhor representa e
marca os anos que vão de 1880 a 1960, porque foi ela tão pouco cultivada em
Portugal, apesar de haver uma tão grande quantidade de leitores das novelas
oriundas dos países de referência? Basta assinalar que todos os géneros
literários foram aqui pouco cultivados, desde sempre (por exemplo, praticamente
não o foram os livros de viagens e os memorialísticos). No caso específico da
LP isso aconteceu porque: 1º A LP é filha das sociedades capitalistas liberais.
2º Os regimes autoritários e fechados não consentem que se escreva sobre a
polícia, os crimes e os tribunais excepto de forma apologética. 3º O detective
do “polar” funciona como deus-ex-machina: logo, não seria credível um
detective luso ou não seria levado a sério, porque em tal país os polícias,
geralmente, não passam de serventuários da expressão política e social, não
tendo portanto representatividade poética ou imaginal. 4ºEm semelhantes regimes
a imagem que se pode dar da polícia é tão-só quimérica (“com a polícia não se brinca”). Além disso, a propriedade privada,
que no capitalismo liberal é um dado adquirido – e dependendo das flutuações
que o mercado engendra – num regime fechado torna-se extremamente difusa,
imprecisa, quando não impositiva. 5º Em regimes autoritários o respeito pela
vida humana e os direitos do cidadão é secundário, logo um crime é um
acontecimento do foro da política e da segurança do Estado. 6º Em regimes
autoritários os heróis são forjados pelos interesses da propaganda, não possuem
estatuto de autonomia, logo devem ser afastados do contacto com as massas e
relegados para um limbo controlado pelos dirigentes.
Assim sendo, a escassa produção policiária nacional era encenada em
ambientes claramente estrangeiros, com heróis de vezo estrangeiro, utilizando
mesmo os autores pseudónimos desses locais. Quando ambientada em Portugal,
facilmente se lhe detectava a incredibilidade, excepto num pequeno período
temporal em que o país esteve republicanizado.
A literatura policial nacional, com excepção dos contos de Victor Palla
e Francisco Branco (ressalvando-se os casos de Denis MacShade, James A.Marcus,
Henry Jackson, Dick Haskins, Philip Barnner, Herbert Gibbons, Marcel Damar… –
lusitaníssimos mas com nome anglo-saxónico ou francês), é frequentemente
epigonal e imitativa e pour cause.
Contudo, nos últimos anos, acompanhando as transformações dos tempos
partidocráticos em que o país tenta vazar-se num capitalismo incipiente, surgiu
um punhado de autores que buscam dar à existência relatos significativos, posto
que com uma efabulação que em geral não vai além do whodunit ou hardboiled
ainda que sejam bons narradores.
Passemos então adiante.
Se há um verdadeiro objecto no género policiário, ele deve encontrar-se
na faculdade que o mesmo sempre teve de reflectir com raro vigor, beleza e
imaginação o universo violento da existência humana e, portanto, das profundas
contradições que a enleiam a nível social e psicológico. Espelho do espírito
humano, logo dos seus enigmas, ele permanece igualmente como um testemunho dos
tempos, serve dizer: como um registo histórico da evolução tanto da sociedade
como das próprias relações entre os homens. Se é verdade que relatos de
mistério sempre os houve, fosse na Bíblia ou em autores gregos e árabes, na
literatura indiana ou egípcia, a Literatura Policial, nas suas subdivisões
principais, crime story e detective novel, surge numa altura bem
determinada e radica-se de imediato. Não é assim por acaso que a LP dá os
primeiros passos no momento em que se esboçam as primeiras contradições da
sociedade industrial então crescente, com o seu cortejo de injustiças e violências
sobre os cidadãos mais desprotegidos. Quem leu “O mistério de Big Bow” (editado
entre nós com o título de “Crime impossível”) de Israel Zangwill – aliás
conhecido sociólogo – não leu apenas uma das melhores obras do seu género, mas
também um consistente esboço histórico-literário que nos descreve um período de
acesa luta de classes no berço da Revolução Industrial, a Inglaterra dos
possidentes e dos surgentes marginais. Mais especificamente, um período em que
o operariado, então ainda adolescente, começava a reconhecer que era na
organização própria e autónoma que residia uma das possibilidades de resistir à
exploração económica, social e cultural que os estados e as classes dominantes
perpetravam em todas as latitudes. Também não é estranho que a LP tenha dado
igualmente expressão a um certo sentimento de angústia e desespero que então
percorria as camadas médias e da intelectualidade, sentimento que correspondia
a um relativo pavor ante uma sociedade dia-a-dia mais mecanizada, automatizada
e menos humana, donde a liberdade verdadeira, ou que como tal se tinha, como a
verdadeira vida estava ausente. Neste ponto a LP sofre a influência de
filósofos que colheram esse sentimento e o expressaram nas suas obras.
Kirkegard foi um deles. Alguns dos percursores do género policiário, como Edgar
Pöe, Dickens, Vítor Hugo e Dostoievsky, foram também eles expoentes duma
paralela filosofia de vida e os seus textos – ainda que não sob a forma de
ensaios mas de contos, novelas e romances – reflectiram igualmente esse estado
de espírito turbulento e inquieto. Mas a LP assenta ainda as suas raízes, no
estrito plano literário, nos géneros que imediatamente a precederam, ou seja: a
novela gótica, as ghost stories, os
relatos do fantástico e do maravilhoso que brotaram dos sonhos dos grandes
escritores dos séculos dezoito e dezanove e no próprio romance de aventuras,
hoje algo injustamente esquecido e que passou, digamos, para o cinema e para as
estórias de quadradinhos (também dita como banda-desenhada). Muitos dos mais significativos
autores de novelas e contos fantásticos do século dezanove viriam a escrever as
primeiras estórias policiais. Foi o caso do já citado Pöe, verdadeiramente o
primeiro cultor do género, conhecido sobretudo como poeta e pelas suas estórias
de horror e especulação científica, quem escreveu aquela que é unanimemente
considerada a primeira obra claramente inserida no género policiário – “Os
crimes da rua Morgue”, datada de 1841. Possibilitada pela chegada e assunção da
Razão ao universo da literatura imaginativa, desde então a LP sofreu diversas
evoluções e transformações tanto ao nível formal e de construção narrativa como
no dos seus temas, decorrentes das modificações sociais e conceptuais.
Antes de irmos mais além, por outras paragens, caracterizemos a corrente dedutiva iniciada com aquele livro, cujo autor criou também o primeiro detective de ficção, A
A esta corrente – onde as
estórias de Sherlock Holmes brilham, digamos, heterodoxamente, pois na verdade
as suas aventuras participam (ainda que isto não tenha sido suficientemente
assinalado) do sub-género “detective-opera”,
visto que o senhor de Baker Street e o seu valete Watson se deslocam, lutam,
excursionam por diversos cenários deslocalizados, ao contrário por exemplo de
Poirot, que só uma vez (em “As quatro potências do mal”) age fora de um huis-clos – sucederam-se outras
expressões ou correntes com um acento diverso. Assim, da própria corrente
dedutiva mas constituindo uma das suas variantes mais ricas, surgiu uma outra
cuja principal diferença (se nos reportarmos ao clássico romance de enigma)
residia no desenvolvimento do processo narrativo e no tratamento das
personagens, em particular do investigador, muito menos “aristocrático” – na verdade,
nada aristocrático – do que naquela; e do criminoso, também muito mais “humano”
e real. Esta espécie foi denominada mais tarde psicológica ou humanista
e os seus autores, identificados quase sempre com as suas personagens, já não
se preocupavam simplesmente em entregar o criminoso à justiça, nem sempre justa
como sabemos, mas sobretudo em buscar o verdadeiro sentido e objectivo dos seus
actos, ou em determinar o porquê das suas motivações sociais e psicológicas. O
mais destacado representante desta corrente é o belga Georges Simenon, com o
célebre comissário Jules Maigret. A LP abandonava os salões ou mesmo os
gabinetes fechados de uma certa intelectualidade elitista (como o culto e
educadíssimo Philo Vance de S.S. van Dine ou o singularmente fino Lord Peter
Wimsey de Dorothy Sayers) e vinha para a rua evoluindo numa temática mais
comprometida com a realidade social, por vezes sórdida, dos ambientes
populares. Em França, onde a pequena e média burguesia tinha evidente
protagonismo, aparecem novelas e romances com um perfume típico, da autoria de
Jacques Decrest, Saint-Giles e Fred Kassak, que já participam também do crime-story. É também o período do
aparecimento, embora marcado por características vincadamente anglo-saxónicas,
do chamado “romance negro” ou hardboiled,
cujos autores mais notáveis – numa primeira e numa segunda fase – seriam
escritores do gabarito de um Hammett, um Chandler, Charles Williams, James
Cain, Wade Miller, Ross Mac Donald, Chester Himes, Elmore Leonard… O “romance
negro”, que criaria alguns dos mais belos e vigorosos livros policiais, veio
contudo tornar a LP mais permeável ao aparecimento de uma certa literatura
sensacionalista, relativamente espúria, feita principalmente para satisfazer de
forma rentável um público em grande parte preparado desde a infância para
aceitar a violência gratuita e, por isso, predisposto psicologicamente para a
adquirir a qualquer preço, mesmo o da sua alienação. Tal não acontecera com o
romance de enigma, para cuja elaboração era exigido muito “ofício” e uma grande
dose de conhecimentos variados. Neste aspecto, as famosas “Vinte regras para
escrever um romance policial” tiveram evidente pertinência.
A LP sofria o seu primeiro rude golpe, que a alguns menos informados
pareceu mortal. De facto, o que estava a morrer era uma determinada sociedade:
morrendo de brutalidade política, mercantilismo, repressão, algum
isolacionismo. Tal reflectia-se na LP e, assim, pensou-se que esta fôra
ultrapassada pelos sub-produtos que a sua evolução permitira. Surgiu a fase dos
super-heróis e dos super-polícias. A imagem desgastada e frequentemente
irregular das instituições policiais, posta a nu nas novelas de Hammett,
Chandler, Bart Spicer ou Bill Ballinger, aparecia agora retocada para descanso
dos estrategas da informação ocidental. Os diversos Shell Scotts surgidos,
mistos de violência e de sexualidade mal assimilada, aquiescentes autómatos ao
serviço dos líderes dos monopólios e, portanto, da sua maneira de ser
“ideológica”, apropriavam-se pouco a pouco do lugar antes ocupado pelos émulos
de Sam Spade, detective duro mas impermeável à corrupção de teor político e,
ainda que leve e subtilmente, denunciador dos ardilosos abusos do Poder.
Estava-se então no período mais
aceso da “guerra-fria” e do sistema de blocos e esta modificação era, entre
outras, consequência dos choques que a política dali decorrente estava, por seu
turno, a sofrer e a causar. Perspicaz à sua maneira, a estratégia oficial
arregimentava os literatos mais passíveis de enquadramento. Tal como a banda-desenhada,
como o cinema, a LP também era solicitada a participar na contenda.
Durante certo tempo, junto de determinados sectores de público menos
esclarecido, a LP era encarada com alguns preconceitos, porque se supunha que
ela fosse uma espécie de discurso policiesco elaborado – uma espécie de
apologia das maravilhas policiais – arrastando dessa forma com ela o odioso que
as corporações fardadas têm granjeado nos países onde o seu diminuto respeito
pela dignidade humana não está à altura, obviamente, das suas pretensões.
Entretanto, hoje em dia o caso está aclarado: a LP tem sim a ver com as
realidades de um mundo onde se vive – e cada vez melhor isso se nota – rodeado
de criminosos forjados pelos desvigamentos sociais e, notadamente, urbanos; e,
consequentemente, de corporações policiais, que certos protagonistas sociais
dominantes pretendem que funcionem como diques ao serviço não da sociedade mas
de sectores privilegiados, um mundo em suma onde o respeito pela lei é a cada
passo quebrado por particulares e onde a própria lei é frequentemente emanação
dos quereres da classe possidente e burocrática e dos seus ramos intermédios.
Vejamos agora a outra principal divisão da literatura policial que, a
exemplo da detective novel é
geralmente conhecida pela sua denominação anglo-saxónica de crime story. Nesta, mais dramática e
nobre se assim nos podemos exprimir, que a parenta atrás analisada, é que
diversos grandes escritores têm oficiado os deuses negros da angústia e da
tragédia. Caso de Dostoievsky com o seu “Crime e castigo”, de Lionel White com
“Obsessão”, de Fred Kassak com “Um domingo esquecido”, de Francis Beeding com
“Lotaria trágica”, de Rufus King com “A mulher que matou”, de Ed Lacy com “Um
milhão de dólares”, de Mário Lacruz com “O inocente”… Na crime story a investigação é relegada para um plano relativamente
secundário, estando presente apenas como aguilhão da intriga ou espada de
Damôcles suspensa sobre as diferentes peripécias. Como o seu nome faz adivinhar
trata-se de um tipo de relato em que o acento tónico recai sobre o crime em si,
quer nos seus preparativos quer no seu desenvolvimento ou, ainda, na sua
execução com todas as consequências possíveis. Neste tipo de novela atinge-se
um clima abertamente trágico. A tragédia da condição humana aparece-nos aqui em
toda a sua crueza. No entanto, deve notar-se que as vias pelas quais o autor a
ela faz chegar o leitor são frequentemente dadas com extrema subtileza,
envoltas num tom displicente de dureza e até de calão literário – o que aliás
confere ao relato um alto poder de choque, um discreto perfume de nostalgia e
lamentação. A crime story, ao
contrário da detective novel, pode
ter como relator o criminoso, a vítima como tal ou em estado latente e/ou um
elemento de início exterior à maquinação mas que, interessado ou não, se vê
arrastado para o torvelinho. Estão no primeiro caso as novelas “Espero-te no
inferno” de James Brussel e “Pagamento adiado” de C.S.Forrester, no segundo “O
hóspede fantasma” de Hillary Waugh e “Diário de uma mulher abatida” de
Monteilhet, no último as obras “A mão decepada” de Joel Townsley Rogers e
“Atropelamento e fuga” de Richard Deming.
A partir da crime story, mas
mantendo um cariz específico, aparecem os relatos de suspense, por um lado; e
de espionagem, ou intriga internacional. O primeiro, que do romance de enigma
viria a conservar o ambiente de mistério característico da novela dedutiva,
eliminou no entanto na quase totalidade o processo clássico de investigação. O
detective assume por vezes o papel de vítima, de perseguido (caso de “A mulher
que viveu duas vezes”, de Pierre Boileu e Thomas Narcejac), tomando o criminoso
o lugar, ameaçador em extremo, de razão perseguidora num mundo donde o
equilíbrio e a tranquilidade foram provisoriamente banidos. E quando o detective
assume o papel de simples comparsa que no último momento resolve o problema
perturbador, há sempre uma personagem que funciona como alvo de algo que a
transcende: e aqui é que o suspense, embora ao de leve, toca o fantástico.
Tanto num como noutro género há os chamados “heróis-vítimas”; o que os afasta,
contudo, é que no suspense a ameaça é sempre do foro do real (ainda que em
certos trechos se simule por vezes uma interrogação filha da perplexidade),
enquanto no fantástico se está com estupefacção a contas com factos que não
podem deixar de ser atribuídos ao sobrenatural. No relato de suspense o herói é
por vezes sacrificado frente aos olhos do leitor, para que este sinta nos ossos
o arrepio acre do sangue. Neste género tocam-se também as fronteiras do humor
negro, o que é bem exemplificado pelos filmes de Alfred Hitchcock, feitos a
partir de novelas conhecidas. A inflexão característica do suspense é a tensão
contínua e enervante. Como pormenor curioso, veja-se o sucedido com a película
de William Castle “Sinfonia macabra”, extraída do belo livro de Theo Durrant “A
floresta de mármore”: a companhia produtora do filme estabeleceu um seguro de
vida de três mil dólares a conceder aos herdeiros do espectador que porventura
viesse a falecer de colapso cardíaco durante a projecção…Golpe publicitário,
evidentemente. Mas, publicidade à parte, a verdade é que a novela de Durrant,
superiormente concebida, (e presumivelmente a película de Castle) faz com que a
angústia nos agarre nas primeiras vinte páginas e não mais nos abandone.
Em suma: no suspense, como é bem
exemplificado nas obras do escritor que sob os nomes de William Irish e Cornell
Woolrich nos deixou textos surpreendentes, a ameaça latente e oculta está
sempre prestes a destruir o precário equilíbrio do mundo entre o místico e o
sardónico que se convencionou existir no relato.
O romance de espionagem –
geralmente virado para a acção em que se degladiam membros dos serviços de
informação de potências rivais – donde o mistério não está ausente embora
tenha, digamos, um tom mais operacional, viria a produzir diversas obras
igualmente de grande recorte: caso dos clássicos “A máscara de Dimitrios” de
Eric Ambler, “O enigma da areia” de Erskine Childers, “Os trinta e nove
degraus” de John Buchan. Modernamente, os excelentes tours de force de John Le Carré (“O espião saído do frio, “Chamada
para o morto”), “Memorando de Berlim” de Adam Hall, “A ficha Odessa” de
Frederick Forsyth, “A areia beber-lhe-á o sangue” de Yves Fougères, “O caso
Ipcress” de Len Deighton, “Testamento de um espião” de Henry Maxfield entre
outros.
Vejamos agora outra subdivisão – que participa do policial, se mete pelo
romance de aventuras, não anda longe do género intriga internacional e chega a
ser um parente do suspense: o que por sua vez se subdivide nas espécies “ladrão
de casaca” e “génio do crime”. Da primeira são exemplos os famosos textos sobre
as peripécias de Arsène Lupin, de Maurice Leblanc, o “Raffles” de E.W.Hornung e
o “Santo” de Leslie Charteris; da segunda os não menos famosos “Fântomas” de
Pierre Souvestre & Marcel Alain (que fez as delícias dos surrealistas
franceses) e o “Dr. Fu-Manchu” de Sax Rohmer. Esta última espécie tem
eventualmente ligações com um ramo da ficção-científica que põe em equação poções
milagrosas e engenhocas bélicas.
Quanto ao “ladrão de casaca”, é
por norma uma personagem plena de recursos imaginativos e físicos, desembaraço
pessoal e espírito de iniciativa que em geral utiliza contra os membros da
classe francamente abastada. Esta espécie é uma das mais deliberadamente
subversivas da LP (tanto Leblanc como Souvestre/Alain vogaram nas correntes
libertárias). É o que nos apresenta com maior soma de pormenores a avidez, a
falta de humanidade e a decadência das classes altas, com o seu acervo de
preconceitos, vilezas e tiques. À maneira do Hermes grego, deus dos rapinantes,
ou do Robin dos Bosques saxónico, o ladrão de casaca alivia esses afortunados
das suas bolsas confortavelmente recheadas, já que não é possível nem tal se
pretende serem aliviados da sua consciência demasiado pesada… A talhe de foice,
refira-se que Lupin constava do Índex vaticanista e foi durante certo tempo
interdito pelo regime salazarista, não falando da Alemanha nazi, da Itália
mussoliniana e da Rússia fascista vermelha. A literatura policial é, com
efeito, filha das sociedades onde o capitalismo liberal teve de consentir as
liberdades básicas (para disfrutar de um mais aberto quotidiano mercantil),
onde estas são relativamente respeitadas e garantidas – é por assim dizer um
dado literário a partir das sociais democracias, com o seu cortejo de leis
dissuassoras e protectoras da propriedade privada. O que fica entre umas e
outras é que constitui pois o campo onde a LP se exerce. Não é por isso de
estranhar que aqui se cite uma espécie que goza de muita popularidade: a novela
que em parte decorre nos tribunais e tem a ver com o Direito, de que são
exemplos consistentes e mais conhecidos o “Perry Mason” de Erle Stanley Gardner
(ele mesmo causídico de renome) e o “Senhor Tutt” do canónico Arthur Train.
Nesse tipo de relato o advogado-detective demonstra que as formalidades da lei
podem falhar, mas ao deslindar a meada que enleava o seu constituinte,
desmascarando ao mesmo tempo o vero culpado, demonstra também que afinal em regime
aberto as leis contam positivamente, porque nunca num regime autoritário o
advogado poderia subtrair um sujeito dado antecipadamente como prevaricador ao
cutelo do juiz: em ditadura (ou partidocracia cripto-autoritária, como a
lusitana), o destino individual não conta ou está sujeito aos interesses do
Estado ou da clique dominante (isso verifica-se entre nós), tanto faz ter-se um
como outro preso no calabouço, ou não ter mesmo nenhum se o díscolo fôr da
classe dominante. O que nesses regimes conta é que o aparato social (de que os
magistrados são, como eles mesmos sabem e sentem, um dos elementos orientados)
não seja posto em causa – e, além disso, em regimes autoritários os
procuradores públicos nunca se enganam…
Não devemos esquecer-nos, quando encaramos a literatura policial, da
reflexão epigrafada por Louis Vax a propósito das coordenadas que configuram o
fantástico, comuns à estrutura da LP: para que haja escândalo racional é
necessário que a regra seja sensível. Deste modo, só numa sociedade onde a vida
humana – ou o seu apagamento – conte é que é possível achar-se horrendo que um
sujeito ou sujeita tenha a goela impunemente cortada…
A existência de uma LP consistente é, assim, um índice seguro de
democracia – ainda que imperfeita ou maculada por inanidades.
Que escritores viria a LP a revelar, em cada uma das suas divisões ou
espécies? Quais os seus melhores representantes? Os que mais longe levaram, com
originalidade e vigor raros, os diferentes matizes dessas criações? Temos vindo
a citar alguns, mas insistamos neste voo gastronómico.
O relato de enigma puro acharia a sua mais rica expressão em autores
como Conan Doyle, Émile Gaboriau, R. Austin Freeman, E.C. Bentley, os contistas
Jacques Futrelle (morto prematuramente no naufrágio do Titanic), Ernst Bramah
(criador do detective cego Max Carrados), Melville Davisson Post com o seu Tio
Abner; os já citados Dorothy Sayers, inventora de Lord Peter Wimsey; S.S. van
Dine com o seu Philo Vance, coleccionador de arte; John Dickson Carr/Carter
Dickson que deu vida a, entre outros, Dr. Gideon Fell (traçado a partir da
figura de G.K.Chesterton), Sir Henry Merrivale e Inspector Bencolin; Agatha
Christie, mãe de Hercule Poirot, miss Jane Marple, Harley Quin e mr.
Satterthwaite e a fogosa dupla Tommy & Tuppence; Ellery Queen, ianque magro
e psicólogo criminalista (afinal a condensação dos primos Frederic Danay e
Manfred Lee); Anthony Berkeley, que desdobrou a sua excepcional inventiva nas
abracadabrantes novelas estreladas por Roger Sheringham; Michael Innes, com a
sua especificidade britânica; Freeman Wills Croft, Stanislas-André Steeman,
John Rode, Francis Beeding…
Repare-se que os nomes epigrafados são apenas alguns de entre dezenas
possíveis. E de primeiríssima água…Desde logo, seria talvez fastidioso referir
aqui mais autores, tanto mais que não se trata de ostentar erudição mas de ser
– assumidamente – reconhecido a nomes que tanto nos deram e a quem nunca
deixaremos de prestar a melhor homenagem, que é a de os reler e os divulgar. E
não fazemos nada de mais, uma vez que muitas destas narrativas podem figurar e
nalguns casos figuram honradamente ao lado de textos destacados da chamada
“literatura geral”. É o caso de “Convite para a morte” de A.Christie que já tem
sido analisado, dum ponto de vista estrutural e da construção literária, ao
lado de escritos de Tolstoi, Balzac, Gogol ou Baudelaire – no sentido de se
perceber como é que um texto progride no seu espaço próprio. O interesse
peculiar desta novela reside na notável construção narrativa, na riqueza caracteriológica
e no permanente clima de mistério e tensão (uma pesada ambiência
lírico-dramática) em que a estória decorre. Tal facto ilustra por si só o
relevo que a LP acabou por granjear junto de públicos cultos e desataviados
(mesmo que populares), de críticos lúcidos e não-anquilosados e de ensaístas
competentes (e sem fantasmas de cátedra – não como sucedeu no tristemente
célebre artigo de Edmund Wilson, que arteiramente pretendeu julgar a LP
mediante a frugal análise dum fraco livro de Rex Stout, além de lançar
amenidades inteiramente despropositadas, injustas e pequeno-burguesas, sobre o
grande e maravilhoso livro de Hammett “O falcão maltês”. Hoje Wilson é encarado
na sua real dimensão: um pseudo-aristocrata das letras cujo horizonte não
conseguia ir além do razoavelmente rotundo ventrezinho académico que lhe servia
de máquina de raciocinar. Enquanto Hammett continuará brilhando através do
encantamento de gerações).
A corrente humanista viria a revelar-se em autores como H.C.Bayley,
Edmund Crispin ou o poeta e pensador G.K.Chesterton, porventura o mais
conhecido representante desta espécie, fascinante em contos como “O martelo
divino”, “A maldição do livro” e “O homem invisível” (que nada tem a ver com o
romance de H.G.Welles), entre outros. Esta corrente, como já referimos atrás,
acompanhou e inspirou mesmo certas preocupações no campo da criminologia,
particularmente quanto ao estudo e compreensão das motivações sociais do que
usa denominar-se crime. É necessário não esquecer que muitas dessas preocupações
não existiam naquele tempo ou eram consideradas muito avançadas ou
revolucionárias para a época, sendo o crime encarado independentemente do meio
social, isto é, como uma fatalidade terrena a partir duma concepção maniqueísta
do Bem e do Mal de raiz caracteristicamente judaico-cristã. A corrente
humanista, praticamente desaparecida após esse período, teve um papel decisivo
na evolução do romance policial para uma temática mais entrosada na realidade
quotidiana, que tentava influenciar para melhor. Ponto intermédio entre o
clássico romance de enigma, whodunit,
e o hardboiled, ela exerceu
certamente influência neste último, mesmo que de forma indirecta, porque é com
o Padre Brown de Chesterton e o Trent de Bentley que a LP afixa a rotura com os
gabinetes fechados, os solares e as mansões no nevoeiro e os processos
tradicionais de investigação. As pegadas e os fios de cabelo cessam de
constituir elementos essenciais na descoberta do criminoso e consequentemente
na economia da estrutura narrativa, uma vez que não podemos esquecer que se
voga em plena ficção. No conto de Chesterton primeiramente citado o criminoso
nem é expressamente referido como tendo sido entregue aos próceres da justiça,
aquela que muitas vezes em determinados lugares encobre de maneira sinistra os
poderosos e se vinga nos fracos. Descoberto pela perspicácia do Padre Brown (alter ego do humanismo chestertoniano),
o “homem invisível” em causa passeia longamente pelas colinas cobertas de neve
com o sacerdote-detective, “á luz das
estrelas”, buscando a comunicação humana com o seu captor – que é um seu
semelhante. Mesmo sendo num mundo de ficção (e não podemos esquecer que
Chesterton era um católico sui-generis, por sensibilidade de coração embora
tentasse convencer-se que o era por razões racionais e um poeta benignamente
anarquista) convenhamos que isto tem o seu peso. Os representantes da corrente
humanista, antes de quaisquer outros, puseram em causa as teias duma sociedade
desinteressada dos outros, sem que todavia nos seus relatos se perdesse o alto
perfume de imaginação, mistério e poesia efectiva.
Herdeiro destes autores, mas num registo já decididamente contemporâneo
e permeabilizado pelo quotidiano em que já apareciam quadrilheiros e assassinos
psicopatas imersos num cenário parisiense com as típicas incidências dum
ambiente latino, é o belga tornado francês Georges Simenon com o seu pacífico e
perspicaz, batido no conhecimento dos vícios e paixões humanas, comissário
Maigret. Prolífico, libertário, algo desordenado por vezes nos seus livros dos
últimos anos, Simenon foi justamente considerado um dos melhores narradores de
língua francesa, literatura geral incluída (lembram-se de “Os sinos de Bicêtre”
e de “O homem que via passar os comboios”?). Nos seus polars “Condenado à morte”, “A paciência de Maigret” ou “Maigret em
Paris”, entre tantos outros da primeira fase, sentimos uma emoção nova enquanto
leitores. Toda a sua obra está repleta de referências estilísticas que, de
maneira muito própria, o aproximam do hardboiled
e do melhor realismo americano de autores como Irwin Shaw e o Faulkner de
“Gambito de cavalo”. Claude Roy, num saboroso texto que lhe dedicou, inserido
no bloco de ensaios intitulado “O homem em questão”, chama-lhe “tranquilizante e humano como um médico de
família, que assim que chega, com a sua presença cálida, começa só por isso
logo a curar”.
No que concerne ao romance negro (hardboiled),
os já citados Hammett e Chandler foram como que a testa de ponte de um pelotão
que contava com soldados exímios como Bart Spicer, Henry Slesar, Wade Miller
(autor, sob pseudónimo, de “A sede do mal” de onde Orson Welles extraiu o script da sua memorável película).
Verdadeiros expoentes do género, a influência destes autores na
literatura americana moderna – tal como a de Damon Runyon – foi imensa e ainda
hoje se sente. Patenteia-se claramente, mesmo num registo revivalista,
extravasando do seu âmbito para se projectar nos domínios da banda-desenhada,
da pintura, do cinema e do design. Lembremos, a talhe de foice, as películas
que deram fama a Humphrey Bogart e os seus avatares, a iconologia pop de grande parte de desenhadores
estadunidenses e as estórias em quadradinhos do “Agente X-9” de Lee Falk, além
de troncos modernos que vão até ao enfoque sociológico.
A descrição desapaixonada e dura que nos deixaram da realidade
societária do seu tempo, coincidente com o crescimento económico que se sucedeu
com grande energia e talvez excessiva fogosidade aos momentos penosos da Grande
Depressão, mereceu a atenção, as inimizades e até os incómodos perpetrados
pelos mordomos da classe dominante. Hammett chegou a ser interrogado pelos
asseclas de McCarthy, onde se encontrou durante algum tempo o nosso conhecido
Richard Nixon.
Além destes, outros autores vieram assegurar uma descendência de
qualidade, como Charles Williams, autor de relatos duros e bem estruturados
pondo em cena um meio social típico da média burguesia das little towns visto pelos olhos desencantados de heróis solitários;
Ross Mac Donald (criador do másculo e amargo Lew Archer); Chester Himes,
descrevendo a existência dos negros dos bairros pobres; Brett Hallyday, William
Mac Givern, Ed McBain, Richard Stark. Na sequência, outros autores se
destacaram, como o italiano Giorgio Scerbanenco, os franceses Albert Simonin,
Auguste le Breton, Didier Daeninckx… Não deve esquecer-se também a acção de um
autor como Horace McCoy, que ajudou a tornar familiares ambientes
característicos onde os duros arriscavam a pele e a sorte; e, ainda, James
Hadley Chase com uma dupla de obras-primas (“Não ofereçam flores a miss
Blandish” e “A carne da orquídea”). Consideremos, ainda, um autor que mais
tarde se afastaria do policial para trabalhar como argumentista na televisão,
Bill Ballinger, autor dum dos melhores romances policiais de sempre, o
apaixonante “Versão original”, além de dois outros interessantes crime-stories, “Caminhos cruzados” e “O
dente e a garra”.
Hemingway afirmou um dia modestamente: “Daria tudo para escrever uma estória como as que escreve Dashiell
Hammett...”. Tinha razão o autor de “Contos de Nick Adams”…pelo menos em
parte. Recorde-se, o que dá o nível da qualidade deste homem, que ele escreveu
um conto, “Os assassinos”, que ainda continua a ser um dos melhores do género e
inspirou um famoso filme protagonizado pelo mítico Burt Lancaster.
Alguns dos representantes do hardboiled
enfileiram naturalmente ao lado de Faulkner, “o introdutor – como alguém lhe chamou – da tragédia grega no romance policial”, de Erskine Caldwell, de Dos
Passos, de Steinbeck, de Norman Mailer, na galeria dos grandes realistas
americanos. As suas novelas, contidas e densas, continuam a ser justamente
reeditadas e seguem sendo relidas pelos entusiastas, para além de lidas por
novas gerações de apreciadores.
Raymond Chandler, talvez não por acaso – certamente não por acaso – foi quem um dia disse: “Tudo começou talvez pela poesia. E por aí
tudo continuará”. Afirmação justa e lúcida. E significativa, não acham?
A contestação da literatura policial por parte de adversários que, mercê
das suas limitações de imaginação e sensibilidade, não lhe souberam perceber as
virtualidades e a beleza, teve entretanto algo a ver com o aparecimento de
sucedâneos espúrios das novelas hardboiled,
como atrás se aflorou. Mas já este também fora contestado: alguns críticos e
até alguns adeptos da LP esgrimiram vivamente contra ele, porque a seus olhos a
pureza do romance de enigma estava a
ser posta em causa por esses relatos de cigarro ao canto da boca, repassados de
bofetões quando calhava, com cheiro a uísque e, mais grave, com algumas
descrições (e como isso hoje nos parece ingénuo!) de uma que outra beldade em
trajes menores tentando caçar o herói.
Através de livros como “A dama do lago” (Chandler), “A chave de vidro”
(Hammet), “Luz sombria” (Spicer), a LP tinha corrosivamente ajustado contas,
ajudada por películas de realizadores como Hawks, Houston, Heisler ou Dassin,
com o ambiente de repressão e hipocrisia então reinante. Foi uma consequência
da contra-informação virem sub-literatos estipendiados ou oportunistas tentar
reconstruir, por reflexo sublimado, o universo policiesco sonhado pelas camadas
médias, pequeno burguesas e ligas moralistas apertadas entre o duplo receio dos
monopólios e da proletarização. Um universo de ordem e autoridade no velho
estilo, em que o protagonista loiro e musculado aparece a colaborar
dissimuladamente com a repressão explícita. Havia diferença evidente entre um
Philip Marlowe, que mantinha sempre a lucidez e a verticalidade, perfumadas com
uns highballs, e esses ginasticados cavernículas,
amantes inesgotáveis que juntavam a sensualidade primária e a brutalidade num
coquetel insuportável.
Devido a essas banalidades mistificadoras, contudo, a LP ficou aos olhos
de gente decente mas pouco lida associada a algo que lhe é perfeitamente
distante.
Saliente-se que toda a literatura, como produto humano que é, tende a
ser devorada pelos donos do status quo
ou, pelo menos, a ser encoberta por uma cortina de fumo. É natural que o mesmo
se tenha passado, pelo menos durante algum tempo, com este género específico.
Mas tal não significa que o dito status
quo consiga sempre os seus intentos na perfeição. A arte é um facto de
homens para homens e a LP, felizmente, está de novo a atravessar um período em
que os subprodutos se vêem progressivamente afastados. Já se percebeu que
determinadas modas, que a princípio
consistem em movimentos lógicos porque articulados pela progressão do jogo
imaginativo, mas a breve trecho são controladas por editores inescrupulosos ou
ávidos, não poderão jamais manchar a LP, também porque os hábitos de ler assim
o vão facultando. Se é verdade que se foram para sempre, como a nossa
adolescência, os tempos da maravilhosa ingenuidade, esses lugares da doce
aventura dos dias e se afastou o perfume de magia que lhe conferiram autores
como Carr, Chesterton, Wallace, Innes, Beeding, Dennis Wheatley, Robert Barr ou
Gaston Leroux e dezenas de outros, ainda existe um vasto campo de futura
afirmação. Aí estão os Jean-Patrick Manchette, as Donna Léon, os Michael
Connely, as Elisabeth George, as P.D.James, as Fred Vargas, os Bill Pronzini,
os Tonino Benacquista, os Jacques Sadoul, as Anne Perry, os Hank Searls, os
John Connolly e muitos mais, transportando o lume sagrado.
Como disse em tempos Dinis Machado, escritor português de valor (o nobre
autor de “O que diz Molero”) e também ele grande entusiasta do género, “Os mistérios da alma humana, a ambição, o
egoísmo, tudo isso vai ser atravessado por um novo tipo de tecido textual e vão
fazer-se coisas novas, refazendo noutro percurso aquilo que foi o romance negro
americano. O romance policial não morre…”. Para nós, tal percurso poderá
vir a ser encontrado – está a ser encontrado! – na fusão entre os elementos
característicos da ficção dedutiva e o élan
conceptual das novas formas de expressão e narração literária que passa por
autores tão excitantes, mas tão diferentes, como Le Clézio, Kingsley Amis,
Philipe Claudel, Suskind ou Frédéric Richaud. A LP continuará, cremos, a
reflectir com vigor e sensibilidade a luta pelo lugar ao sol, o negrume das
novas selvas urbanas, as modificações a ocidente e as consequências da implosão
a leste, a emergência do islamofascismo e do racismo paralelo e a sedimentação
dos blocos regionais, tal como as respostas de cariz individual que
atravessarão, mais uma vez, a vida particular e íntima de cidadãos num século
permeabilizado pelas presuntivas conquistas das ciências de ponta.
Será, em suma, o que tiver de ser a literatura geral, pois hoje
entende-se melhor que o seu futuro está intimamente ligado. No fundo, não há
hoje romance que aqui e ali não transpire elementos típicos da LP. O que é
sociologicamente compreensível (os novos tempos estão mais tocados pelos ritmos
muito impositivos da globalização, que se tem algumas consequências positivas
cria também novas dependências não apenas formais), mas não deixa de reflectir
um certo fascínio a que esses autores são permeáveis, já que dão por si
mergulhados na criação de textos filiados na vizinhança da crime story que deve a maior parte da sua existência às virtudes do
sonho, do desejo de independência pessoal e do maravilhoso imaginal: o desejo
humano de mais luz.
A LP continuará pois a extrair da realidade circundante quer as suas
aparências quer os seus enigmas, já que é uma literatura de imaginação e não um
relatório policiesco quer de fideístas quer de comunidades civis.
Sendo a LP uma consequência de dados sócio-históricos bem determinados,
como a presença de organismos de controle ou informação, angústia existencial e
o aparecimento de franjas marginais, na sociedade moderna e num quadro
democrático, de novos ricos e novos pobres, nela estarão sempre menorizados se
acaso existem tendo alguma expressão, os autores que apenas foram
propagandistas mais ou menos estipendiados e aproveitadores. Embora nunca o estejam
os autores consistentes, como um Arthur Morrison, uma Mary Roberts Rinehart, um
O.Henry e todos os outros cujo nome espalhámos pelo corpo deste artigo, pois o
coração do leitor está destinado às obras de qualidade tenham a idade que
tiverem. Haverá sempre algures um adolescente que, escapado às águas muitas
vezes pantanosas dos audiovisuais, abrindo um livro de Maurice Leblanc sentirá
como uma revelação o arrepio legítimo que as peripécias de Lupin souberam
despertar nele. Ou a nostalgia singular que numa tarde mais escura, no espírito
de uma jovem senhora ou de um cavalheiro, se soltará de certos trechos de “Um
toque de morte” (Williams), ou de “O imenso adeus” (Chandler), quando Marlowe
se desloca sob a chuva na noite citadina, perseguido pelo som insistente e
melancólico de um saxofone como havia naquela rua quando ainda não lutava
sozinho…
E se a LP fascina mais, sobretudo, devido aos velhos mestres, isso é a mostra palpável de que se trata de um
género lídimo, que conservou no tempo a poesia difusa que doutra forma, desse
tempo, se teria perdido. As relíquias do período dourado, aconchegadas hoje nas
prateleiras de um apreciador ou, com mais pó e mais pátina, soterradas nas
estantes de alfarrabistas (esses maravilhosos labirintos do conhecimento possível
que se vasculham nas cidades que consentem o espaço do sonho) não cessam de ser
recuperados para a luz pelos seus eternos amantes, os que não perderam a
faculdade de se emocionar e entre os quais se encontra uma certa juventude
prenhe de sensibilidade e atenta imaginação.
John Steinbeck disse algures: “Gosto
de ler livros policiais. Mais que um repto à minha imaginação e inteligência,
eles exercem sobre mim esse fascínio que vem do pêndulo que oscila entre a vida
e a morte”. Sem dúvida. Além de que, quer queiramos quer não, a vida e a
morte continuam a ser um tema a que ninguém pode escapar…
Dedico a publicação deste pequeno estudo a Fernando Savater, filósofo e
leitor intemerato que sabe viajar pelos continentes recônditos da escrita – ns
Apêndice
Incontornáveis (detective novel, crime
story, thriller & suspense)
Neste rol, onde apenas é referido um livro de cada autor, a ordem
cronológica não é exaustiva mas simplesmente indicativa. Foram respeitados os pseudónimos com que
certas obras originalmente se editaram. Obras não editadas em língua lusa
intitulei-as de acordo com o original.
A carta roubada e outros contos de mistério
– Edgar Allan Pöe
O caso Lerouge – Emile Gaboriau
O mistério de Edwin Drood – Charles Dickens
O velho no canto – Baronesa de Orczy
A pedra da Lua – Wilkie Collins
Noites da nova Arábia – Robert Louis
Stevenson
O cão dos Baskervilles
– Arthur Conan Doyle
O mistério do quarto amarelo – Gaston Leroux
O inquilino – Belloc Lowndes
Crime impossível (O mistério de Big Bow) –
Israel Zangwill
Raffles – E.W.Hornung
O crime da 5ª avenida – Anna Katharine Green
A pista na neve – Godfrey R. Benson
O mistério do fiacre – Fergus Hume
Os triunfos de Eugène Valmont – Robert Barr
A máquina pensante – Jacques Futrelle
O oitocentos e treze – Maurice Leblanc
A mansão que escuta – Mabel Seeley
O agente secreto – Joseph Conrad
O enigma da areia – Erskine Childers
Cinco minutos fatais – R.A.J.Walling
O assassinato de Abel Webb – R.Austin
Freeman
O mistério da escada de caracol – Mary
Roberts Rinehart
O quarto cinzento – Eden Philpots
O ladrão delicado – O.Henry
A inocência do padre Brown – G.K.Chesterton
O misterioso Dr. Fu-Manchu – Sax Rohmer
Knock-Out – Sapper
A casa da Flecha – A.E.W.Mason
Silêncio
por obséquio – Manning Coles
Noites de
Limehouse – Thomas Burke
Os crimes
de Praed Street – John Rode
O
detective cego – Ernst Bramah
O último
caso de Trent – E.C.Bentley
O lobo
solitário – Louis-Joseph Vance
Os trinta
e nove degraus – John Buchan
O castelo
vermelho – H.C.Bayley
Crime no
templo – J.S.Fletcher
Homem ao
mar – Freeman Wills Croft
Sangue
sobre a neve – Hilda Lawrence
Um crime
a bordo – Dennis Wheatley
Um alibi
de dez minutos – Anthony Armstrong e Herbert Shaw
A máscara
de Dimitrios – Eric Ambler
Os contos
do tio Abner – Melville Davisson Post
O
assassino e a vítima – Hugh Walpole
Convite
para a morte – Agatha Christie
O clube
dos cachorros sujos – P.C.Wren
Revisão
de processo – Dorothy L.Sayers
A torre e a morte – Michael Innes
O círculo
vermelho – Edgar Wallace
Um caso
de isenção – Josephine Tey
A lima –
Philip McDonald
A mão
decepada – Joel Townsley Rogers
Ladrões
como nós – Edward Anderson
Tutt e o
Senhor Tutt – Arthur Train
O livro
do assassinato – Frederic Irving Anderson
A
comovente loja de brinquedos – Edmund Crispin
O
mistério da casa vermelha – A.A.Milne
Noites de Sing-Sing – Harry Stephen Keeler
Fantomas – Pierre Souvestre e Marcel Allain
Atrás da
cortina – Earl Derr Biggers
Os doze
jurados decidem – Raymond Postgate
Laura –
Vera Caspary
O
julgamento Bellamy – Frances Noyes Hart
Rito
mortal – Anita Blackmon
Sombras
na noite – Adèle Seifert
O
ministério do medo – Graham Greene
Verde,
sinal de perigo – Christianna Brand
Matulões
e bonecas – Damon Runyon
Três
igual a um – Stanislas-André Steeman
A morte
passeia em Eastrepps – Francis Beeding
O
insuspeito – Charlotte Armstrong
Versão
Original – Bill S.Ballinger
Um homem
de talento – Patricia Highsmith
Morto à
chegada – Russel Rouse e Clarence Green
A minha
vida por um cadáver – Eleazar Lipsky
Um caso a
resolver – Edgar Lustgarten
Num lugar
solitário – Dorothy B.Hughes
Os crimes
do bispo – S.S. van Dine
Pagamento
adiado – C.S.Forrester
O agente
britânico – W.Somerset Maugham
O
assinante da linha U (trilogia) – Claude Aveline
Homicídio
no campo – Margery Allingham
O cadáver
de argila – Mary Kelly
A areia
beber-lhe-á o sangue – Yves Fougères
O
mistério dos bombons envenenados – Anthony Berkeley
Suspeita
– Francis Iles
O
mistério da cruz egípcia – Ellery Queen
A tragédia de Y – Barnaby Ross
O falcão
de Malta – Dashiell Hammett
O enigma
da virgem de ferro – John Dickson Carr
À beira
do abismo – Raymond Chandler
Os crimes
da viúva vermelha – Carter Dickson
Um toque
de morte – Charles Williams
O alvo
móvel – Ross MacDonald
Seguro de
morte – Hubert Montheillet
Condenado
à morte – Georges Simenon
A carne
da orquídea – James Hadley Chase
Obsessão
– Lionel White
Espero-te
no inferno – James Brussel
A caixa
vermelha – Rex Stout
A parede
vazia – Elisabeth Sanxay Holding
Departamento
de casos perdidos – Roy Vickers
Caçador
de homens – Richard Stark
Tem a
palavra o morto – O.Sorensen
Jogo
duplo – Lucien Prioly
Acidente
ou crime? – James Hilton
Ritual da
morte – Ngaio Marsh
O caso
das garras de veludo – Erle Stanley Gardner
Um número
à escolha – Anders Bodelsen
O
assassino dentro de mim – Jim Thompson
Um milhão
de dólares – Ed Lacy
Diz adeus
ao dia de amanhã – Horace McCoy
Crime no
Atlântico – Mignon G. Eberhart
Este
homem é perigoso – Peter Cheyney
O
mistério do quarto fechado – Frank Gruber
A
vingança é minha – Mickey Spillane
Chantagem
mortal – Elmore Leonard
Sem
amanhã – William P. McGivern
O
carteiro toca sempre duas vezes – James Cain
A
floresta de mármore – Theo Durrant
A noiva
vestia de negro – Cornel Woolrich
A mulher
fantasma – William Irish
Crime no
tribunal – Craig Rice
A fera
tem de morrer – Nicholas Blake
Seis
crimes sem assassino – Pierre Boileau
A mulher
que viveu duas vezes – P.Boileau/Thomas Narcejac
Armadilha
para gata borralheira – Sebastien Japrisot
A
condessa caridosa e outros contos – Leslie Charteris
Divórcio
sangrento – A.A.Fair
O hóspede
fantasma – Hillary Waugh
Sílvia –
E.W.Cunnigham
O homem
oculto – Donald Westlake
O preço
do engano – Elisabeth George
O
inocente – Mário Lacruz
O prazer
de matar – Frederic Brown
Rififi –
Auguste le Breton
Não
toquem na massa – Albert Simonin
Jogo sem regras
– Michael Gilbert
Um caso
de espíritos – Peter Lovesey
Fumo sem
fogo – Jacques Decrest
Homicídio
retardado e outros contos – Henry Slesar
O
assassinato de minha tia – Richard Hull
Ódio mortal – Ed McBain
Jennifer 8 – Bruce Robinson
O espião
que saiu do frio – John Le Carré
Memorando
de Berlim – Adam Hall
Jogo
fatal – David Mamet
Quem me
matou? – Oliver Séchan e Igor B.Maslovski
Atropelamento
e fuga – Richard Deming
Gambito
de cavalo – William Faulkner
O
impostor – E.Philips Oppenheim
Voltaremos
no Natal e outros contos – John Collier
Oito
milhões de maneiras de morrer – Lawrence Block
Um
domingo esquecido – Fred Kassak
Luz
sombria – Bart Spicer
Week-end
trágico – Yves Dartois
És tu o
veneno – Frederic Dard
Bom dia
pesadelo – Pierre Signac
O mar, o
amor e a morte – Saint Gilles
O
estranho poder do Prof. Lorrain – Simone d’Érigny
O crime
de Ludovic – Charles Exbrayat
A morte
acompanha-nos na viagem – Thomas Narcejac
Inquérito
policial na 4ª dimensão – Ralph Corbedane
A viúva
negra – Patrick Quentin
Bullit –
Robert L.Pike
O caso
Ipcress – Len Deighton
120, rua
da Gare – Léo Malet
A gata
persa – Alessandro Varaldo
O quarto
do bispo – Piero Chiara
Os
incendiários da floresta – Hank Searls
As doze
figuras do mundo – Bustos Domecq
Psico –
Robert Bloch
Memórias
do crime – Ray Bradbury
O homem
da meia-noite – David Anthony
Inquérito
privado – William Worley
O perfume
do dinheiro – Chester Himes
Tratamento de choque – Winfred van Atta
Crimes
sombrios – Roderick Thorp
Tatuagem
– Manuel Vasquez Montalban
A dália
negra – James Ellroy
A
derrapagem – Gilles Perrault
O
fugitivo – Robert Fish
Meia
noite e Um – Gavin Lyall
Crimes
para arquivar – Didier Daeninckx
A selva
do asfalto – W.R.Burnett
A fera solitária e o ditador – Geoffrey Household
Entre o
crime e a lei – Walter Hill
A golpada
– Robert Weverka
Ao cair
da noite – David Goodis
O cabo do
medo – John D. MacDonald
Zly, o
mau – Leopold Tyrmand
O
mistério de Gorky Park – Martin Cruz Smith
O buraco
da Agulha – Ken Follet
O anjo da
vingança – Giorgio Scerbanenco
Desaparecida
no bosque – Colin Dexter
O Chacal
– Frederick Forsythe
A casa do
gelo – Minette Walters
Os rios
de púrpura – Jean-Christophe Grangé
Pátria –
Robert Harris
Mistérios
– Isaac Asimov
O homem
demolido – Alfred Bester
A caçada
sem fim – Bryan Forbes
O espião
da Sibéria – Lionel Davidson
O último
patriota – Brad Thor
Perto do
anoitecer – Eric Red
A
promessa – Friedrich Durrenmatt
O dossier
pelicano – John Grisham
O mestre
de esgrima – Arturo Pérez-Reverte
Cidade de
ossos – Michael Connely
Um tiro –
Lee Child
Postmortem
– Patricia Cornwell
Messias –
Boris Starling
Coma – Robin Cook
O cão de barro – Andrea
Camilleri
Crime no 31º andar – Per
Whaloo
A maldição do corvo
negro – Ann Cleeves
Vai e não voltes
tão depressa – Fred Vargas
A caverna das ideias – José Carlos Somoza
O silêncio da chuva – Luis Alfredo
Garcia-Roza
Natureza morta –
Louise Penny
Águia de sangue –
Craig Russell
Sentença de morte
– Val McDermid
O mistério do
livreiro assassinado – Liliane Korb e Laurence Lefèvre
NICOLAU SAIÃO (Portugal, 1946). Poeta e artista plástico, com atividades ligadas ao Surrealismo desde o princípio, quando participou de várias mostras internacionais de arte postal. Em 1984, juntamente com Mário Cesariny (1923-2006) e Cabral Martins (1950), organizou a exposição O Fantástico e o Maravilhoso. Estudioso e tradutor da obra de H. P. Lovecraft, em 2002 organizou a primeira edição integral em todo o mundo de Fungi From Yuggoth (1943), tendo também a ilustrado. Quando em 2006 organizei o volume Olhares perdidos, disse a respeito de seu autor: O olho posto sobre a obra de Nicolau Saião, o convívio com ela, ir tomando seu pulso a cada desdobramento de imagens, sondando como as presenças evocadas saltam do plano poético para a plástica, como ele rabisca imagens que depois transitam com exímia vertigem de um ponto a outro, essa intimidade de figuras que saem e entram a todo instante em salas aparentemente distintas, exuberância serena com que o poeta se mostra e ao mesmo tempo oculta partes de si, dá-nos uma prazerosa sensação de entrar no espelho como se tratasse de um mergulho na memória. Este é o poema central de sua obra: trazer de volta da transfixação da linguagem o que cada um de nós considera único em sua experiência. Dentre seus livros: Os objetos inquietantes (1992) e Flauta de Pan (1998). Em nossas conversas virtuais, o Surrealismo está sempre na pauta, particularizando ações e realizando algumas boas cumplicidades, incluindo suas valiosas colaborações para a Agulha Revista de Cultura.
CARLOS MARTINS (Portugal). Pintor, ceramista, colagista, galerista e membro do Movimento Surrealista Internacional. Colaborador em diversas realizações artísticas surrealistas, foi membro do Bureau Surrealista Alentejano e, a seguir, do Bureau Surrealista de Lisboa, tendo levado a efeito, com Mário Cesariny, a Exposição Internacional de Surrealismo e Arte Fantástica – com o apoio do Movimento PHASES (França) e de diversos autores das secções internacionais daquele Movimento.
ANA MARIA PACHECO (Brasil, 1943). Escultora, pintora e gravadora. Sua obra possui um acento impressionante estabelecido no centro das relações entre sexualidade e magia, sem descuidar da tensão inevitável entre Eros e Tanatos. A personificação de sua escultura encontra amparo vertiginoso nas lendas, mitos e em sua própria biografia. Tendo sido inicialmente atraída pela música, nos anos 1960 foi exímia concertista, porém o piano iria encontrar melhor abrigo, com sua força rítmica sugestiva na narrativa que acabou aprendendo a compor, a partir de sua fascinação pela escultura barroca policromada e o ideário ritualístico das máscaras africanas. Nos anos 1970 viajou para estudar na Slade School of Art em Londres e ali mesmo resolveu mudar definitivamente de endereço. Com o tempo foi desenvolvendo uma maestria singular, a criação de conjunto escultórico que se destacava como a representação tridimensional de uma narrativa. Embora tenha igualmente se dedicado à pintura, com seus trípticos fascinantes, é na escultura que esta imensa artista brasileira se destaca, com o uso de recursos teatrais e a mescla de elementos constitutivos de diversas culturas. É também uma valiosa marca sua a montagem de cenas emprestadas da literatura ou de evidências do cotidiano. Agradecimentos a Pratt Contemporary, Dictionnaire Universel des Créatrices, AWARE – Archives of Women Artists, Research & Exhibitions. Graças a quem Ana Maria Pacheco se encontra entre nós como artista convidada da presente edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 260 | abril de 2025
Artista convidado: Ana Maria Pacheco (Brasil, 1943)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com












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