● A pronúncia esquecida
da realidade
Estamos
à véspera de nossa edição # 100. Este mês aproveitaremos para reorganizar o acesso
geral aos números mais recentes. Planejamos ainda a criação de uma página com nosso
índice geral, não apenas o primeiro cento de maravilhas, como também as edições
paralelas que tratamos por séries especiais, os catálogos dos selos ARC Edições
e Sol Negro Edições. Com a ruína da política, o fracasso da arte e a debacle da
economia, aproveitamos nosso editorial para reproduzir uma resenha de Lúcio Carvalho
dedicada ao livro Democracia
tropical, de Fernando Gabeira. Lúcio Carvalho é autor de A aposta, Inclusão
em pauta, Duas chaves para Antônio e do blog
Em Meia Palavra. Tem atuado como editor
e articulista em revistas culturais, portais, agências de notícias e veículos de
imprensa. Escreve ficção, poesia e crítica literária. E-mail: lucioscjr@uol.com.br.
Esta resenha foi publicada na revista Amálgama
(https://www.revistaamalgama.com.br/),
dirigida por Daniel Lopes, a quem agradecemos pela autorização de sua reprodução,
à qual acrescentamos uma breve nota final.
***
LÚCIO CARVALHO | A democratização e o impeachment por Fernando
Gabeira
O lado bom de resenhar um autor muito conhecido é que qualquer
apresentação da pessoa é desnecessária e pode-se passar diretamente à obra em questão.
Este é justamente o caso de Fernando Gabeira e seu novo Democracia tropical. O livro,
que reúne a recente crônica política publicada por Gabeira na imprensa brasileira
e o seu caderno de notas, é o décimo segundo do jornalista, ativista e ex-deputado
federal.
Tomando como pontos de inflexão
a redemocratização a partir da anistia, em 1979, e o processo de impeachment da
presidente Dilma Rousseff, em 2016, Gabeira unifica a reflexão de quem viveu a luta
armada e o combate à ditadura militar e o desfecho político do processo de consolidação
da alternativa de esquerda no poder. Uma vantagem, se é que se pode chamá-la assim,
de Democracia tropical
em relação aos recentes lançamentos editoriais sobre o impedimento de Dilma, é o
fato de que suas análises estão calcadas no trabalho jornalístico e na observação
dos fatos no calor dos acontecimentos. Quer dizer, não se trata de um trabalho que
visa justificar quaisquer condutas políticas, mas tão simplesmente esmiuçá-las como
quem examina o tempo presente e seus atores, tão bem conhecidos dele mesmo pelo
tempo em que esteve envolvido na política partidária e por ser um cronista das desventuras
do poder no Brasil desde, pelo menos, meio século.
O livro poderia ser tranquilamente
dado como pessimista, e isso não porque ele faça previsões tenebrosas a respeito
do futuro político brasileiro, mas por ter podido confirmar as piores expectativas
que vêm sendo reveladas nos últimos anos. Para o autor, a dinâmica democrática foi
colocada em risco justamente porque o projeto de esquerda tornou-se nominal e apartou
a política do social, configurando-se por moldar-se rapidamente aos principais núcleos
de corrupção existentes. A corrupção, segundo Gabeira, é tanto o elemento de aglutinação
de uma política deteriorada quanto o fenômeno pelo qual a sociedade pode depurar-se,
caso aceite enfrentá-la sem reservas e exceções.
Em linhas gerais, isto é
o que mais importa dizer a respeito do livro, mas ainda há mais, porque o seu texto,
diferentemente da historiografia acadêmica ou da ciência política, está mais amparado
na experiência do que na coleta de impressões ou na organização de fatos isolados.
Além disso, Gabeira empresta à análise dos fenômenos políticos recentes a profundidade
que falta aos trabalhos, digamos, hagiográficos que têm por efeito enaltecer o heroísmo
da classe política e de seus exemplares. Pelo contrário, a história que Gabeira
constrói não é narrada, mas flagrada nos sucessivos tropeços e muitos passos atrás
que os projetos políticos costumam dar no Brasil, sejam protagonizados pelo PT,
PMDB ou PSDB, partidos que dominaram o cenário nacional nas últimas décadas e cujas
figuras máximas reuniram-se melancolicamente, em tempos recentes, na posição de
investigados da operação Lava Jato.
Melancolia e não heroísmo,
portanto, é o substrato das crônicas de Gabeira. Poderia ser enquadrado até como
peça trágica, pois afinal não se trata de uma obra de ficção. A tragédia do real,
apesar de tudo o que se diga a seu respeito, é a de sempre fazer-se sentir na vida
mais imediata das pessoas e também na credibilidade das instituições democráticas.
Contra o sentimento generalizado de falência e de embretamento, Gabeira consegue
ser por ele mesmo alentador, já que não está nem nunca esteve conformado pela “governabilidade”
e, ainda que não seja nem pleiteie ser um entreposto da unanimidade, é dos raros
jornalistas que procuram manter uma visão límpida da história política e dos acontecimentos
recentes. Para quem pensa ainda nos termos de “nós contra eles” ou outras dicotomias
igualmente simplórias, talvez seja bastante difícil ou forçoso localizar nele qualquer
traço de identificação ideológica. Isso importa pouco, porque de quem foi compelido
a limpar de e em si mesmo os vestígios e ranços a que tantos se apegam como se conteúdo
fosse, apenas se deveria exigir clareza e tranquilidade, e isso é o que não falta
nas análises e registros do seu livro.
***
Esqueçamos
o bolsão putrefato e viciado da política. Continuemos produzindo. A arte não deve,
em circunstância alguma, depender do Estado. Sobretudo quando se trata de um Estado
famigerado e corrupto como é o brasileiro. Chega de queimar energia com a hipocrisia
política e midiática. A ralé do oportunismo não deve chegar-se a nós como um encosto.
Vamos dar um chega pra lá e seguir trabalhando. Pode até ser que as novas gerações
não aprendam nada acerca das relações impossíveis entre
Arte e Política. Cabe, a cada um de nós, emborcar o recipiente fecal da política.
Nenhuma bala. Nenhuma vociferação. Esquecer as hóstias carcomidas do mercado de
artes. Parir apenas o essencial. Recriar a vida sem deixar-se dominar pelos fantasmas
guardiões da fama e da conta bancária. Acima de tudo viver, e deixar que a arte
seja o reflexo de nossa liberdade absoluta.
Os Editores
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● ÍNDICE
CARLOS
OLIVA MENDOZA | Erotismo, pornografía y felicidad
ESTER FRIDMAN | Quer a humanidade ser livre?
FLORIANO MARTINS | Valdir Rocha e o mito transfigurado
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/07/floriano-martins-valdir-rocha-e-o-mito.html
GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN | Leonora Carrington
y surrealismo novelado, por Elena Poniatowska
JORGE ANTHONIO E SILVA | A poética na esquizofrenia
MARIA LÚCIA DAL FARRA | Gilka Machado, a maldita
PEGGY VON MAYER | Volver la mirada a Ninfa Santos
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/07/peggy-von-mayer-volver-la-mirada-ninfa.html
RIMA DE VALLBONA | Indicios matriarcales
en las comunidades chorotegas
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/07/rima-de-vallbona-indicios-matriarcales.html
SOFÍA RODRÍGUEZ FERNÁNDEZ | Homenaje
a Max Rojas
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/07/sofia-rodriguez-fernandez-homenaje-max.html
ARTISTA CONVIDADA | TITA DO RÊGO SILVA | VIVIANE DE SANTANA PAULO | Tita do Rêgo Silva
e o mundo fantástico, faceiro e colorido da xilogravura
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Página
ilustrada com obras de Tita do Rêgo Silva (Brasil), artista convidada desta edição.
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Agulha
Revista de Cultura
Número
99 | Junho de 2017
editor
geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor
assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo
& design | FLORIANO MARTINS
revisão
de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe
de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os
artigos assinados não refletem necessariamente o pensamento da revista
os
editores não se responsabilizam pela devolução de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
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Medellín, 4 de julio de 2017.
ResponderExcluirQuerido Floriano, un gran abrazo por estos 99 números, espero hacer parte del contenido del número 100 y celebrar… celebrar. Querido amigo, un magnifico esfuerzo el tuyo. Grande tu insistencia creativa y cultural en este mundo no siempre atento a la creación. Desde mi Medellín celebrando estos 99. [Omar Castillo]
Muita coisa boa, rapaz... Mercy pela remessa.. muito que ler. Uma colega de Hamburg, a gravurista Tita, excelente, vista pela Viviane, minha amiga de Berlin, nossa boa poeta, e a Gilka Machado pela Lúcia Dal Farra... Já foi um bom começo. Agora falta a Eros Volúsia, dançando o Tico-Tico no Fubá (com as fotos, é claro...). Abraxxxxxxas [Zuca Sardan]
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirFELICIDADES POR UN GRAN Y FECUNDO TRABAJO. ESPERAMOS CON GRAN INTERES ESE NUMERO 100. ABRAZOS GRANDES.
ResponderExcluirEL PODER, PARA PODER, NECESITA MÁS PODER. [Saúl Ibargoyen]