● a persistência do mistério
A partir das 11 horas do dia 16 de setembro
de 2017 o Centro Cultural Correios, em São Paulo, receberá a exposição Reflexões
Plásticas, de Valdir Rocha, sob a curadoria de Jorge Anthonio e Silva. A exposição
ficará em cartaz até 19 de novembro, com horário de visitação das 11 às 17 horas.
O artista plástico Valdir Rocha apresentará mais de 100 obras, entre pinturas, esculturas,
desenhos, aquarelas e fotografias. O vernissage inclui ainda lançamento dos seguintes
livros: Valdir Rocha e a persistência do mistério,
de Floriano Martins (Fortaleza: ARC Edições) e Reflexões plásticas de Valdir Rocha, de Jorge Anthonio e Silva (São
Paulo: quaisquer), contando com a presença dos respectivos autores.
Agulha
Revista de Cultura reproduz,
nesta sua edição # 101, um capítulo do livro Valdir Rocha e a persistência do mistério,
reforçando o convite a todos aqueles amigos e apaixonados pela arte e o conhecimento,
que estejam presentes no lançamento e que acompanhem, comentem e divulguem a grandeza
humana da obra de Valdir Rocha.
***
FLORIANO MARTINS | Entrada
na matéria
20 de setembro de 2016. A caminho da fundição
que cuida das esculturas de Valdir Rocha, conversamos detidamente sobre curiosidades
da criação, as águas percorridas até chegar ali, à singularidade estética alcançada
pelo artista. Ele então me disse que o mais provável é que, nele, a escultura tenha
surgido como um desdobramento da pintura e do desenho, e que somente após o convívio
com essa técnica é que começou a estabelecer certas relações de simpatia com outros
artistas. E completou: O importante, para
mim, é que a realização estabeleça diálogo entre as diversas técnicas. Minha escultura
atual parece ter muito da pintura e do desenho. A propósito, o uso da pátina (ato
final da escultura em bronze) é algo que não dispenso mais: funciona como uma pintura.
Isto me lembrou de imediato a observação de
Carlos Soulié do Amaral, de que Valdir Rocha possui um poderoso domínio da ciência de gravar. [1] O que se percebe é a intensidade de uma reserva múltipla de técnicas
que não se cansam de emprestar matizes, sutilezas, materiais, detalhes de toda ordem,
umas às outras. Também se pode dizer que algumas de suas esculturas são provenientes
de águas-tintas e águas-fortes.
Ao chegar à fundição, fomos recebidos por
Marco Pedrassa, com quem conversei um pouco enquanto Valdir se organizava para darmos
entrada na matéria, para esse mergulho entranhável na sala de parto da criação.
Na medida em que fui apresentado a cada um dos mestres eles me passavam as mais
preciosas informações a respeito de cada fase do trabalho. Pouco a pouco fui compreendendo
o que o escultor queria dizer ao afirmar que a pátina funciona como uma pintura.
O primeiro estalo da criação vem com a percepção
de uma forma e sua atuação. Um corpo. Definidos movimento e proporção, o artista
entrega sua ideia, em forma descrita, fotografada ou desenhada, ao artesão, para
que prepare a ossatura, um aramado que permitirá a aplicação da argila, dando assim
uma primeira definição anatômica da obra.
Mas qual forma? De onde ela surge? Como configurar
esse momento mágico de uma necessidade orgânica de criar? Caminhamos pela fundição
enquanto ele comenta: Minha necessidade de
busca criativa tem algumas explicações e também inexplicações: é um impulso irresistível
que me leva a ela. Confesso que sinto certo prazer quando, durante um processo criativo,
encontro algo que pode parecer um acréscimo. Naquela tarde tive a felicidade
de ver o desdobramento de uma de suas esculturas, Ancião, passando pela formatação em cera, a sequência modelada em gesso
e a colocação dos canais de alimentação, antes da imersão do bronze.
Durante o trajeto sempre me indaguei até que
ponto a escultura em bronze é uma arte coletiva. Não é. O artista entrega um modelo
esculpido, em matéria geralmente precária (como a argila, a madeira, a cera, o papier
maché ou o plastiline), à oficina de
fundição, que trata de devolvê-lo
fundido na dimensão estimada. O que ocorre, no caso de Valdir Rocha, é que lhe interessa
participar ativamente de todo o processo de fundição. E em seu decorrer ouve os
mestres artesãos, que chegam a lhe sugerir detalhes. Ao chegar à fase de aplicação
da pátina, o artista não dispensa atuação, sendo justamente naquele instante que
se define a singularidade estética de cada obra. A chama do maçarico, a aplicação
dos ácidos de variadas cores e, às vezes, até um banho de água fria – eis o trio que acentua a personalidade
da escultura de Valdir Rocha.
Uma tarde na fundição reforçou a estima que
tenho por um artista destinado a criar a si mesmo e a recriar o mundo a partir não
apenas de sua obra, mas antes e, sobretudo, a partir de sua atuação, da grandeza
de ato generoso que dedica a compartilhar com todos à sua volta. No caminho de volta,
voltamos a falar sobre uma clássica discussão em torno da criação, se ela corresponde
a uma necessidade de comunicação ou de expressão.
Tenho
necessidade de expressão, isso não nego. Quero expressar o quê? Por um lado, quero expressar a minha admiração imensa
diante do mistério, do sublime e do desconhecido (mesmo que seja para revisar algumas
dessas espécies), e, por outro, o inconformismo
com todas as formas de violência pelas quais passam todos – eu disse todos – os
homens, diante de outros homens, seja porque merecedores ou não dessa mesma violência,
racional ou irracionalmente aplicada. Refiro a violência psicológica, a física e
até as naturais decorrentes das sortes e dos azares da vida, como as doenças.
A ideia de plantio e replantio constantes
é algo que não pode alhear-se da dimensão da criação. Nem o passado como fuga conveniente,
menos ainda o presente como habilitação irresponsável para o perpetuum mobile. Tempo e espaço possuem outras coordenadas
quando tratamos de criação. A excentricidade imperativa da arte radica justamente
em colapsar as cotas existenciais da espécie humana. Não se cria para atender a
um fim. Criar é o princípio. A vida é uma decorrência da criação. Não importa onde
vive um artista. Entre bombas, favelas, no seio de uma austera dinastia, na sétima
fagulha da loucura… O artista não é um fenômeno sociológico. O artista não é um
acidente religioso. Nenhum deus transgride ao ponto de livrar-se de si mesmo. Onde
então o artista se distingue dos magos da ciência e da religião? No ponto em que
ele se pega unicamente com seu instinto. Na esfera em que ele recusa a hierarquização
e a decoração.
Recordo Francis Bacon ao dizer: Quando dou minha primeira pincelada na tela,
não sei aonde vou. Enfim, na prática, o acaso conta muito. Adoro o acidental durante
a formação da imagem. Então, aprendi a organizar o acaso. [2] Os traços definidores da criação são
como um enxame do inesperado. Se a ideia de que uma arte completa corresponde à
existência de um homem completo perdeu significado em nosso tempo, isto não quer
dizer que haja um dilema a ser corrigido no ambiente da criação e sim da perspectiva
humana.
A linguagem sempre foi anímica, espécie de
código de identificação das essências. Se a ciência e a religião incorreram na ampliação
de uma não significação do homem, caberia à arte construir a metáfora em defesa
de sua faculdade. Porém a arte não é o artista. A arte é apenas a terça parte de
um destino fácil da humanidade. Minha neta tocando tambor a meu lado enquanto escrevo
essas notas. A arte se recusa a aceitá-la. Porém ela é parte do mundo, como qualquer
outro acidente. Algo como Breton dizer que o homem precisava passar com armas e
bagagens para o lado do homem. Não passou. Nem mesmo o defensor da placa. O homem
é a negação do homem. O artista se viu abandonado em um paraíso natimorto. Aos poucos
descobriu que a filosofia, como a estética, só leva à própria morte.
Acontece que essa figura que se dedica a testar
todas as formas de acidente mal cabe em si quando a asfixia do sucesso obceca sua
existência. A arte morre na praia mais sinistra da realidade. O inferno da arte
é seu reconhecimento pela ciência ou a religião. Imagino que Francis Bacon acreditou
que Picasso pôs em prova todos os desatinos da arte em seu tempo. Mas ambos foram
bem sucedidos, sobretudo o espanhol. O escândalo maior da arte radica em sua incompreensão?
Aquele que se dedica ao acaso pode ser condenado por haver sido bem-sucedido?
Fui amontoando essas frases enquanto pensava
em minhas conversas com Valdir Rocha. O modo como identidade é reflexo da naturalidade,
que não se pode forjar na arte um personagem que não seja o espelho do que se pretende
afirmar com a própria vida. Isto nos diz que a arte não tem que ser agradável ou,
sob quaisquer prismas, extraordinária. A arte é um estímulo à nossa aceitação do
outro, uma perspectiva de alteridade. Um dia um romancista me disse que passou a
conhecer muito mais gente quando compartilhou intimidades suas com seus personagens.
A arte se reproduz como uma amizade.
A criação em essência é o reflexo do que buscamos
em nossa vida. A fixação de Valdir Rocha pela cabeça humana, tem sido de uma fermentação
crítica recorrente, em parte porque o óbvio se aplica a nublar a percepção. Volto a referir-me ao crítico Carlos Soulié do
Amaral, quando este considera que tal obsessão do artista propõe mais uma contemplação do que uma observação. [3] Assim é que nos contemplamos a nós mesmos
em cada obra sua. Porém o mundo mal anota o registro de suas intempéries.
NOTAS
1.
Carlos Soulié do Amaral. Valdir Rocha – Gravura
em metal. Ob. Cit.
2.
Franck Maubert. Conversas com Francis Bacon
[tradução de André Telles]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2010.
3.
Carlos Soulié do Amaral. Valdir Rocha – Gravura
em metal. Ob. Cit.
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Agulha Revista de Cultura
Número 101 | Agosto de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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