JM | Estamos aqui com o cantor e compositor Antônio
Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, popularmente conhecido como Belchior,
mais um dos nomes da MPB que não pode ser esquecido. Belchior, é um prazer tê-lo
aqui conosco!
B | Ė um prazer está aqui, conversando sobre música
popular, sobre a vida de artista, é sempre muito importante poder confirmar o poder,
a força e o prestígio da música popular.
JM | Conte pra gente como você
começou a se interessar por música.
B | Eu nasci na cidade de Sobral, uma cidade ao norte
do estado do Ceará… numa família nordestina típica. Meu avô tocava um pouco de sax, de flauta. Minha
mãe cantava no coro da igreja, ouvia o serviço de alto-falante, o rádio do vizinho,
as bandas de músicas que passavam pelos arredores da cidade… e daí me veio o gosto
pela música, o gosto espontâneo, não profissional. Só depois já na universidade,
na escola de medicina da Universidade Federal do Ceará, que eu cursei durante 4
anos, eu me interessei profissionalmente por música, durante o período do movimento
estudantil, quando a universidade tinha os Das muito ativos e onde se ouvia muito
a música popular brasileira tradicional e aquela que estava se fazendo no momento.
Música do Chico Buarque, do Edu Lobo, do Caetano Veloso, do Milton Nascimento, Gilberto
Gil enfim essa geração que deu continuidade a bossa nova e que criou a moderna música
popular brasileira e a tropicália.
JM | Como surgiu a primeira canção?
B | Quando eu vim de Fortaleza para o Rio de Janeiro
inicialmente, eu já trazia uma bagagem grande de composições. Todas elas inéditas
e que eu esperava me desse uma oportunidade de apresentá-las no Rio para gravação,
àquela altura dos discos. Eu participei então, assim que eu cheguei no Rio, do Festival
de Música Popular. Festival bastante vivo, do qual saíram: Gonzaguinha, Ruy Maurite,
Alberto Bland, teve participação de Alceu Valença, enfim, João Bosco, Aldir Blanc, tantos outros que àquela altura estavam
começando a brilhar no cenário musical. Eu ganhei esse festival com a música na
“hora do almoço” e na verdade aí que começa publicamente a minha carreira, embora
já fortaleza eu tivesse trabalhado durante três anos na televisão, como produtor
de um programa musical “porque hoje é sábado”, sob a direção do Gonzaga Vasconcelos,
de que saímos todos nós, eu Fagner, Amelinha,
Petrúcio, Fausto Nilo, enfim todos os que
depois compuseram a chamada geração cearense.
JM | A primeira canção foi então,
“Na hora do almoço”?
B | Foi “Na hora do almoço” a primeira canção gravada,
foi no primeiro disco ainda um compacto simples, àquela altura, que eu gravei a
música com arranjo do Eduardo Souto Neto, que também foi o arranjador oficial do
festival.
JM | Em que ano foi isso?
B | Isso no começo da década de 70
JM | Fale um pouco sobre sua família.
B | Bom, a minha família é uma família nordestina típica.
Nós somos 23 irmãos em casa, o grande desejo do meu pai era que todos nós pudéssemos
estudar, naturalmente, e eu estava definitivamente encaminhado essa coisa da Escola,
da universidade. Eu estudei boa parte da minha vida em colégio de padre, depois
estudei também no mosteiro de Frades Franciscanos, onde aprendi gregoriano, aprendi
latim, tive uma educação humanista típica, religiosa também. De tal forma que aí
eu já me interessei muito por música porque eu fazia parte do coral, escrevia algumas
letras de hinos religiosos para serem cantados nas festividades estudantis, e eu
acho que isso foi assim… modelou um pouco meu sentimento com respeito ao amor à
música.
JM | Quantos discos gravados, o
primeiro e o mais recente?
B | São 23 discos gravados, 13 deles, lançamentos com
canções novas, tem 5 ou 6 gravados ao vivo na pauta mais acústica, tem um disco
com traduções da minha música em espanhol e em algumas antologias que eu acho assim
importante citar como fazendo parte da discografia porque muitas delas foram lançadas
foram feitas especialmente para ser lançadas no exterior.
JM | Qual o foi o primeiro disco
que você gravou?
B | Primeiro disco é um disco que foi gravado pela
Chantecler chama-se Belchior a palo seco.
E é um disco muito importante pra mim embora não tem feito muito sucesso, porque
foi o disco fonte. Dali, nos discos seguintes, eu gravei várias canções que apareciam
nesses primeiros discos e que depois chegaram a fazer sucesso, como é o caso de
“Na hora do almoço”, “A palo seco” e “Todo sujo de batom”.
JM | Mais recente?
B | É o Auto-retrato.
São 25 canções gravadas no CD duplo pela BMG, no qual eu fiz espécie de apanhado
das melhores canções da carreira… são regravadas numa pauta bastante contemporânea.
Ou seja, aqueles arranjos que com os quais, eu teria feito as músicas se tivesse
que gravá-las pela primeira vez agora.
JM | Como foi a elaboração desse
álbum?
B | São dois CDs com os temas que se compõem entre
si. O primeiro, pequeno perfil do cidadão comum, eu tentei traçar o perfil do artista.
É um lado mais individual vamos dizer assim… Uma espécie de retrato do artista.
E o outro pequeno mapa do tempo, é um retrato do mundo. Aquilo que como se estivesse
tentando dar um perfil… um panorama da vida e do mundo que me cerca.
JM | Quanto tempo de carreira artística?
B | São mais de 25 anos, naturalmente eu tenho que
contar mais a parte de sucesso, porque a parte do fracasso… a parte da tentativa,
é também bastante grande, vem desde os bancos da escola.
JM | Qual o tema básico de suas
músicas, onde você busca inspiração?
B | O tema básico da minha música é o espírito da minha
geração, a vida cotidiana do cidadão comum, …é uma tentativa de retratar do modo
bastante característico, individual e pessoal, a vida do homem brasileiro do meu
tempo, de tal forma que a fonte de inspiração continua sendo a observação direta
e imediata da vida mesmo. Numa linguagem coloquial e naturalmente expressivamente
cantada em português.
JM | Você compõe sozinho ou tem
influência de outros artistas?
B | Bom, a maior parte do meu trabalho é feita assim
por mim mesmo, letra e música, embora eu tenha inúmeros parceiros. Nesse caso dos
parceiros eu tenho feito a letra e eles próprios têm colocado as músicas, como é
o caso de Gil, Toquinho, Fagner, João Bosco, Petrúcio Maia, e tantos outros com
quem fiz parcerias assim…posso dizer não muito contínuas mas algumas delas de bastante
sucesso como é o caso da música “Mucuripe”, feita com Raimundo Fagner e que… foi
cantada por Elis Regina, Roberto Carlos,
Nélson Gonçalves e tantas outras pessoas.
JM | De todas as músicas que você
gravou até hoje, quais mais gosta e identifica com seu lado pessoal?
B | Músicas como “Apenas um rapaz latino-americano”,
“Como nossos pais”, “Paralelas”, “Medo de avião”, “Comentário a respeito de John”,
“Divina comédia humana”, “De primeira grandeza”, “Galos, noites e quintais”, que
fazem parte hoje não apenas do núcleo mesmo central do meu trabalho, mas são também
aquelas que me oferece uma ponte bastante fácil e rápida com público. Devido ao
grande sucesso que elas conseguiram ao longo do tempo.
JM | Tem um disco seu, intitulado
Cenas do próximo capítulo. Nele você regravou a música de Raul Seixas, “Ouro
de tolo”. Seria uma homenagem a ele ainda em vida?
B | Esse disco é de 1984, e eu sempre fui muito ligado
ao trabalho do Raul. Acho que continua sendo
ainda hoje um dos trabalhos mais expressivos de determinada faixa do rock brasileiro
do espírito do rock brasileiro, de tal forma que cantar aquela música era estar
ao lado de um parceiro de um grande compositor uma pessoa com quem fiz várias vezes
trabalhos especialmente em Fortaleza, e que naquela música, por exemplo, tem uma
proximidade muito grande com a minha dicção, com meu modo de cantar com as ideias
todas do meu trabalho uma proximidade com a música do Bob Dylan, por exemplo né,
que nesse caso eu fui acho que… influiu tanto
no meu trabalho quanto no dele.
JM | A música que você fez, “Em
resposta a uma carta de fã”, foi um fã mesmo que escreveu? Conte pra gente como
foi?
B | Olha… a música embora seja ficcional, é assim baseada
em algumas cartas que recebi de diversas pessoas. Dentre as muitas cartas que recebo
de fãs, alguns pedem explicações ou assim interpretações de determinados textos
e então resolvi fazer uma música sobre isso. Uma tentativa de resposta romântica
e genérica assim também, ao que era interrogado nas cartas.
JM | Qual o critério que você utiliza
para gravar um disco?
B | É mais o critério da continuidade, do meu esforço
criativo, é mais o momento de liberdade de criação e de expressão. Como eu não faço
um trabalho imediatamente voltado para o sucesso, o sucesso assim imediatista, eu
uso como critério para escolha das canções, para própria feitura delas, o critério
mais artístico mesmo. Mais expressional, mais poético. Desligado dessa questão do
rádio, da televisão, onde se a música vai fazer sucesso ou não. Eu me preocupo realmente
com o exercício do meu ofício, de artista e de cantor. E se a música fizer sucesso,
vem por acréscimo.
JM | Como é seu envolvimento com
a mídia, Gravadora, Rádio e TV?
B | Hoje eu tenho a minha própria companhia de discos.
De tal forma que eu não tenho problema nessa área. Eu gravo o que quero, e quando
quero. Tenho meu próprio estúdio também. De tal forma que nesse ponto de vista criativo,
eu estou perfeitamente à vontade para fazer o disco que desejo fazer, sendo responsável
inteiramente pelo sucesso ou fracasso dele. Nesse ponto de vista, eu tenho uma liberdade
muito grande pra produzir. No ponto de vista da mídia eu acho uma relação extremamente
boa do ponto de vista de que ela é muito contínua, muito frequente, muito permanentemente, visto que eu faço uma quantidade de pelo menos…
vinte, vinte e dois shows por mês. Nos mais diversos lugares do Brasil, e necessariamente
nesses lugares eu entro em contato com rádio, jornal, televisão do local, e… confirmo
o imenso sucesso de algumas canções que eu imaginava que fossem ficar restritas
a um público mais sofisticado, mais selecionado, que se interessa especialmente
pela MPB.
JM | Quais as dificuldades que
você teve no início de sua carreira, até gravar o primeiro disco? Houve algum problema
de censura?
B | Olha, eu tive todas as dificuldades que tiveram
os companheiros de geração. Nós começamos a fazer música num período muito…complicado
da vida politica brasileira, com censura, ditadura, de tal forma que eu acho que
todas as dificuldades inerentes a um momento tão complicado, como é momento de ditatura
né…foram as dificuldades que me envolveram, como a todos companheiros, não houve
nenhuma coisa específica…assim ao meu trabalho. Todos nós sem exceção, éramos censurados.
Não apenas os cidadãos comuns, mas aqueles como no caso dos artistas, tentaram expressar
o sentimento e a emoção de muitos.
JM | Como você vê a música popular
brasileira hoje?
B | Olha, eu sou fã incondicional da música popular
brasileira… acho que ela é quem nos representa melhor, é o retrato mais fiel, mais
preciso, da nossa alma lírica, e eu acho que a chamada música popular contemporânea,
é aquela que continua a grande música popular de sempre! Continua os anos dourados
do rádio, continua a música de Pixinguinha, Ari Barroso, de Tom Jobim, Cartola,
Nelson Cavaquinho, de Paulinho da Viola, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Milton Nascimento, Edu Lobo, Geraldo Vandré, o pessoal da Bossa Nova… Então
essa música é a música que continua me interessando ainda hoje. E essas outras manifestações,
são manifestações mais efêmeras, são voltadas para o sucesso do momento, é uma música
de verão, que…eu acho que tem seu lugar na preferência do público dançante, mas
que eu acho que não tem muito interesse estético a ponto de despertar a minha curiosidade;
eu sou um observador da cena, sei tudo que acontece, ouço esse tipo de música profissionalmente,
mas não tenho interesse criador, ou estético nela.
JM | Como que é trabalhar no estúdio
e fazer shows?
B | É muito fácil, muito simples, é o exercício diário
da minha profissão. Eu sou um operário da minha música. Então, estou ligado no meu
trabalho diário, diariamente. Acho… com a grande diferença do trabalhador comum
é que eu gosto do meu trabalho. Eu gosto muito do exercício do meu ofício, porque
ele combina o fazer com o prazer, e a criação assim com o exercício contínuo da
vida comum, sabe… eu tenho uma visão artística ligada mais com o fazer, mais com
o trabalho, com o ofício, do que com a visão
mais assim brilhante que também me parece mais tola.
JM | Como que é seu relacionamento
com os fãs? Você tem algum fã-clube para divulgar seu trabalho?
B | Eu não tenho um fã clube assim estabelecido. Pelo
menos que seja gerado aqui, vamos dizer… do meu próprio interesse ou do meu próprio
empresário por exemplo. Mas, já tive notícia de que tem muitos fãs clubes aí… clube
de fãs pelo Brasil todo, de tal forma que eu acho isso muito importante por que
mostra o interesse permanente pelo trabalho.
B | Tem muitas coisas aí… mas eu não me lembro no instante
assim um fato curioso ou o mesmo engraçado que tivesse acontecido ao longo da estrada.
Eu estou continuamente no exercício do meu ofício e claro que acontece assim… coisas
especiais a cada dia sabe… mas eu vou esquecendo à medida que passa, porque no dia
seguinte estou em outra cidade, são outros acontecimentos, são outras pessoas, outras
circunstâncias. De tal forma que eu procuro
viver aquele momento e esquecê-lo ou então guardar para o livro das memórias…risos
JM | Existe algum projeto ou sonho
que você pretende realizar?
B | Meu sonho continua sendo aquele do exercício do
meu ofício, continuar cantando, continuar compondo até o fim da vida, que eu espero
que seja longa.
JM | Como foi sua participação
no Grande Encontro 3?
B | Bom, o Zé Ramalho, Elba, Geraldo, são companheiros de longa data. A Elba já gravou
músicas minhas, o Zé Ramalho também. Eu já gravei músicas do Zé Ramalho… de tal
forma que nós fazemos assim, uma espécie de família artística nordestina em que…
esses convites são bastante comuns e muito amigos sempre. Eu já tinha cantado no
período do Grande Encontro 2, já tinha
feito vários shows, com a Elba, com o Zé Ramalho, com o Geraldo, e agora no Grande Encontro 3 fui chamado também pra
participar do disco. E cantei, fui convidado
especial do Zé Ramalho pra cantar com ele uma música que ele fez que é “Garoto de
aluguel”, que eu também gravei num disco… num dos meus discos.
JM | No seu disco está “Taxi boy”,
né?…
B | É… que é o nome original da música, “Taxi boy”
e “Garoto de aluguel”.
JM | Para finalizar nossa entrevista,
deixe seu recado, sua mensagem.
B | Olha… eu gostaria de ter uma mensagem muito concreta,
assim muito direta, que pudesse salvar as pessoas… pudesse encaminhá-las. Mas eu
mesmo não tenho essa mensagem sequer pra mim. De tal forma que eu não… eu acho que…
não devem me seguir porque eu também estou perdido né… cada um deve ou fazer ou
encontrar o seu caminho, e, sobretudo, o seguinte, não façam como eu, inventem!
Ou melhor,
façam como eu: inventem.
JM | Algum disco para ser lançado
próximo?
B | Olha, essa
questão de lançar os discos, eu estou sempre fazendo os discos, e estou sempre lançando
oportunamente. Então, naturalmente que até
final do ano eu vou…lançar um disco possivelmente com canções inéditas, e vou dar
continuidade aos outros lançamentos, por exemplo, colocando em CD os discos que
estavam em vinil, que não estavam disponível
para o público. Gravando… concertos ao vivo… enfim, fazendo o exercício cotidiano
do trabalho, com registro e com apresentação ao público.
JM | Muito obrigado por sua entrevista!
B | Muito obrigado,
Muito obrigado! Continue conosco e com a música
popular brasileira para sempre.
*****
Ensaio | 1992 www.youtube.com/watch?v=_cMzSWIuw8U
Rádio Nacional | 1979
www.youtube.com/watch?v=z36_2900C-8
*****
Organização a
cargo de Floriano Martins © 2017 ARC Edições
Josué Mariano é jornalista e escritor. Entrevista
realizada em 2015
Artista convidado
| Belchior (Brasil, 1946-2017)
Caricatura ©
Ricardo Alonso
Imagens © Acervo
Resto do Mundo / Acervo particular Jorge Mello
Agradecimentos
especiais a Graco Braz Peixoto, Jorge Mello e Josy Teixeira
Esta edição
integra o projeto de séries especiais da Agulha Revista de Cultura, assim
estruturado:
1 PRIMEIRA ANTOLOGIA
ARC FASE I (1999-2009)
2 VIAGENS DO
SURREALISMO, I
3 O RIO DA MEMÓRIA,
I
4 VANGUARDAS
NO SÉCULO XX
5 VOZES POÉTICAS
6 PROJETO EDITORIAL
BANDA HISPÂNICA
7 VIAGENS DO
SURREALISMO, II
8 O RIO DA MEMÓRIA,
II
9 ACAMPAMENTO
MUSICAL
A Agulha Revista
de Cultura teve em sua primeira fase a coordenação editorial de Floriano Martins
e Claudio Willer, tendo sido hospedada no portal Jornal de Poesia. No biênio 2010-2011
restringiu seu ambiente ao mundo de língua espanhola, sob o título de Agulha Hispânica,
sob a coordenação editorial apenas de Floriano Martins. Desde 2012 retoma seu projeto
original, desta vez sob a coordenação editorial de Floriano Martins e Márcio Simões.
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