Num país como Brasil que já teve ilustradores e chargistas
como Belmonte, Carlos Estevão, Péricles que sempre trabalharam em jornais e revistas
e que teve como primeira chargista política Nair de Teffé, esposa de Floriano Peixoto
e que por isso mesmo se assinava Rian – quase Rien = nada e ainda conta com profissionais
como os irmãos Paulo e Chico Caruso, quem não se lembra do saudoso Bar Brasil que Caruso desenhava para os textos
de Alex Solnic publicados na revista Isto
É em seu auge, ou de Caco Galhardo, há mais de 20 anos na Folha Ilustrada,
autor das tirinhas Os Pescoçudos, também publicadas no jornal O Dia do Rio de Janeiro?
Toda essa excelência, todo esse esforço,
entretanto, como explica Galhardo não são compensados com a tranquilidade, num mercado
editorial que leva o autor a trabalhar em outros veículos como a televisão. O próprio
Galhardo trabalhou na MTV como redator onde foi idealizador das campanhas de
cidadania, prevenção da AIDS e contra a violência. Na televisão também já escreveu
para o programa Casseta e Planeta Urgente. Apresenta, ainda, um programa na Rádio UOL, chamado Fogo no Rádio, além
de realizar roteiros como o de LILI, a ex.
E além
dos jornais, rádio, televisão e revistas Galhardo trabalha também como ilustrador
de livros infanto-juvenis como o brilhante trabalho de ilustração de Don Quixote,
pela editora Peirópolis, recentemente relançado, o que em algum período desse cruel
mercado deveria ser suficiente para garantir o ilustrador.
Mostrando a difícil situação por esses tantos
trabalhos de Caco Galhardo, falamos então com outros ilustradores muito conceituados
como o ilustrador/escritor Guto Lins, que com bom humor, quando perguntado sobre
se consegue se sustentar com ilustrações, responde… “vou pular essa parte”… e parte
para o trabalho dando, há mais de vinte anos, aulas no Departamento de Artes e Design
da PUC-Rio e que no próximo ano volta com uma disciplina de design de livro infantil,
mesclando suporte teórico e experimentação prática. Panorama surpreendente para
um ilustrador que, como Guto Lins tem a excelência de seu trabalho, em livros infantis
e infanto-juvenis, reconhecida há várias décadas. E que, além de ilustrador é escritor
dando vida e cor com suas ilustrações para trabalhos autorais, produtor na cadeia
livreira etc.
Falando de design e designers, Ivan Zigg,
outro dos bambas do desenho/ilustração infantis, comenta também os dois lados da
incorporação dos designers nos livros infantis, não no sentido de desaprovar, como
ele mesmo diz”… não se pode deixar de reconhecer o talento de muitos dos designers,
incluindo nesses belos trabalhos em que impera o talento, Raquel Matsushita, que
Zigg elegantemente elogia.
E Ivan Zigg vai além, falando das várias possibilidades
para um ilustrador, que se pode fazer também portador de uma nova leitura trazida
ao texto com a ilustração, que tanto pode aumentar a dimensão da leitura, como torná-la
mais dinâmica; nesse momento o livro passa a ser encarado como um produto e o ilustrador
também como um projetista/designer.
Ivan Zigg, respondendo à questão financeira
tão premente em nosso país atualmente, lembra o que nunca deveríamos esquecer; o
problema que o dinheiro das compras governamentais causou – livros em grande quantidade,
alguns de má qualidade que visavam apenas fazer a obra caber nas exigências dos
programas governamentais, fechando as possibilidades de diálogo com os leitores,
deixando de ler as expectativas do país e dos leitores e, como enfatiza também Roger
Mello, único ilustrador brasileiro a receber o prêmio Hans Christian Anderse na
América Latina esses que também foram bastante enfatizados por Roger Mello, único
ganhador do prêmio Hans Christian Andersen na América Latina… e que venham outros,
como ele mesmo diz e o inegável talento de nossos mestres ilustradores deixa demonstrado
e patente.
Com a queda dessas compras governamentais
novamente ficamos sujeitos à dualidade que o atual momento nos apresenta-pequenas
editoras com excelência de publicações fechando; enquanto outras buscam novas leituras
do mercado, que agora precisa ser parceiro, mas todas com o freio de mão puxado,
numa incerteza político-financeiro que começou em 2014, quando o governo deixou
de pagar as compras relativas aos editais governamentais e continua até hoje.
Como dizíamos, o já citado ilustrador Roger
Mello, também enfatiza e lamenta essa padronização que os livros sofreram diante
das compras governamentais já que essas compras impunham aos editores/autores/ilustradores
de livros que lhes impedia uma maior liberdade de expressão, essa busca de parceria
com os leitores. Hoje, diz Roger, voltando de uma excursão cultural por 11 países,
apesar de um mercado reduzido, o livro é realizado com maior liberdade de expressão,
o que permite sua inclusão no teatro, embora vejamos pequenas editoras que realizavam
um trabalho de qualidade fechando e as demais sobreviventes com o freio de mão puxado.
Enfim, ilustradores jornalistas, professores,
programadores visuais, palestrantes, todos chegamos à conclusão de que a ilustração
no Brasil não permite que o profissional seja apenas ilustrador, tendo de recorrer
às outras possibilidades profissionais que seu talento oferece.
Mas todos os já citados, ou os que vierem
a ser, concordam em que este é o momento em que profissionais do livro, sem importar
o lado da cadeia livreira em que estejam, sejam escritores, ilustradores, editores
ou divulgadores estão todos mais preocupados em ler o mercado, corresponder às expectativas
dos leitores que precisam ser parceiros nessa empreitada de manter o livro circulando,
sendo lido e vendido.
Prova cabal desses encontros/desencontros
entre publicações e leitores e ainda mais da fatal influência dos programas governamentais
sobre as obras escolhidas para serem publicadas, apesar dos leitores e do país,
foi o sucesso absoluto e muito momentâneo dos escritos indígenas no ano de 2015
quando o governo instituiu o PNBE indígena.
Corrida das editoras para os textos e os ilustradores
que trabalham preferencialmente com textos indígenas, como Mauricio Negro, um especialista
em literatura e, consequentemente ilustrações indígenas e que foi assoberbado de
trabalho quando houve, pelo mínimo prazo de um ano, o PNBE indígena. Mudaram os
escritores, mudaram os textos e os ilustradores?
Não, mudou a procura por causa das compras
do governo, embora antes disso já tivéssemos escritores, entre os autores vindos
de etnias indígenas como Yaguarê Yamã que recebeu além de diversas premiações da
FNLIJ o único White Ravens da América Latina para escritores indígenas, ou Olivio
Jekupé editado inclusive na Itália, sem citar Daniel Munduruku, muito ilustrado
por Mauricio Negro e que há décadas escreve e promove eventos com parceiros de diversas
etnias, sem se importar com o governo.
Mas a caravana segue e chegamos a outro ponto
crucial da história dos ilustradores- receber pagamento pela capa ou porcentagens
pelas vendas?
Mauricio Negro, por décadas da diretoria da
SIB, um dos seus criadores, esclarece, que em relação “à divisão de porcentagens
de direitos autorais, a batalha é perene, porque o cobertor é sempre menor do que
a expectativa”. Claro que tudo depende de se ter um mercado mais ou menos comprador
e leitores espontâneos, o que levou a valores que, embora inicialmente “nos idos
dos anos 990 impunham que ainda se praticasse a minguada tabela de valores do sindicato dos jornalistas,
como diz Mauricio Negro, apesar da criação de entidades de classe como SIB e Aielij
que congregam nomes jovens ou renomados do mercado, essas porcentagens e pagamentos
estão congelados, dada a crise financeira. Não podemos desprezar essas entidades
que promovem conhecimento de autores, reconhecimento, debates, troca de ideias,
mas acreditar que elas consigam gerir ou pressionar valores é algo vão”.
Orlando Pedroso, também da diretoria da SIB,
em respostas curtas e firmes aponta para problemas bastante árduos da indústria
e do mercado livreiro neste país. De suas belíssimas capas para a revista Veja, no começo dos anos 2000, para hoje,
o cartunista/ilustrador comenta: “a crise de identidade da maior parte das publicações
atinge diretamente a todos: jornalistas, escritores, ilustradores, cartunistas;
atinge, também toda a produção, porque competem com o material imediatista e gratuito
da internet e não sabem mais qual seu público”, outro lado do problema que também
foi colocado por Ivan Zigg e Roger Mello quando falam da falta de diálogo entre
livros e público.
Daí, falta o que mais se precisa diz Orlando
Pedroso – “investir em ideias e talentos, mas para isso não se tem dinheiro. Porque,
veja bem, num país como o nosso com mais de 200 milhões de habitantes são precisos
2 anos e meio para se vender uma edição de 2000 a 3000 exemplares de um livro. E
essa vendagem, com esses habitantes e nesse tempo normalmente é considerada sucesso”.
Então Orlando Pedroso lança um desafio “o mercado livreiro é indigente e precisa
ser reinventado!”
Porque é difícil falar de um mercado em que
o artista, seja ele de texto ou de ilustração é mal remunerado por tudo o que já
foi apontado, sem dizer que o grosso da remuneração da cadeia livreira fica com
a distribuição e os livreiros.
Nesse país em que a cultura perde cada vez
mais espaço em jornais e revistas e as editoras puxaram o freio de mão, melhor dizendo,
fecharam os esvaziados cofres, que padecem desde o desastre financeiro que assola
nosso território, quando receberam, do governo Dilma Rousseff, calotes milionários
nas compras governamentais, ser ilustrador é árduo caminho, os tempos estão duros,
embora trabalho bom sempre encontre caminho desde que a preços menores do que o
merecido.
Como agente literária presenciei editores
que desconstroem obras ilustradas para reconstruí-las e nem sempre com muito saber.
Há, claro, as editoras que publicam o tempo
todo, sem prezar a qualidade dos textos e das ilustrações, transformando belíssimos
trabalhos em algo pouco melhor do que o lixo, mas essas já se tornam cada vez mais
raras, com a crise e nesse sentido, tragicamente, a crise pode ser considerado bom,
na opinião de todos os inscritos nesse mercado, realizando uma seleta entre o famoso
joio e o trigo.
Não vamos citar nomes de editoras, mas esse
mercado que abriga talentos tão excepcionais como os já citados e outros, merecia
maior cuidado em muitas das edições.
Ainda em minha experiência profissional, vi
livros ilustrados pelos próprios autores dos textos que esperam nas filas das editoras
por anos e finalmente, quando editados, recebem todos os prêmios da área correspondente
no ano que conseguem sair da gráfica, caso de Seraypory, o Livro Sagrados dos
Saterês Mawés, de Yaguarê Yamã, que depois de sete anos de espera foi publicado
e recebeu o White Ravens, prêmio da Biblioteca de Munique, na Alemanha; mas este
livro pertence à área dos livros escritos e ilustrados pelos autores indígenas e
este é um capítulo que merece estudo à parte.
Também O Corvo de Allan Poe, adaptado e ilustrado por Manu Maltês na comemoração
dos 100 anos do autor, depois de recusado por uma editora foi levado à outra, publicado
e naquele ano de 2010 recebeu todos os prêmios na categoria livros.
Outro exemplo clássico da falta de diálogo
editor/escritor/ilustrador/público leitor aconteceu com o autor da etnia maraguá
Roni Wasiry Guarà autor de alguns dos mais belos textos indígenas, muito próximos
da poesia e que inserido em uma grande editora paulista, teve o desprazer de ser
ilustrado por uma jovem nissei. Não sei se o editor acreditou que olhos puxados
por olhos puxados, tudo valia. Afinal, não existe a teoria de que os indígenas das
Américas descendem de asiáticos que teriam cruzado o Pacífico e, pelo norte absoluto
deixado no polo alguns de seus ancestrais que por lá se fixaram e são hoje conhecidos
como os habitantes do Polo Norte e depois descendo a costa pacifica das Américas
deixaram outros ancestrais que são hoje os indígenas centro e sul americanos que
ganharam a bela pele vermelha mercê da comida e da água, aqui diferentes de lá?
Bem, não sei o que esse editor pensou. Sei que numa tarde me liga desesperado o
escritor não porque as ilustrações fossem feias, ou porque não tivessem qualidade,
mas porque não tinham nada a ver com seus textos, com os conceitos que ele queria
transmitir. Munidos dessas claras razões fomos até o editor e o escritor ofereceu
no lugar das inadequadas ilustrações, os belíssimos grafismos maraguás de sua etnia
que ele domina muito bem. O editor prometeu rever e pensar e semanas depois sai
o livro, completamente desfigurado em seu texto, ilustrado pela jovem nissei, que,
aliás, não tinha nenhuma culpa, só pertencia a outra e totalmente diferente cultura
daquela do escritor numa declaração típica da falta de interação texto/ilustrações/expectativas
do país e absoluta falta de diálogo com os leitores e suas expectativas.
Enquanto isso, grandes autores/ilustradores
batalham arduamente pela profissão, a liberdade de criação, alcançar uma maior dimensão
para os textos com ilustrações que dialoguem, interajam com esses textos, respeitem
as expectativas do país, dialoguem com os leitores, suplantando o despencar econômico
do país. Afinal, pensam os leitores, por que gastar dinheiro comprando livros se
o orçamento está apertado e há diversão gratuita (aqui não se fala de qualidade)
na televisão e na internet, não é?
Mas nem só de autores e consequentemente ilustradores
indígenas sofre a literatura brasileira.
E o que se depreende é que, com a necessidade
de profissionalização dos ilustradores diante do voraz mercado cultural brasileiro,
criou-se mais um problema: numa edição normal de texto em que o autor recebe 10%
da editora, quem paga os 2 ou 4% do ilustrador? O pagamento dos ilustradores até
pouco tempo era fixado no ato da inserção do livro em qualquer editora, mediante
a assinatura do contrato. O ilustrador; portanto, não recebia nenhuma porcentagem
das vendas, em alguns casos, talvez uma pequena porcentagem nas grandes vendas de
governo, atualmente inexistentes não se sabe por quanto tempo.
E fez-se a briga entre autores de textos,
ilustradores, editoras. Muitas editoras se recusavam a ceder mais alguma porcentagem
das vendas para os ilustradores, acreditavam que essa porcentagem deveria sair das
porcentagens dos autores que se recusavam a ceder parte de suas porcentagens já
que entregam seus trabalhos para as editoras e os ilustradores que, obviamente,
não podem trabalhar sem as porcentagens, já que, comuns dos mortais têm contas para
pagar e pagar todo mês, e nem poderia ser diferente pois, como dizia William Faulkner…”o trabalho é feito de 10% de talento e 90% de suor”; logo ambos, talento e suor
têm de ser pagos.
Então estamos assim: editores temem perder
nas porcentagens, escritores defendem suas porcentagem, seu ganha-pão com unhas
e dentes e ilustradores, cada vez com mais afinco se recusam a trabalhar sem as
porcentagens; está feito o imbróglio. Dessa confusão todos sempre saem perdendo;
perde-se o trabalho que é realizado na junção textos/imagens, perde a criação, perde
a liberdade de invenção e perde o leitor que espera novas e brilhantes realizações
nas páginas dos livros.
Acredito que não seja breve a solução dessa
confusão, seja por parte dos autores, dos ilustradores ou das editoras.
LEDA CINTRA CASTELLAN (Brasil, 1959).
Agente literária, jornalista, tradutora e editora. Contato: leda.editoracintra@gmail.com. Página ilustrada com obras de Francisco Maringelli
(Brasil), artista convidado desta
edição de ARC.
***
ÍNDICE # 101
EDITORIAL | A persistência do mistério
AARÓN ALMEIDA HOLMQUIST | Paisaje y exilio en David Cortés Cabán
ALFONSO PEÑA | Bob Danco y la historia del mono azul
ESTER FRIDMAN | Liberdades, prisões, ilusões
HAROLD ALVARADO TENORIO 1882-1915 El Modernismo en Colombia
HILDEBRANDO PÉREZ GRANDE | Cien años de soledad y moi
JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Jordi Virallonga, el alma de los cinco sentidos
LEDA RITA CINTRA | Brasil ilustrado
MARIA LÚCIA DAL FARRA | Cartas para quem? Leitura de Cartas a Sandra, de Vergílio Ferreira
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/08/maria-lucia-dal-farra-cartas-para-quem.html
OMAR CASTILLO | Mallarmeanas al timbal
SUSANA WALD | Reencuentro con Edouard Jaguer, impulsor del movimiento Phases
ARTISTA CONVIDADO | FRANCISCO MARINGELLI | Por ele mesmo
***
Agulha
Revista de Cultura
Número
101 | Agosto de 2017
editor
geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor
assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo
& design | FLORIANO MARTINS
revisão
de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe
de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
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