quinta-feira, 1 de novembro de 2018

POEMAS DE COLOMBINA (YDE SCHLOENBACH BLUMENSCHEIN)



NÓS DUAS

Parecemo-nos muito; assim dizem - e eu o creio.
Além do mesmo sangue, almas iguais nós temos;
pois, pelo mesmo ideal e com o mesmo anseio,
dentro da vida, nós lutamos e sofremos.

Vemos na arte um refúgio, um oásis, um esteio
para a nossa inquietude, e num barco sem remos
vagamos à mercê do próprio devaneio,
sabendo que jamais à enseada chegaremos…

E, apesar de ela ter todo um sol na cabeça
e o nevoeiro do inverno a minha já embranqueça,
da angústia de minha alma a sua compartilha:

Ela pensa, eu medito… Ela sonha, eu me lembro…
Nossa pobreza é igual de Dezembro a Novembro:
Quem somos, afinal? Apenas, mãe e filha.


VERTIGEM

Uma semana só. Nem mais um dia
durou aquela estranha sensação
que nos aproximava, nos unia…e amor não era e nem era paixão.

Algo em mim te agradava, te atraía.
Tu tinhas para mim tal sedução
que, tendo-te ao meu lado, eu me sentia
a mulher mais feliz da criação.

Uma semana só… No meu caminho
um vislumbre de sol e de carinho:
uma sombra, talvez, na tua estrada…

Sete dias ardentes de Novembro…
Deves ter esquecido. E eu só me lembro
que nunca fui com tanto amor beijada!


INTIMIDADE

Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,
onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados
na fadiga que vem do gozo satisfeito,
descansam do prazer, felizes, irmanados.

Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,
e, acariciando os meus cabelos desmanchados,
és tão meu…Sou tão tua. Ainda sob o efeito
da louca embriaguez dos momentos passados.

Porém, na tua carne insaciável, ardente,
o desejo reacende, estua…E, de repente,
dos meus seios em flor beijas a rósea ponta…

E se unem outra vez a lúbrica bacante
do meu ser e o teu sexo impávido, possante,
na comunhão sensual das delícias sem conta…


EXALTAÇÃO

Olhas nos olhos meus. E eu vejo neste instante
toda a terra subir a um céu que desconheço.
Olho nos olhos teus. E fica tão distante
o mundo: e todo o fel que ele contem, esqueço.

Sorris… e, contemplando o teu lindo semblante,
o ideal de minha vida, enfim, eu reconheço.
Falas… ouço-te a voz, e, impetuosa, radiante,
num gesto de ternura, os lábios te ofereço.

Beijas a minha boca. E neste beijo grande
-- como uma flor que ao sol desabrocha e se expande -- ,
todo o meu ser palpita e freme e vibra e estua.

Tudo é um sonho, no entanto; o seu beijo… o meu crime.
Mentirosa ilusão! Pobre ilusão que exprime
somente o meu desejo imenso de ser tua!


A CARNE

Exiges. É ciumenta e egoísta. Não admites
qualquer rivalidade, ou que algo te suplante.
És forte e audaz no teu domínio sem limites…
capaz de transformar a vida num instante.

És mísera e brutal. Mas, nada obsta que agite
se açambanques o mundo, e que esta alucinante
e estranha sensação que aos humanos transmites,
tenha, como nenhuma, um halo deslumbrante.

Oh, carne que possuis no teu imo maldito
mais lodo que contém num charco pantanoso,
mais esplendor, também, que os astros do infinito…

Rugindo de volúpia e de sensualidade,
espalhando na terra apoteoses de gozo,
ó, carne, serás tu a única verdade?


ESPÍRITO

Não! A verdade és tu! A tua flama pura
sobre a matéria e além dos séculos cintila!
Plasmas o sonho e dás à humana criatura
forças para vencer a própria triste argila.

Conduzes ao saber, a ti pertence a altura;
tudo que é belo vem da tua luz tranquila.
Sem ti seria o mundo uma caverna escura;
nem a morte cruel te vence ou te aniquila.

Revelação de Deus, de toda a Sua imensa
sabedoria, que dizendo ao homem: pensa!
no cérebro lhe pôs a forja das ideias.

Sim, a verdade és tu, espírito que elevas
as criaturas; tu, que enches de luz as trevas,
transformando a miséria e a dor em epopeias!


RUSGA

Vai-te! Não quero mais saber de ti; maldito
e cínico traidor! - exclamo, revoltada.
Não quero mais te ver - furiosa, repito.
Acabou-se. Entre nós não pode haver mais nada!

E a cada instante mais me enraiveço e me excito:
digo-lhe algo pior do que uma bofetada…
Ele reage e entre nós vai-se armando um conflito,
desenrolado atrás de uma porta fechada…

E, louca, em meu furor, continuo a insultá-lo.
Porém, não sei porque, de repente, me caio,
nos seus braços viris sentindo-me espremida.

A briga terminou sobre o leito macio:
e nunca foi tão louco o nosso desvario
e nem houve jamais gozo maior na vida.


AOS MEUS AMIGOS

Não sei como expressar o sentimento
De gratidão imensa que me invade…
Parece até um dos sonhos que eu invento
Essas provas de afeto e de amizade,
Que de Vocês recebo. É um monumento
A sua indiscutível lealdade:
Na jornada que há tanto tempo enfrento,
Não pode haver maior felicidade.
Que essa de ter amigos como os tenho,
E que, de conservar, tanto me empenho,
Feliz, agradecida, emocionada.
Não sei como dizer… Mas, essas provas
De bem querer são esperanças novas,
Semeando roseirais em minha estrada.


POBREZA

Hoje esgoto meu cálix de amargura
na suprema renúncia ao teu amor.

Raul de Leoni

É um desengano, eu sei, dizer-te com franqueza
o que em minha alma vai,
nesta vida que traz, cada hora, uma surpresa,
sou a folha que cai…

Não tenho, para dar-te, os risos da esperança
que embelezam o amor;
para lutar por ti, nem escudo nem lança,
eu tenho ao meu dispor.

Para te oferecer o sonho, a taça que o guardava,
quebrei-a, sem querer;
sabia o coração que um sonho não bastava
para a mim te prender…

A minha boca, para um longo beijo dar-te,
não tem viço nem cor;
para fazer do meu amor uma obra de arte
falta-me o esplendor.

As minhas pobres mãos, para a carícia suave,
já não possuem calor.
E a minha lira tem apenas o som grave
que exprime angústia e dor.

Para te prestigiar, não tenho a luz da glória
que tanto brilho tem!
Não te honraria ser, o herói da minha história,
porque não sou ninguém.

Não tenho, para dar-te, um ceitil de beleza
nem de atração sequer…
E não te devo dar o que tenho, a tristeza,
(ninguém no mundo a quer!)

As flores da ilusão, perdi-as; sou roseira
cansada de florir.
Em tua frente tens toda uma vida inteira
e eu já não sei mentir.

Tu vês? Minha lealdade as falhas não encobre,
confesso-as sem tremor.
Se puderes, perdoa-me! É pobre, muito pobre
o meu intenso amor!


IRONIA

Es wär zu schoen gevesen
Es hat nicht sollen sein

Victor Scheffel

Naquela noite, um céu desconhecido havia
aberto para nós as suas portas de ouro.
E enquanto ao teu meu coração batia,
tu eras meu amor, eu era o teu tesouro.

Prendiam-se nos meus os teus olhos de mouro,
um beijo, a tua boca à minha boca unia…
E, sob um quebra-luz, o meu cabelo louro
bem junto ao teu cabelo escuro refulgia…

Porém, aquele céu que, generosamente,
abrira para nós as portas da ventura,
era o instante do amor que passa, num repente.

E agora, eu digo, a rir: — “Foi uma coisa louca!”
Tu dirás com desdém: — “Foi mais uma aventura!”

(Como sabem mentir, a tua e a minha boca!)



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Edição preparada por Floriano Martins. Página ilustrada com obras de Arthur Boyd (Austrália, 1920-1999), artista convidado da presente edição.


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Agulha Revista de Cultura
Número 122 | Novembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES





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