Parecemo-nos muito; assim dizem - e eu o creio.
Além do mesmo sangue, almas iguais nós temos;
pois, pelo mesmo ideal e com o mesmo anseio,
dentro da vida, nós lutamos e sofremos.
Vemos na arte um refúgio, um oásis, um esteio
para a nossa inquietude, e num barco sem remos
vagamos à mercê do próprio devaneio,
sabendo que jamais à enseada chegaremos…
E, apesar de ela ter todo um sol na cabeça
e o nevoeiro do inverno a minha já embranqueça,
da angústia de minha alma a sua compartilha:
Ela pensa, eu medito… Ela sonha, eu me lembro…
Nossa pobreza é igual de Dezembro a Novembro:
Quem somos, afinal? Apenas, mãe e filha.
VERTIGEM
Uma semana só. Nem
mais um dia
durou aquela estranha
sensação
que nos aproximava,
nos unia…e amor não era e nem era paixão.
Algo em mim te agradava,
te atraía.
Tu tinhas para mim
tal sedução
que, tendo-te ao
meu lado, eu me sentia
a mulher mais feliz
da criação.
Uma semana só… No
meu caminho
um vislumbre de sol
e de carinho:
uma sombra, talvez,
na tua estrada…
Sete dias ardentes
de Novembro…
Deves ter esquecido.
E eu só me lembro
que nunca fui com
tanto amor beijada!
INTIMIDADE
Toda alcova em penumbra.
Em desalinho o leito,
onde, nus, o meu
corpo e o teu corpo, estirados
na fadiga que vem
do gozo satisfeito,
descansam do prazer,
felizes, irmanados.
Tendo a minha cabeça
encostada ao teu peito,
e, acariciando os
meus cabelos desmanchados,
és tão meu…Sou tão
tua. Ainda sob o efeito
da louca embriaguez
dos momentos passados.
Porém, na tua carne
insaciável, ardente,
o desejo reacende,
estua…E, de repente,
dos meus seios em
flor beijas a rósea ponta…
E se unem outra vez
a lúbrica bacante
do meu ser e o teu
sexo impávido, possante,
na comunhão sensual
das delícias sem conta…
Olhas nos olhos meus. E eu vejo neste instante
toda a terra subir a um céu que desconheço.
Olho nos olhos teus. E fica tão distante
o mundo: e todo o fel que ele contem, esqueço.
Sorris… e, contemplando o teu lindo semblante,
o ideal de minha vida, enfim, eu reconheço.
Falas… ouço-te a voz, e, impetuosa, radiante,
num gesto de ternura, os lábios te ofereço.
Beijas a minha boca. E neste beijo grande
-- como uma flor que ao sol desabrocha e se expande -- ,
todo o meu ser palpita e freme e vibra e estua.
Tudo é um sonho, no entanto; o seu beijo… o meu crime.
Mentirosa ilusão! Pobre ilusão que exprime
somente o meu desejo imenso de ser tua!
A CARNE
Exiges. É ciumenta
e egoísta. Não admites
qualquer rivalidade,
ou que algo te suplante.
És forte e audaz
no teu domínio sem limites…
capaz de transformar
a vida num instante.
És mísera e brutal.
Mas, nada obsta que agite
se açambanques o
mundo, e que esta alucinante
e estranha sensação
que aos humanos transmites,
tenha, como nenhuma,
um halo deslumbrante.
Oh, carne que possuis
no teu imo maldito
mais lodo que contém
num charco pantanoso,
mais esplendor, também,
que os astros do infinito…
Rugindo de volúpia
e de sensualidade,
espalhando na terra
apoteoses de gozo,
ó, carne, serás tu
a única verdade?
ESPÍRITO
Não! A verdade és
tu! A tua flama pura
sobre a matéria e
além dos séculos cintila!
Plasmas o sonho e
dás à humana criatura
forças para vencer
a própria triste argila.
Conduzes ao saber,
a ti pertence a altura;
tudo que é belo vem
da tua luz tranquila.
Sem ti seria o mundo
uma caverna escura;
nem a morte cruel
te vence ou te aniquila.
Revelação de Deus,
de toda a Sua imensa
sabedoria, que dizendo
ao homem: pensa!
no cérebro lhe pôs
a forja das ideias.
Sim, a verdade és
tu, espírito que elevas
as criaturas; tu,
que enches de luz as trevas,
transformando a miséria
e a dor em epopeias!
Vai-te! Não quero
mais saber de ti; maldito
e cínico traidor!
- exclamo, revoltada.
Não quero mais te
ver - furiosa, repito.
Acabou-se. Entre
nós não pode haver mais nada!
E a cada instante
mais me enraiveço e me excito:
digo-lhe algo pior
do que uma bofetada…
Ele reage e entre
nós vai-se armando um conflito,
desenrolado atrás
de uma porta fechada…
E, louca, em meu
furor, continuo a insultá-lo.
Porém, não sei porque,
de repente, me caio,
nos seus braços viris
sentindo-me espremida.
A briga terminou
sobre o leito macio:
e nunca foi tão louco
o nosso desvario
e nem houve jamais
gozo maior na vida.
AOS MEUS AMIGOS
Não sei como expressar o sentimento
De gratidão imensa que me invade…
Parece até um dos sonhos que eu invento
Essas provas de afeto e de amizade,
–
Que de Vocês recebo. É um monumento
A sua indiscutível lealdade:
Na jornada que há tanto tempo enfrento,
Não pode haver maior felicidade.
–
Que essa de ter amigos como os tenho,
E que, de conservar, tanto me empenho,
Feliz, agradecida, emocionada.
–
Não sei como dizer… Mas, essas provas
De bem querer são esperanças novas,
Semeando roseirais em minha estrada.
POBREZA
Hoje esgoto meu cálix de amargura
na suprema renúncia ao teu amor.
Raul de Leoni
É um desengano, eu
sei, dizer-te com franqueza
o que em minha alma
vai,
nesta vida que traz,
cada hora, uma surpresa,
sou a folha que cai…
Não tenho, para dar-te,
os risos da esperança
que embelezam o amor;
para lutar por ti,
nem escudo nem lança,
eu tenho ao meu dispor.
Para te oferecer
o sonho, a taça que o guardava,
quebrei-a, sem querer;
sabia o coração que
um sonho não bastava
para a mim te prender…
A minha boca, para
um longo beijo dar-te,
não tem viço nem
cor;
para fazer do meu
amor uma obra de arte
falta-me o esplendor.
As minhas pobres
mãos, para a carícia suave,
já não possuem calor.
E a minha lira tem
apenas o som grave
que exprime angústia
e dor.
Para te prestigiar,
não tenho a luz da glória
que tanto brilho
tem!
Não te honraria ser,
o herói da minha história,
porque não sou ninguém.
Não tenho, para dar-te,
um ceitil de beleza
nem de atração sequer…
E não te devo dar
o que tenho, a tristeza,
(ninguém no mundo
a quer!)
As flores da ilusão,
perdi-as; sou roseira
cansada de florir.
Em tua frente tens
toda uma vida inteira
e eu já não sei mentir.
Tu vês? Minha lealdade
as falhas não encobre,
confesso-as sem tremor.
Se puderes, perdoa-me!
É pobre, muito pobre
o meu intenso amor!
Es wär zu schoen gevesen
Es hat nicht sollen sein
Victor Scheffel
Naquela noite, um
céu desconhecido havia
aberto para nós as
suas portas de ouro.
E enquanto ao teu
meu coração batia,
tu eras meu amor,
eu era o teu tesouro.
Prendiam-se nos meus
os teus olhos de mouro,
um beijo, a tua boca
à minha boca unia…
E, sob um quebra-luz,
o meu cabelo louro
bem junto ao teu
cabelo escuro refulgia…
Porém, aquele céu
que, generosamente,
abrira para nós as
portas da ventura,
era o instante do
amor que passa, num repente.
E agora, eu digo,
a rir: — “Foi uma coisa louca!”
Tu dirás com desdém:
— “Foi mais uma aventura!”
(Como sabem mentir,
a tua e a minha boca!)
*****
Edição preparada
por Floriano Martins. Página ilustrada com obras de Arthur Boyd (Austrália, 1920-1999), artista convidado
da presente edição.
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Agulha Revista de Cultura
Número 122 | Novembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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