Dói o domingo
no ninho
dos tédios.
Dói o verão:
esta pele
seca
estirada
sobre os
ministérios vazios.
Dói o clube
dos domingos.
Dói o rito
dos domingos:
o amargo
esporte
de viver.
O amargo
esporte
de esquecer.
Dói a divisão
da vida:
o pão subtraído,
o peixe
poluído,
a paz envenenada.
Dói o voo
cortante desta tarde.
O DESTINO
No campo
do azul vem o verão
plantar
as suas nuvens.
Na cidade
imperfeita
vem o dia
plantar
a sua luz:
No mármore
morto
dos viadutos.
No verde
novo
depois
das chuvas.
Na cinza
que ameaça os monumentos.
Num lance
de dados se planta o destino.
O destino:
a previsão da náusea dos espaços.
O destino
destruidor
de nuvens.
O destino
levando
vantagem.
TRANSEUNTE
Transeunte
numa cidade sem ruas,
é apenas
um homem, apenas uma mulher.
A vida
pesada cai sobre
os seus
ombros cansados. Levados
de uma
incerteza a outra incerteza,
de uma
angústia a outra angústia,
no amargo
sonho desta vida
pedindo
ao verão o refrigério das sombras.
Ai campos
do verde plano
todo alagado
de carnaúbas.
Ai planos
dos tabuleiros
tão transformados
tão de repente
num vasto
verde num plano
campo de
flores e de babugem.
Ai rios
breves preparados
de noite
e nuvem. Ai rios breves
amanhecidos
na várzea longa,
cabeças
d'água do Surubim
no chão
parado dos animais,
no chão
das vacas e das ovelhas.
Ai campos
de criar. Fazendas
de minha
avó onde outrora
havia banhos
de leite. Ai lendas
tramadas
pelo inverno. Ai latifúndios.
HOMO
Sua razão
de vida o homem vê minguando
a cada
dia. Mas duro recomeça
como se
o tempo lhe sobrasse. E vagaroso
não conta
as eras que se extinguem.
Nem conta
a solidão dos dias claros
se desdobrando
iguais como esquecidos
de mudar.
Nem a distância
que o grito
não transpõe, a passagem da vida
cumprida
só em mínimos desejos.
Sua lástima
no piar das nambus, sóbrio
se esquiva
às armadilhas da tarde.
A incerteza
nos paióis, o chão batido
em que
levanta a casa, o amor
como a
água das cabaças.
Lavrador
do milho e do feijão, sua frugal colheita
em gleba
alheia. Passa-lhe a vida,
e queima
o céu com a cinza de suas roças.
A MORTE
A morte
aparece
sem fazer
ruído.
Senta-se
num canto
fica indiferente
com seu
ar de calma
absoluta.
Mira longamente
o quarto
o retrato
a cama
os remédios
postos
entre os livros
sobre a
mesa escura.
Depois
se levanta
sem nenhuma
pressa
sem impaciência
retorna
ao seu mundo
a morte,
de gestos
claros
e serenos.
Estas velhas paredes não confessam
à brisa sem memória os seus segredos.
A pedra construída sobre a pedra,
numa estranha argamassa reforçada
por suor de escravo e óleo de baleia,
como se alguém quisesse levantar,
contra o sereno da noite,
contra a ferrugem do mar,
uma alvenaria libertada
de tudo o que a morte corrompe.
Mas pouco permanece. Estas paredes
vão-se abatendo semi-destruídas
pelo puro movimento dos dias.
Bate na tarde um vento claro,
bate no peito uma lembrança
que estas paredes não confessam:
A vida. A mágoa sem remédio. O jogo do amor,
talvez mais difícil naquele tempo.
RÉQUIEM
Nestes verões jaz o homem
sobre a terra. E a dura
terra
sob os pés lhe pesa. E
na pele
curtida in vivo
arde-lhe o sol
destes outubros. Arde
o ar
deste campo maior desta
lonjura
onde entanguidos bois
pastam a poeira.
E se tem alma não lhe
arde o desespero
de ser dono de nada. Tão
seco é o homem
nestes verões. E tão curtida
é a vida,
tão revertida ao pó nesta
paisagem
neste campo de cinza onde
se plantam
em meio às obras-de-arte
do DNOCS
o homem e os outros bichos
esquecidos.
Onde serão as roças planta-se
primeiro
o fogo. E em cinza as
chamas
vão turvando o céu
de uma cidade ardente.
Ardemos no peso da tarde
com a cinza do sol nos
campos do verão.
Desde muitos avós o fumo
das queimadas
vamos repetindo. Ficamos
enfim
na cidade sem ventanas
transplantados
e saltando os aceiros
só em nós lavramos
a chama vagarosa que nos
consome.
MULHER
A brisa e a luz cantarão
nos teus cabelos.
A luz que acende a cor:
a saudade no sol nas dunas
do teu corpo.
A brisa sobre as águas:
o fogo no sangue,
os árdegos cavalos que
a manhã dispara.
A tarde do fauno:
a doçura da pele sob o
tremor dos dedos.
À noite a luz crescente
sonha o amor nas tuas
areias.
Edição preparada
por Floriano Martins. Página ilustrada com obras de Arthur Boyd (Austrália, 1920-1999), artista convidado
da presente edição.
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Agulha Revista de Cultura
Número 122 | Novembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
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