gráceis esguias tristes sonolentas
alvas róseas plúmbeas negras
vós sábias pernaltas
anfíbias aristocratas
requinte é vosso estado
ó indolentes pensativas
hídricas contemplativas
vós não-precipitadas
resolvidas no silêncio
ensimesmadas displicentes
sonhadoras de voo certo
passo largo leve lento
longo flexível colo
princesas-sacerdotisas
em perpétua ablução purificante
vós consumada elegância
castelãs solitárias
do mistério e sossego das águas
vós pressagas delicadas
habitantes de finas porcelanas
biombos parques vestes reais
vós simbólicas extáticas
deusas de ritos idos
ficai permanecei
O HORTO
ouro prata e azul
no verde horto
resplandeces
em tuas finas
delicadas mãos
recebes a taça
licor de cereja
o filtro
que celebra esta noite
de vigília d’armas
casta
límpida
no carro de corças
vaga em campo de aço
a deusa
os braços em colar
em teu colo
a fronte em tua fronte
por nove nomes a invoco
lua
hécate
febe
tânit
ishtar
astarté
selene
ártemis
diana
silêncio
êxtase
ÂNSIA IMEMORIAL
que ânsia imemorial atrai os corpos
de ambarina e amavios impregnados
ossos tendões e carne e sangue nervos?
que impacto os enlouquece tange anula?
que plectro ou lançadeira ou sábia lâmina?
e exangues ao cansaço os abandona?
phallus vulva os seios mãos e boca
e a pele esse tecido permeável
são instrumentos de urdir tecer
e a estrutura imantada aniquilada
é deliquo amplo voo queda a pique
num abismo do fogo gelo e nada
que nome te dar
na faca e no gume
na lima e no lume
na lama dos limos
na lança no laço
na trança no traço
na trama dos limbos
que névoa te envolve
e densa
turva
teu sacro perfil
se destravando
a treva
emerso a iluminaste
e
na dança do templo
que o corpo enlaça
a pupila embaça
o passo trava
e o sangue desata
em salva de prata
contido o lábio
na doce taça
que nome te dar
que medo te impele
que tolhida asa
o voo te impede
que secreta chaga
de ferida pluma
te enluta o âmago
e que maga imagem
te dispara a seta
que o peito afeta
em bruma
e arfagem
ó
iniciado
que êxtase
nos espera
que ardente
dardo
através da estirpe
de transe
e treva
a dor
extirpa
o ir
é nosso rio
ao bramir
do touro
o ouro
de teu corpo
ao sol
o manso bezerro
o túrgido úbere
a plúmbea ave
o fruto maduro
lança e raiz
o chão e o sal
tua urdidura são
ao sol posto
evocamos
a chaga
que a taça embaça
e o violáceo laço
de obscura trama
nesta agosto
deposto
nos envolve o rosto
a palavra
o chá
[QUE ÂNSIA]
que ânsia imemorial atrai os corpos
de ambarina e amavios impregnados
ossos tendões e carne e sangue nervos?
que impacto os enlouquece tange anula?
que plectro ou lançadeira ou sábia lâmina?
e exangues ao cansaço os abandona?
phallus vulva os seios mãos e boca
e a pele esse tecido permeável
são instrumentos de urdir tecer
e a estrutura imantada aniquilada
é deliquo amplo voo queda a pique
num abismo do fogo gelo e nada
I
Acaso poderias contentar-te com outra paixão
menos ardente do que a minha?
Sóror Mariana de Alcoforado
que mão ardilosa
tece
o rumo das amorosas
ardendo em paixão
constante
vorazes em seu anseio
verazes no seu amar
tenazes em sua sina
que frágil tecido
o seu
que as torna tão
vulneráveis
que sólida trama
a sua
que as faz tão impenetráveis
que estranha sua
urdidura
que armadilha suas
entranhas
e a violenta mordedura
das presas do seu
veneno
que rara essência
as perfuma
que licor denso ou
que vinho
corre em suas veia
e artérias
que pátera ou que
cratera
as embriaga e afoga
que cimento ou que
argamassa
constrói a sua ossatura
que flava flama ou
que rio
as consome ou as
arrasta
que sede e que fome
atroz
alimentam sua busca
que nem torres e
muralhas
afugentam seu assédio
e as vias mais tortuosas
as sendas mais pedregosas
não intimidam seus
passos
e a noite mais tenebrosa
incita a sua coragem
que misteriosa estrutura
sustenta a sua conduta
o fio do seu novelo
a linha de sua estirpe
que ígneo astro as
habita
que negro sol as
concita
que maciez pisa fino
em sua pata felina
que aço mais temperado
em sua fala ferina
vem de longe a sua
linhagem
em viagem ininterrupta
e mesmo partido o
leme
rotos cordoalha e
velame
prosseguem em seu
caminho
II
Daos a tener grandes
deseos, que se sacam siempre grandes provechos, aunque no se puedan poner en obra.
Santa Teresa de Ávila
amorosas lancinadas
que é feito do vosso poder
tendes furor nas entranhas
mênades amenas
que eu turvos uivos de viúvas
trincais as uvas
serpente macia brando látego
dança no ar a cabeleira
e avança a negra trança
crina e cauda ala calada
obscura raiz límpido traço
vós
que alvo não tendes em vossa tenda
e senda
e teceis ponto a ponto a delicada renda
venda no olhar travado o andar
e
sós
nadais em fino linho
e na treva do sono
o sonho indo
e vindo
no vinho do encontro
áspero recontro
é nessas águas o navegar
e o vagar
de ansiedade
ebriedade
soledade
ânfora de âmbar vosso corpo guarda
à espera
o mel
erra nos muros a hera
em susto
javalis e javalinas
sucumbem às correrias
de montearia
e arrulham as rolas
alheias aos voos de falcoaria
mas pedra é teu chão
terra
despida
pedra é o piso de tuas casas
terra
curtida
em
sangue e flama
calcinada
tuas matas incendiadas
ou em naves transformadas
no ataque feroz
feraz o solo te recebeu
rude guerreiro
e glória cantou-se ao vencedor
enquanto
entenebrecida
carpias teus
mortos
foi quando se recolheram
os feridos
e sobre as chagas
derramou-se
o óleo
faminta naquele assédio
a sede secou-te o peito
e rouca
louca
no chão rolaste
entre chamas chamando
o bem-achado bem
perdido
e o vão gemido sem alento
perdeu-se no alarido
junto ao vencido
estandarte
III
On m’a dit cent fois
que l’amour était une chimère et le bonheur un rêve. Je me le suis dit cent fois à moi-même. Mais tant que je me sentirai la force de désirer
le bonheur et l’amour, j’aurai la force de les espérer.
George Sand
nadam as hespérides
em águas abissais
e a leoa com suas crias
a loba com seus cachorros
a égua com seus potros
guardam a planura
parassemas emproam tuas naves
e parassóis pluripétalos
arrogantes girassóis
cobrem teus paramentos
thalassa é teu mundo
em pélagos e périplos navegas
heráldicas aves marcam tuas insígnias
as paragnátides de teus cascos
protegem tua maxila
e sob a axila trazes domado o leão
gloriosa nike
em panejante peplo desfraldadas alas
guia teus barcos
e de imigos arcos zunem os dardos
sem os roçar
e as deusas férteis pariram deuses
e feridas por seus raios sucumbiram
assim foi transferido o poder
mas do fundo profundo
emerge tua boca
e clama e inflama
a vaga e a praia
teu hálito é brisa e chama
teus dentes cortam algas corais medusas polvos
e teus brados e braços alcançam e abraçam
o espaço que te usurparam
vitório é o equilíbrio da balança
no peso desse metal maior
massa de armilas
e armas invencíveis
profunda é tua raiz
e sabes que não te quer o que não queres
pois quando vencedores
eram vencidos os imaturos
a quem ofertavas a salva
no lodo sorveu-se o húmus
sábio olhar perpassou teu ser
e sereno passou o horizonte
fonte e ponte
para enfrentar seguro
treva e luz
penumbra e lusco-fusco
e o turvo fez-se transparente
e as mãos foram leais
essa a terra que buscavas
onde fincar tua lança
onde lançar sua semente
esse o prêmio do tempo que esperaste
tempo de penitência e propiciação
em que lutaste contra empestados ventos
e agora louva o encontro
e vive a estação dos frutos
que o tempo é de maturação
LUNALUNARIUM VIII
Do
sardo mar
por águas
lavrado
em sal
conservado
dentre
joias
moedas
armas
de submerso
acervo
a mim
vieste
aro de bronze
a mim
viúva
e
nesta herança
de remoto
pacto
em meu dedo
estás
arcaica
aliança
LUNALUNARIUM XI
o descarnado tempo
descornado touro
é o exemplo
na face dúbia
de covarde olhar
na carne
permanente
pungente
o
espinho
vinho de ciência
da essência
o
arminho
*****
Edição
preparada por Floriano Martins. Página ilustrada com obras de Arthur Boyd (Austrália, 1920-1999), artista
convidado da presente edição.
*****
Agulha Revista de Cultura
Número 122 | Novembro de 2018
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão |
FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
Nenhum comentário:
Postar um comentário