[
DEZ POEMAS ]
[ELIDIR A
IMAGEM]
elidir
a imagem
moldura
sépia
crua
na
estante
sobre
as janelas dos olhos
a
imobilidade dos rostos
e
o inapreensível grito
das
coisas insubstituíveis
[NAS
PAREDES]
nas paredes
em despudor de silêncio
a litania do invisível
no cio do limo
a sinfonia do mofo
lavra
o
segredo
da
rachadura
[AZULEJOS
BRANCOS]
azulejos brancos
cardumes de passos
anoitecidos
no canto da varanda
por onde formigas
brotam como fachos negros
e canibalizam o feto da chuva
na casca da cigarra morta
[O MAR
LATEJA MURMÚRIOS]
o
mar lateja murmúrios
depósitos
de séculos
sereias
de harpas poluídas
garrafas
pet de escamas
espermas
bóiam filhos invisíveis
um
fêmur de cavalo parece leve
no
ritmo azul martelando na areia
como
fosse um cão de escumas e algas
o
mar morde artelhos e o mergulho do atleta
e
ainda sofre o abuso das gaivotas
bicando
seu dorso selvagem
sede
é como um rugido de rio
encontrando
a margem da garganta
sede
é peixe uterino
no
oceano do corpo
visto
por fora
despido
no espelho
visível
deserto de assombros
sede
é a possibilidade de romper
o
naufrágio e adejar na superfície
[MAÇÃS]
maçãs
na mesa
:apodrecem
os olhos
do corpo
dentes
do fruto
abrem rastros
na pele
turva
abandonada
na estrutura
óssea da
cadeira
[FECHAR O
MUNDO]
fechar
o mundo
com
os chacais do suspiro
abraçar
o instante
fugidio
peixe
do
anzol dos braços
o
escuro ilumina
as
cicatrizes
avessas
ao lodo
acenam
ao cais dos girassóis
quando
todos os retratos
murcham-se
desenraizados
do tempo
e
o possível
devir
anuncia-se
natimorto
[A CARNE
SE TATEIA]
a
carne se tateia
como
se outro corpo
escorresse
solto no gesto
dos
olhos entre os dedos
a
carne se tateia
e
falta um antebraço
e
falta uma perna
falta o olho direito
a carne se tateia
e falta motivo para ficar
em pé e falta a cabeça
para tocar as nuvens
fulge
a carne na rubra ânsia
canta
a densidade dos detritos
as
mínimas coisas que regressam
latejam
no clamor de um nome
[FALAM
TUAS SOMBRAS]
falam
tuas sombras
vestígios
e passagens
falam
tuas larvas
salivas
sêmens
musgos
e diálogos
na
floração do conflito
na
senda e noite da carne
acendas
tua fala
[ TRÊS
PERGUNTAS ]
FM
| Poesia, amor, liberdade – a
tríade essencial do Surrealismo. De que maneira ela faz parte de tua vida e se
integra à tua criação?
CO | O poema é um cavalo galopando nos campos sanguíneos da carne. Como disse
Octavio Paz: “o surrealismo é uma atitude
do espírito humano.” A liberrdade de imaginar e podar e ser podado pela
carne do poema, é umas das sedes que embeveço no surrealismo.
FM | Dentro e fora do país, entre vivos e mortos, independente até mesmo da
poesia, não apenas citando os nomes, mas comentando os motivos, poderias
referir algumas afinidades tuas na criação artística?
CO | Paul Celan, Herberto Helder, Orides Fontela, Heidegger e Alejandra
Pizarnik, esses são alguns nomes que fazem parte de mim.
FM | Tenho percebido que, sobretudo em poetas nascidos a partir de 1980, há um
renascimento na lírica brasileira, que é tanto na densidade da escrita, quanto
na definição de uma voz própria, quanto no sentido de uma solidariedade
explícita, sem que isto reflita a existência de um movimento. O que observas a
este respeito?
CO | Os poetas contemporâneos buscam a
pele de uma voz própria. Há densidades diversas na nossa poesia contemporânea
brasileira. Nomes potentes e imensos.
[ FOLHA DE VIDA ]
Carlos
Orfeu, nasceu em Queimados, 1987. É devoto das artes, sobretudo, da literatura
e poesia. Publica em blogs pessoais, revistas e blogs literários. O poeta em
2017 lançou o livro Invisíveis cotidianos,
pela Editora Literacidade.
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EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidado: Enrique
de Santiago (Chile, 1961)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 126 | Janeiro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
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