[um quarto de opereta, enquanto Zuca Sardan
e Floriano Martins lavam os pincéis]
o show da Vamp Nipônica…
O perigo da revolta mundial
da inteligência artificial
é a possibilidade
metafísica
da Electra
aprender a gozarrrr…
Electra Vuco-Vuco fumava
seu Coíba eletrificando os arredores com seu orgasmo multicor. Um dia aceitou migrar
para um paraíso artificial. Tadinha, passou a gozar em preto & branco…
Tal a Dançarina mecânica
de Metropolis, o filme que se torna cada
vez mais profético…
Dançarinas mecânicas saem
de casa uma única vez ao final do dia, para caçar pedras atrás do estúdio. Voltam
ao anoitecer, com as mãos arranhadas e uma ideia perdida de como voltar a ser bonecas
de pano do passado.
É muito difícil, pruma dançarina
mecânica, voltar a ser a boneca de pano que foi. E se conseguir voltar, arrisca
de se decepcionar. “Ai!, como era chata essa minha vida de pano… Ai!…”
Daí a ideia perdida, para que a saudade
não tenha senão a força de uma ilusão.
Depois de chorar sobre o leite derramado
fazer das lágrimas um caramanchão.
Saudade é o forte do Manuel
das Quinas que sempre espera a volta do Encoberto, em dia de maré forte, a chegar
a lento passo, à luz do sol nascente pra gran’ susto das Tágides formosas e robustas,
com seus róis de roupa a lavar.
Porém nada supera o sol quando
nasce ao pé das quinas, o olhar temperado em mil cores, um cortejo de luzes e a
horta das atrizes encobertas nos tanques mais promíscuos do castelo. A rainha Cicrana
penteia os cabelos da tempestade, com súditos atentos ao capricho dos lava-pés.
Rainha Cicrana tem mesmo
rubros cabelos muito elétricos, quando se penteia dá curto-circuito, e o rádio entra
em pane, tocando em ondas passadas, ouvimos Caruso cantando uma furtiva lácrimaaaaa…
Esqueçam
os limites travados pela ilusão da liberdade!
Deixemos
para depois o equilíbrio das horas decoradas!
Hora
das cartilhas tomarem sua sopinha de cicuta.
Tornemos
todas as fêmeas visíveis e façamos da memória um anjo aturdido.
Estás tão supinamente
desembestado numa fúria de leão furibundo, que todos os leitores e leitoras fugiram
esbaforidos e deixaram o Circo Putiphar vazio. Euxímio sumiu no fundo do ponto,
e Leonor se trancou no guichet, desfiando um rosário.
Um quarto de hora depois
do incêndio improvisado, os leões com as jubas em chamas, espavoridos deixam o tablado
e Eletra Vamp Star recita ao pé da letra em russo mastigado o bilhete de despedida.
Tan-tan-tanran-tan-tan
Assim foi o canto
de despedida da Eletra, com uma reboladinha, um triste suspiro, um furtivo sorrisinho
de esguelha:
Dasvidânia…
Arigatô…
Karashó…
Banzai…
O PANO EMBOLADO DESPENCA
SOBRE OS ESCOMBROS DA NOITE
&
MINUTOS DEPOIS A CRÍTICA
SE MANIFESTA
ANITA BORGIA:
Puxa,
uma peça tão bonita, até com poeminha didático: Daí a ideia perdida, para que a saudade / não tenha senão a força de uma
ilusão. / Depois de chorar sobre o leite derramado / fazer das lágrimas um caramanchão.
PEDRO KZ:
Só
podemos saudar a saída de Electra; a exímia autocrítica dos autores deixará saudades.
Mas, pensando melhor, até gostei da parte em que ela arranha os braços.
ANITA
BORGIA: Como assim, não entendi nada?
ZUCA:
Quem entende tudo, não pode inventar.
OPS ÍAMOS ESQUECENDO A
INTROMISSÃO PERMITIDA DA TUMBA
LACRIMOSA
[fragmento da peça ASILO DAS FARSAS]
Um dia o inferno olhou para
dentro de si e desabou em choro verborrágico.
Tupãzinho de algibeira
FLOYD
NIX
Caro
Fumex, li em uma daquelas páginas confinadas ao fundo de gaveta, que houve uma época
em que se fez moda o método de forçar os enfermos da cuca a malharem em ferro frio.
A seu lado era pregada em sofá uma orelha e criada a ilusão de que tudo o que ele
depositasse em seu interior seria decisivo na faxina de sua pobre alma combalida.
Trouxe comigo uma cópia do sofá orelhado, quem sabe assim livraríamos algumas botas
do Inferno.
DOC
FUMEX
O sofá, segundo a Encyclopédia Labrosse, tinha orelhas de burro, ouvia muito, mas entendia
pouco, boca e dentes de cavalo, relinchava e comia o tapete, mas com pernas e pés de porco, não
sabia galopar nem pular pela janela, pra fugir dos loucos. No soalho havia o bueiro
dum profundo poço que dava direto pro Inferno, mas permanecia trancado a sete chaves.
O Inferno estaria superlotado. Em todo caso, conforme diz Nelson Romildes na Rádio
Lambada, Lugar de Louco é no Céu.
E
para lá iam hordas infladas, crentes que a parvoíce era prima-irmã da loucura. Muitos
entravam pela orelha do burro e se perdiam no trajeto. De volta ao sofá nunca se
soube de um caso. Porém em um papelote na 116ª edição da Labrosse, a título de fé
de erratas, qualquer um podia ler que a ilusão em muitas páginas onde era citada
não passava de um grau mais alto de entropia. A verdade, que sempre preferiu estar
do lado de fora, jamais foi tão irreversível quanto se imaginou. Daí que o sofá
orelhado durante décadas funcionou como um colete salva-vidas.
DOC
FUMEX
A Verdade e a Justizza sempre estão do
lado dos grandes batalhões. Por isso o Lening, indo pro Kremlin em sua limusine
Rolls-Royce de seis rodas e cremalheiras,
trazia sempre um ás de espadas forrado no boné, e… intitulou seu jornal de…
A Verdade (Pravda). E… era mesmo… não convém discutir.
FLOYD
NIX
Desde
então a verdade oscila entre privação e depravação. A partir daí o mundo foi se
ramificando em cárceres privados do desejo. A indústria da moda abana seu rabinho
e as meninas percorrem as galerias da Ratoeira Central. Os meninos se entopem de
loção barata e acendem a lamparina de seus pequenos vícios. Logo o sofá orelhado
passa a ser vendido nas melhores casas do ramo a preço de ocasião.
DOC
FUMEX
Aproveite, freguês, esta oferta im-per-dí-vel!!!…
O sofá-de-orelhas vem com um alicate de médio alcance para quebrar galhos de quintal,
que podem rasgar fantasias carnavalescas de… de… Had Hoc!… ou talvez de… Had Dad?… Eis a questão…
a ver se bem me lembro… plec-plec-plec… estalo os dedos.
FLOYD
NIX
Fato
é que já não se sabe de que lado fica a realidade. Talvez o freguês mais astuto
fosse aquele que comprasse dois sofás e os dispusesse em sua sala um de frente para
o outro, enlaçados por tripas comunicantes, preparando fuminhos de vidas paralelas.
Quem sabe assim, tendo de um lado Had Hoc e de outro Had Dad, a cozinha do inferno
voltasse a bater suas panelas e uma multidão de grilos falantes saísse em passeata
pelos guetos mais recentes da história.
DOC
FUMEX
Justamente Manuel Fontana, famoso artista conceitual,
comprou dois sofás-de-orelhas e colocou-os um diante do outro, bordejou-os de tubos
neon, alguns mapas de Palermo, colocou uns tufos de algodão, garrafas e esparadrapos,
e ganhou o Primeiro Prêmio da Bienal de Ravenna.
FLOYD
NIX
No
chão havia uma placa de metal que fazia menção às partículas entrelaçadas, sugerindo
ao público que poderiam ser manipuladas com o olhar, assim os orelhudos acentos
ganhariam vida e toda a cena se converteria em um ninho de preás do reino. Ascendino,
o vigilante daquela parte da Bienal, anotava em mil papelotes tudo o que via, dos
passantes às variações de humor dos sofás. Ao voltar para casa tentou montar o quebra-cabeça
e dormiu com a cabeça sobre os joelhos na cópia bege de um daqueles sofás que havia
comprado em uma venda de garagem. Ao acordar não se reconheceu diante do espelho.
Aí está, Floyd!… A Missão Supina da Arte!…
Transformar seus filhos em Homens Novos!… Abertos para a Cultura, a Sabedoria, a
Democracia e os Direitos Humanos!!! Ascendino não se reconheceu no espelho,
porque tinha ascendido ao estado de graça de… Artista!… Com sua instalação de papelotes,
ora sonha em participar na próxima Bienal de Ravenna, o que anunciou ao Professore
Podrecca, Diretore della Biennale, que o parabenizou. Quando Ascendino deixou seu
gabinete, Professore Podrecca telefonou súbito para o asilo de alienados Castelo
Nunkamaz, e falou com seu diretor, o filantropo visionário, Doktor Frankenstein,
que, pelo conjunto de sua prática e seus tratados sociológicos, seriamente ameaça
ganhar o Prêmio Nobélio!…
FLOYD
NIX
Anarquino
Trapiche foi o terceiro dos artistas premiados, com uma surpreendente cabina telefônica
de puro látex, maleável a qualquer um que lhe adentrasse, de onde se ouvia, oriunda
de pontos distintos e permutáveis, vozes distintas que repetiam Eu preciso falar, Eu prefiro falar, Eu consigo
falar. O júri se confessou confuso ante o embaralhar de promessas e profecias,
característica da Política e da Arte Conceitual. Do lado de fora da Bienal uma multidão
empilhava sofás orelhudos de todas as cores, como prova de que a Arte deve ser feita
por todos.
DOC
FUMEX
Sim, a Arte deve ser feita por todos,
a começar no aconchego do lar, os cônjuges devem fazer arte bilu-bilu, as crianças
fazer arte infantil, o papagaio deve fazer arte
oratória, a cozinheira arte culinária, a arrumadeira deve cantar sambas e marchinhas
carnavalescas. E os bombeiros devem praticar acrobacias hidráulicas, para salvarem
nossos museus e seus acervos multi-seculares dos repetidos incêndios, que se propagam
de preferência aos domingos e feriados, devorando vorazmente a uma velocidade espantosa
quadros e mobiliário, incentivados pela falta de material de prevenção, e talvez
também falta d'água, e falta de catálogo telefônico, pra alguém encontrar o número
de telefone do posto de bombeiros. Teme-se que a Primeira Missa do Brasil, flagrada
por Vitor Meirelles, também tenha sido incendiada, o que põe em cheque a catequização
do Brasil.
FLOYD
NIX
O
sapo na lagoa brejeiramente lavava o pé. Preparava-se para ir ver os restos do incêndio,
informado que havia sido que em meio aos destroços escapara incólume a ossada de
Mama Sapa, o mais antigo batráquio escavado pela Companhia Pás de Antanho. O que
o sapo tinha dúvida é se a Arte pode ser refeita por todos ou ao menos por um. Muitos
desastres sociais são querelas incendiárias. Vitimados pelo lamento excessivo o
mundo pouco a pouso se desfaz. De nada adianta salvar os catálogos telefônicos,
porque as linhas de emergência há muito foram rompidas. O sapo viu fugindo pelo
matagal um homem nu, peludo como um bosque abandonado, gritando olha que lá vem de novo o mesmo varal de escritos
escatológicos de sempre. Quem sabe alguém ainda sonhe com Pasárgada ou a Terra
Santa, porém o sapo sabe bem que não se coaxa no dilúvio.
DOC
FUMEX
Sapo Brejeiro se foi, subindo em dez horas
a encosta do Pão de Açúcar, um dos mais altos do Rio de Janeiro, e justo em cima
do Cassino da Urca. Era quase ora do xou…
Brejeiro assestou sua velha luneta, pra escrutar a janelinha do camarim de Carmen
Guirlanda, a saracoteante vedette do samba… Afinal, Brejeiro era o Senhor do Brejo
Fundo, e recebia em casa própria a elite da saparia, respondendo familiarmente às
perguntas mais indiscretas, e relatando anedotas picantes e aventuras de caçadas
às moscas varejeiras… Mas… a todas essas… Carmen Guirlanda não apareceu na janela.
FLOYD
NIX
O
que poucos sabem é que as janelas se tornaram as orelhas preferidas da psicanálise.
Assim mudamos de túmulo, embora a morte permaneça a mesma. Mesmo que se entupa de
monturos o Pajeú de ontem jamais será o Tietê de hoje. Sapo Brejeiro, em sua última
conferência, provou que detritos não fazem autocrítica. Nova falange de desastres
começa a por suas mangas e nabos de fora. A Encyclopédia Labrosse
anuncia que em próxima edição se incluirá um verbete destinado a explicar a analogia
entre sofás e orelhas que levou a pique as ciências da cuca. Até lá, como dantes,
como dantes, todas as revelações são quiméricas, todas as compilações são originais.
CATAHR
CATOMBO AGORA ‘CABOU
QUARTETO
KOLAX é uma carroça de
atores percorrendo os escombros da arte contemporânea com seu teatro automático.
Seus integrantes são Anita Borgia, Dr. Flor, Pedro Kz e Zuca Sardan. As imagens
que acompanham a edição, reconhecidas ou não, por efeito cênico, são estrategicamente
anônimas.
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 125 | Janeiro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário