terça-feira, 1 de janeiro de 2019

ELECTRA VAMP STAR


[um quarto de opereta, enquanto Zuca Sardan e Floriano Martins lavam os pincéis]


Vendo entre as notizzias…
o show da Vamp Nipônica…
O perigo da revolta mundial
da inteligência artificial

é a possibilidade
metafísica
da Electra
aprender a gozarrrr…

Electra Vuco-Vuco fumava seu Coíba eletrificando os arredores com seu orgasmo multicor. Um dia aceitou migrar para um paraíso artificial. Tadinha, passou a gozar em preto & branco…

Tal a Dançarina mecânica de Metropolis, o filme que se torna cada vez mais profético…

Dançarinas mecânicas saem de casa uma única vez ao final do dia, para caçar pedras atrás do estúdio. Voltam ao anoitecer, com as mãos arranhadas e uma ideia perdida de como voltar a ser bonecas de pano do passado.

É muito difícil, pruma dançarina mecânica, voltar a ser a boneca de pano que foi. E se conseguir voltar, arrisca de se decepcionar. “Ai!, como era chata essa minha vida de pano… Ai!…”

Daí a ideia perdida, para que a saudade
não tenha senão a força de uma ilusão.
Depois de chorar sobre o leite derramado
fazer das lágrimas um caramanchão.

Saudade é o forte do Manuel das Quinas que sempre espera a volta do Encoberto, em dia de maré forte, a chegar a lento passo, à luz do sol nascente pra gran’ susto das Tágides formosas e robustas, com seus róis de roupa a lavar.

Porém nada supera o sol quando nasce ao pé das quinas, o olhar temperado em mil cores, um cortejo de luzes e a horta das atrizes encobertas nos tanques mais promíscuos do castelo. A rainha Cicrana penteia os cabelos da tempestade, com súditos atentos ao capricho dos lava-pés.

Rainha Cicrana tem mesmo rubros cabelos muito elétricos, quando se penteia dá curto-circuito, e o rádio entra em pane, tocando em ondas passadas, ouvimos Caruso cantando uma furtiva lácrimaaaaa


Atenção!!! Atenção!!!
Esqueçam os limites travados pela ilusão da liberdade!
Deixemos para depois o equilíbrio das horas decoradas!
Hora das cartilhas tomarem sua sopinha de cicuta.
Tornemos todas as fêmeas visíveis e façamos da memória um anjo aturdido.

Estás tão supinamente desembestado numa fúria de leão furibundo, que todos os leitores e leitoras fugiram esbaforidos e deixaram o Circo Putiphar vazio. Euxímio sumiu no fundo do ponto, e Leonor se trancou no guichet, desfiando um rosário.

Um quarto de hora depois do incêndio improvisado, os leões com as jubas em chamas, espavoridos deixam o tablado e Eletra Vamp Star recita ao pé da letra em russo mastigado o bilhete de despedida.

Tan-tan-tanran-tan-tan
Assim foi o canto de despedida da Eletra, com uma reboladinha, um triste suspiro, um furtivo sorrisinho de esguelha:

Dasvidânia…
Arigatô…
Karashó…
Banzai…

O PANO EMBOLADO DESPENCA SOBRE OS ESCOMBROS DA NOITE
&
MINUTOS DEPOIS A CRÍTICA SE MANIFESTA


ANITA BORGIA: Puxa, uma peça tão bonita, até com poeminha didático: Daí a ideia perdida, para que a saudade / não tenha senão a força de uma ilusão. / Depois de chorar sobre o leite derramado / fazer das lágrimas um caramanchão.

PEDRO KZ: Só podemos saudar a saída de Electra; a exímia autocrítica dos autores deixará saudades. Mas, pensando melhor, até gostei da parte em que ela arranha os braços.

ANITA BORGIA: Como assim, não entendi nada?

ZUCA: Quem entende tudo, não pode inventar.


AGORA SIM A CORTINA SAI DE CENA


OPS ÍAMOS ESQUECENDO A INTROMISSÃO PERMITIDA DA TUMBA LACRIMOSA
[fragmento da peça ASILO DAS FARSAS]

Um dia o inferno olhou para dentro de si e desabou em choro verborrágico.

Tupãzinho de algibeira

FLOYD NIX
Caro Fumex, li em uma daquelas páginas confinadas ao fundo de gaveta, que houve uma época em que se fez moda o método de forçar os enfermos da cuca a malharem em ferro frio. A seu lado era pregada em sofá uma orelha e criada a ilusão de que tudo o que ele depositasse em seu interior seria decisivo na faxina de sua pobre alma combalida. Trouxe comigo uma cópia do sofá orelhado, quem sabe assim livraríamos algumas botas do Inferno.

DOC FUMEX
O sofá, segundo a Encyclopédia Labrosse, tinha orelhas de burro, ouvia muito, mas entendia pouco, boca e dentes de cavalo, relinchava e comia o tapete, mas com pernas e pés de porco, não sabia galopar nem pular pela janela, pra fugir dos loucos. No soalho havia o bueiro dum profundo poço que dava direto pro Inferno, mas permanecia trancado a sete chaves. O Inferno estaria superlotado. Em todo caso, conforme diz Nelson Romildes na Rádio Lambada, Lugar de Louco é no Céu.

FLOYD NIX
E para lá iam hordas infladas, crentes que a parvoíce era prima-irmã da loucura. Muitos entravam pela orelha do burro e se perdiam no trajeto. De volta ao sofá nunca se soube de um caso. Porém em um papelote na 116ª edição da Labrosse, a título de fé de erratas, qualquer um podia ler que a ilusão em muitas páginas onde era citada não passava de um grau mais alto de entropia. A verdade, que sempre preferiu estar do lado de fora, jamais foi tão irreversível quanto se imaginou. Daí que o sofá orelhado durante décadas funcionou como um colete salva-vidas.

DOC FUMEX
A Verdade e a Justizza sempre estão do lado dos grandes batalhões. Por isso o Lening, indo pro Kremlin em sua limusine Rolls-Royce de seis rodas e cremalheiras,  trazia sempre um ás de espadas forrado no boné, e… intitulou seu jornal de… A Verdade (Pravda). E… era mesmo… não convém discutir.

FLOYD NIX
Desde então a verdade oscila entre privação e depravação. A partir daí o mundo foi se ramificando em cárceres privados do desejo. A indústria da moda abana seu rabinho e as meninas percorrem as galerias da Ratoeira Central. Os meninos se entopem de loção barata e acendem a lamparina de seus pequenos vícios. Logo o sofá orelhado passa a ser vendido nas melhores casas do ramo a preço de ocasião.

DOC FUMEX
Aproveite, freguês, esta oferta im-per-dí-vel!!!… O sofá-de-orelhas vem com um alicate de médio alcance para quebrar galhos de quintal, que podem rasgar fantasias carnavalescas de… de… Had Hoc!… ou talvez de… Had Dad?… Eis a questão… a ver se bem me lembro… plec-plec-plec… estalo os dedos.

FLOYD NIX
Fato é que já não se sabe de que lado fica a realidade. Talvez o freguês mais astuto fosse aquele que comprasse dois sofás e os dispusesse em sua sala um de frente para o outro, enlaçados por tripas comunicantes, preparando fuminhos de vidas paralelas. Quem sabe assim, tendo de um lado Had Hoc e de outro Had Dad, a cozinha do inferno voltasse a bater suas panelas e uma multidão de grilos falantes saísse em passeata pelos guetos mais recentes da história.

DOC FUMEX
Justamente Manuel Fontana, famoso artista conceitual, comprou dois sofás-de-orelhas e colocou-os um diante do outro, bordejou-os de tubos neon, alguns mapas de Palermo, colocou uns tufos de algodão, garrafas e esparadrapos, e ganhou o Primeiro Prêmio da Bienal de Ravenna.

FLOYD NIX
No chão havia uma placa de metal que fazia menção às partículas entrelaçadas, sugerindo ao público que poderiam ser manipuladas com o olhar, assim os orelhudos acentos ganhariam vida e toda a cena se converteria em um ninho de preás do reino. Ascendino, o vigilante daquela parte da Bienal, anotava em mil papelotes tudo o que via, dos passantes às variações de humor dos sofás. Ao voltar para casa tentou montar o quebra-cabeça e dormiu com a cabeça sobre os joelhos na cópia bege de um daqueles sofás que havia comprado em uma venda de garagem. Ao acordar não se reconheceu diante do espelho.

DOC FUMEX
Aí está, Floyd!… A Missão Supina da Arte!… Transformar seus filhos em Homens Novos!… Abertos para a Cultura, a Sabedoria, a Democracia e os Direitos Humanos!!! Ascendino não se reconheceu no espelho, porque tinha ascendido ao estado de graça de… Artista!… Com sua instalação de papelotes, ora sonha em participar na próxima Bienal de Ravenna, o que anunciou ao Professore Podrecca, Diretore della Biennale, que o parabenizou. Quando Ascendino deixou seu gabinete, Professore Podrecca telefonou súbito para o asilo de alienados Castelo Nunkamaz, e falou com seu diretor, o filantropo visionário, Doktor Frankenstein, que, pelo conjunto de sua prática e seus tratados sociológicos, seriamente ameaça ganhar o Prêmio Nobélio!…

FLOYD NIX
Anarquino Trapiche foi o terceiro dos artistas premiados, com uma surpreendente cabina telefônica de puro látex, maleável a qualquer um que lhe adentrasse, de onde se ouvia, oriunda de pontos distintos e permutáveis, vozes distintas que repetiam Eu preciso falar, Eu prefiro falar, Eu consigo falar. O júri se confessou confuso ante o embaralhar de promessas e profecias, característica da Política e da Arte Conceitual. Do lado de fora da Bienal uma multidão empilhava sofás orelhudos de todas as cores, como prova de que a Arte deve ser feita por todos.

DOC FUMEX
Sim, a Arte deve ser feita por todos, a começar no aconchego do lar, os cônjuges devem fazer arte bilu-bilu, as crianças fazer arte infantil, o papagaio deve fazer arte  oratória,  a cozinheira arte culinária,  a arrumadeira deve cantar sambas e marchinhas carnavalescas. E os bombeiros devem praticar acrobacias hidráulicas, para salvarem nossos museus e seus acervos multi-seculares dos repetidos incêndios, que se propagam de preferência aos domingos e feriados, devorando vorazmente a uma velocidade espantosa quadros e mobiliário, incentivados pela falta de material de prevenção, e talvez também falta d'água, e falta de catálogo telefônico, pra alguém encontrar o número de telefone do posto de bombeiros. Teme-se que a Primeira Missa do Brasil, flagrada por Vitor Meirelles, também tenha sido incendiada, o que põe em cheque a catequização do Brasil.

FLOYD NIX
O sapo na lagoa brejeiramente lavava o pé. Preparava-se para ir ver os restos do incêndio, informado que havia sido que em meio aos destroços escapara incólume a ossada de Mama Sapa, o mais antigo batráquio escavado pela Companhia Pás de Antanho. O que o sapo tinha dúvida é se a Arte pode ser refeita por todos ou ao menos por um. Muitos desastres sociais são querelas incendiárias. Vitimados pelo lamento excessivo o mundo pouco a pouso se desfaz. De nada adianta salvar os catálogos telefônicos, porque as linhas de emergência há muito foram rompidas. O sapo viu fugindo pelo matagal um homem nu, peludo como um bosque abandonado, gritando olha que lá vem de novo o mesmo varal de escritos escatológicos de sempre. Quem sabe alguém ainda sonhe com Pasárgada ou a Terra Santa, porém o sapo sabe bem que não se coaxa no dilúvio.

DOC FUMEX
Sapo Brejeiro se foi, subindo em dez horas a encosta do Pão de Açúcar, um dos mais altos do Rio de Janeiro, e justo em cima do Cassino da Urca. Era quase ora do xou… Brejeiro assestou sua velha luneta, pra escrutar a janelinha do camarim de Carmen Guirlanda, a saracoteante vedette do samba… Afinal, Brejeiro era o Senhor do Brejo Fundo, e recebia em casa própria a elite da saparia, respondendo familiarmente às perguntas mais indiscretas, e relatando anedotas picantes e aventuras de caçadas às moscas varejeiras… Mas… a todas essas… Carmen Guirlanda não apareceu na janela.

FLOYD NIX
O que poucos sabem é que as janelas se tornaram as orelhas preferidas da psicanálise. Assim mudamos de túmulo, embora a morte permaneça a mesma. Mesmo que se entupa de monturos o Pajeú de ontem jamais será o Tietê de hoje. Sapo Brejeiro, em sua última conferência, provou que detritos não fazem autocrítica. Nova falange de desastres começa a por suas mangas e nabos de fora. A Encyclopédia Labrosse anuncia que em próxima edição se incluirá um verbete destinado a explicar a analogia entre sofás e orelhas que levou a pique as ciências da cuca. Até lá, como dantes, como dantes, todas as revelações são quiméricas, todas as compilações são originais.

CATAHR CATOMBO AGORA ‘CABOU


 EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019

QUARTETO KOLAX é uma carroça de atores percorrendo os escombros da arte contemporânea com seu teatro automático. Seus integrantes são Anita Borgia, Dr. Flor, Pedro Kz e Zuca Sardan. As imagens que acompanham a edição, reconhecidas ou não, por efeito cênico, são estrategicamente anônimas.


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 125 | Janeiro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019






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