[ DEZ POEMAS ]
OS SONHOS DA ÁGUA DORMENTE...
Sabe-se que quando chove,
Os espíritos aproveitam para falar mais alto...
Pois na clareza do silêncio
Eles se negam a conceder a absoluta certeza
De que realmente se fazem presentes...
Então se abre a porta e o Céu foge,
Leva todas as águas e as pedras,
Até a luz segue outrora...
Eles procuravam por água dormente...
Pois nela descansavam suas fraquezas
Diluídas em aridezes insones...
Ao lado de fora de seus intentos
O vácuo levou o ar e a poeira cristalina
Desprendendo-se de seus maremotos internos
Onde nasceu o sono líquido...
Na água espiritual das flores
Outra fluidez rósea se encaminha
Para o Ser que leva o perfume etéreo,
A frágil percepção do Irreal e até mesmo a Luz...
Lá onde as casas
Foram feitas de madeira noturna
Os mistérios jamais deixavam o dia amanhecer...
Antes escorregavam quais sombras
Para procurar água dormente;
Hoje tentam lembrar
Como a luz foi embora
Levando as formas dos ventos...
NA ESPHÆRA OCCULTA...
Vela
o âmago do íntegro genitor
Em
um segredo de passados
Que
reluzem lídimos...
A
nébula que envolve sua emoção
Pode
desvelar-se em translúcido cristal
Através
da avidez de uma symbólica interface...
Ele
gera a fonte luminar
Que
occulta o flúmen no véu
À
guarda de sua áqüea identidade...
Atrás
dos olhares a decodificar sua alma,
Ænigmas
anunciam em dócil projeção
As
imensas pupilas de outro céu...
Abre-se
no íntimo rosáceo que deflagra
Ao
Sol de vossa tenra amabilidade
No
lado interno do Amanhecer...
Evade-se
ao núcleo da sublime lucidez
Quando
o ser inteligível predomina
Na
visão que dele se apodera...
Ao
dilatar-se em mystério,
À
procura de um escudo invisível,
Seu
amor desfila em vogas subliminares...
Amanhece
em calores de auroras perfumadas
Na
volúpia de sua nostalgia que desperta
Ao
som de uma violácea maciez...
No
adiamantar deste symbolo
Andrógina
metáphora retorna implícita
Perante
os sentidos que se cruzam convictos...
O
Outro Lado permanece vívido
Em
luzes que o escuro jamais poderá deter
Enquanto
fruto intangível de um desconhecido fim...
SINESTESIA
PLENA...
Todos
os meus sentidos se cruzam
No
sabor musical que perfuma as cores da sutileza
Onde
vivo múltipla e inusitada sinestesia...
A
fragrância de uma voz dourada
Propõe
uma doçura cuja cálida rubescência livre sonha
Na
unicidade do meu ser...
Não
demorei a perceber o quão mágico é
Enxergar
os calores de um som aromático e forma doce
No
centro de minha secreta existência...
Numa
noite de especial empatia
Meu
paladar tateava a sonoridade fulvo-violácea
Do
balsamo intuitivo que me fez tanger um sexto sentido...
Analogias
entretêm em unidade o sumo da minha esphæra sensciente
Na
olfação que vibra em carícias de vistosas symphonias
A
emitir emoções de índigos gostos marítimos...
Ao
provar da obscura tristeza do amargor
Desagradou-me
a aspereza de um fétido estampido...
Assim
quis somente permanecer na quintessência dos sentidos...
Da
sensível consonância ao elemento de sua orbe real,
À
comunicação ætéreo-imaterial expande enérgica mansidão
Na
precognição que me convida a uma sinestesia extra-sensorial...
Sonho
odorífero qual rubificado vibra em táteis e audíveis telepatias,
Quando
ecoa no tépido brilho de suas palatosas harmonias
Liquefazem-me
no Universo da Sinestesia...
DA TOTAL CONJUNÇÃO SINESTÉSICA
Encontra-se,
Em nostálgico horizonte,
O perfume de uma
voz violácea...
A intuição da ígnea
flor,
Por um céu áqüeo-flavescente,
Ainda encanta-se
Aquecida pelo sabor
cromático
De uma fragrância
musical...
Desvela-se,
Ante a carismática
aurora,
A harmonia de um
odor argênteo...
A percepção do níveo
pássaro,
Por um lago lácteo-albescente,
No entanto imagina-se
A degustar o aroma
dourado
De uma sinfonia plumosa...
Contempla-se,
Num crepúsculo remoto,
A doce maciez de
um phonema...
O sorriso da flâmea
pedra,
Por uma paisagem
flóreo-rubescente,
Ao Fim ensonha-se
Pela orquestra de
calor odorífero
De um paladar purpúreo...
Devaneia-se,
Sob um horário eterno,
A melodia de uma
cor veludínea...
O destino da rósea
nuvem,
Por uma imensidão
méleo-viridescente,
Todavia transborda-se
A ouvir a calidez
perfumada
De um flavor visual...
Vivencia-se,
Em magistral celitude,
A refrigerância de
um gemido lilás...
O amor da rúbea libélula,
Por um astral cítreo-livorescente,
Por ventura conflui-se
Ao tatear a recendência
sonora
De uma azulina umamidade...
Manifesta-se,
Em longínqua existência,
A rubefação de um
sedoso olfacto...
A vida da áurea estrela,
Por um sonho brônzeo-luminescente,
Ao Eterno suaviza-se
No exalar da tátil
ressonância
De um gosto luminoso...
AS CASAS NASCENTES DO TEMPO
Tempestades
antigas... Alamedas de sonhos já extintos e apenas existentes num tempo cuja antiguidade
já perdera os relógios... Velhas casas... Casas que germinam qual ser arbóreo, pois
nunca ninguém as construiu... Elas nasceram... Simplesmente brotaram e cresceram
formando aos poucos suas janelas e portas... As mãos do Passado as semearam com
a esperança de frutuosos e floridos lares...
MAGNIFICÊNCIAS XVI
A Chuva
desce nessa cærúlea tarde de hoje vinda do Ontem, mas apenas completa
amanhã por um sonho de vitalidades violetas e flautosas purificações... Ele parecia
adormecer no Sul quando a Terra olhou para outra esphæra fraternal... Mas chovia para a alegria e tenras
lembranças de uma vida marina e velejante...
Via no
íntimo das úmidas canções que estavam no ar junto à maresia que lá a aguardava;
os ventos levavam as suaves flores de camomila para um jardim de tardes... O Sol,
já occulto, tremeluzia rúbelo no Silêncio; mas somente para as pedras e sombreiros
anciões fazia amplo e evidente sentido...
O canto
da cigarra corava o perfume do anis... Passava pelas trilhas de areia fina como
grãos de água sólida... A menina de luz e cabelos de topázio, pele láctea e olhos
da Noite, segurava um casulo; ela procurava um local acolhedor para a continuidade
de seu cyclo vital que sem intenção alguma um relâmpago assustou...
Marulhos
refletidos no Levante; ondas de internos fractais em espiral formavam uma morada que se desfazia em instantes... Não
tardou para as meninas aparecerem; a cada concha linda que encontravam: um sorriso
para retribuir sua ginélica beleza...
Pelas
árvores das montanhas havia enormes balões de vespas dependurados em seus galhos
penuginosos; um ruído ocre raspava os paredões pedrosos que pareciam sussurrar...
Chorava? Ou apenas dois olhos d’água na grande pedra? O líquido quente descia deixando
linhas limosas até o pequeno banhado cujas margens eram pubescidas por rasteiras
flores compridas e vermelhas...
Do denso
som que o azul escuro recendia, ainda era possível localizar alguns fragmentos;
Alífer O Pássaro Libertador trazia sua maior parte de um horizonte desconhecido;
mas o azul era mais jovem que o restante devido ao tempo que lá não passou...
Sempre
agradecendo ao amor que jamais lhe abandonou, vive a pureza que somente os mais
raros sonhos abrigam. Avivam e os conduzem aos momentos que estão æternamente
sorrindo...
Devaneios
Nostálgicos... Nos lábios erógenos das margaridas que avermelhavam em cânticos inventivos...
Imagens que seduziam seu apaixonante paladar deveriam, em sua resplandecência matinal,
entardecer junto aos filhos da névoa de suas sensações... Mas não se viam as vulpes
que desciam das copas dos ipês amarelos... No final da tarde, os ipês bordos se
entrelaçavam em pedrarias mais vivas e menos estridentes aos olhos arômatas... De
mélleo-aflautados só possuíam os troncos que inspiravam rubores virginais...
No regato
rebrilhante de superfície argêntea pelo plenilúnio aprofundavam-se os rubis e as
esmeraldas líquidas... Margeado de arbustos de ervas leporinas, murmurava presenças que ali antes deslizavam...
Deixaram vestígios férreo-globulares pela extensão abissal que o tempo abriu em
sua estreme eclosão...
Percebiam
as aves leguminosas, imensos leitos de vegetações umbelíferas; dentre elas algumas
flores sabiam resfriar a vermelhidão da epiderme sensitiva das pedras nascidas em
ramagens procriadas em silvulas tropicais... As lívidas espumas formadas pelas represas
se desfaziam onde o rio distribuía suas raízes em córregos quentes e borbulhantes;
todos desaguavam no brejo de um cipoal...
Qual rumo
tomou a simplicidade insigne da pintura? Era o que desejavam saber as acácias de
meia-tarde... Alvas lúnulas na órbita de um cogumelo que lança poeira de cristal
gemiam oclusas em seus velhos hábitos que já teceram ilustres fímbrias douradas
e ardentes...
Constantes
floreios ainda se revelam em evaporações rosadas; no alto, o redemoinho da nebulosa,
oculta sonidos atemporais num sistema constelativo cuja ordem de seus lampiões
sidéreos pouco mudar-se-á para quem a observa de uma floração de metamorphoses,
mas a única certeza de um orbe real já atravessara o invisível...
NO CREPÚSCULO SILENCIOSO DA MATA...
Eram três campanulários
E quase nove meia-luas...
Por entre as devesas murmurantes
Erguiam-se maravilhas de uma diáfana umidade
Opaca em seu enraizar profundo...
O Cedro que outrora
Manifestava-se com um píleo branco,
Agora se encobre com mantas emboloradas
Cujas aberturas evidenciam
Seus galhetes em forma
De ponteiros precipitados...
Sabe-se que as árvores também marcam as horas,
Bem como certos relógios suplicam por águas cristalinas;
Mas na amargura de suas esperas áureo-boreais
Procuram pelo estreito e declivoso córrego
Por onde descem todas as manhãs do mundo...
O
OUTRO LADO
Manifesta-se em
raro sonho
Dentro de uma esfera
inflamável
No pacto de seus
segredos.
Não abre a guarda
a seu temível olhar,
Forte à luz de
uma forma em destino
Revela-se no corpo
que lhe faz reluzir.
Atrás de seu véu
a relação intrínseca,
Contemplada pela
elipse do âmago
Que surgiu em um
desvio no Tempo.
Seu conexo vetor
jamais se aniquila,
Pois o mistério
que varia em escuros matizes
Abraça o autêntico
elo sensorial.
As suas pupilas
dilatam-se
Ao reconhecer uma
sutileza
Que age no realce
de sua ardência.
A cristalina névoa
tocando sua face
Lembra um translúcido
sentimento
Deitado nas margens
da memória.
Aviva um afeto
flóreo-nativo
Sublimando-se em
sensível criação
Delineada de modo
atemporal.
Repete-se na origem
do fator velado
Em sua psicogenia
de óptica inatingível
Sendo o magma do
sentido ulterior.
Pode expor-se à
fria realidade,
Mas, sob a forma
de um oceano volátil
A evadir-se ante
o que não se eleva.
Não se dilui aos
paradigmas da corrompida vida
Conquanto protegido
das flâmulas ilusórias
Das aparências
impostas em vão.
Enigma de um espelho
no abissal inconsciente
Pode refletir as
descobertas imersas
Sob a beleza do
único ser.
FIEBLUA BAULLUS
Una, Lancinante,
Serial, Perfumosa,
Tênue, Enigmática,
Crível, Volupiosa,
Gênio, Onírica,
Rara, Andrógina,
O seu dúbio cristal
de amor utópico
Entorpece-nos na
lascívia de um íntimo sonho
Repleto de flores
alucinógenas
Que exalam seus
feromônios proibidos
Nos campos de desejos
sensoriais
A luz de seu coração
revela-se libélula bailarina
Flutuando sob o
calor do palácio interno
De seu corpo aqüeo-transparente
Anjo Carismático
Princesa do Delírio-Psíquico
Ao deleitarmo-nos
com seu mágico pólen
Consagra-se na
dama de nossa emoção
Em profunda raiz
de imanente harmonia
Quando forma o
Triângulo das Pétalas Melíferas
Eternizado por
um delírio paradisíaco
Deixa-nos romper
o óvulo de seus táteis segredos
Para lisonjearmos
o mago que lhe infla
Afetiva, Imperiosa,
Angelical, Substanciosa,
Lânguida, Eruptiva,
Luminosa, Dividida,
Combina distintas
fragrâncias
Que nos atraem
de modo poliabrangente...
Dileta, Expansiva,
Passional;
Mito Psicológico
Sob os Vapores
da Transcendência
Modelo Enigmático
Entre as Plumas
de sua Ambivalência
[ TRÊS PERGUNTAS ]
FM | Poesia, amor, liberdade – a tríade essencial
do Surrealismo. De que maneira ela faz parte de tua vida e se integra à tua criação?
GF | O Surrealismo me abraça como força geratriz
de um mundo novo e autêntico destituído da reprodução da realidade. As sutilezas
e os segredos para a defluência surrealista são para mim a fonte, nascente da imaginação
criadora que proporciona quadros mentais do desconhecido, a arte original, desde
a recriação da realidade à elaboração de universos impensados.
FM | Dentro e fora do país, entre vivos e mortos,
independente até mesmo da poesia, não apenas citando os nomes, mas comentando os
motivos, poderias referir algumas afinidades tuas na criação artística?
GF | Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Manoel de
Barros, Salvador Dalí, e vários outros mais, me mostraram que a Realidade como se
apresenta em sua essência não é o que me faz ver o mais completo sentido da Arte,
onde universos inusitados são criados através de uma rara e peculiar linguagem do
inconsciente. Esses grandes autores e outros não citados, sutilmente, me ensinaram
que a novidade tem gosto onírico, faz parte de um mundo de inventado com a graça
do absurdo criativo com as nobres formas das mais raras paisagens de sonhos.
FM | Tenho percebido que, sobretudo em poetas
nascidos a partir de 1980, há um renascimento na lírica brasileira, que é tanto
na densidade da escrita, quanto na definição de uma voz própria, quanto no sentido
de uma solidariedade explícita, sem que isto reflita a existência de um movimento.
O que observas a este respeito?
GF | De fato, mais uma vez a realidade é bombardeada
com o mistério da Sincronicidade, seja referente à identificação com o que transgrede
o senso comum, ou o próprio desejo de distinta identidade, ou a recriação de um
grande tempo como resgate do que um dia fora novidade. A significativa consciência
acerca da Estilística onde as figuras de linguagem formam o grande espetáculo do
sentido figurado e subjetivo, também atuou como preparo do estopim para a grande
explosão do original. Certamente o surrealismo, proporcionado por figuras como a
prosopopeia, também desperta o que acaba se convertendo em uma voz autônoma do âmago
do poeta. Mas a coisa pode ser muito mais profunda. A Sincronicidade, sendo algo
que não possui causa, e tampouco é por acaso, sempre move em grande número, no mundo,
pessoas a seguirem, cada uma com sua identidade própria, algo comum a todos, todos
os tripulantes de uma mesma viagem rumo ao mesmo objetivo de oferecer o Novo.
[ FOLHA DE VIDA ]
Giuliano Fratin (Paraná, 1979). Poeta e compositor.
Criou uma série de obras através de uma ampla e ilimitada ciência das palavras onde
a exploração das figuras de linguagem, bem como a ampliação e finalização de alguns
processos estilísticos, fez a originalidade de sua jornada como escritor. Foi o
primeiro passo que o levou ao universo do latim clássico e da linguística histórica.
O poeta resgatou e recriou a forma culta e erudita, trazendo um rico vocabulário
cuja semântica cumpre a promessa de singulares significados. A beleza e a significação
de suas palavras, a montagem de suas analogias e alegorias, o resgate das grafias
originais, e o trabalho etimológico, agregam valores históricos e incentivam a ampliação
do vocabulário (algo de suma importância para que o leitor possa ler com fluência
obras de grandes autores da história literária, filosófica etc.). Para os amantes
das letras, eis o apontamento para o estudo filológico, o domínio da linguagem,
a inteligência das gramáticas antigas, o verdadeiro interesse e o amor pelas línguas
clássicas.
*****
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidada: Anna Höch
(Alemanha, 1889-1978)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 128 | Fevereiro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
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