[ DEZ POEMAS ]
ORAÇÃO
ommm me proteja dos
céus que caem raios e trovões me proteja de mim
santo agostinho meu
filósofo caído me proteja de mim me proteja de ti
meu são jorge
meu são jorge me
proteja das armas levantadas das pernas que derrubam me proteja são jorge das
rasteiras
e que a chicoscience
me protex dos micróbios bactérias analíticas nas mãos nos pelos no saco me
proteja da aura pesada dos olhares grossos do mangue morto
meu santo sal minha
vida meu beijo molhado seco me proteja até mesmo em pensamento
de todo todo todo
todo o mal que eu me faço todo o mal que me entro de todos os meus tiros no pé
meu santo expedito
das causas solícitas,
me traga as ommm as paisagens me traga o jogo de cintura me traga a paciência
me traga o pulso
meu querido
omm amem oxalá meu
deus, que caiam vassouras que talheres espirem que parafuso empane quebre os
espelho tudo
e nada em baixo da
cama nada corrompa a alma o abrigo nada me faça desistir e que se eu desistir
eu desista
santo ziper fecha meu
corpo
santo lema fecha meus
verso fecha meu ouro tolo meu alexandrino que não entre interferência que eu
não escreva mais problema que
nunca saia da bença
santo santo santo santo, pau
queima as agruras
dessa babilônia
com seus 10conto pago
na paulista eu me vou dormir tranquilo
tudo que é passagem
que vai tudo que é que fique e que o mar me leve santa iemanjá
deus-cobra que habita
o ventríloquo. que fale à beça
SOFREGUINHA
sinto uma inveja leve
desse cara tomando Bavária no canudinho
Levíssima dor de
cotovelo de quem junta mesada
da ponte Rio-Niterói
da Rebouças tenho invejinha
do cabelo do
Cristiano Ronaldo do Gil Cebola
tenho um ciuminho de
todos os outros parças do Neymar
Cobiço de leve sua
cama arrumada, te olhando deitar, te vendo fugir lençol acima eu tenho uma
raivinha
do seu espelho
matinal o primeiro a refletir ver solitária miragem sua tenho
um desejo pelo
assento vazio na linha vermelha às 7 tenho
ciúme do seu post com
274 curtidas e 38 compartilhamentos seu poema amado e querido
sentimento palha
Pega fogo meu desejo,
queria ter os baixos do teu queixo encher de beijos
sair correndo pelado
cidade inteira me vê mas destoa qual
Ô inveja daquele
passe do Cavani pro Suárez queria tanto ser parte de uma dupla dinâmica
de um trio parada
dura. Ser um anexo de alguém Cris e Greg
Queria grama vizinho
verde o comercial de margarina acordando lá em casa queria ter os gominhos da
barriga do Diego Hypólito
uma cena poética
beatnik uns amigos que morassem lá em casa e lavassem a louça
Oásis de pormenores
Queria tanto tanto
tanto acorbatman rico mantedor de livros
Doar tudo ainda em
vida filantrópico, ser citado em post alheio lembrado em aniversário
Queria ser aquele que
no dia 1 de junho
Recebe stories que
tem vários grupos de zap
nome de rua
Mil e uma
notificações, altos retweets
ter ido em tantos
shows quanto aquele cara da PUC ter tirado férias no guarujá sem
Garupa vazia
inveja de quem
encosta a cabeça na janela do busão e nem pensa de tão bem resolvido
De quem come sem
engordar
almoçar no McDonalds
seu hambúrguer lixo de melhor qualidade
raivinha de leve de
não ser seu @ número 1 de ter sido um beijo já foi
Raivinha mesmo,
coadjuvante do meu roteiro, figurante na minha cena
lembrado pelas coisas
que não devia
esquecido normalmente
até pelas minhas costas
Ciuminho de quem fala
mal
e nem é de mim;
conversei com o cão
dia desses
de baixo da pia
naquele portal pro
inferno que abre todos os dias lá pelo meio dia;
subiu o cheiro de
enxofre e eu saí dá sala “quer saber? vou resolver essa fita” e fui lá com a
cara e a coragem e muito puto porque puta merda que
sacanagem;
“eaí, vagabundo?”
meti essa logo de encrenca;
e o chão se abriu,
tudo avermelhou, chamas para todos os lados o fogo o mal o medo e lá ele o
diabo no meio do trono sentado
cagando;
“chega aí” sussurrou
o cão é medonho;
tem olhos pequenos e
nariz empinado;
baixei a bola e fui -
cumprimentei co’a cabeça e parei logo em frente olhando no olho;
(puta zóio vermelho!)
“se liga aí!” ele me
disse apontando co’dedo (dei um passo pra trás);
“não me desrepeita
não” e peidou sonoramente, um peido infinito que lembrou mozart e a marcha
fúnebre dos maçons um peido estranho e elegante e logo após isso veio o
“tchuá”;
a merda caiu na água;
(imaginei que o diabo
caga no ácido)
ele limpou com
suavidade e pude ver que era neve dupla face com cheiro de rosas;
(deu pra ver a cara
de satisfação do maldito!);
ele levantou do trono
e foi lavar as mãos numa pia bonita que se materializou logo ali na frente dele
mesmo e enxaguou umas três vezes aquela mãozona com unhas pretas e terríveis;
secou numa toalinha –
e eu ali só olhando meio confuso mas tudo bem né o cara deve ser meio cheio de
coisas pra fazer né e é melhor não desrespeitar como ele disse sei lá;
daí me chamou e duas
cadeiras de praia apareceram e sentamos os dois um de frente pro outro, ele
cruzou as pernas e os braços e ficou encarando;
“eaí?” eu disse;
“que papo é esse?”
ele perguntou de fato realmente muito curioso;
“não sei não” eu
falei já que realmente não tava sabendo;
daí ele desencanou a
falar e falar e falar, contou que andam botando muito a culpa nele que tem uns
caras falando que ele só faz maldade e eu disse “mas porra você é o cão né cara
você só faz maldade” e ele concordou mas até chorou um pouco e percebi que era
um momento oportuno, mandei logo a real “porque você abre essa porra de portal
todo dia lá pelo meio dia?? vc fede cara tá foda!!” ele disse que no inferno
era três da manhã que era normal que é coisa de fuso e sabe eu até que entendi
aquele papo pareceu muito sincero;
mas já era meio tarde
ele tinha umas torturas e eu faculdade o portal se abriu eu vazei e ele disse
“volta mais cara vamos beber umas breja vamo combina” eu falei “opa pode
deixar” e vazei meio queto sabe num é coisa que se vê todo dia;
sabe quando você
responde meio que por educação? então foi mais ou menos isso que eu fiz, não
queria ser cuzão com o cara né pô é o cão;
ficou só no blablabla
mesmo porque toda vez que o portão abre eu vazo e vou bandejar mais ou menos
por esse horário;
melhor evitar o
contato;
conversei com o cão e
foi só aquela vez;
não tenho muita
paciência pra gente carente que tenta e provoca e fica no pé como se eu tivesse
todo o tempo do mundo e o capa verde ainda teve as moral de me adicionar no
facebook;
deixei lá no stand by
uns três dias e só entro e olho não posto nada só pensando se aceito ou não;
na caixa ‘outros’ de
mensagem tinha uma dele (eu não visualizei);
“eaí maluco tudo
suave?? te achei por aqui… eaí vamo combina aquela breja??”;
até que um dia meio
de saco cheio entrei lá e aceitei e já mandei essa “bora combinar”;
ele respondeu com um
capetinha vermelho e um emoticom de sorriso;
eu mandei aquele da
linguinha de fora;
o papo acabou aí;
graças a
Deus;
ANTIDADÁ N2
aproveita!!!
compre autores pela
metade do preço
– promoção de última
hora –
A Editora Tá Louca e
largou os direitos
agora cada um que
leia o que quiser de fabricação caseira
escrito a mão pelo
seu autor escolhido
cada poema único e só
seu a cada momento
disponível nas
versões indie, clássica e bebedeira
alguns funcionam a
vinho barato e outros precisam de Bunker
pacote de alimentação
básica em qualquer modelo
um ano de combustível
com a marca Café Pelé de fornecimento intensivo
garantia estendida
por apenas uma nota de admiração ou comentário no facebook
quem der mais
curtidas leva o leilão do tipo em excesso
os tais neo
bukowskianos do último verão
que ainda estão
escrevendo a mesmíssima coisa;
eu sei que coisas
assim não existem
tipo cores de outros
espaços
cores de nada
translúcidas como a
alma humana
transparentes como a
razão
guerra de tinta
suplente
como botos de rosa ou
burros quando fodem
mas cores entram em
guerra entre si
quando se pintam ou
não
o nada
o nada tem nada demais
mas tem tudo de menos
como branco e preto
insones
sépias iluminattis
antigas fotos com luz
e sombra
a cor de nada
surrupia a noite
com seus devaneios do
desconhecido
arrasando muros
pintados de cinza
com suas destruições
descoloridas
sem paleta
FOI LOKO
qual a chance de
encontrar um amigo perdido em meio ao ônibus em meio ao caos e cair em são
paulo e ver as pessoas como se fossem logo ali?
qual a chance da vida
esquecer e permitir e trazer só o que é bom de uma forma irônica e esquisita?
qual a chance dum
brother colar duma ponta acender dum raio cair duas vezes no mesmo
lugar?
qual pergunta eu me
faço sozinho em frente ao espelho do quarto quando acaba o rolê e eu me vejo
como sou sem as pregas sociais?
é estranho;
às vezes as pessoas
te seguem na rua e cachorros são mais gente que um amor e a paranoia atinge um
certo grau absoluto alto demais;
às vezes as noites
são longas e as brigas intermináveis e os poemas açucarados que parece que
falta alguma coisa no meio termo da problemática;
parece que a gente
vive bem lento enquanto o ano passa inteiro e a projeção da existência adquire
um outro ritmo na tela dos olhos castanhos;
e a gente se pergunta
o porquê;
mas é que as coisas
são assim incontroláveis e as palavras impossíveis tanto que é mais fácil achar
um companheiro para beber do que alguém para trocar meia dúzia de ideias;
mas o ano passa e as
lentes chegam e sempre aparece um maluco um cabeludo uma doidinha alguém da pá
virada;
e essa pessoa fala
dos astros e da política e dos poemas ou da confusa sensação que sentimos
quando o vazio lateja;
ela te entende mesmo
que superficialmente e a angústia melhora e parece que realmente falta pouco
para sair desse buraco;
mas alguma coisa
acontece no percurso rolê-casa trabalho-vida faculdade-vivência e o espírito se
perde e vaga e não se reconhece mais;
foi loko pensar que
essas coisas não se escrevem com k e que a linguagem formal é mais limitante
que revolucionária;
que o rolê acabou
antes que começasse e que o sol não nasceu que só veio a névoa estranhamente
familiar e acolhedora;
que os malucos e doidos
se atraem toda vez que um deles se sente sozinho e mesmo que a gente não pareça
a gente se importa;
que uma garrafa de
cerveja pode ser tanto um simulacro quando propriamente um pouquinho de
felicidade líquida;
que desejar ano novo
seja tão simbólico mas tão importante a ponto de alguém dizer “acredite, cara,
acredite”;
o om
vibra e desliga e
suplica que o zen budismo vá além do paz & do amor;
– sarvesham svastir
babatur – o bem que vem em nome de tudo e todos pela simples moeda de dupla
face da aceitação
ela o dinheiro do
chakra, a economia do samsara inabalável
abalada
pelo desequilíbrio
pelo fogo pelo cotidiano supra moderno
e a horda de samanas
esculpiu as palavras sábias nas pedras do caminho
eles avisaram que não
era no meio urbano não era no modo ocidental não era por ali;
sidarta caminhou
solitário até encontrar o riso do buda, seguiu as pedras;
mas só encontrou a
paz quando tornou-se o caronte brâhmane
shanti shanti shanti
é uma balança de duas ogivas
é destruição mútua
garantida
nós só estamos
seguros porque homens andam armados e câmeras filtram nossas almas e porque
morreremos antes de notar
que shiva só virá
pelo fogo;
o dia tem todas as
horas e é único mas não é presente
vivemos no limbo do
quase futuro e quase escrúpulo mas nada indica calmaria se não o terno e a
gravata sob 35 graus;
aceite o calor a
crise a bomba o medo da morte a ogiva aceite a existência aceite e troque isso
por meia dúzia dos seus últimos sorrisos;
seja o
asceta que ignora a
jornada de trabalho e anda cego pelo vale da sombra da morte
o faquir desmedido
ermitando como zaratrusta deitado sob a árvore dO Buda com a ergonomia duvidosa
do tecido urbano encarado pelos sem-teto nas novas cidades
sobrevoando as nossas
rezas infantis com seus jatinhos particulares e queimando por dentro
com uma boa dose de
scotch ou de essência universal
e de luz divina que
ninguém conheceu;
saia aos quatro
ventos pregando a aceitação depois de comer no restaurante chique
diga ao pobre que não
reclamar emitir boas energias e ranger os dentes em vez de xingar é
satisfatório
cada um
no seu
lugar;
é o bushido diário a
jornada do herói a humilhação cotidiana
só o tapa da
realidade te põe no teu lugar no universo enquanto te acaricia com as pitadas
do aceite
é melhor terceirizar
sua culpa quando o travesseiro é inevitável e quando o seu condomínio é mais
caro que a renda da população inteira residente nos prédios abandonados do
centro
nas cascas vazias
nas favelas nos
bairros nas
periferias
distantes;
a fé as suas fotos do
insta com sinal de meditação a meia hora sentado agradecendo pela sorte e
pregar o conhecimento interior vão resolver os malefícios do mundo
o amor o amor o amor
o amor vai resolver os problemas do mundo;
mas o mantra mais
próximo que posso ouvir solitário é só um disco da Tina Turner sobre mantras;
o Om vibra inaudível
enquanto te ouço falar;
DES/CARPEM
DIEM
abram As Flores do
Mal no canto XII
leiam sobre o azul
das vagas dos fulgores e dos escravos
leiam sobre a única
ambição de decifrar ‘o segredo da dor a que ia desmaiar’
que anunciava
Baudelaire na Paris de Haussman
a ressignificação dos
lugares inconstantes
da utopia urbanística
renovada e natimorta: O Parto
o nascimento
do dia que nunca teve
um fim;
a realização da
modernidade é um exercício de narrativa
que acabou no fim da
história: o Estado
trata-se do nosso
inimigo de longa data mais do que só/reformulado
o Estado de Bucolismo
a última rima de um
movimento interno ao Capitalismo
que trouxe para
sempre o Carpe Carpe Diem;
abram a antologia do
Jorge de Lima no Mundo do Menino Impossível
onde lá detrás da
igreja surge a lua cheia para chorar com os poetas
onde o Menino
Impossível destruiu os brinquedos que os vovós lhe deram
e destruiu os
Soldades de Chumbo de Moscou
acalentado por
Mãe-negra Noite
o poeta moderno
imerso n’Orfeu;
chega a hora de
cruzar as linhas imaginárias
perder a perda de
significado: o messias
Descascar a Cebola
projetando a virtualidade da Utopia
Concretizar a crítica
moderna e transpor a auto-significância abstrata
Romper Romper Romper
Romper Romper a plenitude do dia eterno
Trazer a Noite,
nascer o amanhã, passar uns anos, passear pelo parque
Literalmente VER a
cidade que nasce & morre
comer-se pelas
beiradas;
abram o coração
amarelo no Frango Hieroglífico
o primeiro verso é o
novo cirurgião: a aproximação da sombra no crepúsculo
é a dúvida crítica do
dia do SEU amigo enguiçado
Neruda já apontou O
medo do fim do dia, o medo da morte singular
O medo do Depois
a Fênix não nasce no
coração incauto e sobressalente
mas não há como
evitar o crepúsculo inevitável
ele vem
ele vem;
os poetas de
hoje/niilistas: o idealismo rasgou suas vísceras
proíbem moralismos ou
constituem formas
só a Estética marca o
contexto temporal
no alto do dia eterno
produzimos qualquer arte de qualquer tempo
no alto do medo do
crepúsculo inventamos qualquer lanterna colorida
os poetas de hoje
jazem bucólicos em seus sofás e computadores mofados e solitários
esvaziam suas mentes
de parto e suprimem o Desejo que urge:
o Messianismo nosso
de cada dia,
sejamos o SINAL
ó Falsos Poetas;
abram o Uivo no
Primeiro Verso que sabemos de cor e embriagado
os expoentes da
geração e a ladainha mortos nus loucura
Ginsberg que em 1955
depois da Grande Guerra sentiu os calafrios do Dia Eterno: o frio da ausência
onde Peiote e
Marijuana e O Sexo são Frágeis
mas a fragilidade é
uma arma contra o Vietnã Diário
e as nossas flores
nos fuzis já não valem mais a distribuição de LSD
e ser Louco já não é
o bastante
é preciso SER;
o Carpe Diem é uma
mistura de hedonismo e sacrifício
a nossa compra diária
é uma alma lavada no 5àsec
a Literatura rasgou o
céu e viu demais ao longo das eras
abriu-se uma forma
hedionda na camada de Ozônio
as nuvens se
encontraram num canto qualquer
e a ausência do giro
causada pelo superman de 1978
inverteu nossos
passos em direção ao contrário:
Precisamos Perder O
Que Perdemos
Ou Morremos: Whitman
mandou o recado
“Soltem as fechaduras
das portas & Soltem também as portas de seus batentes”
Arrombem, Arrombem,
Arrombem,
não aproveitem o dia
Percam-se;
O ET
PÚRPURA E SUA PLANTAÇÃO PROIBIDA
abri a janela e tocou
um jazz
era meia noite e
mesmo que eu quisesse não poderia entender que luz era aquela no meu quarto
a luz atrativa
lembrou o sugo mugwumpítico dos meus três olhos - espera, três?
eu tinha me visto no
espelho da lua
eram três olhos;
quando subitamente um
alienígena púrpura atrapalhou o rolê
fumou um baseado a
duas milhas de distância do periscópio da polícia, mas mesmo assim os vermes
viram
e resolveram assar a
carne bem aqui na frente;
fechei o olho da
testa - o olho azul e bonito e brilhante
eu sou uma criança
índigo na fase adulta e minha missão é encontrar matar e destruir o alien
púrpura
antes que decole sua
carruagem voadora e seus três cavalos caguem no espaço aéreo terrestre;
a merda atrapalha o
trânsito de almas nebulantes e voadoras que adoram voar por aí em projeção
astral;
é compreensível que o
alien se vá antes que eu perceba, não gosto de prestar atenção ---
o jazz tocou e
atrapalhou a minha
concentração;
não, não foram os
iluminattis, foi o et púrpura - ele fumou o baseado (que diga-se de passagem
fora muito muito muito bem bolado) e a erva verdinha podia ser sentida a milhas
de distância daqui;
foi o sinal perfeito
e os tiras logo sacaram “vamos averiguar o que esses putos tão aprontando”
e agora essa é a
minha missão;
não era davis e nem
ellington, o jazz era diferente-envolvente-cê-vai-ver e eu não tenho vitrola;
não foi e nem é o ed
motta
nem a elba ramalho
nem o armandinho;
o ventania já tinha
avisado naquele som bizarro sobre o gnomo e o diabo -
“tem um alien púrpura
com sapatos vermelhos carregando uma pá de maconha por aí” - ele mocozou muito
bem o resto da erva antes dos coxa pegarem ele de pau;
meu terceiro olho é
segredo
FEDERAL;
ele dá uma
potencializada na parada, a gente vê looooonge e distante - tipo os tiras e
aqueles binóculos de bafômetro;
os malditos são
capazes de sentir uma erva a milhas e milhas de distância
e sempre colam na
roda pra pedir um pouco;
os tiras são foda;
mas olha só, fechei a
janela, chega por hoje
o esquema é desgrudar
o adesivo de nicotina do cotovelo e cagar e andar para o alien;
esse negócio de
marijuana ainda vai botar muita gente em cana;
vou dormir, durma
também, em projeção é mais seguro continuar esse papo;
IN MEMORIAN
eu te vi saindo da
ambulância quase em coma dentro de uma maca e seus olhos esbugalhados vibravam
entre pus e fome e medo e ácido lisérgico;
os bombeiros te
tiraram de um emaranhado de mato-e-abelhas do qual você não pôde escapar;
sua presença ainda se
fazia forte quando seu último suspiro esvaiu numa maca qualquer de hospital;
e na unidade de
tratamento intensivo você respirou com ajuda e remédios inundaram suas vias
neurais de drogas psicoativas;
em casa nós
esquecíamos que a realidade podia ser tão dura ou que o mundo nos quisesse
separados;
e te vi pela última
vez num sonho inexplicável que antecedeu o dia da sua partida;
você se foi e eu mal
tinha idade para entender o que isso significava num viés prático;
ou qual realmente era
o preço que pagaríamos dali para frente em parcelas dolorosas e certeiras;
não houve nem um dia
sequer desde então sem que eu me lembrasse do seu velho amigo arrebentando o
cadeado de casa;
naquele dia você
cozinhou bolinhos de chuva enquanto eu e meu primo nos sentávamos na mesa de
jantar;
seu
avental-cor-de-gasto ilustrava o quanto você amava preparar guloseimas;
e ouvimos sobre os
causos de lobisomens e sacis e mulas-sem-cabeça e outras lendas;
você as jurava que
existiam e que os homens-lobos apareciam buscar sal depois da noitada;
em frente a casa em
que as suas orelhas bateram numa madrugada de lua cheia;
isso aconteceu quando
o mané passou a noite trabalhando e seus filhos te fizeram ficar acordada;
eu senti que algo
estava diferente naquele dia estranhamente pacato para uma quinta feira;
era dia de baile da
terceira-idade e você partiria logo numa dança em valsa com seu grande amor;
você se foi e eu não
soube exatamente para onde e nem porquê;
chorei com medo de
nunca mais ver os primos e os tios e as tias e o vô;
nos domingos eu me
irritava com seu falatório interminável sobre latim e poesia e piadas sem
graça;
nunca vi alguém
devorar um frango assado com tanta vontade e habilidade;
você me contava sobre
os tempos de faculdade e o quanto é valoroso um curso de engenharia;
que política não era
um negócio mas que os homens tinham seus interesses;
e que as vezes um
macarrão ao sugo é tudo que um homem pode querer numa tarde ensolarada;
sua poltrona-cadeira
ainda está aqui, toda remendada, e as vezes me sento nela;
e as vezes penso em
dizer algo que me lembre da sua astúcia com as palavras;
ou do quanto o sangue
forte correndo nas veias pode influenciar na sua personalidade;
sua presença se foi
numa cama de hospital sem nem lembrar direito os nomes dos seus filhos ou quem
você era;
as vezes me pergunto
se naqueles dias alguma enfermeira ouviu um poema sobre a Ave-Maria;
nós deixamos de ser
próximos há muito tempo;
talvez antes de
existir consciência do que é ser próximo e porque a família é tão importante
para uma criança em desenvolvimento;
ninguém teve culpa e
eu ouso dizer que se tratou de um processo natural;
e um vale montanhoso
e cheio de vida selvagem brotou entre nossos pensamentos antes que uma ponte
sólida fosse construída;
quase dois anos atrás
eu soube do que viria a ser a doença que mais vou odiar e temer pelo resto da
vida;
evitei te visitar
talvez por receio ou por ser incapaz de acreditar que algo tão ruim pudesse
simplesmente ocorrer;
pensei que logo nos
encontraríamos num bar e que no futuro cumpriríamos as formalidades de uma
família conservadora;
como um baptizado ou
casamento ou primeira comunhão ou formatura;
mas recebi uma
ligação numa quinta feira e saí assim que pude para rezar ao seu lado numa cama
de hospital;
eu estava arrependido
e vou morrer arrependido por ter ficado tão longe;
levarei comigo a
edição 66’ do batman e robin que seria o seu único presente meu em anos;
[ TRÊS PERGUNTAS ]
FM | Poesia, amor, liberdade – a tríade essencial do
Surrealismo. De que maneira ela faz parte de tua vida e se integra à tua
criação?
JB | Amor e liberdade me orientam numa práxis poética: práxis
porque poesia não apenas representa, para mim, uma forma dotada de capacidade
de enquadramento, movimento, observação & flashes ou grandes sacadas,
mas sim um processo criativo, de ação direta e de apropriação direta sobre e
pelas coisas que existem e que não existem. Por isso a liberdade e o amor são
muito importantes: para que essa apropriação se dê no seu espectro mais puro e
ao mesmo tempo mais real, mais preparado, mas sem tomar como verdade e
inacabado o processo de viver e andar por esta terra. Fazê-lo sempre novo e
sempre possível. Também por isso minha vida, minhas influências, e nosso mundo,
nossa visão e possibilidade; um conteúdo-presença, que se faz contemplação e
interação.
FM | Dentro e fora do país, entre vivos e mortos, independente
até mesmo da poesia, não apenas citando os nomes, mas comentando os motivos,
poderias referir algumas afinidades tuas na criação artística?
JB | Drummond pelos retratos da realidade; Tristan pela
possibilidade de brincar com seu sentido; Poe pela criatividade em cima da
matéria; Lovecraft pela capacidade de lapidar um conto como quem escreve um
relatório; Alan Moore por me trazer a magia como prática poética; Breton por me
explicar segredos em metáforas; Piva por me dizer que é possível; Minchoni por
me explicar na fala os segredos de recitar; Whitman por me abrir uma estrada;
Ginsberg por despertar o interesse e servir como deus-louco; Lorca pela poesia
posicionada; Maiakovisky pelas formas e letras e pela ação direta política e
bem vinda; Márquez por me trazer de volta para o chão que piso com outros
olhos; Palahniuk por me ensinar a escrever diálogos; Gaiman que me ensina a
contar metáforas, causos e mitos; K. Dick por me deixar sempre em dúvida; T. S. Elliot pela estética e pelo voo da reinterpretação; Willer porque poucas vezes
vi uma definição de amor tão bela; Mano Brown pelas rimas e pelo raio-x da
realidade; Sabotage pelo talento e pela foto e pela rima e pela velocidade;
Leminski pelos ruídos perdidos nas palavras; Haroldo por me abrir a porta da
linguagem.
FM | Tenho percebido que, sobretudo em poetas nascidos a
partir de 1980, há um renascimento na lírica brasileira, que é tanto na
densidade da escrita, quanto na definição de uma voz própria, quanto no sentido
de uma solidariedade explícita, sem que isto reflita a existência de um
movimento. O que observas a este respeito?
JB | Muitos amigos tem tentado ‘dar nomes’ às ideias que
preambulam nas cenas em que participo – que envolvem saraus e poetas de
editoras independentes no eixo SC-SP-RIO, alçando voos a outros estados e
direções, mas ainda muito forte e presente nesse contexto espacial. Entre nós a
internet abriu caminhos de experimentação e comunicação muito intensos e
relevantes: o que levou Tomaz Amorim a definir o momento como ‘Poesia de
Internet’, num tom irônico e levado, mas provavelmente muito certo quando
pensado no ‘meio’ onde nos encontramos e fazemos nosso rebuliço [pensando no
pós-2008, meu momento de atuação poética]. Não, é claro, que isso anule @ poeta
de criar longe e muitas vezes na negação desse mesmo meio. Talvez seja isso, em
tempos de ironia, em tempos de efemeridade ou de máquinas/páginas que produzem
mais poesia do que é possível ler. Mas talvez não. Talvez o espírito moderno do
Walter Benjamin explique a desnecessidade de novos ‘movimentos
literários’ como marcas d’água pela própria característica desses tempos
inacabados: um carpe diem eterno, onde sempre vivemos no presente interminável
– tempo da indústria e do capitalismo financeiro que Jameson pensa ‘romper
significado e significante’. Ou talvez as confluências temporais presentes na
estética e no estilo e nos significados adquiram aqui um caráter tão diverso e
tão esparso que é difícil ou até mesmo impossível de enquadrar um movimento.
Penso que essa discussão vai longe –
[ FOLHA DE VIDA ]
Joaquim Bührer (São Paulo, 1993). Poeta.
Professor de geografia, mestrando FFLCH/USP em geografia humana & urbana.
Colunista/editor da Coluna.co.
Baterista e pseudo violonista, poetinha publicado em: mallamargens, novos poetas, originais reprovados, carnavalhame,
etc. Romancista de tumblr
(seasickpoetry.tumblr.com), antidadaísta, sarauzista (Sarau Comunitário
Itapeva) e agitador (@joatimbc). Contato: @joatimbc ou seasickpoetry.tumblr.com
ou joaquim.campolim@usp.br.
*****
EDIÇÃO
COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista
convidada: Anna Höch (Alemanha, 1889-1978)
Agulha Revista de
Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 128 | Fevereiro
de 2019
editor geral | FLORIANO
MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO
SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design |
FLORIANO MARTINS
revisão de textos &
difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
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