• ANNA
APOLINÁRIO | Conversando com Floriano Martins, criador da Agulha Revista de
Cultura
FM | O surgimento da revista foi decorrência de uma
impossibilidade. Eu era um dos editores de um ousado projeto editorial comercial,
uma revista chamada Xilo, com farta tiragem
e distribuição em bancas de revistas. Após a publicação do número inicial o projeto
naufragou por imprudência administrativa da empresa. Eu me vi então às voltas com
dezenas de matérias que havia solicitado a muita gente. Veio então a ideia de transferir
algumas dessas matérias para outras revistas e o restante eu utilizaria para criação
de uma revista virtual. A ideia parecia uma loucura, porque simplesmente não havia
revista virtual naquela ocasião. Estávamos abrindo um terreno novo. Então a ambição
foi simplesmente equacionar uma responsabilidade editorial que havia sido rompida.
Começamos de modo bastante precário, ao final de 1999, design horrível, por um provedor
que depois deixamos para atender a um convite do Jornal de Poesia.
AA | Um acaso objetivo?
FM | Eu diria que sim. Desde cedo me interessei
por editar revistas e jornais. Antes já havia assinado alguns, em parceria. Não seria aquele
empecilho da revista referida que me tiraria dos trilhos.
AA | Uma aventura inesperada. E como foi trabalhar em
suporte digital?
FM | O primeiro momento foi delicado, porque eu não
entendia nada daquilo. Estava acostumado a diagramar no papel, que é bem distinto.
Tampouco sabia o que fazer com a difusão daquele material. Eu trabalhava já em minha
pesquisa sobre literatura hispano-americana, e havia montado um mailing com milhares
de endereços físicos. Mas não tinha sequer dez e-mails de outras pessoas. Esta foi
a fase pior, de tirar leite das pedras. Escrever a toda a gente pedindo endereços
de outros, sobretudo escritores e editores. Houve imensa generosidade da parte de
todos, e logo estávamos circulando e, pouco a pouco, ampliando a difusão.
AA | E sobre o nome da revista. Por que Agulha?
AA | Creio que o nome caiu muito bem. Pela tessitura
que realiza entre as mais variadas manifestações artísticas, pela convergência entre
as poéticas de tantos artistas, a pluralidade de temas e o espectro de difusão através
da web, não há fronteiras para o acesso.
FM | Sim, eu penso sempre nisto com bastante humor,
a rede de significados que possui a palavra agulha,
sua íntima relação com meu espírito. A costura, o norte, o furo... E o modo anárquico
como que o título surgiu.
AA | Sim. Ao estilo Dadá?
FM | Não sei se diria propriamente Dadá, porque aí nós
iríamos bater na porta de alguma desconstrução, enquanto que a preocupação da Agulha era mais a de uma fiandeira.
AA | Junção e construção.
A necessidade de unir e tecer frente ao caos mencionado sobre a outra revista.
FM | Sim, isto mesmo.
E a este caos vinham se juntar as minhas preocupações com tradução e difusão da
tradição lírica na América Hispânica e a diversidade de vozes do Surrealismo.
AA | E como dialogam o Floriano escritor e o Floriano
editor neste caldeirão?
FM | Eu jamais separei os dois, assim como outros eus que coabitam em mim. Somos a mesma teia
de percepção e criação de mundos.
AA | Como ocorreu o processo de evolução da revista?
Por quais sendas chegamos à fase atual?
FM | Os primeiros números da revista logo se perderam,
quando saímos do provedor inicial e fomos para o provedor do Jornal de Poesia, a convite de seu editor
Soares Feitosa. Na ocasião, convidei o Claudio Willer para me ajudar a capitanear
as edições, que passaram a ser mais robustas e com uma periodicidade definida. Por
10 anos trabalhamos em sintonia, Willer, Soares e eu. Em meados de 2000 nós conseguimos
recuperar os primeiros cinco números da revista e os reeditamos. Durante essa década
a revista ganhou uma respeitabilidade internacional, criamos uma grande mesa de
cumplicidade com outras publicações, similares ou impressas. Fomos surpreendidos
com o Prêmio da ABCA. Quando chegamos ao número 70 achei que já havíamos cumprido
a missão. Resolvi encerrar a revista. Nos desligamos do provedor. Criei então uma
versão para o mundo hispano-americano, chamada Agulha Hispânica. Willer e Soares já não estavam comigo. Trabalhei sozinho
nesta nova revista por dois anos. Até que conheci o poeta e editor Márcio Simões.
Um feliz encontro, novo brinde do acaso, que me levou a convidá-lo para tocar comigo
o barco de uma nova fase, na qual trabalhamos desde então. Esta foi uma fase mais
rica, sob determinado aspecto, porque passamos a desenvolver projetos editoriais
paralelos, com a criação do selo ARC Edições. Vieram muitos livros editados pela
revista. Logo conheci a Leda Cintra, da editora Cintra, e com ela um novo projeto,
a criação da coleção “O amor pelas palavras”, coedição ARC Edições e Editora Cintra,
de circulação pela Amazon. Desde a criação da Agulha Hispânica que fiquei sem provedor e passei a desenhar a revista
utilizando a plataforma Blogspot, o que me deixa com mais liberdade.
AA | O formato Blogspot funciona como diário de
postagens.
FM | Sim, e ele permite a criação de um índice
geral, no qual estamos trabalhando agora, que será a fonte perene de visitação da
revista.
AA | E já pensou em formatar a revista impressa? Ou
disponibilizar para download?
FM | No ano passado saiu uma edição em formato livro
de uma seleção de entrevistas publicadas na revista. O plano é preparar quatro amplos
volumes, para 2020, a cada volume correspondendo cinco anos de atividade editorial.
AA | E no endereço atual é possível ter acesso a todas
as edições da revista?
FM | Este é um problema que nos aflige. Por alguma
razão, houve um erro de registro no acesso do período anterior, a fase no provedor
do Jornal de Poesia, e não se pode acessar
a revista. Nós agora estamos corrigindo isto justamente com a criação de um índice
geral pelo Blogspot. Creio que até meados de 2020 teremos a revista inteiramente
recuperada.
AA | Como funciona a definição dos temas, curadoria,
nota-se a predominância de artistas afinados ao Surrealismo, de quais inquietações
se revestem as edições?
FM | A primeira preocupação editorial da revista foi
suprir uma imensa lacuna em publicações periódicas no Brasil, no que diz respeito
a estudos críticos não-acadêmicos. Criar um palco para a discussão estética da criação
artística era nosso imperativo na época, e nisto continuamos até hoje. Excetuando
o fato de que a revista mantinha a presença de um artista convidado por edição,
não publicávamos criação, e sim textos críticos (resenhas, ensaios, entrevistas
etc.) O Surrealismo não foi uma preocupação direta. Jamais filiamos a revista ao
movimento. Acontece que sempre tivemos um olho atento ao que se passa com os desdobramentos
das artes em nosso Continente, e o Surrealismo é a mais intensa influência que se
impôs.
AA | O aniversário de 20 anos da revista coincide com
o centenário do Surrealismo, e uma programação de edições especiais foi preparada,
abrangendo pontos essenciais outrora deixados à margem, a exemplo do trabalho das
mulheres surrealistas. Como se deu a pesquisa, e quais os novos desafios e ideias
para a abordagem deste tema?
FM | Uma coincidência feliz. Evidente que não
se limita a corrigir algumas falhas do Surrealismo. Há uma leitura bem ampla de
seus registros, principalmente no que diz respeito a trazer para o leitor brasileiro
uma série de criadores vinculados direta ou indiretamente ao movimento e que jamais
circularam por aqui. No que diz respeito especificamente à presença feminina, temos
em preparo um livro intitulado 120 noites
de Eros, uma evocação dessa relevante e reveladora presença poética no Surrealismo.
Dentro das comemorações cabe reportar as três edições especiais que preparamos para
revistas cúmplices, Blanco Móvil (México),
Athena e TriploV (estas duas de Portugal).
AA | Como vês a difusão e crescimento de novas revistas,
editadas no Brasil, a exemplo da revista Acrobata,
sob suporte impresso, e recentemente circula na web, através do novo site.
FM | No Brasil temos boa cumplicidade com Acrobata e Diversos Afins, duas belas revistas. O surgimento de revistas no Brasil
sempre foi oscilante, períodos de alta e baixa maré. O saldo é positivo no que diz
respeito à qualidade, deixando a desejar um pouco a quantidade, pois deveríamos
ter muito mais publicações periódicas, a exemplo do México.
AA | O que pensas para os próximos anos para a revista?
FM | Agora que fechamos a casa dos 20 anos, o
momento nos pede novo balanço de atividades editoriais. Seguiremos com a coleção
“O amor pelas palavras”, de livros virtuais, assim como o selo ARC Edições de livros
impressos. A revista passará por um processo de ajuste interno, a criação do índice
geral, a edição dos quatro volumes já referidos etc. Estamos saindo agora de uma
pauta exaustiva, 24 edições quinzenais dedicadas ao centenário do Surrealismo. Hora
da equipe descansar um pouco. Teremos algumas boas surpresas esparsas ao longo do
ano, mas as edições periódicas só retornarão em 2021.
• LEDA
RITA CINTRA | A resistência de uma revista
Era 2017
e pela primeira vez fui convidada a escrever para a Agulha Revista de Cultura por Floriano Martins. Um dezembro tórrido
e eu sonhando com o frescor das árvores do nosso sítio e ele falando de cultura,
mas aceitei.
Como não aceitar um convite que muito me honra simplesmente
por ser uma revista de cultura que resiste há tantos anos, quando tantas e tantas
outras revistas da mesma área perecem nesse país? Como resistir se a Agulha atinge todo o continente sul-americano?
Resistir, não há como e escrevi… Escrevi naquela primeira vez e em algumas outras,
quando fui convidada, sempre com a satisfação e a admiração de participar de uma
revista que sobrevive e rompe fronteiras apenas pela cultura!!
Então fizemos uma parceria entre nossas duas incipientes
editoras, ARC Edições e Editora Cintra, e de lá para cá a aproximação da Agulha Revista de Cultura nos propiciou a
edição de vários autores dos diferentes países que compõem este nosso continente.
Muitos deles foram publicados, muitos dos vários países, além dos brasileiros.
E agora, neste final de 2019 veio este novo convite,
que aceitei, como sempre; é uma outra forma de resistir, desta vez à barbárie que
parece invadir e corromper todo (ou quase todo) o mundo atual e de estar presente
junto a companheiros de diferentes nações, línguas e pensamentos.
Me sinto, nesse momento, escrevendo em tão poucas linhas,
como os personagens de Uderzo e Goscinny quando bradam: Il faut résister encore et toujours à l'envahisseur!
Merci Floriano Martins!!
*****
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 147 | Dezembro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
| MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019
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