sábado, 14 de dezembro de 2019

QUARTETO KOLAX, 2 | COVIL DOS DOGMAS INCURÁVEIS


Alguém gostaria de escrever uma Overture?! Pedro? Papisa? Uma introdução ao Covil… Ninguém? Está certo de que não há cura para o que estamos fazendo, mas sempre amolece a guarda impiedosa uma palavrinha de… conforto? O mundo está no penúltimo pavio, filmar tantas catástrofes já não nos redime ou ilude. Um passeio pelo Círculos das Bazófias… Uma ou duas cartas de outro baralho… Vamos nos arrastando assim até… o derradeiro capítulo? Eu arriscaria umas palavras de abertura, mas…

ZUCA SARDAN
O Jogo do Bicho não atrai mais a juventude de hoje, como quando nos seus áureos tempos do Império e da República Velha… coroca mas gostosa… Vea Victis!… Sic Transit Gloria Mundi.

DOC FLOYD
A Glória eu deixei para trás, na floresta panamenha.
Nunca mais a vi ou dela um dia tive a menor notícia.
Os cães foram todos castrados, depois viraram sabão.
Em cada vila há uma placa de saudação de sua milícia.

PAPISA
Depois que você vira Papisa, não precisa mais fazer. Dominus mecum

ZUCA SARDAN
Os dobrados da Catedral bruscamente se interromperam com a trágica morte do sineiro corcunda Aderbal, atingido por petardo fulminante, no torreão do campanário, e despencou fulminado, estatelando-se na rua, numa poça de sangue, diante da catedral. Ia chegando na hora um cortejo de beatas, comandadas por Frei Feijão, para entoar um coreto retumbante, Morte, onde está tua Vitória?… As beatas em desespero se precipitaram sobre o defunto com gritos dilacerantes: Aderbal Aderbal, não morra já, Aderbal, espera ainda o Carnaval.

DOC FLOYD
Vamos ao ataque. Três fileiras de perus descendo as escadas. O radialista engasgado até a morte. Por tudo viver, por tudo morrer. As ruas se amontoam para ver passar a rebeldia. Uma pedra no sapato do operário. Uma pérola na goela das meninas. As ruas suportam incontáveis explosões sequenciadas. Os ateliês abertos com suas tintas ampliando o discurso como um caldeirão fervente de leite. Os artistas sabem que é sua última chance. Vamos ao ataque. O que restar será impossível de reconhecer. Nenhum estribilho ficará para a história contar. A memória sangrará até o último grito. Artérias salpicadas de ilusões proletárias. Os estudantes perderam a prova. A noite foi devorada pela fumaça. Dizem que durante algum tempo o sol não conseguia acordar. Os cães simulavam as últimas consequências. Alguém ainda responde? Que fim nós levaremos quando se forem as explosões e os dobrados da catedral?

ZUCA SARDAN
“Boa pergunta, mas ninguém mais responde…” recita, com sua voz de Armagedom, o jornaleiro Haroldo Perneta, “só o corcunda Aderbal saberia responder… Aderbal era pau para toda obra”… “Foi ele quem fez tua perna?”… “Sim, Beata Benzina”… “Benzina não, seu perneta desavisado, eu me chamo Bentina!”… “Belo nome, Dona Bentina… Conheci uma dama que se chamava… creio… Terebentina”… “Era minha prima.”

PAPISA
Apesar da vigilância careta do matador Zezinho de Alencar, escondidos do outro lado da história, escreveram a sua Rosarita e o Cangaceiro. Ceci e Peri – “êta casalzinho desenxabido!” –, comentavam. Os inspiraram ao contrário.

DOC FLOYD
Rosarita (todos sabem) se aproximou
do Cangaceiro para evitar suas balas.
Os dois galoparam em amor selvagem
dentro das páginas de Zé de Alencar.

ZUCA SARDAN
Face a Rosarita e seu cangaceiro, Pery e Ceci viraram romancinho de cheiro… Pery não sabe montar a cavalo que nem o Jagunço, que embora aposentado, ainda é cumpridor. Agora sim, Zé de Alencar vai botar pra quebrar…

DOC FLOYD
Assim disse o Cangaceiro aposentado à sua desconfiada Maria do Rosário: — Sozinho aprendi a namorar, mas graças a ti hoje sei fazer renda.

ZUCA SARDAN
Zé Dalencar já começa a afrouxar… A Lua do Sertão, brilhando na floresta, diz pro Zé Dalencar… Dá-lhe, dá-lhe, Dalencar!… Estás, como sempre, no olho-do-furacão.

DOC FLOYD
Saravá! Por aqui as frases passam sem saber aonde vão dar. E com elas o murmúrio que faz a noite ranger.

ZUCA SARDAN
Um camelo gago, que repete sempre, escolhendo segundo o caso, suas Sete Frases Supinas:
1- Saravá, minha Caravana fiel!…
O camelo passará pela agulha, se Soraya apertar a bumbulha. [Mas também pode ser:] Pras suas saídas noturnas, em vez do Elefante, Haníbal preferia o Camelo, mais catimbado e discretão.
[…]
Talvez Reitor Fiffo tenha-lhes passado um pito no Lyceo, com portas cerradas… O macróbio banca o bonzinho, mas é um verdadeiro Tyrano de Syracusa. Depois, pressionado pela reação popular, tranca-se na Therma do Lyceo, e pede pra Tágide lh’escovar e recitar Os Lusíadas. E diz na Rádio Lambada que é um injustiçado, mas que tu sim, Doc Floyd, és o verdadeiro Ditador sardo-mazorquista do Katalox Kolax. Por isso é que não ousam os meninos de grande estratégia retórica entrar no tenebroso Covil dos Dogmas Incuráveis.

*****

POESIA AMOR LIBERDADE | Sempre penso nos termos dessa flâmula surrealista como um ritual de impossibilidades. Lançada como um desafio, mais do que um reconhecimento de princípios essenciais, aos poucos foi se convertendo em uma espécie de retórica rocambolesca. E quando encontro agora as três palavras tatuadas no colo de uma mulher eu vejo tão nitidamente o motivo de seu fracasso: a pele. Tão raramente incorporamos ao próprio corpo as cartas fundamentais da existência que acabamos por tornar as flâmulas nada mais do que uma triste reunião de palavras de ordem, banais e infrutíferas. Temos que aprender, algum dia, a viver a vida dentro de nós, e não apenas folheando as vitrines de um shopping. Resta saber se, ao olharmos para nosso íntimo, ainda vislumbramos um mundo possível.


MANCHETTE DA GAZETTA GRALHA: “QUARTETO KOLAX EM CRISE”

ZUCA SARDAN
Havendo o Conselho Ético das Famílias de Bem se abstido de conceder o Selo Verde de sua aprovação, ao nosso Theatrinho de Bosta, e o Bispo Bocalho soltado um estrondoso… parecer sulfuroso à ação de Doc Floyd e Zuca Sardan, aos quais apodou de Maturidade Decrépita, prejudicial, em seus conceitos niilistas, ao harmônico desenvolvimento da nossa juventude… Creio, ou talvez sugiro, que devemos passar à mocidade dinâmica da fileira de nossos espartacíadas, Pedro K e Papisa, nossos incansáveis atletas, com fôlego de sete gatos (ou seja, um total de 14), a síssifica missão de participarem com seu frescor juvenil na parte mais pesada de nossas atividades, tais as de transportar os aparelhos de projeção de luz preta, e acertar as tábuas do palco, jogar na rua os penetras, e elaborar uma sebenta juvenil, com os princípios pyrantrópicos que inspirarão nosso Theatrinho de Bosta, a começar pelo nome, a ver se confirmam o atual, ou se preferem um mais engajado, para engambelar nossa juventude, tais por exemplo, Templo de Halicarnasso, Delenda Carthago, Loba do Colyseo, Sopa de Sócrates etzzz etzzz etzzz…

DOC FLOYD
Não há crise, não há. Jamais cairíamos em arapucas de crise e crase. Inclusive somos pré-socráticos, embora nossa cosmologia não seja de todo razoável. Afinal, os mitos embalam a lógica e sem eles as pobres moças não dormem muito bem. Nosso picadeiro é uma relva de solavancos do desejo e suas delirantes figuras por vezes sombrias – porém sempre passadas a seco na tábua do humor – refletem diagramas e diafragmas de tudo quanto nos orienta e desorienta. No entanto, é bem verdade que a luz preta por vezes não sabe em qual canto do palco deva projetar seu baile, a menos que Papisa e Pedro K venham lhe acertar a conta das tábuas soltas. Quanto à declamada crise, quem dela se nutria era o Croce.

PEDRO K
A responsabilidade é muita, a honra excelsa. Ocorreu-me como uma singela homenagem o nome Theatrinho de Bosta Benedetto Croce, mas haveria o risco de uma má interpretação por parte dos representantes de uma tradição meritória, porém certamente diversa em seu uso de raízes e cogumelos, para não falar das pirâmides e dos próprios limites da capacidade de incorporação dos elementos positivos da bosta. Portanto, retiro a proposta e aguardo instruções dos queridos colegas…

DOC FLOYD
Uma vez expatriados os cogumelos passamos a comprar delírios em cápsulas nas melhores farmácias do ramo. Quanto ao Bendito, dizem que seu humor foi definhando na medida em que era rejeitado pela Academia sueca. Por 16 vezes os amigos tentaram lhe garantir uma aposentadoria taluda, somada à herança de família. Porém pelas ruas se ouvia o bordão: Quem muito quer perde o pé… Não creio que lhe valha homenagem alguma. Vamos deixar correr pela estrada a carruagem… Enquanto isto, onde andará nossa pretérita Papisa?

ZUCA SARDAN
Anita ora estará desempacotando a mala, acaba de chegar de Berlim; e Pedro talvez ainda ande às voltas com o encerramento de sua expo. Mas na certa, muito em breve certamente darão sinal de vida.

DOC FLOYD
Sim, eu acho que aos poucos de tranco e aos mais ainda poucos de barranco, a seca acaba desertando de nós.

PAPISA
E só termino de desempacotar em novembro… Vão sem mim que depois eu alcanço vocês.

ZUCA SARDAN
Tal qual filme mexicano, só sobram os cactos… O Lulu Bunhel talvez venha nos filmar… (enquanto não aparecem, seguimos neste filminho do Bunhel… Olha lá, eis que ele chega numa velha picape buick, com bela morena…).

LULU BUNHEL
Hola, amigos, podemos comenzar a rodar nuestra pelí… Acá está conmigo Marilda Félix, que ciertamente ustedes ya la conocen…

ZUCA SARDAN
Pues Marilda, estás siempre guapa y peligrosa. Además tú, Bunhel, el sombrero mejicano, te quedó muy bien.

LULU BUNHEL
Gracias, Zuca. Y tú, Floyd, ¿qué te parece preparamos uno script, ojalá Zapata quiera libertar Méjico de aquel Emperador que el Napoleón III inventó… ¿Qué te parece?

DOC FLOYD
Lo que parece no cabe en el guion… En las mesas donde nos quedamos imaginando el cambio de realidad que anima nuestra vida. A ver qué pasa con el mundo lógico y su panel de infortunios. Hay que filmar las incertidumbres, dejar la máquina vislumbrar las caídas y los reflujos de lo que no fue bien vivido. Si esperamos por los dos otros el peligro es que el tiempo pierda su noción de espacio. Imagínate un tiempo fuera de lugar…

MARILDA FÉLIX
(cantarolando) Lagarta pintada, quem foi que pintou…

DOC FLOYD
Como apaziguar o enxame dessa louca, Zuca? Não há mais o que esperar. O sino já tocou três vezes e a caravela quer o mar por seu troféu…

LULU BUNHEL
(de luneta) Ya la veo la Claveja que se acerca… Marilda, mi lagartija pintada, fija los pies de mi cámara, que voy a filmar…

MARILDA FÉLIX
…y así pasan los días…

ZUCA SARDAN
(nas maracas) Chaca-Chaca-Chaca… y tú, no telefooonas… Chaca-Chaca-Chaca…

DOC FLOYD
Chaca uma pinoia. Quebranto que eu te expurgo, janela do alcovitado. Eu quero adormecer no seu regaço, canta a loa enquanto balem os necessitados pela noite. Uma guitarra cicia e a paisagem se transforma. Três macacas se coçam: João Cambão, perna de grilo, costela de cão. O mapa encardido se retorce: quem pôs aqui esta cidade? Eis o roteiro, Bunhel. Pode filmar.

LULU BUNHEL
Ay, coño, si es tuyo, muy bien… perooooo… si es de Zé Melena, no es compatible con mi prestigio de director de cine maldito internacional. Zé Melena, pues, es un bobalicón satisfecho, fabricante de chanchadas sin ninguna continuidad de acción, ni tensión psíquica, solamente carnaval, y… bellas mulatas, es verdad… provocantes…


[BUNHEL FILMANDO]

DOC FLOYD
A vida com as maracas em punho é bem melhor…

ZUCA SARDAN
Maracas, chapelão, pistolão e um belo alazão…

DOC FLOYD
E os Demônios da Garoa em suas versões retorcidas…

ZUCA SARDAN
…na Cidade das Sete Pyrâmides… e o Pacaembu. Só falta o Faraó Trapox perseguindo a Porqueirinha…

DOC FLOYD
A Porqueirinha ele deixou pelo caminho… Antes havia distribuído saquinhos higiênicos a todos os súditos, porém quando olhou para trás, a estrada só não era deserta por conta da Porqueirinha. Foi quando então anunciou que a partir dali perseguiria a Dona Porquinha.

CORO DE SETENTA PERNILONGOS
Theatro de Bosta, Theatro de Bosta, Theatro de Bostaaaaaaa…

ZUCA SARDAN
Dona Porqueirinha saiu correndo adoidada, e se jogou no Tietê. Seus porquinhos fiéis, rinchando, correram atrás, e pularam no rio patriótico, onde Dom Pedro quase proclamou a independência.

DOC FLOYD
A Independência refugou Dão Pedrowsky, desmascarou sua malemolência, disse que não ia querer um herói assim para bem guardar seu nome. Por algum tempo ela se escondeu num aguapé pintado a mão. Veio reaparecer no 21º século e decretou que o melhor Pedro é o Pedro K, tra-la-lá…

INDEPENDÊNCIA
(toda empinada indagando ao vento) Onde andará meu Pedranka?

ZUCA SARDAN
A correnteza levou Porqueirinha Lalá e seus sete porquinhos, foram parar longe, era noite escura e a corajosa mocita sempre procurando dar ânimo aos porquitos resmungões. Paracelso, o mais sábio dos Sete, com suspiro desabafou:

PARACELSO
Para que queres, Lalá, que façamos força neste cordão sem carnaval, nessa noite sem lua, se ao final do caminho, iremos parar no matadouro?…

DOC FLOYD
Charles Mão Santa, o porquinho do meio, só amava os Beatles, disparava bilhetes, enrolados em bolas de gude, com seu estilingue, sempre com recadinhos assustadores. Num deles: Toda noite, enquanto dormes, eu destruo o mundo.

NEBEDETTO BROCE
Doppieza tanta, en sì piccolo porcellino?… Tragedia!… A me muover parola!…


CARTUNS AMESTRADOS

ZUCA SARDAN
LOS CARTUNS AMESTRADOS no muerden ni sueltan palabrones…
Vengan. Vengan todos!!!
Damos descuentos especiales para familias numerosas… así, para familia con más de tres pequeños, los demás NO PAGAN ENTRADA, aún que tengan 17, o 18, y hasta 21 años…
Los sacerdotes, si vienen en grupo de más de seis, solo pagan media-entrada, cada.
Lo mismo para los militares, si vienen en formación, tendrán un descuento muy especial, pagarán solo 20% (entendido sea, los militares brasileños… Para los extranjeros, si latinoamericanos pagan 80%, pero para los demás, precio normal).
Y para los sacerdotes… solo tendrán descuento, se estuvieren a carácter. Los sacerdotes de Umbanda, seguro, tienen los mismos derechos y deberes de los cristianos, budistas y kardecistas…

DOC FLOYD
AS NOITES SE FECHAM para evitar a fábula dos tropeços. Por alguns dias teremos que passar sem noites. Acostumem-se, pagantes e não pagantes, a encarar o facho de luz que despenca do céu em nossos olhos, sem descanso. Como não pagamos a conta de chuva desse mês, tampouco teremos nuvens escuras no tabuleiro do céu. Mas aproveitem, que claridade assim, não é toda vez que nosso circo dos cartuns pode propiciar.

ZUCA SARDAN
À ENTRADA DO SALÃO, para receber os visitantes, eis que, num burro montado, avulta magnífico Bacco, que sorridente ergue da destra uma taça e da sinistra sustém a garrafa de vinho ao sovaco. Precioso capolavoro da Grécia Clássica, de 2.214 a.C., aprox., de plástico verde-limão de Carrara, a que faz vibrante menção Heródoto em seu tratado Thalassa Thalassa, que escreveu na Sicília, quando hóspede da Sibila Circe, em sua ilha embrumada ao norte daquela região. A obra pertence ao renomado Museu Morfina, de Doutor Guz Xarkot, e estará à venda, por módico preço, a combinar, em facilitadas prestações (segundo Xarkot, o Museu Gugga, de Bilbao, estaria interessado…).

PEDRO K



DOC FLOYD
TIRAS AMANTEGADOS foram contratados para formar a guarda de honra da coletiva. No contratinho informal era pedido a todos que se convertessem em estátuas. Os visitantes lhes passavam a mão ou as torradinhas distribuídas na entrada. Apenas os olhos dos tiras se mexiam, em um giro de 360 graus, cubando tudo o que se passava no recinto. Assim o nosso Salão dos Impertinentes ganhava em magia anunciadora de inúmeras atrações. O burrico de Bacco a cada peido espalhava ingressos pelo chão para atos que não constavam do catálogo. Um deles, entrada para o Palácio dos Saberes, convidava a fixar o olhar nele, logo abaixo do queixo, e então visitante e ingresso cada um mudava de tamanho, um crescia, outro se amiudava, até que um coubesse no outro, dando início a uma viagem reveladora pelo interior do impossível. Os visitantes desaparecidos dentro de vários ingressos só retornaram ao salão quando se começou a preparar um churrasco do burro.

KARTUM DELICIOSO
A cena do Marx trocando a lâmpada do Hegelson segurado pela Atletikana de ponta-cabeça é altamente cartúnica, só um remix Kaledoscópio dos grafismos do Zuca para fazer justiça…

AYATOLA
INXAXÁ!!! INXAXAXAAA!!! INXAXAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!…

PIANISTA
(toca e canta) Plim-plim-plim… Ai!… Quando alegre partiste… plim-plim… Ai!… tu me deste uma soooovaa… plim-plim-plim…

VOZ OFF
(será o Orson Welles?) Sublime, grotesco, desopilante!!! Leve sempre no bolso suas pastilhas Namurr para o fígado.

CLEPSIDRA
Quem me dera uma bunda larga para entrar em contato com o mundo inteiro. Quem sabe se me escondo na cauda do piano de meu tarado pianista Naitingaeil…! Quantas galáxias oh quantas!! Nosso covil está soberbo!

PATO MÂCHÉ
Clássica! Lisérgica!
…Falta só o toque salseiro da Papisa…
But let me make a little sugestion:
Na medida em que se avançasse nessa sala o espaço da imagem poderia crescer e o das letras diminuir. Ao buscar a explicação das estampas singelas o visitante seria surpreendido com interjeições cortantes. Legendas mordentes para cartuns banguelas!!!
Que tal introduzirmos essa oscilação diagramática numa próxima rodada de cartuns – vinhetas?

ZUCA SARDAN
Já estou ouvindo o barulho dum pelotão em galopada…

DOC FLOYD
MATILHAS INCERTAS, as noites refugiadas no braseiro dos dias.



BEIJO DA CABOCLA & RAÍZES DA ARTE NÃO-FIGURATIVA

PAPISA
Oi, meninos queridos. Atolada até amanhã de noite. Respondo tudinho no domingo.
Beijos para os três.

DOC FLOYD
Começo recolhendo os beijos. E sempre te aguardamos…

ZUCA SARDAN
Vamos fazer uma reforma desses beijos, dando precedência aos veteraníssimos da Guerra do Paraguai.

DOC FLOYD
Os veteranos de guerras foram todos convocados para apagar as queimadas na Amazônia…

ZUCA SARDAN
É verdade… uma chama é um fogo é uma fogueira é pior que um black hole, vai-se a primeira pômbia, e mais outra, e mais outra, mais uma,… pra Colômbia…

DOC FLOYD
Assim como os Estados Unidos, com sua fogueira bélica, desunem o resto do mundo, assim-assim.

ZUCA SARDAN
Poizé… uma catástrofe segue a outra, em ritmo cada vez mais acelerado não temos mais sossego…

DOC FLOYD
Qualquer sombra de estabilidade envolvendo os protagonistas do tablado planetário, já foi devorada pela usura referida por Pound. Há naturalmente países-exceções, que vivem como se em outra realidade, para lá de paralela… Sorte tua, Zuca, que só vens ao Brasil a passeio.

ZUCA SARDAN
Os russos se instalaram na Venezuela. Agora… os Chins vão se convidar para serem nossos padrinhos… Os norte-americanos querem se livrar do grude do México, ou seja, da América Latina, e… e… da Europa. Os Europeus ainda não perceberam que na Cipclopédia de Fábula Mundial, eles hoje são tão somente uns simples ratinhos.

DOC FLOYD
Os Zeuropeus são hoje um bando de cegos no meio de um tiroteio entre Chins & zEUAs. Os Russonianos ainda creem na fábula do Mar & Sertão. Porém o que se destrói não se transforma. Fica para sempre destruído.

ZUCA SARDAN
Pra sempre destruído, tudo bem… Mas… OOONNNDDDEEE ???

DOC FLOYD
Nas montanhas colossais dos lixões espalhados por todo o planeta teimosamente ainda azul… Dizem que há estudos para expurgar esses lixões para o espaço, criando uma espécie de planeta paralelo povoado apenas por dejetos em desuso.

ZUCA SARDAN
Para o Planeta Paralelo serão despachadas as Populações da África Negra, os nativos das Ilhas do Pacífico em vias de serem afundadas… toda a América Latina e… os Esquimós do Polo Norte derretido. Aliás… O POLO NORTE JÁ DERRETEU. E o que fizeram com os Esquimós? Nenhum jornal, nem ONU, nem Unesco, nem manifas de protesto de ambientalistas… NINGUÉM DISSE NADA!

DOC FLOYD
Os esquimós, pela técnica indígena equatoriana de redução de cabeças, foram encolhidos e hoje os encontramos no formato bonequinhos de madeira em lojas de turismo. A América Latina finalmente será separada do Canadá, e sumirá do atlas. Será dada prioridade às populações pobres, como era de se esperar, pois elas foram sempre o saco de pancada da Casa Grande…

ZUCA SARDAN
Mas, como dizia Gilberto [Amado – shshshsh, apagando]… Freyre, e o Salazar acabou concordando… o carinho patriarcal luso-tropical soube dar um bafo de bondade ao Colonialismo… e o Carnaval foi um catalizador da união de três raças festivas. Só eram tristes na Quaresma… quando Frei Feijão tinha de se haver com uma fila colossal de pecadores arrependidos… e que seguiam tristonhos… martirizados pelos teimosos remorsos… até os próximos festejos de Momo. E o que é que a Baiana tem?…

DOC FLOYD
Mas quem melhor percebeu a nossa proeza social foi o outro Gilberto, o Freyre, ao decifrar a astúcia de nossa mestiçagem que se deu toda na cama.

ZUCA SARDAN
Tens toda a razão. Corrigi logo acima a minha tirada (feche os olhos), e o Gilberto Amado fica pruma próxima tacada. O Ruy sempre aconselha: “não deixe rastros”.

DOC FLOYD
Sim, daí que triste do criador que não apaga as pistas de suas influências.

ZUCA SARDAN
Não passa da esquina… Para apreciar… ninguém aparece, mas para baixar o malho… vem toda a torcida do Vasco…

DOC FLOYD
E os anéis voam longe dos dedos decepados. Quem guarda a melhor mão para o fim, é atropelado no meio do carteado. Se encolher o olhar perdemos a paisagem quase toda. Zeca Ladino disfarçado na torcida do Vasco aos poucos convencia a geral enfurecida que o adversário estava fazendo de tudo para perder.

ZECA LATINO
Um viva para a bola fora! Outro para o chute na trave! Um terceiro para o goleiro que na hora do escanteio se curvou para amarrar o cadarço da chuteira.

ZUCA SARDAN
O pior é que o Comendador Gomes de Sá, em vez de acalmar a torcida, a incita, com hinos patrióticos, e em vez de foto do Guevara, distribui bandeiras com o retrato do Camões… Na torcida organizada do Gomes de Sá, nossa reportagem surpreendeu o nosso Freyre!…

REPORTER
O nosso… Gilberto Amado?

COMENDADOR
Não, oh… bom Zé Paspalho… trata-se do Gilberto FREYREEEE… com ipsilom!… Bota o nome certo em seu pasquim Bola Furada

DOC FLOYD
A bola que não murcha é a que fura as redes. De pó em pó o espanador chega à eternidade. Use somente drogas que permitam rever o futuro. Não permita o deus de turno que eu morra sem comer pitanga. Nadar com um olho só é moleza, Camões, quero ver atravessar o oceano numa canoa furada. Para por o silêncio em nossos ouvidos, basta tocar o lado B do CD.

ZUCA SARDAN
O lado B, se for duma cabocla, pode ser melhor que o lado A. Não foi à toa que o Cabral descobriu o Brasil. O Paradiso Perduto também tem os seus encantos.

DOC FLOYD
Ninguém descobriu o Brasil. Nem mesmo a corte portuguesa tinha interesse nessa ilha de ilusões traídas. A cabocla só tinha um lado. A encruzilhada de seu corpo era o verdadeiro Paraíso Perdido. Porém quem o decifraria?

ZUCA SARDAN
O Cabral andou perto… quase… E o Caminha inventou a tal história na carta para Dom Manuel. Pindorama segue dormindo… esperando que o descubram.

DOC FLOYD
Chegou a ler o rascunho da carta, porém se sabe que Caminha a reescreveu, com todo aquele floreio barroco, sonhando com as coxas da cabocla.

ZUCA SARDAN
A Cabocla com o Caminha na caminha… do camarotim na caravela…

DOC FLOYD
O mar agitava as perninhas por entre as ilhas do Caribe. O vento cavalgava a Caravela em desalinho. A cabocla pedia mais caminha, até que a bússola rebentasse. A marujada gritava pra lá e pra cá, abanando o rabinho do destino.

ZUCA SARDAN
Há uns nacos da carta de Caminha, onde ele se refere à sua cabocla, fazendo-lhe uma descrição verbal, bem detalhada… E um sugestivo desenho, que interessou ao Rei, mas… entrando a Rainha de supetão na sala, o Rei o forrou nas barbas. Sobrou, pros arquivos da História, apenasmente a carta. Mas… e o desenho?…

DOC FLOYD
Em noite de festa no Grande Salão Episcopal Gatuno Sarmento invadiu os aposentos reais e descobriu os fragmentos da carta náutica. Seus olhos foram imantados pelas descrições da cabocla e em meio às agitações de seu corpo improvisou uma série de desenhos, ali mesmo, possuído por um extravasamento automático dos carvões que tinha no bolso. Antes de ir, deixou três deles sobre a escrivaninha real e levou os demais consigo direto à prensa clandestina de um amigo…

GATUNO SARMENTO
Tiramos inúmeras cópias daqueles traços eróticos, para futura distribuição pelos subúrbios do reino.

ZUCA SARDAN
Acho que no fundo nós dois acabaremos acusados… Como sempre acontece, os artistas são visados pela Polícia e pela Inquisição… Esta, aliás, a verdadeira origem da Arte Não-Figurativa…

DOC FLOYD
O correio devolve a remetentes escolhidos ao acaso estranhos pacotes que jamais foram postados. Isto estragou o comércio das bugigangas chinas e das cartas-bombas. A Arte Não-Figurativa foi uma corrosiva mácula no lombo do terrorismo.

ZUCA SARDAN
Quando o avião foi atingido, Leila pulou de paraquedas, e mudou malandramente de página, pousando na letra F, se inserindo noutro verbete do Iluminismo, sobre o Bom Selvagem na FLORESTA Amazônica.

PEDRO K
Clap clap clap! Por uma edição acrescida do Iluminismo engoliu (o avião da) Leila! As posições ectoplásmicas que se exprimem em dialeto beletrista cubista etéreo, nunca serão identificadas pelos radares cypclópédicos.

GATUNO SARMENTO
Que Leila? Que Leila?!!!

DOC FLOYD
Não vamos rebobinar o futuro justo agora que a realidade mal se aguenta de pé. Aguardemos as próximas pistas, as próximas páginas. A glória há de vir por aí.



*****

EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidado: Víctor Chab (Argentina, 1930)
Ilustrações de Pedro Alvim e Floriano Martins


Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 148 | Dezembro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC Edições © 2019



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