Salomé já me acena com um sorriso comestível, não desistirei
da anatomia furtiva de suas coxas…
ZUCA SARDAN
Foi nesse logro que caiu Herodes… e João Batista pagou
o pato…
BENTO LIGEIRO
Os patos morriam mais facilmente, na medida em que os
peixes se foram do lago. João Baptista era manco e corcunda, pagou por muitas trairas
pensando que eram patos. Herodes se ria iludido o mais tolo de todos.
ZUCA SARDAN
João Batista se diferenciava do Quasimodo, justamente
porque o Quasimodo era só corcunda, e tinha uma agilidade de orangotango. João Batista
tentava inutilmente s’equiparar com Quasimodo, mas a perna torta o traía, provocando-lhe
quedas vertiginosas da torre. Sabia, porém, dirigir a queda, abrindo o colossal
casaco, de modo a poder pousar em cima de alguma gorda beata propícia. Com isso,
ganhou uma rica coleção de admiradoras. E as beatas em baixo se digladiavam pra
conseguir se colocar na melhor posição para receber nas mamas o cometa humano.
BENTO LIGEIRO
Herodes tinha a boca torta de tanto riso maltrapilho.
Velho andarilho, se fingia de surdo para melhor dar conta de suas alegorias. Um
dia soube que a morte lhe havia marcado, e saiu pelas ruas a gritar e gargalhar:
— A corte agora é o mercado!
Foi preso como comunista. A caminho das grades ria a
perder os dentes.
Ao passar pela praça nosso pasquim o entrevistou, indagando
logo o motivo de tanta risada:
— Na cadeia a comida é de graça.
E se ria…
ZUCA SARDAN
Pelo menos, Herodes tinha… humor!!! o que é uma virtude
supina.
DOC FLOYD
O humor de Herodes fez sombra a seus próprios feitos
grandiosos.
HERODES
Os sábios espalham cactos por toda a casa e armam a
rede. Passam semanas e as plantas ficam bonitas sem uma gota de água. Curupaco,
curupaco, papaco. Tem que saber a quem dar de beber. O velho Cracatoa escolhe o
sábio que cuidará de seu palácio.
ZUCA SARDAN
Herodes foi um grande incompreendido… Passou para a
História como um medíocre palhaço… Mas seu gênio de artista vai aos poucos sendo
– finalmente – reconhecido. A Glória, leviana lourinha, some na quarta-feira de
cinzas… Mas a Posteridade, morena carrancuda, acaba sempre chegando… na Quaresma.
FOLIA
São todos uns ingratos
Esquecem que sem mim não
haveria Glória ou Posteridade
Eu danço com todas
Abro meu espírito para mil
corpos
Cada noite faça florir a
libido
Eu embalo o desejo na palma
da mão
ZUCA SARDAN
Magnífico… Bravoooooooooooo… Fosse a Folia compreendida
pelo Clero… e teria salvo a Igreja da infâmia… o-ro-roooooooooooooooooooooooooooo
DOC FLOYD
Mais uma finalizada e encaminho essa conversa solta
para a nossa Papisa querida.
ZUCA SARDAN
A mala-sanfona de Anita poderia guardar todo o arquivo
da Torre do Tombo…
DOC FLOYD
…e todo o ouro da torre de Sevilha..
ZUCA SARDAN
e boa parte do inventário do Escorial…
DOC FLOYD
…e até mesmo a dinheirama na cueca do político…
ZUCA SARDAN
O Vereador Ralinho tem um crucifixo, uma figa da Guiné,
e uma cueca com forro triplo.
DOC FLOYD
A figa da Guiné desfez a crença. O crucifixo contraiu
um bico de papagaio. Só a cueca sambava a noite inteira. Um novo mito era embalado
nos três forros de Ralinho.
ZUCA SARDAN
Uma Figa da Guiné e um Crucifixo a serem colocados juntos…
dá curto-circuito… salvou-se Ralinho com a milagrosa cueca de fundo tríplice, onde
podia guardar suas muambas, e… por que não?… umas notas do verde que te quero verde…
DOC FLOYD
Acabo de voltar do Cirque de Soleil. Há pouco falávamos
da proibição de animais em circos e me deparo com um ato que se chama "Circo
invisível" que é justamente a presença invisível de alguns animais: macaco
leão elefante foca, presença sugerida pelos sons, efeitos mecânicos de sombras,
rastros e marcação de cena.
ZUCA SARDAN
Faltou o papagaio contando umas piadas na borda, prassustar
as dondocas.
DOC FLOYD
O papagaio está presente em outro ato. Um palhaço leva
para casa uma linda moça da plateia. O cenário é apenas um sofá e uma vitrola. A
moça se senta no sofá, o palhaço vai ligar a vitrola e é então eletrocutado. A partir
daí assume a forma gestual e sonora de vários animais: gato, papagaio, corvo, cão,
sempre em busca de conquistar a mocinha. Impagável.
ZUCA SARDAN
A arte da mímica, que levou Chaplin aos púcaros de Dona
Glória.
DOC FLOYD
Sim, este espetáculo novo do Cirque de Soleil que se
chama justamente Gabinete de Curiosidades
nos leva a traçar paralelos entre muitas coisas. Mímica, espiritismo, a girândola
de onde nasce o cinema, o espelho como palco das realidades paralelas, tudo está
ali, e tudo tem profunda relação com o Surrealismo, embora não com Breton.
ZUCA SARDAN
O anonimato do assassino depende muito do credo.
PRIMEIRA TRAÇA
Pros do mesmo credo, o kamikaze é um santo.
SEGUNDA TRAÇA
Pros do mesmo credo, o exorcista é um santo.
TERCEIRA TRAÇA
Pros do mesmo credo, o pastor é um santo.
ZUCA SARDAN
Se não estiveres bem lembrado, plec-plec-plec!!!… dos
dogmas do credo, melhor passar pela outra esquina… e tomar no boteco um café Tupy,
com bolachas Cabocla.
DOC FLOYD
a minha caboclinha
foi pescar
um boto suculento
pro jantar
voltou tão jururu
minha ninfeta
o boto lhe deixou
uma escaleta
a noite toda
então soprei pra ela
as notas mais
alegres da janela
a minha pequenina
suspirava
seu coração parou
em uma oitava
ZUCA SARDAN
Não se deve confiar num boto… sobretudo se aparecer de terno branco e chapéu
panamá.
DOC FLOYD
Menos ainda confiar na razão que se veste de vulgares
apaixonices. Dentre todos os pecados da carne, jantar um boto pode ser o mais fatal,
sobretudo quando o pangaré dos rios imita um viril contorcionista…
ZUCA SARDAN
Acho que Breton jamais teria entrado num circo. O grande
admirador de circo, e sobretudo do palhaço, foi o Fellini.
DOC FLOYD
Pois é, o Fellini é outra figura chave no desdobramento
múltiplo do Surrealismo. Acho que até mais do que o Buñuel. Não que ele fosse surrealista
de clube. A dimensão estética do Surrealismo exige ser desconectada do Bretonismo.
ZUCA SARDAN
Tal heresia ainda o pode levar à fogueeeeeeiraaaa…
BENTO LIGEIRO
Mas esta é a razão de ser de meu livro, embora jamais
será dita de modo tão explícito.
ZUCA SARDAN
Assim disse-lhe o espelho: És um perigoso herege, Bentinho… mesmo sendo tão esperto quanto és… o Mundo,
a Civilização, as Religiões, a Ciência e a Filosofia, estão todas montadas sobre
Dogmas invioláveis, e a priori, em que todos acreditam, dogmas que desde a mais
tenra infância lhes foram soprados, e os poucos que não acreditam, fingem que acreditam,
para poderem ser aceitos, e como tal, considerados sensatos, para que o Mundo siga
sua marcha digna, humanista e democrática, num aperfeiçoamento eterno e justo.
Bentinho sopra as velas para o Universo como se fosse
seu próprio aniversário. Os Dogmas são a carnificina do Espírito. O mundo naturalmente
seria outro sem eles. Ou então se fundamentaria em outros erros. De qualquer modo
tudo será sempre uma questão de fé, tida ou não.
ZUCA SARDAN
Bentinho precisa dum zcapabode… que receba em seu lugar
os pedregulhos da Consciência.
DONA ESCULÁPIA
Meu filho tinha mais consciências do que qualquer outra
criança da rua. Nem precisou ir à escola. E brincava sempre sozinho, com sua gigantona
imaginação.
ZUCA SARDAN
A Gigantona foi a primeira paixão perversa infantil
de Bentinho… Adorava entrar pelo decote da Gigantona e mergulhar nas fortes tetas
colossais… O renomado Professor Pinaclo, grande conhecedor da Poesia Francesa, afirma
que Charles Baudelaire teve a mesmíssima alucinação… Todavia já adulto, quando fumava
no seu narguilé maconha carioca, já então considerada a melhor da praça.
BENTO LIGEIRO
Pois foi numa dessas fumaçadas que o simbolismo surgiu.
A ideia inicialmente era apenas substituir uma coisa por outra. Um ticket de viagem
por um diário de bordo. Um cartão postal por uma escalada nos Pirineus. Uma banheira
em miniatura por um sexo alucinado em um píer. Com o tempo se percebeu que era mais
delicioso embaralhar símbolos e sentidos como se nada pudesse voltar a ser o que
sempre foi.
VOZ d’ULTRA TUMBA
Vais melhorando, Arauto, em tuas meditações… mas Arauto
não é para ficar dando palpite, profanando o trágico silêncio sepulcral.
DOC FLOYD
Remendava as falas de tudo quanto ouvia. Silenciava
por instantes provocando o vazio. Se precisasse era o arauto de si mesmo, e se ria
de todos que lhe acreditavam.
BENTO LIGEIRO
Mais mysterioso do que todos os demais personagens,
no fundo, é mesmo este cínico, diabólico, fatal Arauto…
GIGANTONA
Quais demais personagens, Bentinho?…
BENTO LIGEIRO
Aqueles de quem o maior de
todos és tu mesma, Gigantona de mi alma, mi tesón fatal, mi perdición, que mi arrastras
y arrastras en loca pasión…
GIGANTONA
Só pensas em sexo, né?, seuledipineco safado… Tás querendo
leitinho?…
ARAUTO
(sottovoce)
O caldo está engrossando, melhor eu baixar presto a cortina antes que…
CORTINA
(cai) PlAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFFF!!!!!!!!
PLATEIA
(em furooorrr)
LEVANTA A CORTINA!!! ARAUTO DE MEEEERDAAAA!!! LAVANTAAAAA!!!!!!!!
ARAUTO
Faz carinho e levanta, Dulcinha. Vamos pintar a casa
toda. Pra cima, pra baixo. Mela na tinta o pincel. Casa nova vindo à tona para o
próximo ato…
DULCINHA
Ai!… Arauto… Vamos pintar sim… mas… depois desse ato
porque passamos… nem quero pensar no que ainda possa vir!… Ai!, meu rosário…
ARAUTO
Traz rosário não, santinha. Vamos passar um tempo noutras
relvas, noutros lares. Nem do látex carece. Vem me raspar bem raspadinho pra ver
o que surge no descampado.
CORCÓ
(surdina)
Dulcinha, escabriada, s’escondeu… Não conto onde, que o Arauto pode escutar… o safado
tem ouvidos de lynce!…
ARAUTO
Dulcinha s’escafedeu, e me deixou na mão. Assim gosto
não. Vou procurar outra pombinha pro meu café com pão bolacha não…
REGINALDA
O Arauto nunca se esquenta… É duma serenidade do Leônidas,
nos jogos do Flamengo.
GIGANTONA
Dias comigo era como um pêndulo
Ia e vinha tão fogo o ‘Tinho
Me fazia girândola de perder
o fôlego
Eu suspirava ele desci
Eu suspirava ele subia
Ui
CORCÓ
DR PIRRO
Enquanto Padre Vieira fala do céu com os olhos postos
na Terra, a Gigantona trepa na Terra, com os olhos postos no Céu…
GIGANTONA
Passa, passa, guardião
Será ele ou não…
DOC FLOYD
Tinha as noites todas com hálito de quimeras em fogo.
Escrevia seu catecismo com o sêmen de três anões que guardava em uma caixa de couro
na algibeira. O trabalho incansável do trio mantinha suas memórias libidinosas em
dia…
ZUCA SARDAN
O Diário dos Três Anões foi vendido, por inadvertência,
nas estantes de literatura infantil, e causou uma revolta furiosa dos pais e mães
de família. A polêmica faz estardalhaço na tevê e jornais, e o livro vem tendo uma
venda espantosa, que lhe valeram sucessivas edições, traduzido em vários idiomas,
já vendidos mais de trinta milhões de exemplares. Sucesso internacional estrondoso,
só sendo interditado na Coréia do Norte, Zanzibar, Vaticano e Polônia.
DOC FLOYD
A interdição foi inútil, pois logo o livro começou a
circular no mundo virtual. O Vaticano persegue no apuro de velas o editor Pafúncio
que fez a edição para plataforma kindle que já alcançou a marca de 10 milhões de
acessos nos quartéis da fé. Pafúncio não deixou pistas, mas a agência de detetives
Olho Vivo & Faro Fino começa a busca pelas embaixadas da Costa do Marfim.
ZUCA SARDAN
E os meninos e meninas do mundo inteiro não entendem
porque os pais lhes surrupiaram o livro… Uma arbitrariedade desnecessária das famílias
conservadoras… as crianças não iriam mesmo entender as solertes sacanagens ocultas
nas ingênuas palavras dos simplórios anões. Doutor Murnau porém considera o livro
perigosíssimo: vai subverter o inconsciente dos pais e mães que perderão sua inocência
conjugal. O complexo do Paraíso Perdido…
DR MURNAU
Há que compreender que a psicologia atual é devota do
Paraíso Perdido, o que torna inaceitável que nossas crianças leiam livros como Peter Pan e o Diário dos Três Anões. Cabe a nós afastar delas a sedução pelos conceitos
de transição e emancipação. Tampouco devemos deixar os novos filhos do mundo entregues
à pegação de seus corpos. Estou encaminhando ao Vaticano uma lista de livros que
devem ser definitivamente expurgados.
FREI FEIJÃO
Muito bem Doutor Murnau!!!… O Vaticano precisa reagir!!!
Vou preparar uma fogueira no pátio do meu Convento para queimar os Três Anões!!!
DR MURNAU
O senhor quer certamente dizer… o DIÁRIO dos Três Anões…
FREI FEIJÃO
Sim, o Diário também, embebido de gasolina pra atiçar
fogo na lenha da fogueira que queimará os Tres Anões e o Corcunda da Catedral!!!…
DR MURNAU
Mas o Corcunda também?… é um santo sineiro…
FREI FEIJÃO
(espumando)
Corcó é o mais safado de todos!!! Andou de caso com a Gigantona…
DR MURNAU
A Gigantona é uma pobre ingênua…
FREI FEIJÃO
Uma safada!!! E anda de caso com o Corcó!!!!
DR MURNAU
Ora, Frei Feijão… isso tudo são maledicências… quem
lhe contou tais coisas?…
FREI FEIJÃO
Não posso contar… o segredo da confissão… é inviolável…
DOC FLOYD
Os tempos se passaram. A trama esfriou. Anos depois
Corcunda, sob o pseudônimo Newton Lacânvio, foi agraciado com o Nobel pela publicação
de seu Auto da Gigantona, livro que revolucionou
as relações conturbadas entre a Igreja e a Associação Mundial de Parapsicologia.
O prêmio foi entregue em meio à polêmica em torno da descoberta de que Corcunda
era analfabeto e contratara um ghost writer para escrever a obra. A celeuma ganhou
palco maior quando na cerimônia de entrega o discurso do autor foi lido pela vedete
Siriana Sirilongo, considerando que o prêmio deixara Lacânvio emocionado a perder
a voz. E como uma polêmica se alimenta de outra, dois anos depois uma estreia mundial
do filme Levita, meu carneirinho traz
à tona a discussão sobre um dramaturgo que havia driblado crítica e academia com
um auto que ele havia subornado de Cornélio Astrakan, sineiro de Notre Dame. Uma
coisa é certa: a realidade não se cansa de repetir. Melhor dormir cedo e se preparar
para que o amanhã volte a acontecer.
CODA POSSESSA
ou ROLETA-RUSSA DE BOTECO
O
boteco Esponja Noturna já estava fechando as portas quando chegaram os quatro paladinos
do Acaso. Saltimbancos afamados, foram logo descolando uma mesa onde jogariam até
manhã bem cedo. Papisa foi direto atrás do balcão, retirando de uma de suas gavetas
uma espécie de pequeno baú, meio enxovalhado, onde se lia gravado no couro pastel,
assim mesmo em itálico: Caixa das fugas temáticas.
• PRIMEIRA FUGA
PAPISA
Hasta la victoria secret! – albur mexicano
anônimo, atribuído ao Chapolín Colorado, que soltou esse grito de guerra ao ser
capturado por Alma Negra, pirata crudelíssimo, assassino a sangue frio do Mar Morto.
DOC FLOYD
Ao tropeçar na imprevisível vitória as
forças anônimas decretaram feriado nacional e que serão retiradas do mercado quaisquer
alusões à pirataria, seja ela a de escravos ou de música. A revolta se deu pelo
vazamento dos segredos de Estado, ocorridos justamente sob o mandado do Grilo Vermelho.
PEDRO K
A vitória é secreta! Secreta! Altamente inspirador… a sonoridade
albur é tão forte e sinerética que torna qualquer ida ao dicionário anafórica.
ZUCA SARDAN
Aprisionado por um pirata assassino a
sangue frio, o albur do Chapolin poderá ser interpretado variadamente segundo as
circunstâncias: 1) se as tropas mexicanas estivessem de atalaia para matar o pirata,
então Chapolin houvera bradado para chamar atenção das tropas ocultas, para que
interviessem antes que o pirata lhe cortasse o pescoço. 2) Mas não houvesse tropas
para intervir, o albur de Chapolin seria uma apelação ao Fado, para que sua morte
fosse vingada pelas forças secretas que o pirata, se não acreditasse no sobrenatural,
acha que são inoperantes… Mas se o tal pirata acreditasse nas Forças Secretas do
sobrenatural, então talvez se contivesse. Enfim, como a última palavra do Chapolin
foi… secret… talvez o pirata tenha lhe
cortado a cabeça, antes que Chapolin finalizasse a palavra, e acabasse a frase.
DOC FLOYD
Ora,
minha cara Papisa, apesar de tua perfumada vitória, tão ambígua quanto reveladora
de antigos mistérios, a menção ao Chapolin Colorado me levou à pracinha central
de Coyoacán, na capital mexicana, onde tantas vezes me deleitei com grilos tostados
acompanhados da cerveja Dos Equis.
PAPISA
Não muda os comentários de vocês, claro,
até porque “vitória secreta” é uma leitura possível e uma ideia engraçada. Ou tornada
engraçada pelos comentários. É que tenho leitores mexicanos e gostaria muito que
eles reconhecessem o albur. Ainda mais que inventei um link com o Chapolín.
ZUCA SARDAN
Em matéria de cavalhadas os mexicanos e gaúchos se parecem.
Minha família dos Saldanhas é de origem gaúcha, de modo que eu tenho grande simpatia
por mexicanos e mexicanas, e sempre ia ao Cine Azteca, no Flamengo, onde passavam
filmes do Cantinflas, e também do Luis Buñuel. Ma-ra-vi-lho-sos, de sua estada e
atuação no México. Sem falar na Maria Felix e acuérdate de Acapulco… Augustin Lara ao piano… e para finalizar meu
verbete com chave de ouro… VIVA ZAPATA!!!
Pacacá-pacacá-pacacá… Enfim, agora só resta perguntar ao pirata Alma
Negra, se ele decapitou ou não o Chapolin… Qualquer que seja a resposta, meus pareceres
sobre o caso já foram lançados, baseados em dados devidamente chumbados.
• SEGUNDA FUGA
DOC FLOYD
A imagem como a última das histórias
possíveis. – Creditada ao poeta
cubano José Lezama Lima, reza a lenda urbana que foi a partir dela que a propaganda
confeccionou seu lema: Uma imagem vale mais
que mil palavras.
PAPISA
A
imagem como a última das histórias possíveis é um romance inédito de José Lezama Lima, escrito com muito mais
que mil palavras. O escritor tinha pensado como capa da primeira edição uma imagem
de um pintor misterioso, cujas pinceladas iridescentes deixaram intrigada a crítica
da época.
PEDRO K
Os
conservadores britânicos foram brilhantes iconoclastas, atacando com ditos populares
as imagens aberrantes dos ideólogos franceses.
ZUCA SARDAN
No Século 21, a correspondência instantânea entre as
várias regiões do mundo e a multiplicação de centros políticos e culturais importantes
vêm exponenciar o valor da imagem, acrescido pelas limitações impostas pela pluralidade
de idiomas que confunde os homens desde o famoso episódio da Torre de Babel. A imagem
é compreendida por qualquer pessoa independentemente de seu idioma e sua utilização
na comunicação tenderá a propiciar a criação de um verdadeiro idioma visual, o que
já se vai acelerando no crescente número de signos urbanos. Paralelamente, o aperfeiçoamento
da reprodução gráfica pela atual tecnologia, seja para projeção instantânea via
tevê de toda e qualquer imagem, graças aos progressos vertiginosos da tipografia, garante
à imagem uma importância decuplicada face à simples escrita. E não só na técnica,
mas nas artes também, além da importância crescente dos Comics (hq), que de mero entretenimento infantil, começam a passar,
desde meados da década d0s 1950, do século passado, com os comics contestatários da geração flower power
nos Estados Unidos, de que os artistas (Crumb e seus colegas), reprimidos pelos
sacões dos bons costumes e donos da moral, e aporrinhados pela polícia, destituídos
de fontes de crédito, marcaram, assim mesmo, toda uma geração. Tudo isso mostra
a crescente importância da imagem, não só na tecnologia, mas nas artes em geral,
e no aprimoramento cultural e espiritual da juventude, hoje ainda conturbada pela
velocidade aceleradíssima das mudanças que vêm nos traumatizando: guerras, terrorismo,
assaltos, drogas, depredação ambiental etc. etc.
• TERCEIRA FUGA
ZUCA SARDAN
Après moi,
le Déluge! – Advertência
de Noé, que aprontou uma Arca colossal e, quando o Céu abriu as rangentes porteiras,
e despencou a colossal chuvarada, ele já havia ajuntado com sua família um casal
de cada espécie de animal. Apenas a parelha de dinossauros, colossais, não pode
embarcar, ou amassaria os outros animais, e afundaria a Nave.
DOC FLOYD
E como não sabiam nada, resultou fatal
o destino dos dinossauros frente ao Dilúvio. Uns poucos que escaparam com vida,
aferrados em pesados troncos de árvores, foram dar nas águas onduladas de azul-crepão
de Hollywood, e por ali ficaram. Também a costa japonesa acolheu alguns em sua pastelaria
cinematográfica. Há quem diga que os dinossauros sejam os pais da paleontologia.
Fato é que suas ossadas dão status primordial aos museus de História Natural, sem
as quais parecem desprovidos da ancestralidade da vida na terra.
• QUARTA FUGA
ZUCA SARDAN
Meninos, eu
vi!… – Disse um dia o Velho Juca Piramba.
DOC FLOYD
Depois se divulgou que o velho Piramba,
quando disse a frase famosa, tinha já os olhos cobertos por densa catarata, de modo
que não é que não tenha visto, mas o que viu foi dentro.
ZUCA SARDAN
E o que Juca Piramba viu dentro da catarata
era muito melhor do que o que o que andava lá fora… Dentro da catarata ele encontrou
indiazinhas jeitosas e espertinhas, e bem mais carinhosas e gentis do que as que
andam lá fora… todas umas pérfidas ignaras e fúteis futriqueiras…
DOC FLOYD
Por vezes compensa olhar para dentro de
si, não por exílio da realidade, mas sim dando à imaginação a senha para uma nova
realidade. Juca Piramba foi o primeiro a ver no escuro de seu profundo ser a matéria
reluzente com que, dali retornando, atearia fogo à terra e das cinzas semearia as
lanternas abauladas que com ímpeto quimérico iluminariam os novos desastres inerentes
ao ser humano.
*****
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO
DO SURREALISMO 1919-2019
Artista convidado: Víctor Chab (Argentina, 1930)
Agulha Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número 148 | Dezembro de 2019
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
| MÁRCIO SIMÕES
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