ONDE COMEÇOU O CARNAVAL
Macaca Chita no carrilhão:
splin-tilim, plit-spit, pin-pin…
Macaca aproveitou que o sineiro Corcova estava dormindo…
Corcova é surdo como uma porca… Macaca lambeu a terebintina com que Corcova limpava
os badalos e ficou doidona, foi pro meio da avenida imaginária e lascou-se a sambar
entusiasticamente. Como era o Carnaval, e estava todo mundo doido, acharam muito
normal a Macaca dançar. Macaca fiou-se nisto e fez verdadeira orgia em um bananal,
saindo de lá zonza e cantando:
a lagarta bem fumada salpicou meu coração
tanta banana me come que suspiro em oração
Ganhou logo o primeiro prêmio da canção do Sambódromo,
e o Prefeito lhe ofereceu um cacho de bananas com um retrato autografado da Carmem
Burana. Dizem que o descamba-enredo que quase lhe tomou o prêmio era “O galo de
Calcutá singrava os mares do sertão”, composto por Jocélio das Mangas, estreante
na comarca das alegorias.
O galo de Calcutá acabou afundando na panela do Trio
Taquara, que convidou o Jocélio para o banquete. Dos ossos, secos e pilados, ele
fez pacotinhos alucinógenos e os distribuiu por toda a plateia. Sucesso extraordinário
do show no banquete, o empresário Gordini contratou o Trio Taquara por uma fortuna
colossal e o “Galo de Calcutá” liderou a Rita Parada por vários meses, com porrada
no guichê a cada noite, o Teatro Fox lotado até às cumeeiras. O filósofo Doutor
Fritz fez pesquisas profundas para desvendar o mistério da atração fanática das
massas por tão medíocre espetáculo.
No gabinete do Dr. Fritz foi encontrada uma pasta que
estampava o título OSSOS DA ESTRELA, cujo conteúdo dava sinais de uma investigação
envolvendo suspeitos que estiveram no banquete de premiação e fotos de todos com
os olhos esbugalhados ante o flash da câmara digital… Arturo Chimba, velho rábula,
alardeava que não poderia haver assassinato sem cadáver, o que impedia a prisão
de quaisquer dos suspeitos.
Berlock Xolmes, famoso detetive escocês, soltou três
baforadas de seu cachimbo de jacarandá, e pontificou: “sem cadáver não há processo
de assassinato, mas ossos mastigados indicam um ato de deglutição. Para não deixar
indícios, o assassino teria devorado o cadáver esquivo, mas… cuspira os ossos fora.”
Armada a confusão, toda gente tirou do bolso o que ainda
restava do pacotinho de ossos e se apresentou inocentemente a Berlock na intenção
de não ser considerada cúmplice de alguma ilegalidade. O rábula se apressou a defender
a gente dizendo que todos tinham sido vítimas de um presente mal intencionado, e
que, caso necessário, poderia guardar os ossos, antes que chegassem as autoridades.
Telefonaram para o Delegado, que chegou acompanhado
do Sargento que trazia três rosnantes molossos. Para não serem mordidos pelos molossos,
tod’a gente passou seus ossos ao rábula, que presto os guardou nos sete bolsos.
Os três molossos saltaram-lhe em cima, rasgaram os sete bolsos, devoraram os ossos
e trucidaram o portador, por ter-lhes tentado enganar. E agora, pergunta Jocélio
ao Berlock:
— Mas qual a moral dessa tétrica fábula, Seu Berlock?
Berlock pigarreou e não teve dúvida: “Se a fome lhe
leva ao desespero, não deixe nada para depois.”
Tupy, nas maracas:
Chacará Rachacá Cháchá…
Macaca Chita no carrilhão:
splin-tilim, plit-spit, pin-pin…
PERERECAS VOADORAS
BANDA DE PRAÇA
Roca-Roca
Zaca-Traca
Firifim
Fon-Fon
DO OUTRO LADO DA PRAÇA
O trombone
se agiganta
no ouvido
da formiga.
Toca o fole
Marrequinha santa
O negro pastor
quer tirar da cartola
uma orquestra de rãs
ZÉ ALUVIÃO
Oh negro pastor da cartola
Melhor seria tirar pererecas…
JOÃOZINHO DISPOSTO
A perereca da vizinha
anda solta no telhado
Basta o sol bater no quengo
ela pula pra todo lado
As perninhas dela
não conhecem fado
São do frevo mais puro
e saltam como pecados
ZÉ ALUVIÃO
A perereca da vizinha
sempre pula mais alto
JOÃOZINHO DISPOSTO
É porque ela sabe onde se esconde o céu.
ZÉ ALUVIÃO
O céu se esconde atrás da porta. Não adianta procurar
porque ele sempre se esconde… do outro lado.
JOÃOZINHO DISPOSTO
Mas as pererecas não procuraram o céu. Sabem onde ele
se esconde e evitam desvirar as portas, cientes do fundo falso desses espelhos tão
fortuitos…
ZÉ ALUVIÃO
E o que é o Mundo, e o Céu do Mundo, senão essa recorrente
repetição de espelhos conjugados?… O Inferno é a barra que serve de eixo de rotação
dos espelhos do Céu e da Terra, que, se colados um diante do outro, não refletem
mais nada.
JOÃOZINHO DISPOSTO
No baile das noviças as pererecas entoavam cantos ocultos
que evocavam o talento do Inferno por fazer com que os espelhos recuperassem a visão.
Em um jogo astuto de palavras-valises, os cantos conduziam as noviças por estreitos
labirintos, onde uma estranha e altíssima figura lhes abria os olhos para o mundo
e o céu do mundo.
ZÉ ALUVIÃO
Mas Madre Marilda, experiente, lhes deu óculos de cego,
com vidro preto, para que não vissem as falsidades maldosas que aprontava a altíssima
maléfica figura.
JOÃOZINHO DISPOSTO
O que Madre Marilda não previu é que óculos de cego
permitem olhar apenas para dentro bem dentro, o que levou as noviças a inventarem
um mundo próprio alheio à realidade.
ZÉ ALUVIÃO
Mas enfim, observou, Madre Marilda, se este mundo próprio
é muito melhor que o mundo exterior, melhor mesmo que as noviças fiquem por lá.
JOÃOZINHO DISPOSTO
Com o que o Condor não contava é que os mineiros que
deram guarida às noviças há muito eram subornados por outra legendária figura, o
Leão da Metro que, com um rugido único, desarvorou os cílios postiços e a peruca
da Madre Marilda.
ZÉ ALUVIÃO
Assim também não é possível – reclama Madre Marilda
–, mineiros subornados por um Leão de chanchadas…
— Pior seria se fosse leão
do Dalí.
— Do Dalí? Dalí só tem lagostas
e rinocerontes…
JOÃOZINHO DISPOSTO
Leões Dalí não tem, porém seus elefantes repovoam a
terra, ora tocando tubas, ora levitando ou em caminhadas sedutoras em suas longas
e finas patas. Há quem diga que Marilda posou nua ante a sedução implacável de seus
tigres. Arte, Ciência e Religião afinaram em tais cenas seus rugidos.
ZÉ ALUVIÃO
Nessas afinações, ninguém melhor que o Dalí… Papa Benito
encomendou-lhe uma última ceia, e Dalí, em lembrança ao milagre da multiplicação
dos peixes, empanturrou a mesa de lagostas vivas… O quadro se encontra guardado
em algum armário no porão da Capela Sistina.
JOÃOZINHO DISPOSTO
Nosso correspondente no Vaticano me garantiu que, por
uma falha na manutenção, as lagostas famintas se devoraram entre si. Sobrou apenas
uma, empanturrada pela gula, que acabou por ejetar um telefone, de imediato ligando
para Benito, lhe dizendo: As cicatrizes da fé a todo instante rebentam porque
vocês negam a ficção de sua realidade. Benito deixou cair o telefone no chão
e, antes de ser petrificado, escutamos ainda sua voz: Deus nos proteja da versão
demoníaca de todo o reino da criação. Estátua!
ZÉ ALUVIÃO
O chefe do protocolo, vendo o Papa Benito transformado
em estátua, telefonou para o genial escultor Michelanjo, no momento ocupado na criação
de uma coleção de colossais escravos gigantes que se contorcem aprisionados em camisolões.
Michel disse ao Cardeal: Deixai comigo…
e minutos após irrompe na sala papal, e encontra Sua Santidade transformada em estátua.
Rosna o Michel: Comigo não!!! Já te dou um
jeito… E avança enfurecido de martelo alçado e brada PARLAAAAAA!!! E antes que viesse a martelada, ouve-se a voz do Papa
desencantado: Grazzie Michelino!… Dominus
Vobiscum.
Na outra margem do Atlântico, o poeta das gamelas vazias
estala os dedos e deixa escapar com voz roufenha: Ah esses mistérios papais,
diante do martelo toda a coragem se esvai e o cativeiro mais gentil não se arrisca
em nome da verdade.
ZÉ ALUVIÃO
O dito blasfematório do poeta das gamelas foi transmitido
via e-mail por Frei Feijão ao Vaticano, onde o serviço de segurança, leva ao conhecimento
do Papa o desaforo. Dom Benito lê a desfeita, e lágrimas marejam-lhe os olhos… Aí está… essas pobres ovelhas desgarradas não
sabem o que dizem… Se soubessem… iriam melhorar pelo menos a ortografia…
BANDA DE PRAÇA
Roca-Roca
Zaca-Traca
Firifim
Fon-Fon
POSTAGEM GRAVADA PELO PAPA PARA TODOS OS SMARTPHONES
O verbo por ser verbo não sabe fazer nada. Precisa
da fé substantiva que dá sentido a tudo. Tudo ou nada, tudo ou nada, quem vira santo
ou demônio sabe que um dia terá que recolher as fronteiras do mito, para poder escrever
uma nova oração que refaça o mundo
O MISTÉRIO DO CACHIMBO
Não creio que Papa Benito lerá o cachimbo que não era
pássaro; mas a não responder os graves dilemas metafísicos do Século 21, presentes
nos textos que queimam na fornalha do cachimbo… Frei Feijão entrará em implacável
dilema existencial.
TRANSMISSÕES DO CENTRO ESPÍRITA
REITOR
Senhoras e Senhores, inspirado pelo nobre gesto do Cavaleiro
do Talco Ross, já citado neste Almanaque,
e que merecia ingresso no Livro das Boas Ações do Tesouro da Juventude, infelizmente esgotado, reclamo, em meu caso, igual
sentimento de sacrifício a uma dama, no caso a Nossa Veneranda Papisa que se atrasou,
e assim para vos distrair, soltei não eu, mas um espírito solícito, um traque oportuno
e poderoso, que ledamente distraiu vossa gentil atenção.
PAPISA
Estou presa com uns espíritos do Espelho! Miró, você
de novo? Esquece, Madame Saltpêtrière quebrou a perna e não vem e Salambô não mora
cá dentro. Aliás, como é que você entrou aqui? Sacerdote, me deixa sair!
SACERDOTE ASTECA
Papisa, os espíritos só vão deixar você sair se eles
saírem antes. Eu posso fazer isso. Mas não pode ser na base da bagunça, sem fila,
sem acordos, que o Espelho não é a casa da Mãe Joana. Por isso trouxe você espelhada
ao contrário para uma sessão espírita.
DR. XARKOT
Pois que saiam esses espíritos, e também o Sacerdote
Asteca use uma rolha para frear sua santa verborreia… Abram caminho para a Papisa
poder sair do espelho, antes que baixem o Victor Hugo e o Napoleão… cada qual mais
importante… para não falar do Lênin que virá na sua Rolls-Royce descapotável com
cremalheiras de trator.
DOC FLOYD
Lívia era branca e índia, negra e vampira. Estas e outras
entidades ela assumia ao passar de um espelho a outro. Por vezes o espelho era o
fundo de um lago. Em outras era o manto sacrificial que a envolvia. Um espelho era
torcido, como uma imensa escada espiral. Outro era um céu repleto de nuvens e o
corpo de Lívia recostado em uma delas. Também as idades eram distintas e os olhares
enlaçavam o diabólico ao angelical. Enquanto o fogo ressecava a minha carne, finalmente
compreendi quem foi Lívia e as senhas de seu destino. Então a perdi uma vez mais.
SACERDOTE ASTECA
O espelho
se põe a falar, disfarçando a voz, para que não saibamos quem o habita.
DOC FLOYD
O negro Lautano
G chegou logo dizendo que era hora de largar a mesa e adotar a linha de terreiro.
Desenhou um círculo de giz, assoou forte o nariz e tirou do bolso da calça um papelote
amassado, que se pôs a ler: Venha cá. Venha
pegar nos meus pés. Passe óleo neles. Prepare-os para uma longa viagem. A sua irmã
gêmea deveria estar aqui. Sua morte precipitada foi injusta. Eu cobro de você o
dobro de suas tarefas. E me sinto desfeito pela metade. Ande logo, venha cá. Eu
preciso de meus pés oleados ainda hoje. A estrada lá fora me aguarda assim que o
crepúsculo se deite. Saia desse espelho, sem demora. Sua imagem, filha, é a única
falha que ainda me conforta. O matador me fez escrever isto, suas palavras ditas
à filha antes de sair para cumprir a última morte encomendada.
SEU OSWALDO
Mas afinal, Don Lotrek, o Senhor que é o Mestre-Sala
da Sessão, dê um jeito no Seu Lautano… Estamos no Centro Espírita, com nossa linha
bem marcada de busca de acesso aos espíritos de falecidos. No terreiro baixam outros
seres, de variadas naturezas.
DONA GISELDA
Esse bilhete, Seu Lautano, está muito confuso… ou o
matador é meio louco, ou o senhor não anotou direito o que ele disse.
DON LOTREK
Ora, queremos aqui coisas mais finas. Vou tentar fazer
baixar agora o Mulão Ruge, com suas bailarinas de Can-Can!…
NÃO ERA MESA NÃO ERA NADA
ZUCA SARDAN
Saiu o pacotão com as mulheres surrealistas. Sorrisão
feliz do Floyd, cercado pelas suas 21 musas… Cada uma mais charmosa e provocante
que as outras… Elas estão felizes de serem lembradas!… Acabou a tyrania du Bereton…
DOC FLOYD
Pois é, de tanto surrar a canoa furada do Bretão, ainda
vão dizer que meu livro é contra ele. De certa forma, ser contra Breton é um modo
de ser a favor do Surrealismo. Nas minhas leituras não fazes ideias de quantas opiniões
negativas acerca dele eu reuni, dá para fazer um livro só com elas. Agora mesmo,
ao escrever o editorial da edição dedicada ao Leiria reproduzo uma carta do António
Maria Lisboa para o Cesariny dizendo que há a necessidade de se erguer em Portugal
um Surrealismo sem a sombra do Breton.
ZUCA SARDAN
O Papa foi porém santificado. Quem não for às procissões,
começa a ser visto como sendo um perigoso herege… Dominvs Voviscvm. Zzzzzz
DOC FLOYD
Odaliscas bem treinadas dessantificam qualquer pajem
de quermesse enquanto eunucos apetitosos
rasuram máscaras papais e mominas nas lojinhas suburbanas
e explodem as gráficas santeiras…
ZUCA SARDAN
Justamente por isso, as gráficas santeiras estão superando
as gráficas pornográficas, sem que estas possam compreender as razões… O-Ro-Roooooooooooooo…
DOC FLOYD
E aí está a razão: a mania descabelada de querer uma
razão para tudo. Imagine sair em busca de uma boa razão para o rapaz que se excita
mais com um santinho do que com a madre superiora se masturbando…
ZUCA SARDAN
Para achar uma razão, pelo menos plausível, seria preciso
conhecer o rapaz, conhecer a madre superiora, e qual o tipo de inspiração de que
estaria tomada, para seu ato… sacrílego?… Tampouco isto poderíamos adiantar, sem
conhecer pormenores do ato… e também… saber da superiora de seus motivos… místicos?…
ou profanos?… e também ver como é a estampa do santinho…
DOC FLOYD
Além do que o tema pertence bem mais ao fofocódromo,
qualquer que seja o santinho ou as moçoilas que se puseram a discutir o assunto
na plana presumível do facebook.
ZUCA SARDAN
Mas o facebook é a igrejinha de hoje, para as orações
da juventude. Com a vantagem, talvez, de que não tem padre, nem sacristão. E para
as procissões, há hoje o facebook e os smartphones.
DOC FLOYD
E os ovos de páscoas derretendo na chapa quente das
ilusões virtuais. Temos que aprender a voltar pelos caminhos ainda não percorridos.
Nada como ter experiência de coisa alguma…
ZUCA SARDAN
Haverá caminho ainda não percorrido?
DOC FLOYD
Claro que sim, sempre os há, posto que eles, os caminhos,
são individuais (não vale apelar para as toalhinhas de centro de mesa), e até mesmo
os já percorridos quase sempre têm algo um cadinho que seja diferente a mostrar.
ZUCA SARDAN
Os caminhos mais difíceis só mostram um pedacinho.
DOC FLOYD
Um naquinho
de nada.
O ESPELHO TORTO
DOC FLOYD
A luz dos
candelabros despenca no assoalho e um estrondo esbugalha os olhos da escuridão.
O breu se mantém intangível e presente e belisca o silêncio irresoluto da cena.
Um pequeno fiapo de luz ondulante vai permitindo que os olhares tateiem o espelho-fonte
de seus movimentos. E cresce, um pouco e aos poucos. Até que percebamos a silhueta
de uma furtiva mulher. Um pouco mais e a identificamos. Sulamita poderia ser seu
nome, a primeira quimera, a bem estampada narradora que toma assento para as mil
e uma noites daquele espelho ressuscitado.
SULAMITA
Ao cabo de
600 dias voltei finalmente a respirar o ar emporcalhado das ruas. Nenhuma mudança
no hálito dos passantes. Nenhuma nova freguesia entre ambulantes, ou nova dieta
servida aos porcos devotos ainda das mesmas pérolas da república. Como podem esperar
de mim que me ponha a narrar peripécias sexuais da corte. Tifosos e trombetas não
iam preferir umas alegorias mominas, daquelas que escancaram a caixa de pandora
da anarquia?
CORDÃO DOS TROMBETAS
Em meio ao
trancelim a orgia se esbalda! Queremos que desça ao centro do salão a rainha do
pagode!! E que ela mame, mame, mame!!!
TIFOSOS
(lambendo os beiços) ZACA!!! ZACASTRÁS!!!
TRACA-TRACA A RIMBOMBA!
SULAMITA
Isso, meus
meninos! Assim Mami Sulamita se anima, já começo a fazer gosto em ser a rainha de
vocês…
TÁBUAS RELAXADAS DA FOLIA
• A
CABEÇA MORDIDA MAIS PRÓXIMA
Dom Próximus
Sextante vinha pela calçada farolando alegramente:
Così, tutto bene…
Andaimo ala Trattoria…
a Xésare lo que xé
di Xéééé… zare
Reza
a lenda que César gritava à noite perambulando pelo quintal: Onde está o que dizem ser meu! Onde está o que
dizem ser meu!
Sua
mulher Augusta disse à filha: Não repares,
Papai hoje bebeu…
Augusta
mirava pela janela, e arfafa o busto… preocupada, entristecida, disse à sua filha:
Não repares, Pompília, teu pai turbado qual
um Pissopata bebeu, por causa duma puta turca, a Clopata…
De
longe se nota que César tinha ao menos essa parecença com o Bretão Andriático, a
língua bem presa quando se trata de qualquer outro idioma. Daí as leis que ninguém
entendia.
E
o ostracismo de Delico e Cirico condenados a comer calamares em Palermo…
E
as baionetas aturdidas com tantas espadas perdidas.
Não
só espadas, mas também empadas perdidas…
As
empadas eram apenas aludidas…
Mal
eram aludidas… e já foram devoradas…
Por
caprichosas dentadas que delas fizeram a espada de Dámocles moderna.
Dámocles,
para o banquete seguinte, veio com elmo prussiano, que tem o pequeno para-raios
no topo.
Pôs
o elmo na mesa, de boca para cima, e exigiu que em sua taça improvisada fosse servido
o melhor ponche da região… somente ébrio ele alcançava o equilíbrio que lhe tornou
o mais famoso dos reis.
Com
sua ponta para-raios, o elmo ficou plantado na mesa, pregado com um murro de Dámocles…
não houve jeito de tirá-lo… Dámocles teve de alçar a mesa, para que o vinho vertesse
do elmo à sua boca… e depois levou a mesa suspensa na cabeça até o carpinteiro mais
próximo.
• CAIPIROSKA
LENDÁRIA
Minha serra
da Boa Esperança, meu trenzinho caipira, a fumaça do trenzinho é do charuto puro
Exu de Nestor Viralobos… Viralobos s’escondeu uma noite em Corumbá com o pajé que
empalhava curiós e sabiás. Nestor fez de uma vareta mágica sua varinha orquestral,
e dela começaram a saltar todos os bichos da floresta. Sempre que indagado o pajé
dizia não se lembrar de nada daquilo. Talvez Viralobos lhe tenha dito: Se contares para alguém que tenho vareta mágica,
te enfio o charuto Exu aceso no cu. O pajé aposentou-se com fraudulento alzheimer,
porém com o cu preservado, que passou a divagar em tonitruantes sons sobre os efeitos
da magia sonora. E assim, tornou-se o pajé um genial pioneiro, em toda a América
Latina, da música eletrônica.
• DISSABORES
DA REPÚBLICA
A noite começa quando você chega…
(E
ela – a República – sorrindo respondeu: O
meu coração já era teu, e rebolou uma feroz lambada no Bar Fossa… Deus sempre
está do lado dos Grandes Bestalhões.)
O eunuco Jeovários,
secretamente ansiando por misterioso milagre, rogou à sua ama que lhe desse o lenço
fungado ora purificado, sem lhe contar que dele aprontaria uma tanga que, por piedade
divina, lhe trouxesse de volta, imaculados, os seus saudosos bagos perdidos.
Os
bagos se foram, a mala de viagem foi encontrada vazia no banheiro da rodoviária.
Já ninguém arrisca palpite sobre o miolo da tanga do eunuco.
A
tanga de Jeovários está carregada de ondas hertzianas… O jornaleiro perneta foi
utilizar o mijatório e caiu fulminado. A polícia isolou o banheiro e chamou Doutor
Pilatos para vir examinar.
Pilatos
olhou por tudo quanto é lado, sem encontrar o ninho das ondas. Mandou buscar seus
óleos reveladores e os espalhou pela casa inteira, sem esquecer a ferrugem dos grifos
e os buracos onde se escondem as baratas. De um modo ou de outro, Pilatos triunfaria
– como era de seu talante – sobre o enigma do morto perneta.
Terminada
a ação… Pilatos lavou as mãos com o sabonete italiano Avanti, o preferido do Rei
Alberto, e sussurrou para o Estafeta: E agora,
meu bom rapaz, traga-me a Salomé… E o Estafeta respondeu sorrindo: Tio dela era o Herodes…
Albertinho
Piemontana tanto se deu bem com a linha italiana de beleza, o sabonete em especial,
que tratou de vasculhar a memória e dali extrair umas frases latinas: Ah come mi piacciono le onde che il sapone fa
sulla mia pelle, schiuma, schiuma, schiuma, questo sapone è la mia feccia. E
após dois cascudos na careca do Estafeta voltou a exigir: Porta la ragazza vera a me.
Estafeta
foi buscar a Salomé em um saco. Entra no saco,
boneca, não temos tempo a perder… vou te levar para o Rei de Zanzibar… Salomé
estala os dedos, aparece o Eunuco Gigante… Salomé dá uma reboladinha e diz: Bolias, corta a cabeça desse rapaz e bota na
bandeja, que já vai chegando a hora de eu dançar para Herodes…
A
bandeja esperneava dizendo que havia sido outro o trato, outra a cabeça e com recheio
de frutinhas sazonais, daí a espera pela estação benfazeja. Porém os tratos rasparam
os pelos do corpo inteiro e já não havia quem os traduzisse em confiança.
Aproveitando
tais hesitações, o Estafeta se escafedeu e trouxe uma sibilina mensagem para o Pilatos:
esadof, ues otup onroc. Doutor Pilatos
pigarreou e mandou o Estafeta Aspirino prestíssimo trazer a Bruxa Airuxula (nariguda,
mas gostosa) para deschifrar a xarada talvez de Creta que estava escrita com tinta
rosa no rótulo de uma ânfora de vinho falerno (ou de Palermo).
É mais fácil tirar o chifre do
macaco, do que aparar seu rabo irrequieto – sabotou a conversa a intrometida piranha do Bar Fossa.
Mas macaco não tem chifre – retrucou o experiente ornitorrinco, em uma
mesa de canto.
Pois bem – explicou a piranha –, por isto mesmo. Em Creta, com tinta rosa, são
pintados os primeiros sorrisos de todos os bebês. Quando crescem eles então decidem
se era mesmo riso ou choro satírico. Talvez por isto o surrealismo na Grécia seja
o mais rico em todo o planeta.
Na
Grécia sim, mas, sobretudo, em Creta. O Príncipe Minotauro estimula o comércio,
a marinha de cabotagem, as artes circenses, dramáticas e plásticas.
E
as crianças nascem já com 20 anos. Porém com o direito de escolher, muito em breve,
a idade que querem ter.
Direito
a escolher a idade e o sexo.
Mas
não espalhem, caso contrário serão banidos da escola todos os poetas surrealistas.
Precisamos manter a maior discrição de nossa identidade, como o fazem, com astúcia
divina, os deuses gregos.
• A
CORTE DAS CARTAS MARCADAS
Anúbis, o
meirinho da Corte das Corujas, disse que três vezes o gado de ouro pastaria em suas
terras até que os mendigos do mundo se reunissem em torno de um último banquete.
No quartinho dos fundos da mansão onde as corujas deliberavam o passado da humanidade
Anúbis guardava em suas paredes a história daquela matança.
Para
o banquete dos mendigos, porém, Anúbis, sábio e prudente, exibiu uma lata de biscoitos
que traziam sua imagem de perfil e asas abertas. E para beber, centenas de garrafas
de água do Nilo… Os mendigos, no entanto, não ficaram satisfeitos…
Queremos carne! Queremos carne!
Anúbis
soltou um belíssimo assovio e acorreram centenas de crocodilos que devoraram todos
os mendigos. O sumo-sacerdote Corjova, após as genuflexões de praxe, pleno de místico
respeito, murmurou:
Belíssima parábola mímica, Santo
Anúbis… Perfeita sinergia nas mordidas dos crocodilos!… E qual seria a sua santa
mensagem?
Anúbis
palitou com elegância o bico com a unha e revelou:
A ação sublime precede sua própria
razão de ser.
Soube-se
depois que Corjova foi excomungado por práticas sodomitas, denunciado por um dos
pajens que se recusou a ter tatuado na nádega direita o perfil de um crocodilo.
Anúbis já velhinho, recordando os bons tempos em que atuava como meirinho na Corte
das Corujas, ainda bebia a sua preferida, a água do Nilo, e lamentava que os mendigos
tenham dado à própria fome um perfil político. O evento acabou convertendo a luta
de classes em luta de raças.
• SÚBITA
CHEGADA A LUGAR NENHUM
O rolinho
pródigo já está conosco, a caravana já deu água aos camelos e preparou os relâmpagos
para as noites de Cabíria e Montenegro.
Deus
Íbis já deu os rodopios rituais, de roleta do Egypto… Há uns hieróglifos distribuídos
em círculo, à volta de Íbis, quando ele cair em transe, seu bico mostrará o número
vencedor. À sua volta, os Sacerdotes Corujas fazem suas apostas.
Os
desertos se prontificam a aceitar o resultado, seja ele qual for. Os desertos são
as sombras bem pastadas de tudo quanto nos falta. Anja, uma ingrata cameleira, coxa
desde a infância, ao cair do primeiro camelo, que lhe pisou o pé, acrescentou ao
sacolão dos hieróglifos três cópias do número três, assim aumentando as possibilidades
do transe do deus Íbis nos levar ao Terceiro Deserto de Aruamba, onde o tempo agigantou
a lenda de que ali dorme um anão com três metros de altura.
*****
EDIÇÃO COMEMORATIVA | CENTENÁRIO DO SURREALISMO
1919-2019
Artista
convidado: Víctor Chab (Argentina, 1930)
Agulha
Revista de Cultura
20 ANOS O MUNDO CONOSCO
Número
148 | Dezembro de 2019
editor
geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor
assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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& design | FLORIANO MARTINS
revisão
de textos & difusão | FLORIANO MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
ARC
Edições © 2019
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