FF: Sim, infelizmente nasci aqui. Até parecia
que as coisas andavam bem. Não se escolhe onde se nasce. A chegada é um terrível
nonsense, inexplicável como a gente vem
parar em determinados lugares e épocas, nunca se escolhe. Sorte hoje de quem nasceu
em pais do dito primeiro mundo que consegue fazer filmes facilmente, escrever e
publicar livros, e qualquer asneira que diz tem caráter de validade universal. Aqui
no Brasil onde queimam e ardem as florestas, faz justiça a seu braseiro, seu nome,
brasa tudo, vai virar um cinzeiro. Tudo parece sombrio, sem futuro, nesse momento
cinzento. Tudo é difícil aqui, há uma pobreza imensa fundacional, séculos de saques
e sacanagens pelos colonialistas. Lá fora ninguém lê nada produzido por brasileiros,
alguns filmes até os europeus mais cultos chegam a ver, tudo que se produz aqui
é desprestigiado. É só futebol e música.
TG: Quais artistas você sofreu influencias
em suas collages surrealistas? Em meu caso, com relação ao cinema, fui influenciado
por Fellini, “não vou negar que Fellini é o meu deus absoluto, por causa de sua
visão suprarreal, alegórica e teatral. O mundo é um palco para Fellini e para mim
também. Com ele, aprendi a fazer metacinema, a me criticar e a mergulhar sem medo
na fantasia colorida e desenfreada. Eu me influenciei pelos enredos non sense e
demolidores de Luis Buñuel e as cenas grandiosas e épicas que não abdicam da densidade
psicológica nas histórias de Akira Kurosawa.” [2]
TG: “Atualmente, há uma brutalidade na standup
comedy que ataca alvos para alimentar o ódio do público sem recorrer à ironia e
à inteligência. Hoje, só a trollagem e o deboche provocam gargalhadas. Além disso,
os grupos de pressão da mentalidade politicamente correta estão dando o tiro de
misericórdia no humor. O mesmo vale para esse movimento ridículo do #Metoo, que
envolve feministas no combate ao assédio sexual. Ora, a gente costumava antigamente
fazer um humor que brincava com os estereótipos das comunidades de imigrantes, com
os defeitos físicos tanto dos pobres como dos nobres. Não poupávamos ninguém porque
fazer humor é promover a crítica dos costumes. Acreditávamos que provocar o riso
poderia mudar o mundo para melhor. Hoje os cômicos só querem destruir tudo o que
abordam. Se Monthy Python tivesse começado a carreira hoje, simplesmente não encontraria
espaço, pois seria censurado” [3] Como
você vê esse cenário?
FF: Sim, não encontrariam espaço, pois seriam censurados. Eu seria um que não iria ver. Só tinha sentido naquele momento. Sinceramente não curto humor em cima de deficientes e pobres, acho uma pobreza de espirito total, falta semancol, entende?!
FF: Roubastes as palavras de minha boca,
até estou achando que você copiou um trecho grande do meu livro sobre collage. (risos).
Acho que meu sentido de não sentido se
agravou vendo Monthy Python (risos).
TG: como você sendo um arquiteto acabou
estudando e trabalhando a Collage?
FF: Quando estou trabalhando com collage,
estabeleço algumas figuras iniciais recortadas de revistas (plantas baixas, fachadas,
vistas), alguns fragmentos como ponto de partida que serão utilizados, e a partir
deles os outros fragmentos começam a se juntar ao acaso ou intencionalmente para
conformar a forma inicial, uma ideia ou até mesmo final. Gosto mesmo que, na medida
em que os fragmentos das figuras arquitetônicas vão se casando, elas mesmas sugerem
novas possibilidades formais do todo. É como se elas próprias pensassem por si.
Algo que o arquiteto acaba por surpreender-se positivamente ante a força do acaso,
do desenho, da collage. É evidente que o acaso desenvolve um papel importante dentro
da collage, e até mesmo do desenho. Mas, o desenho parece ser um procedimento mais
totalizador controlador e controlado do que trabalhar aleatoriamente com a collage.
Tal como você faz suas collages animadas, também utilizo revistas de fotocópias
de revistas de arquitetura para retirar as figuras. Recorto muitas figuras, tudo
o que acho que pode servir. Faço collages no âmbito de artes plásticas há mais de
40 anos. Atualmente desenvolvo trabalhos de criação musical, em workstation, de
música ambiente, new age e drum’bass, house baseados também no procedimento collage.
Entretanto, afora as aproximações de processo entre música e arquitetura, neste
caso como lawyers, loops, envelops, em nada transcrevo ou quase nada para o projeto.
FF. Concordo. O mundo não é como crê a maioria
das pessoas uma realidade rígida e válida para todos. Ele em si é tão plástico e
imaterial como o próprio tempo, variando com os indivíduos, com os povos, com as
épocas, e principalmente com os pontos de vistas. Não existe um mundo objetivo e
autônomo do ser humano. Existem diferentes maneiras de perceber e compreender esse
espaço ‘bruto’, lá fora, sem significação, a espera de minha chegada. Por exemplo,
desse mesmo espaço podemos produzir as mais diversas representações como a do pintor,
do arquiteto, do fotógrafo, do engenheiro, do médico etc. Mas certamente, a somatória
deles nunca retratará a experiência de cada um, apenas ampliará seus sentidos, mostrando
a existência de diversos pontos de vista. Eu compartilho contigo esse mesmo nonsense da vida, da loucura da existência
e seu aprisionamento.
NOTAS
1. Fragmentos
retirados e adulterados de uma entrevista de Terry Gilliam a Luis Antonio Giron.
Revista Isto é. Edição 20.06.2019. n.
2582. Luis Antonio Giron. https://istoe.com.br/a-politica-acabou-com-o-humor/.
2. Idem.
3. Idem.
*****
Agulha Revista de Cultura
UMA AGULHA NA MESA O MUNDO NO PRATO
Número 199 | dezembro de 2021
Artista convidada: Ithell Colquhoun (Índia, 1906-1988)
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