Seamus Justin Heaney (Londonderry,
1939-Dublin, 2013) nasceu em Mossbaum, fazenda de vinte hectáreas localizada em
Tamniaran, na Irlanda do Norte. O avô era produtor rural, o pai comerciante de gado
e a mãe, era a silenciosa mãe de nove filhos que quando solteira trabalhara com
a irmã no moinho de linho local. Em 1953, a família muda-se para a vizinha Bellaghy,
a fortaleza nacionalista, lar dos grevistas de fome do IRA e do líder do grupo paramilitar
INLA. Local onde os cartazes eleitorais do Sinn Féin defendendo a unidade irlandesa
adornam os postes de luz.
Que a linhagem de Heaney ascendesse pelo lado paterno à Irlanda pastoril
e pelo materno ao Ulster da revolução industrial acrescentou, de acordo com ele
próprio, mais um elemento de tensão a uma formação marcada por divisões –católica
e protestante, nacionalista e sindicalista, Sul e Norte, irlandesa e britânica,
gaélica e inglesa–. Assim, o poema Terminus, de 1987, ilustra a unificação irlandesa
Era mais fácil carregar dois
baldes do que um
e eu cresci no meio
Heaney estuda Língua e Literatura
inglesa na Queen's University, em Belfast. A leitura de Lupercal, de Ted Hughes,
o leva a interessar-se por poesia. Uma vez formado, estagia na escola secundária
St Thomas, cujo diretor é o escritor Michael Laverty. McLaverty o introduz à poesia
regional irlandesa, em especial a de Patrick Kavanagh. Nela, Heaney encontra a sensação
de pertencimento, o sense of place, que nutriria as raízes da sua própria poesia.
Integra, com os poetas James Simmons, Michael Longley e, mais tarde,
Paul Muldoom, o “Grupo de Belfast”, reunido em torno do crítico inglês Philip Hobsbaum.
Em agosto de 1965 Heaney esposa Marie Devlin, uma professora natural
de Ardboe e em novembro a plaquette Eleven Poems é impressa para o Belfast Poetry
Festival, organizado por Hobsbaum. Seus versos dos anos 60 trazem a paisagem campestre
e paroquial, com suas várzeas terrosas e turfeiras ao redor do lago Beg onde Patrício,
o santo padroeiro irlandês, jejuou.
ANAHORISH
My “place of clear water,”
the first hill in the world
where springs washed
into the shiny grass
and darkened cobbles
in the bed of the lane.
Anahorish, soft gradient
of consonant, vowel-meadow,
after-image of lamps
swung through the yards
on winter evenings.
With pails and barrows
those mound-dwellers
go waist-deep in mist
to break the light ice
at wells and dunghills.
ANAHORISH
Meu “lugar de água clara”
primeira colina do mundo
onde as fontes escorriam
pela relva brilhante
e enegreciam os seixos
no leito da alameda
Anahorish, gradiente suave
de consoante, vogal campestre
imagem atrás dos lampiões
balançando pelos quintais
nas noites de inverno
Com baldes e carros de mão
os moradores da colina
a neblina pela cintura
vão quebrar o gelo fino
de poços e esterqueiras
Os cenários da terra natal
regridem a uma busca pelos mitos e histórias que contribuíram para moldar a identidade
e a situação política na Irlanda do Norte. Sua voz emula em graus diversos o classicismo
de Yeats e o cosmopolitismo urbano de Joyce, diluindo-os na musicalidade aliterativa
do padre Hopkins e na cultura nativa de Kavanagh. A gravidade do seu tom –no sentido
de atração– aumenta enquanto contrasta com o pesado silêncio das pessoas e cenas
que descreve.
PERSONAL HELICON
for
Michael Longley
As a child, they could not keep me from wells
And old pumps with buckets and windlasses.
I loved the dark drop, the trapped sky, the smells
Of waterweed, fungus and dank moss.
One, in a brickyard, with a rotted board top.
I savoured the rich crash when a bucket
Plummeted down at the end of a rope.
So deep you saw no reflection in it.
A shallow one under a dry stone ditch
Fructified like any aquarium.
When you dragged out long roots from the soft mulch
A white face hovered over the bottom.
Others had echoes, gave back your own call
With a clean new music in it. And one
Was scaresome, for there, out of ferns and tall
Foxgloves, a rat slapped across my reflection.
Now, to pry into roots, to finger slime,
To stare, big-eyed Narcissus, into some spring
Is beneath all adult dignity. I rhyme
To see myself, to set the darkness echoing
HÉLICON PESSOAL
para Michael Longley
Criança, ninguém me afastava
dos poços
das velhas bombas, seus baldes
e polias
Adorava o tombo escuro, o
céu no fosso
o cheiro de alga, musgo molhado
e fungo
No com tampa podre da olaria
eu desfrutava o baque quando
o balde
caía a pino no fim da corda
tão fundo
que o reflexo não se via
O outro, mais raso, na pedra
seca do valo
germinava como um aquário
Quando arrancavas as longas
raízes do barro
um rosto branco flutuando
surgia
E os com eco, onde a voz ressoa
mais nova, com uma límpida
melodia
E o temido, se entre os ramos
de campainha
e samambaias um rato pisoteava
o meu reflexo
Agora, vasculhar nas raízes,
manusear o limo,
fixar um olho enorme de Narciso
na fonte
supera qualquer dignidade
adulta. Rimo
para me ver, para que a escuridão
ecoe.
A leitura de Heaney provoca
uma sensação ambivalente. Sua poesia respira o passado e renova a tradição ao tempo
em que contamina o próprio legado. Pois, nada remotamente novo será criado a partir
de um universo cuja originalidade é irredutível a qualquer tipo de incorporação.
Quem se coloca ao alcance da sua influência corre o risco de virar um simulacro
de autor ou uma caricatura de poeta. Senão, de que forma a geração seguinte absorveria
a leitura de um poema como Morte de um Naturalista ou Colheita de Amoras? Há respostas
em Paul Muldoom, mas não muitas.
Seu primeiro livro, intitulado
Morte de um Naturalista, obtém reconhecimento imediato. Heaney passa a fazer audições
para a bbc e a publicar artigos no The Listener e no New Statement.
DEATH OF A NATURALIST
All year the flax-dam festered in the heart
Of the townland; green and heavy headed
Flax had rotted there, weighted down by huge sods.
Daily it sweltered in the punishing sun.
Bubbles gargled delicately, bluebottles
Wove a strong gauze of sound around the smell.
There were dragonflies, spotted butterflies,
But best of all was the warm thick slobber
Of frogspawn that grew like clotted water In the shade
of the banks.
Here, every spring I would fill jampotfuls of the jellied
Specks to range on window sills at home,
On shelves at school, and wait and watch until
The fattening dots burst, into nimble
Swimming tadpoles. Miss Walls would tell us how
The daddy frog was called a bullfrog
And how he croaked and how the mammy frog
Laid hundreds of little eggs and this was Frogspawn.
You could tell the weather by frogs too
For they were yellow in the sun and brown
In rain.
Then one hot day when fields were rank
With cowdung in the grass the angry frogs
Invaded the flax-dam; I ducked through hedges
To a coarse croaking that I had not heard
Before. The air was thick with a bass chorus.
Right down the dam gross bellied frogs were cocked
On sods; their loose necks pulsed like sails.
Some hopped: The slap and plop were obscene threats. Some
sat
Poised like mud grenades, their blunt heads farting.
I sickened, turned, and ran. The great slime kings
Were gathered there for vengeance and I knew
That if I dipped my hand the spawn would clutch it.
MORTE DE UM NATURALISTA
O linho supurava dentro do
fosso no coração da aldeia
o ano inteiro, verde e com
a cabeça pesada
o linho apodrecia debaixo
de enormes torrões
e a cada dia sufocava sob
o castigo do sol
Bolhas gorgolavam delicadamente,
varejeiras
teciam uma grossa gaze zunindo
ao redor do bolor
E libélulas, borboletas estampadas
também
Mas o melhor de tudo era essa
baba quente e densa
das ovas de rã que crescia
na sombra das margens
como água coagulada. Aqui,
a cada nova primavera
eu encheria potes de marmelada
com essa gelatina
embolotada para exibir na
janela de casa
nas estantes do colégio e
esperaria e cuidaria
até que os pontinhos engordassem
estourando em ágeis
girinos nadadores. A professora
nos explicava
que o sapo pai se chamava
sapo-boi
e que ele coaxava e como a
sapa mãe
punha centenas de pequenas
ovas e essas eram
a baba de sapo. Era também
possível prever o tempo pelos sapos
pois, ficavam amarelos ao
sol e marrons
na chuva.
Então, um mormacento dia quando
o pasto
no campo fedia a esterco de
gado, sapos irados
invadiram o coradouro de linho;
e eu me esgueirei pelas sebes
através de um coaxar bruto
que nunca ouvira
antes. O ar mais denso por
aquele coro grave.
No fosso, sobre os torrões,
sapos barrigudos entufados;
os papos macios pulsando como
pano de vela. Alguns
saltavam e o som dos mergulhos
eram ameaças obscenas. Outros
pareciam granadas de barro,
com suas calvas cabeças, peidando.
Me senti enjoado, dei a volta
e fugi. Os enormes reis babões
estavam ali reunidos por vingança
e eu soube
que se mergulhasse a mão a
baba me agarraria.
Heaney afirmou ter aprendido
que a sua experiência local em County Derry, considerada arcaica e irrelevante para
o mundo moderno, merecia confiança. E que sua poesia dali poderia nutrir-se.
Dos seus conterrâneos retira
o apoio necessário para expressar-se.
BLACKBERRY-PICKING
for Philip Hobsbaum
Late August, given heavy rain and sun
For a full week, the blackberries would ripen.
At first, just one, a glossy purple clot
Among others, red, green, hard as a knot.
You ate that first one and its flesh was sweet
Like thickened wine: summer’s blood was in it
Leaving stains upon the tongue and lust for Picking.
Then red ones inked up and that hunger
Sent us out with milk cans, pea tins, jam-pots
Where briars scratched and wet grass bleached our boots.
Round hayfields, cornfields and potato-drills
We trekked and picked until the cans were full,
Until the tinkling bottom had been covered
With green ones, and on top big dark blobs burned
Like a plate of eyes. Our hands were peppered
With thorn pricks, our palms sticky as Bluebeard’s.
We hoarded the fresh berries in the byre.
But when the bath was filled we found a fur,
A rat-grey fungus, glutting on our cache.
The juice was stinking too. Once off the bush
The fruit fermented, the sweet flesh would turn sour.
I always felt like crying. It wasn’t fair
That all the lovely canfuls smelt of rot.
Each year I hoped they’d keep, knew they would not.
COLHEITAS DE AMORAS
para Philip Hobsbaum
Final de
agosto, uma semana de chuvarada
e sol, amadureciam
as amoras
Surgia uma,
a primeira: coágulo brilhante e púrpura
entre rubras,
verdes, duras como um nó
A comias e a polpa era doce como vinho
espesso: havia nela o sangue do verão
manchando
a língua, despertando a ânsia de colher
As rubras se tingiam mais
e a gana era de correr
com tarros de leite, latas
de ervilha, potes de marmelada
onde as amoreiras espinhavam
e o pasto molhado branqueava nossas botas
Nos campos de feno e milho
e pelos cultivos de batatas
recolhíamos os frutos até
a borda dos tarros
até que o fundo tilintante
estivesse coberto
de amoras verdes enquanto
por cima ardiam grandes gotas escuras
como uma travessa com olhos.
Nossas mãos machucadas
pelos espinhos, as palmas
pegajosas como as do Barba Azul
Armazenávamos as amoras frescas
no estábulo
Mas quando o tanque enchia,
um aveludado
fungo gris cor de rato devorava
nossa recolta
Também o suco fedia. Longe
da amoreira
o fruto fermentava, a polpa
doce azedava
Sentia as lágrimas vindo.
Era injusto
que essas delícias cheirassem
a podre
Cada ano esperava que durassem,
sabia que não.
Porém, nem tudo foi incontroverso
na meteórica ascensão do poeta de Bellaghy. Em 1971, a repressão militar ao movimento
católico de direitos civis na Irlanda do Norte levou à ocupação de Derry e Belfast.
Mais de 1600 pessoas são enviadas a campos de detenção sem julgamento. Em 30 de
janeiro de 1972, soldados do regimento de paraquedistas britânico abriram fogo contra
manifestantes desarmados em Bogside, no chamado “Domingo Sangrento”. Convocado a
manifestar-se, Heaney reage com ambiguidade. Por um lado, reluta assumir a posição
de porta-voz da própria causa, por outro, defende o direito do poeta ser uma figura
privada e apolítica. Com uma filha recém-nascida, abandona Belfast e seu cargo na
Queen's University para viver em uma pequena casa junto ao mar, ao sul de Dublin.
Por sua diáspora doméstica foi duramente criticado. Na praia de Glanmore, dedica-se
à tradução de Buile Suibhne, poema medieval irlandês sobre um rei celta que vaga
desterrado na forma de um pássaro. Há na saga uma clara alusão à sua própria situação.
Sweeney, o rei celta, fora amaldiçoado por um padre católico.
O que Heaney busca ao partir
não é fugir das circunstâncias, mas encontrar um meio para responder a elas através
da poesia. E essa é a razão pela qual North (Norte), de 1975, se torna um livro
central na construção da sua identidade como poeta político e como figura pública.
A descoberta arqueológica de corpos da Idade do Ferro em turfeiras da Dinamarca
e da Irlanda o inspira a criar a série conhecida por bog poems (os poemas da turfa
ou do pântano) onde associa as múmias das vítimas sacrificadas à deusa da fertilidade
com as vítimas dos conflitos entre Reino Unido e Irlanda do Norte.
BOGLAND
for
T. P. Flanagan
We have no prairies
To slice a big sun at evening
Everywhere the eye concedes to
Encrouching horizon,
Is wooed into the cyclops’ eye
Of a tarn. Our unfenced country
Is bog that keeps crusting
Between the sights of the sun.
They’ve taken the skeleton
Of the Great Irish Elk
Out of the peat, set it up
An astounding crate full of air.
Butter sunk under
More than a hundred years
Was recovered salty and white.
The ground itself is kind, black butter
Melting and opening underfoot,
Missing its last definition
By millions of years.
They’ll never dig coal here,
Only the waterlogged trunks
Of great firs, soft as pulp.
Our pioneers keep striking
Inwards and downwards,
Every layer they strip
Seems camped on before.
The bogholes might be Atlantic seepage.
The wet centre is bottomless.
PÂNTANO
para T. P. Flanagan
Não temos planícies
que ao poente cortem um sol
imenso
Por toda parte o olhar cede
ao horizonte invasor
atraído pelo olho de ciclope
de um açude. Nosso campo aberto
é um pântano de crostas
entre as vistas do sol
Retiraram a ossada
do Grande Alce irlandês
fora da turfa, em um colossal
engradado cheio de ar
Manteiga enterrada
por mais de cem anos
foi resgatada, salgada e branca
O chão em si é bom, manteiga
negra
Dissolto, se abre embaixo
dos pés
perdendo sua definição final
por milhões de anos
Carvão algum se extrai daqui
apenas os troncos alagados
dos grandes abetos, macios
como polpa
Nossos pioneiros pressionam
para dentro e para baixo,
Cada camada desenterrada
parece assentada na anterior.
Os sumidouros seriam infiltração
atlântica
O centro molhado é sem fundo.
Sobre o contundente êxito
desses poemas, o inglês Ciaran Carson avalia que
os poemas do pântano transformaram
Heaney no laureado da violência – um criador de mitos, um antropólogo do assassinato
ritual, do mundo de portais megalíticos e da charmosa e nobre barbárie.
Não que esse mergulho interior
revele um novo recuo do seu ativismo a uma posição desengajada. A escolha é mais
refinada. Sua inteligência e cautela faz com que retrate as mais violentas cenas
de assassinatos, a evocação a linchamentos de conhecidos e bombardeios sem juízo
de valor ou a busca de um sentido ou defesa nacionalista.
At Toomebridge, do livro Eletric Light, de 2002, é um exemplo do
cuidado com que Seamus Heaney trata um enforcamento. O uso da tensão tribal para
esboçar o universo emocional e dar voz aos envolvidos é intensificado pela encantadora
tensão lírica.
AT TOOMEBRIDGE
Where the flat water
Came pouring over the weir out of Lough Neagh
As if it had reached an edge of the flat earth
And fallen shining to the continuous
Present of the Bann.
Where the checkpoint used to be.
Where the rebel boy was hanged in ‘98.
Where negative ions in the open air
Are poetry to me. As once before
The slime and silver of the fattened eel.
EM TOOMEBRIDGE
Onde a água lisa
transbordava a taipa do lago
Neagh
como se tivesse chegado na
margem da terra plana
e caísse brilhando no contínuo
presente de Bann.
Onde havia um o posto de controle
Onde em 98 foi enforcado o
jovem rebelde
Onde os íons negativos ao
ar aberto
são poesia para mim. Como
aquela vez
o lodo e a prata da enguia
cevada
Engana-se, porém, quem pensa
que sua poesia é mais política pelo que diz do que pela forma como diz. Sua intervenção
é feita esteticamente, através de regionalismos, dialetos e da sonoridade da fala
periférica que resiste ao centro linguístico dominante. O idioma de Heaney, composto
das vogais femininas da pronúncia irlandesa com as consoantes masculinas do inglês
é um eficaz instrumento de subversão. São raros os exemplos de poesia política que
desprezam a mensagem em favor do sentido estético e mesmo assim conseguem transmiti-la.
O gesto requer uma autonomia e uma liberdade que não se encontram nas pautas determinadas
pela propaganda ideológica e as prioridades partidárias. Requer solidão e coragem.
Sobram exemplos estéreis nas
vozes reféns dos lugares de fala e nos autoproclamados representantes de minorias
identitárias. Que o impulso político e o poético tenham a mesma origem com vetores
opostos -aquele para fora, este para dentro- não se discute. Mesmo em Brecht, ou
especialmente nele, o poema social nasce com impulso lírico e não desde uma imposição
programática. Em Heaney não é diferente. Mesmo quando seu poema é só o que se propõe
ser: um poema.
THE DISAPPEARING ISLAND
Once we presumed to found ourselves for good
Between the blue hills and those sandless shores
Where we spent our desperate night in prayer and vigil,
Once we had gathered driftwood, made a hearth
And hung our cauldron like a firmament,
The island broke beneath us like a wave.
The land sustaining us seemed to hold firm
Only when we embraved it in extremis.
All I believe that happened there was a vision.
A ILHA DESAPARECIDA
Nem bem presumimos ter-nos
encontrado para sempre
entre as colinas azuis e aquelas
praias sem areia
onde passamos nossa noite
desesperada em prece e vigília
Nem bem juntamos madeira flutuante, fizemos fogo
e penduramos nosso caldeirão como um firmamento
A ilha desfez-se embaixo de nós como uma onda
A terra que nos mantinha parecia
firme
Somente quando a exortamos
in extremis
tudo o que creio ter acontecido
ali foi uma visão
No seu auge, os livros de
Seamus Heaney representaram dois terços das vendas entre os poetas vivos no Reino
Unido. Apesar do sucesso, a recepção na Inglaterra nunca foi totalmente pacífica.
Com certa acidez, mas com o brilho característico, Terry Eagleton analisa para o
The Guardian o paradoxo -desde sua perspectiva londrina- de Heaney ser um poeta
irlandês nacionalista traduzindo para o inglês o épico escrito em anglo-saxão, Beowulf.
O “intelecto
dividido” na Irlanda não é de fato aquele que vê as culturas irlandesa e britânica
como rigidamente adversárias. Ao contrário, é aquele que os vê intimamente entrelaçados.
É o sindicalismo liberal, não o nacionalismo, que sustenta uma unidade das culturas
irlandesa e britânica para racionalizar o domínio britânico de parte da ilha. O
hibridismo cultural está aqui a serviço da divisão política. Heaney geralmente falha
em perceber isso, atento como ele está em sua própria liberação espiritual. Mesmo
assim, foi essa revelação que o fez ver Beowulf como parte de seu próprio “direito
à voz”, e reconhecer como um adolescente tardio politicamente lesado que ele nasceu
da sua linguagem da mesma forma que a linguagem de Beowulf renasceu através dele.
Traduzir o poema é, portanto, a reversão final e triunfante de sua expropriação
cultural. Assim como a mais “autêntica” das obras de arte também é profundamente
estranha –não temos ideia de quem a escreveu, ou exatamente quando ou onde– então
o próprio idioma de Heaney pode ser visto como “distorcido” para o inglês metropolitano
e de algum modo mais próximo da medula da língua.
Apesar dos razoáveis argumentos
de Eagleton, Seamus Heaney recusa a láurea de poeta do Reino Unido. O irlandês alega
que seu ponto de partida cultural está fora do centro. Recusa-se também a ser incluído
no The Penguin Book of Contemporary British Poetry. De 1976 até sua morte em 2013,
vive em Sandymount, Dublin. Por diversas temporadas, lecionou em Harvard, Oxford
e na América. Aclamado o maior poeta da Irlanda desde Yeats, foi reconhecido por
suas obras de beleza lírica e profundidade
ética.
Depois da queda no pátio de
um restaurante em Dublin, o poeta é internado para exames clínicos de rotina e falece
de repente na manhã seguinte. Está sepultado no Cemitério da Igreja de Santa Maria,
em Bellaghy. A lápide traz o epitáfio
Walk on air against your better judgement
THOMAZ ALBORNOZ NEVES (Brasil, 1963). É advogado, cineasta, tradutor, ensaísta e poeta. Ao longo de quase quarenta anos, tornou-se um dos mais ativos tradutores de poesia contemporânea para o português. Viveu na Itália, França e Espanha durante seus anos de formação. Fixou-se então no Rio de Janeiro, no norte do Uruguai e finalmente em Livramento. Publicou vários livros, entre eles Renée (1987), Poemas (1990), Golfe (2012), À espera de um igual (2020), Oriente (2021) e 24 verbetes (2022).
MIREYA BAGLIETTO (Argentina, 1936). Artista, ceramista, pintora, escultora e investigadora, creadora del Arte Núbico. De formación casi autodidacta, es considerada una artista atípica dentro del escenario de las artes visuales de su país. Ha realizado numerosas exposiciones, muchas de ellas a nivel internacional y ha sido reconocida con diversos premios por su trayectoria, incluyendo el premio Konex como una de las cinco figuras más importantes de la historia del arte cerámico argentino y el Gran premio de Honor del Salón Nacional de Artes Visuales. Durante su etapa de ceramista (1958-1978) creó el Taller para Estudios Cerámicos que lleva su nombre, donde se formaron numerosos ceramistas argentinos. A partir de 1985, cuando el Arte Núbico quedó establecido como una tendencia, desarrolló una vasta tarea de docencia tanto en su propio estudio como en diversos centros y universidades argentinas, trabajando sobre el despertar de la sensibilidad creativa en relación con la materia y el espacio atemporal.
Agulha Revista de Cultura
Número 248 | fevereiro de 2024
Artista convidado: Mireya Baglietto (Argentina, 1936)
editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2024
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