segunda-feira, 15 de julho de 2024

NICOLAU SAIÃO | Detrás da cortina: a contra-informação

 


A contra-ínformação consiste na arte de fazer do preto branco e do branco preto…e vice-versa

JACQUES BERGIER

 

Uma imaginação muito viva reduz tudo a uma brincadeira de crianças.

SIR CHARLES BELFRAGE

 

Subsídios para um conhecimento

Winston Churchill disse um dia, no decorrer dum debate parlamentar, que a política era a arte de através de conceitos acertados fazer previsões adequadas e, depois, conseguir explicar bem porque é que tudo falhou…

Pois bem. Em traços largos, a contra-informação é a “técnica artística” de justificar, explicar, esbater, transformar e melhorar os factos desse falhanço, levando a população, ou determinados sectores dela, a considerar que os acontecimentos, afinal, traziam dentro deles um confirmável sucesso possibilitado pelas qualidades de quem os pôs a correr, ou seja os seus fautores, em geral governantes ou operadores públicos de topo.

Antes de passarmos a considerar os vários continentes em que se exerce a contra-informação (laica, fideísta, oficial e oficiosa, departamental ou global, etc.) interessa definir os tipos sociais que a configuram: legítima ou ilegítima, governamental e particular (nos diversos ramos societários: científicos, desportivos, artísticos, económicos e industriais – uma vez que a partir dos princípios do século vinte a contra-informação se sofisticou, desenvolveu e plurifacetou, não só devido à expansão dos meios existentes como à criação de outros – jornais de grande tiragem, rádios com apelo nacional, cinema, televisão e, por último, o universo interactivo.

Em suma: os meios que possibilitam a manipulação quase instantânea do consciente e do inconsciente colectivo, que é o mundo para o qual a contra-informação aponta. Pois a contra-informação é antes de mais, nua e cruamente e como diria La Palisse, o contrário de informação. Informação, naturalmente cabal e exacta.

 Importa referir, desde já, que por vezes se confunde (deliberadamente ou não) contra-informação com propaganda ou, mesmo, com publicidade. (Um género específico e peculiar de publicidade, de ideias ou de meios para as atingir). Evidentemente que se em certos aspectos se interpenetram nalgumas franjas, são de índole totalmente diferente. No que respeita ao segundo íten isso deve-se ao facto de que a cimentação do marketing (ponto social de grande relevo) e de todas as técnicas (ou truques) que o acompanham, pode em certos casos servir para operações de fases da contra-informação. Mas isso são detalhes laterais que ao longo desta exposição ficarão, creio, aclarados.

Penso que deverei dizer, ainda, que o mundo da contra-informação – e refiro-me agora e somente à contra-informação oficial, classifiquemo-la desta maneira – assim como o da sua análise, do seu estudo, da sua frequentação enquanto matéria avaliada e que parte de uma realidade insofismável, é extenso, complexo e até extremamente apelativo.

Deixa-nos, depois de nele entrarmos para escrutiná-lo, uma sensação de que o espelho da existência está doravante mais iluminado, ainda que simultaneamente fique muito mais inquietante: sente-se mesmo, por vezes, uma sensação de medo, pois o contacto com os verdadeiros meandros pelos quais se move o poder e os seus áulicos, donos de nós todos porque donos das sociedades organizadas, pode ser assustador e durante alguns segundos pelo menos receia-se perder o pé. (Não era por acaso que nos regimes totalitários o cidadão vulgar não podia debruçar-se sobre o universo da contra-informação, sob pena de prisão no mínimo, dado que tais matérias eram secretas ou, no melhor dos casos, bastante reservadas por razões que será desnecessário salientar. Mesmo nas sociedades democráticas por extenso, ou tendencialmente democráticas como a lusitana, tais matérias não são bem-vindas à colação, uma vez que permitem divisar a abertura do jogo em que os dignitários se acobertam, elite que são e das mais privilegiadas).

Por outro lado, hoje é pacífico que nenhuma formação partidária ou de intervenção pública deixa de ter uma task force de contra-informação, mesmo pequena e ainda que muitas delas sejam simplesmente amadoras ou dependendo da chamada prata da casa com algumas leituras ou contactos, emergindo mais da frequentação eventual de acervos aparentemente conhecedores do que dum conhecimento sistematizado.

Finalmente, deverá salientar-se que se a contra-informação oficial fôr tratada pelos seus operadores de forma digna, democrática e cívica, poderá prestar altos serviços às nações onde estes se inserem. Mas infelizmente as classes dominantes com frequência entendem utilizá-la preferencialmente para trasfegarem os seus jogos de influência, quantas vezes sórdidos ou pouco transparentes, submetendo os cidadãos a verdadeiras lavagens ao cérebro, tratando-os como mentecaptos ou como primários – o que desenha perfeitamente a efígie com que, no entanto, aqueles tentam posicionar-se para a História.

 

A Contra-Informação na História – pequeno enquadramento

 

Eu nunca minto, a não ser que seja absolutamente necessário.

G.K. CHESTERTON

 

Quem não conhece a famosa cena da série televisiva “Missão Impossível” em que numa gravação é dito por uma voz anónima para o comandante da task force, depois da designação das tarefas a efectuar e antes da fita áudio se auto-destruir: “Se decidir aceitar a missão, Jim, tenha em conta que se algo correr mal o Secretário de Estado negará tudo”.

Isto é um dado proveniente duma das regras da contra-informação: lançar-se um véu sobre acções programadas, que evidentemente não existem. Cabe aos operacionais, através da escrita ou de outro meio similar, mostrar essa evidência (assim como, noutro plano menos amável, lhes cabe desmentir eficazmente conluios, actos ilegais, manigâncias e outras amenidades das entidades que devem “proteger”, servindo-lhes de anteparo racional).

Esclareço desde já que nenhum mal haveria nestas regras, nestes procedimentos – desde que o que estivesse em causa fosse uma actuação para defender a liberdade democrática e a civilização humanista. O campo da “struggle under cover”, ou na expressão lusa “luta nas sombras ” não é propriamente um relvado desportivo, mas sim um terreno vago, muitas vezes mal frequentado, onde se joga frequentemente o futuro de populações ou de conceitos e práticas existenciais.

Haja em vista, por exemplo, o belíssimo trabalho que as equipas de contra-informação desempenharam na luta contra o nazismo e outros totalitarismos, já defuntos ou entretanto emergidos, ou contra o crime organizado. A este propósito veja-se que até a Máfia possuía/possui grupos e palavras de ordem contra-informativas, que estabeleciam slogans e conceitos defensivos-manipulatórios de inegável êxito como o célebre “A Máfia não existe, é uma invenção dos jornais e da polícia” ou o actual “Já não actuam através de meios violentos”…


De uma maneira geral podemos considerar que (apesar de dum modo mais ou menos ingénuo ou titubeante a contra-informação existir há centenas de anos e ser usada por mentores religiosos, entidades reinantes ou chefes guerreiros) modernamente e duma forma consistente oficial e/ou estatal estabeleceu-se com eficácia e boa operacionalidade por volta de 1860 em França com Napoleão III e na Alemanha com o chanceler Bismarck (o criador do depois famoso “Fundo dos Répteis”, robusta verba secreta com que estipendiava publicistas venais, o que mais tarde seria norma bem assente em geral, clássica, em qualquer lado).

Até aí, uma vez que a propaganda era fundamentalmente de tipo pessoal, festejando em regra as capacidades do monarca ou do chefe (como em relação a Luís XIV ou ao general Boulanger), a contra-informação a ela ligada era apenas de tipo fragmentário, eventual e muitas vezes mais utilizada pelos membros da espionagem que pelos operadores especializados na sua retórica peculiar que em seguida se formariam e iriam ter uma função própria e bem determinada e que afinal só por ligeira osmose têm a ver com os agentes de “cloak and dagger”, ou seja “de capa e espada” na gíria do milieu.

Em vez de serem grandes possuidores de potentes atributos musculares e alta desenvoltura física, os operacionais da contra-informação dispõem sim de inegáveis qualidades intelectuais e de uma cultura razoável que lhes permita articular as denominadas “jogadas”, desta ou daquela índole, possibilitando-lhes dar seguimento eficiente às “manipulações” necessárias para determinados fins considerados satisfatórios ou imprescindíveis. Porque, se a contra-informação se norteia por regras e manejos muito próprios, também é fortemente fecundada, quando calha, por “ideias luminosas” deste ou aquele profissional (ou amador dotado…) como sucedeu no caso do célebre “envelope canadiano” com que um par de advogados ardilosos, operando nas faldas do Partido Republicano pré-nixoniano, num lance bem manobrado deram cabo num ápice duma candidatura dos rivais democráticos.

Eis como se explica que muitos operacionais da contra-informação sejam recrutados nos estabelecimentos de ensino, ou entre cultores e artistas da palavra, etc. Curiosamente, poucos provêm dos meios jornalísticos, sendo que é mais usual a esses especialistas efectuarem habilmente nesses meios as suas “plantações” através dos chamados “tiros ao lado”, “fontes localizadas e/ou bem informadas”, “observadores fidedignos” etc.

É voz corrente que autores de qualidade como Somerset Maugham, Ian Fleming, John Le Carré, etc. foram eficazes e competentes membros do sector da contra-informação no seu país natal.

Os exemplos poderiam aliás multiplicar-se vindos de outras nacionalidades.

 

2. A contra-informação nas suas obras vivas

 

Ninguém precisa dos mortos.

BRYAN FORBES

 

As acções de contra-informação exercem-se porque existe um público do outro lado que ou está atento aos acontecimentos nas diversas áreas societárias (políticos, económicos, científicos, fideístas) ou, não o estando ainda, é susceptível de disponibilidade uma vez para eles chamada a sua atenção mesmo que de forma especiosa, forjando-se um movimento de simpatia ou de recuo conforme as acções sejam activas ou reactivas.

Assim sendo, é necessário analisar-se argutamente esse público, perscrutando as suas características conformativas: grau cultural, preconceitos ou tendências, nível de exigência ética ou humana, capacidade de empenhamento etc.

Em seguida, estudar-se a forma de confeccionar um discurso apelativo, facilmente reconhecível para que haja uma boa adesão, moldável mas nunca integralmente falso ou desbocado (não deve nunca descer às injúrias, como é de uso estar a suceder nos tempos já interactivos modernos em fóruns ou espaços afins, aliás geralmente ineficazes ou sem qualidade), nem arvorar violências verbais desbragadas (que o público em geral não partilha ou de que não gosta). Esse discurso quase credível deve ser conformado ora por pequenas nuances, pequenos detalhes habilmente distorcidos mas partindo de bases reais, ora discretamente repetidos (técnica da lente de aumentar), ora vindos das razões do adversário, mas modificados e moldados como num reflexo (técnica da imagem no espelho ou da inversão).

Em toda este verdadeiro rol de situações específicas, os contra-informadores competentes nunca perdem de vista o contexto em que os factos estão integrados, o seu timing e a sua possível eficiência e operacionalidade. Muitas tiradas contra-informativas até usam aparecer em público travestidas de trechos analíticos cinéfilos, desportivos, de sociedade…

Basta lembrarmo-nos do que sucedia nos tempos da segunda guerra mundial, ou nos tempos da guerra fria, ou nos da actual détante ocidental vigiada de perto pelo fanatismo islâmico - e ficará feita a constatação.

Em suma: a contra-informação competente, sendo activa, cria um ambiente massivo favorável à eventual propaganda que se lhe segue, imediata ou mais espaçadamente (por vezes é necessário que certas ideias ou conceitos sedimentem suficientemente, para ficarem melhor incrustados nas cabeças dos alvos a manipular com intuitos salvíficos ou maléficos). Sendo reactiva, pode conseguir rasurar de forma capaz situações de risco propiciadas por dirigentes relapsos ou por dificuldades legítimas no mundo da confrontação entre estados.

Como corolário, conclua-se que existem bons e eficazes serviços de contra-informação (não estamos, obviamente, a referir-nos à sua bondade social, mas à sua qualidade operativa). Os da ICAR são um exemplo positivo, tanto mais que têm a vantagem de ser servidos pelas características e afinidades do seu público mapeável. Outros serviços mais ou menos exemplares: os britânicos, cuja experiência vivificada pela grande confrontação mundial contra os nazis e as forças de leste nunca se viu irrevogavelmente posta em cheque. Em certos campos, legitimamente, também os serviços americanos conseguem bons desempenhos, ainda que nos casos de Rosswell e dos montes Palomar, por exemplo, tenham ficado um bocado de calças na mão como sói dizer-se.

No que aos soviéticos respeitava, se em certos campos, principalmente da propaganda tout court, conseguiam resultados muito razoáveis, ajudados aliás pelos adeptos das suas doutrinas vivendo no Ocidente, a nível de contra-informação viam-se limitados pela retórica matraqueante dessa mesma doutrina, que internamente era algo ineficaz e pouco credível porque confrontada pelas realidades que os cidadãos viviam quotidianamente.

Nos países islâmicos a contra-informação é praticamente inexistente enquanto disciplina reservada, tendo sido substituída ou tendo sempre existido sob a feição de discurso intensivo feito a partir das doutrinas religiosas que os enformam.

Em conclusão: a contra-informação sempre foi um dado que explicava muito razoavelmente uma certa sociedade, uma certa maneira de viver, um certo continente existencial se observado com alguma penetração.

Nos nossos dias, o que não deixa de ser, e é mesmo, absolutamente significativo e muito característico duma sociedade que vive sob os signos mediático e interactivo, a contra-informação que conseguimos detectar (uma vez que os sigilos reais e perfeitamente afastados do homem comum controlados pelos condutores da coisa pública e da casta de topo são indubitáveis) ela começa a ser a dona e senhora de um certo ambiente, de uma certa quotidianeidade, de uma certa existência social.


Um algo inquietante “estado de normalidade”, como muito apropriadamente escreveu no TriploV Maria Estela Guedes?

Franca e sinceramente, eu não levantaria voz nem figura para formular expressão diferente ou para discordar!

 

PEQUENO MANUAL DE CONTRA-INFORMAÇÃO

Ao elaborar este pequeno e resumido manual para uso prático, contendo apenas as linhas gerais mas que permitem, se necessário, praticar contra-informação com conhecimento de causa e, ao mesmo tempo, ficar-se habilitado a ver claro a do oponente, devo dizer antes de mais que quem quiser entrar e sentar-se nele como um educado cavalheiro, ou educada dama, se continuar a ler é melhor perder as ilusões …

Efectivamente, os leitores – geralmente pequeno número de confrades de confiança ou eventuais futuros membros de task force, ainda que apenas suposta para efeitos de léxico comum – devem perceber que acabaram de entrar como espectadores/visitantes no continente dos golpes baixos, do trabalho sujo, da deliberada simulação operacional.

Em contra-informação a moral não rende nem paga a pena, a não ser que, por hipótese, ela permita afivelar uma maior eficácia. Ou uso democrático, leia-se anti-regime totalitário.

Um manual praticado de contra-informação é a assumpção da fille-d’autre mère bem sucedida, que deve obviamente creditar-se como a “maior moralidade”, a “maior ética”, o mais justo desempenho. O que conta, nela, é aniquilar o adversário, de preferência ao primeiro golpe. O segundo golpe só é de desejar se, mediante o mesmo, se conseguir destroçar um punhado mais de adversários ou preparar o campo para mais eficazes futuras hecatombes. Em contra-informação os fins justificam os meios, a não ser que esses meios corram o risco de ficar excessivamente expostos.

Como consolação, haja em vista que mediante o estudo prático deste assunto se incrementa a liberdade democrática, que é filha do conhecimento, que os membros do poder usam geralmente, pelo contrário, para destroçar o bem comum.

Tal como no famoso tomo de Machiavelli, aqui ao fim e ao cabo alerta-se o cidadão para as realidades, permitindo-lhe entender as ciladas.

Os operacionais, é claro, não precisam de as ler.

Nunca esquecer que, como disse Salazar (um excelente e talentoso hipócrita), “em política o que parece, é”. Será necessário dizer que em contra-informação é exactamente a mesma coisa?

Não esquecer também que uma contra-informação eficaz pode ajustar-se preferencialmente se apoiada em meios societários favoráveis: sistema judicial parcialmente corrompido ou corruptível dum ponto de vista ético, forças de segurança lábeis ou venais, operadores mídias passíveis de estipêndio, etc…

Os objectivos – bem como as acções sequentes - devem pois trabalhar-se caso a caso e com índices seguros. Nunca contar com as chamadas “expectativas de milagre”.

Isso irá evitar tropeções aos operacionais.

 

PRIMEIRA PARTE

 

1. As Técnicas contra-informativas temporais

São elas: imediatas, a curto, a médio e a longo prazo.

As imediatas visam responder quando o objecto de protecção ou operador de topo fica subitamente exposto, ou quando uma situação emergente é despoletada.

a) o desmentido (deve usar-se com rapidez, haja ou não razões para desmentir). O seu objectivo é, primeiro que tudo, ganhar tempo.

b) a declaração de próxima emissão de comunicado. Permite gerar uma certa expectativa, além de que os factos posteriores podem contorná-la. E só se emitirá o comunicado se esses factos não o tornarem desnecessário por entretanto as condições terem mudado.

c) a remissão de declarações para um outro emissor, de preferência ausente do núcleo duro. Cria confusão nos receptores.

d) a postura frontal. Se for pedido ao protagonista um número, tentando confundi-lo pela incapacidade de o ter à mão, aventar um qualquer que possa parecer minimamente credível, visto haver sempre a possibilidade de rectificar posteriormente ou alegar má-fé na transcrição, além de que o grande público é desatento e mal formado (o que lhe interessa é a aparência palpitante, não a verdade dos factos).

e) a resposta paralela. Exemplificando: “Por agora, o meu comentário é que só falta que me acusem de que também fiz o Benfica perder em Alvalade ou que afundei o Titanic”. Não diz nada e o povo usa capear-se pela referência a um clube popular ou um caso histórico mediático primário. Como se sabe, a (in)capacidade de apreensão não é muito grande e liga preferencialmente ao acessório espectacular. (O falar-se por exemplo em robalos, detalhe risível aventado para possibilitar um tom anedótico no meio dum facto grave).

 

A curto prazo:

a) a técnica do porco com óculos ou do primo fino. Declaração, usualmente infirmativa, lida ou prestada por um assecla com boa imagem ou com autoridade moral (sic). Nunca ir ao fundo da questão, mas recortar generalidades entremeadas de vagas e dissimuladas ameaças. Permite, nos casos mais eficazes, encolerizar o oponente e fazer-lhe perder tempo a recolocar os dados do assunto em apreço.

b) a técnica dos tenores. Duas ou três personalidades próximas referirem o assunto ou como um absurdo ou como um dado adquirido, conforme os casos, seguindo-se imediatamente declaração corroborando, mas feita como se não tivesse directa ligação.

c) a técnica do bilhete amoroso, comunicado enviado aos jornais, que obviamente só na próxima edição o farão sair e no qual os factos são apresentados como se tudo fosse evidente. Aqui, nunca dar indicativos falsos, mas apontar as falsidades (reais ou presuntivas) do oponente. Assim se lança a dúvida, que posteriormente pode ser aproveitada para tripudiar ou macerar.

d) a técnica do tiro ao lado. Chama-se à colação um detalhe ou caso realçado que desvie as atenções do fundamental. (Falar-se em eventuais escutas ao próprio eventual alto magistrado, desviando assim as atenções da crítica justificada de haver compadrio ou desleixo em delegações de promotoria).

 

A médio prazo:

a) a técnica do bom gigante. Artigo presumivelmente ou preferentemente da autoria de especialista respeitável, mostrando com soma de pormenores a razão que assiste ao objecto exposto. Daí que devam sempre ter-se alguns operadores com notoriedade pré-fabricada (ou vedetas com bom paladar) para dar credibilidade ao tema. O populacho, mesmo aparentemente culto ou não provinciano, é muito sensível a esses áulicos. (O defunto EPC foi um dos mais notórios, assinalado pelo professor da Sorbonne e da Univ. de Abidjan André Coyné, ensaísta e companheiro de André Breton, num livro editado por Lima de Freitas).

b) a técnica do engate ou do sr. prior. Convidar-se um idiota útil do campo neutro ou mesmo contrário e, com o pretexto da democraticidade, conseguir ou um artigo ou uma entrevista em que, sem dizer mal, é capciosamente objecto de uma ou duas perguntas dissimuladas que, depois, permitem estabelecer uma tese no mínimo dubidativa. (As chamadas personalidades ou famosos do sector artístico ou desportivo são geralmente um campo fértil para o operacional trabalhar.).

c) a técnica da tourada ou da puta espanhola. Mesa redonda ou debate, onde um idiota útil e um assecla fazem as despesas da defesa e simultaneamente do ataque. Nunca hostilizar e muito menos ofender o adversário, mas sim ajudar o público a reflectir (pois o público reflecte pouco, ajudado reflecte melhor…).

d) a técnica do fardo de palha, baseada no ditado de que todo o burro come palha, o que é preciso é saber-se dar-lha. Entrevista ou programa género um dia com o objecto. Humaniza o dito, possibilita-lhe boa performance, tanto mais que a matéria é editada e tratada. Responde à curiosidade latente no poviléu. (O actual premier é perito na utilização desta técnica).


e) a técnica do tio da América ou da herança milionária. Momento presuntivo de apresentação de assuntos efectuada por áulico (de ataque ou de defesa) mas sendo no entanto matéria contra-informativa clássica propiciada por um comparsa que simula interrogar mas apenas serve de introdutor. (O notório MRS é um dos mais capazes neste género de manipulação, a que chamam análise ou comentarismo. As suas intervenções são caracterizadas por um eficacíssimo cinismo).

 

A longo prazo:

a) técnica do bom irmão. Livro ou opúsculo com boa soma de informações sobre as razões do objecto. Visa em geral ser um detalhe da propaganda.

b) técnica do santo venerável. Geralmente biografia, em livro ou opúsculo, apontando para as qualidades com esbatimento de defeitos, do objecto. (Exemplos: “Sócrates, o menino de oiro do PS”, Força, força, companheiro Vasco”, título a partir duma canção militante). As hagiografias da ICAR, geralmente controladas ou revistas por operacionais competentes da hierarquia ou agentes da Sodalitium Piano (serviços secretos da dita entidade).

 

***

 

Em continuação iremos esclarecer alguns pontos do léxico, não só para podermos seguir em frente como para se entenderem melhor certas sequências posteriores.

 

[continua]

 

 

NOTA

Foi pouco depois de ter sido publicado num órgão de informação este texto que o autor viu o seu sistema informático ser inteiramente escaqueirado – por razões puramente, naturalmente, naturais (lembremo-nos que foi por essa época que o planeta Nibiru, ao que consta dos manuais dos conhecedores, profetas e outra parafernália proto-botânica, passou ou teria passado perto da Terra… (risos).

Também começou a ouvir no seu aparelhómetro de comunicação, vulgo telemóvel ou, mais popularmente, telelé, estranhas vozes semi-difusas (umas de contralto outras de tenores) a seu ver oriundas de sacerdotes maias que teriam escapado à voragem dos séculos…

Seja como for e porque, apesar de agnóstico, tem um imenso respeitinho pelas entidades sacrais, não concluiu o pequeno estudo a que, modesta e inocentemente, se entregara.

É que por vezes o Nibiru pode tecê-las…

 

Bibliografia de base

A escola dos ditadores – Ignazio Silone

A informação – Fernand Terrou

A caçada sem fim – Bryan Forbes

O terceiro Reich visto por dentro – Albert Speer

A propaganda política – Jean-Marie Domenach

El medio media – Lorenzo Gomis

Ofício de espião – Allen Dulles

Eu não sou uma lenda – Jacques Bergier

História da minha vida – Sir Winston Churchill

Recordações militares – nicolau saião

 

 


NICOLAU SAIÃO (Monforte do Alentejo, Portalegre, 1949). Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha etc. Em 1990 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro Os objectos inquietantes (1992). Autor ainda de Assembleia geral (1990), Passagem de nível (1992), Flauta de Pan (1998), Os olhares perdidos (2001), O desejo dança na poeira do tempo (2008), Olhares perdidos (2007), O armário de Midas (2008), As vozes ausentes (2011), Escrita e o seu contrário (a sair). Prefaciou os livros Mansões abandonadas, de José do Carmo Francisco, Fora de portas, de Carlos Garcia de Castro, Estravagários, de Nuno Rebocho e Chão de Papel, de Maria Estela Guedes. Fez para a Black Sun Editores a primeira tradução mundial integral de Os fungos de Yuggoth, de H. P. Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana, Bichos (2005). Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional Poetas na surrealidade em Estremoz (2007) e co-organizou/prefaciou Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril. Com Mário Cesariny e Carlos Martins, colaborou na efectuação da exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, levou a efeito a mostra de mail art “O futebol” (1995). Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões). O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum Canciones lusitanas. Tem colaborado em espaços culturais de vários países. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de atividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de Mérito Municipal.

 


DAMARIS CALDERÓN (Cuba, 1967). Poeta, narradora, pintora, docente y ensayista. Ha publicado más de dieciséis libros en varios países, entre ellos Cuba, Chile, Alemania, España y México. Participó en festivales internacionales de poesía en Holanda, Francia, Uruguay, Argentina, Perú, México, entre otros países. Parte de su obra ha sido traducida al inglés, holandés, francés, alemán, noruego y serbocroata e incluida en numerosas antologías de poesía cubana y latinoamericana contemporánea. En esta edición de Agulha Revista de Cultura presentamos otro aspecto fundamental de su inquietud creativa, su obra plástica. En entrevista, Damaris revela: Para mí la cultura está ligada a la tierra, a sus orígenes, al hecho de escribir, de cribar, de labrar; la escritura en bustrófedon, que era la manera de los bueyes y el paisaje. Y eso es. Si uno mira la literatura latinoamericana se va haciendo conciencia de paisajes diferenciados; ustedes tienen esto, nosotros esto otro. Recuperar la conciencia de que somos un todo, de que el cuidado del ecosistema, de la planta, de cada árbol, es parte también del cuidado del ser humano, del planeta. Los árboles y el paisaje escriben su propia poética, su propia música. Una pintura con la que ningún pintor podría competir. En ese sentido, sentir que coexistimos, que nos nutrimos y debemos cuidarnos. Son palabras que encajan muy bien en su pintura, cuyas líneas, ángulos, colores, se mezclan en la búsqueda de un punto erótico en el que el hombre se revela parte de ese todo que ella también evoca en su poesía.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 253 | julho de 2024

Artista convidada: Damaris Calderón (Cuba, 1967)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2024


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