O homem?
Sombras.
O homem?
Personagem.
O homem?
Objeto cerimonial.
O homem?
Um corpo caído ao chão por falta de
asas.
Talvez esta literatura de Floriano
Martins seja uma cartografia. Nela se desenha o percurso imaginário, e o desejo
e o domínio do desejo, e a percepção do ser como destino. Todos um dia caminhamos sobre as águas – ela nos diz. Sombras no jardim é feito por 18.699
palavras de aproximações e mistérios. Desde a Renascença sabemos do percurso da
luz entre nós e de como as sombras podem ser iluminadas. Somos os mestres do
arco-íris. É o caso. Sombras iluminadas.
Certamente seria possível dividir este
livro em duas ou três partes. Relatos de diferentes formatos e com ênfases
diferentes. E, no entanto, apesar da estrutura racional do livro, hesito. A
ficção de Floriano é de uma atenção permanente e se interroga o tempo todo. É a
complexa inteligência racional do autor. O que é provavelmente a sua análise
mais extensa, mais lógica, a parte ensaística, é impregnada de tal maneira pelo
poético e pela ficção, que reforça o sentimento de que a nossa época tem a sua
radicalidade justamente na junção dos diferentes.
Desde o século XX os grandes autores
tornaram presente o reino do sentimento. Este é o século da inclusão. Mesmo na área
das artes visuais, tradicionalmente sem palavras, a característica é a da
inclusão, desde as formas de civilizações diferentes da nossa, com a sua arte
totêmica, até a junção de suportes e matérias diferentes. O diálogo que parecia
impossível, é possível, como nos mostrou a Colagem. Em vários gêneros, em
antigas divisões, é difícil apontar o que é literatura no cinema, o que é
movimento no teatro, o que é roteiro na dança, o que é imagem visual na poesia.
Um dos exemplos mais marcantes nas últimas décadas é exatamente o livro Sombras no Jardim.
Quem sabe poderíamos dizer que os
textos mais curtos são contos, devido a sua unidade temporal. Mas são
igualmente poesia. É encantador como o texto se interroga e se comenta de
maneira permanente. Quem será o autor? Tantos personagens, tanta energia
feminina, tantas definições. E o Floriano nos diz que não tem mais nome o
personagem, que a identidade é feita de camadas e camadas de alguma coisa que
podemos chamar de realidade, infinito, universos, pulsões de energia. Sonhos,
quem sabe. Mas que sonhos tão sábios, tão provocadores, tão enternecedores.
Estamos diante de um tesouro.
Tanto pensamos e dialogamos com o
texto, de tal maneira é um objeto diante de nós, tão forte é o seu caráter
totêmico, que afirmo que estamos em contato com a mais reveladora filosofia.
Reconhecemos aqui e ali, perto ou distante, ecos dos mestres. Súbitas
iluminações. Só sei que nada sei, nos disse Platão pela boca de seu personagem Sócrates.
E o Floriano nos diz que …os espelhos
serão sempre cegos. Eu nunca voltarei à cena.
Pensei em iniciar este comentário pelo
começo. Não é o certo. Os textos dele estão sempre no início e no fim. Façam
esta experiência, leiam de trás para diante, de diante para trás, do meio para
o fim, do fim para o meio. É lúdico. É feliz. Sou obrigado a dizer que este
revolucionário livro de Floriano Martins deve ser lido várias vezes. Ele nunca
será o mesmo. Nós também nunca voltaremos a ser iguais. As constantes janelas
de Floriano, presentes em inúmeros textos, talvez abram para o mundo
perceptivo. Édipo quando se cega. Como diz uma personagem: Enquanto houver caminho, continuarei buscando em todos lugares.
Estas visões do Enigma lembra o
Oráculo. É uma afirmação sem pudor. Ainda bem.
É comovente que este relato de
mistérios, esta trilha de emoções inusitadas, este desvendar imenso, de repente
nos diga, o amor é o único mistério. E
é tão humano que este poeta que acaba de nos entregar esse livro de
iluminações, este sistema de sonhar belezas e identidades, nos lembre: É só isso e nada mais.
JACOB KLINTOWITZ (Brasil, 1941). Escritor, ensaísta, crítico de arte, editor de livros de arte, conferencista e autor de mais de uma centena de livros de arte e teoria de arte e comunicação. Três “livros de artista” em parceria com os artistas Sérvulo Esmeraldo e Diva Helena Buss; participação na antologia Quer que eu te conte um conto? (Editora Achiamé), organizada pelo poeta Vicente de Pércia; edição do livro de contos Intimidade (Editora Athanor), organizada pelo poeta e pintor Rodrigo de Haro; e a participação na Antologia de contistas Bissextos (LPM Editores), organizada pelo escritor Sérgio Faraco.
DAVIDE GALBIATI (Itália, 1976). Para el artista, el tema de la conexión Cuerpo-Espíritu existe desde el principio de los tiempos y probablemente continuará indefinidamente. En esta dirección, Davide Galbiati busca un lenguaje plástico con formas simples y singulares que evoquen tanto a pueblos ancestrales como a civilizaciones de un futuro sideral. Sublima el aura humana en materia para hacer visible lo invisible. Se inspira en el trabajo de escultores antiguos, como Tutmosis (escultor del faraón Akenatón) y en las esculturas griegas arcaicas. El artista alimenta el ardiente deseo de oponer el ruido del mundo al silencio vibrante del quieto. Huye, pues, de las contorsiones dinámicas de las esculturas barrocas o neoclásicas para pensar en la calma telúrica de los antiguos faraones. Galbiati nos lleva a la escultura por el camino del silencio. Gracias al cariño inagotable de nuestra colaboradora Berta Lucía Estrada, Davide Galbiati es el artista invitado de esta edición de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 258 | dezembro de 2024
Artista convidado: Davide Galbiati (Itália, 1976)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2024
∞ contatos
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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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