Você faz falta, amigo! Uma imensa falta! Saudade!
Rod vive!
1. Um abraço para
o Rod, por Matheus Guménin Barreto
Rodivaldo Ribeiro – o Rod – foi, antes de tudo, um amigo.
É muito estranho digitar esta mensagenzinha hoje, no final de 2022, pensando que
há dois anos não vejo um recado (um áudio!) do Rod no celular, uma indicação de
algum filme ou livro ou assunto (indicação sempre enérgica, sempre entusiasmada,
como se aquele filme ou livro ou assunto fosse, de repente, o mais importante do
mundo inteirinho).
A visão, a delicadeza-força, as leituras, as referências
do Rod me fazem falta. Acho que nunca voltei a ouvir os áudios do Rod, porque seria
difícil entender que eu não posso responder e receber, depois, um outro áudio ainda
mais entusiasmado do que o primeiro. Essa sede do Rod pela vida e essa voracidade
sempre me surpreenderam e me contagiaram. Ele lia de tudo, mergulhava em mil pesquisas
ao mesmo tempo, falava em uma mesma frase de coisas que pareciam pertencer a mundos
opostos. De repente eu me via tão entusiasmado quanto ele – em um áudio ou em uma
mesa de bar aqui em Cuiabá.
Não sei exatamente quando a gente se conheceu – provavelmente
em 2011 ou 2012, por aí. Algum tempo depois ele me convidou para escrever uma coluna
no Diário de Cuiabá e anos depois me chamou para fazer parte da Ruído Manifesto
(que acabou nascendo mesmo bem mais tarde, no final de 2017). Quando a gente se
conheceu eu era um moleque de uns 19 anos e Rod me deu o voto de confiança que eu
não sei se merecia, mas do qual eu certamente precisava. Obrigado por isso, Rod,
e pelas conversas, abraços, risadas (é muito estranho escrever para você isto aqui
sabendo que você não vai ler).
Escrevo esta mensagenzinha enquanto um toró daqueles
cai em Cuiabá. Seria bom demais esperar essa chuva passar e marcar uma cerveja com
o Rod hoje de noitinha. O tempo é um bicho mesquinho, ao contrário do Rod.
2. Dois anos de
ausência, dois anos de presença, por Wuldson Marcelo
Antes de conhecer o Rodivaldo escritor, conheci o Rodivaldo
músico e o Rodivaldo jornalista.
Rod tinha a visão de mundo de um cronista extremamente
perspicaz, por vezes irônico, por vezes mordaz. Era um apaixonado, pelas artes e
por uma boa discussão política. Seus argumentos eram afiados, de uma contundência
admirável. Em tudo que fez e defendeu, investiu uma irrefreável agudeza.
Pensando agora, pensando no passado e em minha formação,
Rodivaldo Ribeiro era alguém sempre presente, seja para abrir espaço nos jornais
da capital ou para formar equipe em site de arte e cultura, seja para beber uma
cerveja gelada nos bares em Hell City, vulgo Cuiabrasa.
Acredito que Rodivaldo estaria muito feliz, como o grande
escritor que foi, ao ver a Ruído Manifesto caminhando a passos largos, com determinação.
Ele estaria exultante com o fato de a Ruído Manifesto ter três mulheres negras em
seu corpo editorial, mais presença feminina que masculina e com pessoas LGBTQIAP+,
e que a diversidade e pluralidade de vozes continuam a nos mover.
São dois anos de ausência. Ausência de seus comentários
certeiros, sarcásticos, sua paixão transbordante pela arte e seu senso de justiça.
Dois anos de ausência que são, na mesma medida, dois anos de presença. Presença
de seu legado, de sua força inabalável pela criação de um espaço acolhedor e democrático,
de sua tese de que quantidade e qualidade podem rimar perfeitamente.
É complicado manter, em um tempo acelerado e mil compromissos,
uma revista virtual diária. No entanto, a dificuldade e as dúvidas se esvaem diante
do propósito de afirmar as artes e a cultura do Brasil e além-mar a partir de Cuiabá,
da periferia. Um processo de descentralização e de movimento.
Seguimos adiante! Fortalecendo o presente, construindo
o futuro e celebrando a memória de Rodivaldo Ribeiro. Assim, a ausência se torna
presença.
3. Ave Rod!, por Nina Maria
Entrei no time editoral da Ruído Manifesto em 2020,
mas não tive a oportunidade de conhecer e conversar com Rodivaldo Ribeiro. No entanto,
sua marca e seus passos são eternos e se fazem presentes em minha vida como uma
inspiração a seguir na literatura e na vida. Aceitar participar da Ruído Manifesto
é perpetuar Rodivaldo Ribeiro nos quatro cantos do Brasil e no mundo.
Rod vive!
Da baiana encantada com o legado e a vida do mato-grossense.
Nina Maria.
Conheci o Rodivaldo Ribeiro lá pra meados de 2009. Na
época, matuto na seara das letras, eu publicava uma revista de contos ilustrados,
espécie de zine, que distribuía/vendia nas bancas de revista, livrarias e eventos
em Cuiabá, a Contos Extraordinários. Rodivaldo apareceu lá no apê (ainda morava
com meus velhos) pra me entrevistar, cobrir a publicação pro jornal em que trampava
na época. Ele foi um dos que respondeu a uma pancada de releases que disparei. Papeamos,
e ele demonstrou interesse legítimo, desfiando nomes de escritores e cineastas,
e ficava alegre quando era correspondido, ou melhor, quando alinhávamos um respeito
mútuo — “influência minha, ein, também arrisco na literatura”. Quando começamos
a falar sobre quadrinhos, aí o negócio deslanchou de vez.
Algo que me lembro desse dia foi quando o fotógrafo
do jornal tirou um tempo pra fotografar as revistas, que fomos posicionando na ponta
da mesa da sala. Na outra ponta, Rod estava com o garfo em riste. Minha mãe tinha
oferecido um pedaço de bolo de chocolate, recém-feito. Rodivaldo mergulhou com vontade,
acompanhado de um capilé de guaraná, dois pedaços generosos pra dentro, o fotógrafo
rindo que só.
Ele saiu com um pacote de revistinhas no braço e uma
amizade, um coleguismo, daqueles de quem se trombava nos shows de rock, num rolê
literário, numa breja no Cavernas. Nos dois livros que lancei posteriormente, ele
esteve lá, cobriu, fez matérias.
Também lembro dum papo longo que tivemos num barzinho
no Porto, perto da ponte de Várzea Grande, num lançamento-show organizado pelo Wuldson
Marcelo (parceiro de Ruído) com nossos livros e os do Odair de Morais. Nessa época,
as conversas sobre o projeto já rolavam aqui e acolá. Tinha um amigo do Rod pensando
na identidade visual, e cabia à gente botar a cabeça pra funfar e agitar as ideias
de conteúdo. Uma hora eu e ele engatamos um papo sobre o trabalho, o reconhecimento
do trabalho e a necessidade psicológica de satisfação com o trabalho. Ele citou
a influência religiosa que herdamos, a visão protestante de que o trabalho é o que
redime o homem. Qualquer conversa com o gajo era num alto nível de referência, e
entrecruzar Max Weber com Warren Ellis era mero tira-gosto.
Falando em Ellis, lembro doutra ocasião, uma das últimas
vezes em que nos vimos, na Casa Cuiabana. Enquanto eu cuidava do bar numa noite
de O Levante, festival de teatro que infelizmente teve vida curta, ele se encostou
na muretinha e entabulamos uma discussão sobre Stormwatch, que desembocou em Authority,
e como o Ellis e o Bryan Hitch tavam revolucionando os quadrinhos de heróis no começo
do século, hollywoodizando e amadurecendo geopoliticamente a porra toda. Mas o negócio
nem foi comentar o gibi em si, o que virou o ponto fulcral da conversa foi uma disputa:
se quando o Authority saiu, o selo (Wildstorm) ainda era parte da Image ou se já
tinha sido vendido pra DC. Algo assim. Eu palpitei, mas palpitei errado. Checando
o celular (essa maldita invenção que erradicou as discussões noite adentro — agora
todas acabam em dois minutos), descobrimos que ele tava certo. Ele tinha essa mania,
o Rod, de ganhar os argumentos. E de se sentir o maioral quando vencia.
O bicho não tinha papas na língua. O garoto pedia, acusava,
xingava e reclamava sem dó nem piedade. Gostava duma cerveja. Gostava de comer bem,
de poesia, de coisa rebuscada. Mas gostava de pop também, se bem feito. Gostava
de quem falava difícil. Gostava da costelinha do mercadão do Porto. De trocar ideia
num pé sujo. Era desses caras polarizadores, que as pessoas amavam ou odiavam, e
tinha essa pulsão de querer juntar a gurizada que curtia, que fazia literatura,
em quem ele deslumbrava essa mesma vontade de fazer arte que o próprio só não fazia
mais por falta de tempo, ou porque a vida ia acontecendo apesar das querenças.
Foi assim que nasceu a Ruído Manifesto: iniciativa ambiciosa
do Rod de aglutinar a gurizada nova que tava se arriscando a escrever. Um mais pra
ficção científica/fantasia, outro pro mainstream/policial, outro pra poesia, outra
pro cinema e por aí vai. O site sempre teve uma ambição maior na cabeça do idealizador:
portal multimídia, podcasts, crítica pesada em tudo que tava circulando de arte
por aqui, resenhas, vídeos e minidocs e o escambau. Mas a falta de tempo e de grana
sempre tolhem a criatividade e fazemos o que dá. O que não é pouco: em cinco anos
essa semente do Rodivaldo cresceu e se tornou uma das revistas literárias digitais
mais plurais, atuantes e legais que temos a nível nacional. E feita, majoritariamente,
em Cuiabá. São centenas, milhares de vozes de vários países e estados que já engrossaram
o coro.
Lembro de reuniões informais na choperia do Sesc Arsenal,
pra decidir o andar da carruagem, quando a Ruído Manifesto tava pra nascer (ainda
não tinha nome), de ligarmos pro Matheus Guménin, que tava em São Paulo, ele lá
e de cá eu, Rod, Wuldson, a Rafa Gomes e mais alguém da equipe. Lembro que quando
lancei uma lista enorme de sugestões no nosso chat do Facebook, entre elas “Ruído
Manifesto” (procurávamos algo relacionado a barulho, choque, ruído), Rod logo de
cara disse que aquela junção dava samba. Lembro também das discussões homéricas
entre Rod e nosso mago digital, o Felipe Martins (esse sofreu a típica barra dos
conflitos irmão mais velho x irmão mais novo, muita treta e muito afeto).
No lançamento presencial que fizemos no finado Metade
Cheio no finalzinho de 2017, lemos alguns trechos de livros e contos (até nossa
correspondente de SP, Tita Martinuci, tava por aqui), e lembro que Rod leu um dos
minicontos de Kafka, até se emocionou. Era o dia do projeto dele ganhar vida. Pouco
depois, ele lançou seu primeiro livro de contos — que seria também o último.
Acho que viver de forma digna envolve necessariamente
agradecer quem veio antes, nossos ancestrais, quem construiu nossas cidades, nossas
casas, quem escreveu os livros e as peças e os filmes e séries e músicas que moldaram
nosso caráter, quem cozinhou o que nos alimentou, quem costurou os acordos de paz
que faz com que não vivamos numa trincheira bebendo água da chuva. A gente sempre
agradece pai e mãe, mas tem muito mais. Neste singelo marco de cinco anos da RM,
que não é nada nas manchetes do dia, mas é muito pra nós aqui neste canto esquecido
do paradisíaco coração do agro onde as pessoas fazem fila pra pegar osso no açougue,
cabe um agradecimento especial. Ao titã louco, o enorme Rodivaldo Ribeiro, por ter
mexido o caldo, reunido um povo alvoroçado, e soltado o pó de pirlimpimpim na cabeça
de geral.
Valeu, Rod. E valeu Wuldson, Matheus, Felipe, Ângela,
Tita, Rafas e todo o resto da equipe que veio depois, por manter a Ruído Manifesto
a plenos pulmões, respirando, operando literatura num mundo de cimento e pólvora.
5. Benção – Um conto de Rodivaldo Ribeiro, vídeo-poema realizado por Divanize
Carbonieri
https://www.youtube.com/watch?v=dfTzsMIPigM
MATHEUS GUMÉNIN BARRETO. Poeta e tradutor mato-grossense. É professor de Literatura Alemã na USP. Publicou História natural da febre (2022), Mesmo que seja noite (2020), Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (2018) e A máquina de carregar nadas (2017). É doutor (USP, 2022) na área de Língua e Literatura Alemãs – subárea tradução – com passagens pela Universidade de Leipzig, pela Universidade de Salzburg e pela Universidade de Heidelberg. Teve poemas seus traduzidos para o inglês, o chinês, o espanhol, o alemão, o catalão e o italiano; e publicados em revistas ou antologias no Brasil, na Espanha, no México, em Portugal, nos EUA e na China. Integrou o Printemps Littéraire Brésilien 2018 (França e Bélgica – Universidade Sorbonne), a Giornata mondiale della poesia 2022 (Itália – Universidade de Roma) e o Festival Riobaldo 2023 (Angola – Instituto Guimarães Rosa em Luanda). Publicou em periódicos ou em livros traduções de Bertolt Brecht, Ingeborg Bachmann, Goethe, Nelly Sachs, Paul Celan, Rainer Maria Rilke e outros. Entre os cursos que ministra esporadicamente está o “Verso vivo: introdução ao verso livre e ao verso fixo de Shakespeare a Criolo”.
WULDSON MARCELO. Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea (UFMT) e graduado em Filosofia (UFMT). É escritor, continuísta, realizador audiovisual, roteirista e editor da Ruído Manifesto. Integrante do Aquilombamento Audiovisual Quariterê desde a sua fundação, em 2017, é um dos curadores da Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso. Além disso, faz parte do Coletivo Miraluz Films. Autor dos livros Se quer que algo tenha fim, não se cale (2024), As luzes que atravessam o pomar e outros contos (2018), Obscuro-shi – Contos e desencontros em qualquer cidade (2016) e Subterfúgios Urbanos (2013).
NINA MARIA. É mulher, preta, autista, poeta, escritora, produtora cultural. Atua como editora e curadora literária internacional na Ruído Manifesto, tendo parceria com escritores da América Latina, África, Ásia e Europa. É graduanda em Letras com Língua Francesa na Universidade Estadual de Feira de Santana. Autora de quatro livros. Sua poesia se apresenta de maneira vibrante e visceral, sempre à flor da pele, marcando presença em diversas antologias nacionais internacionais. Possui poesias traduzidos para espanhol, francês e árabe e publicações em países, como Alemanha, Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Peru, México, Moçambique, Uruguai, Suíça e Portugal.
SANTIAGO SANTOS. Escritor, tradutor, jornalista e tereréficionado. Mora em Cuiabá desde moleque, desenvolvendo constantes táticas para fugir do sol e do mormaço. Publica minicontos no flashfiction.com.br desde 2013 e já publicou os livros Na Eternidade Sempre é Domingo (2016), uma aventura pé na estrada que entrecruza a história e a mitologia dos incas, e Algazarra (2018), coletânea dos seus minicontos; além de ficção em diversas antologias, blogs, jornais e revistas.
DIVANIZE CARBONIERI. Doutora em Letras pela USP e professora de literaturas de língua inglesa na UFMT. Já publicou dez livros de ficção, entre eles, Entraves (poesia, 2017), contemplado com o Prêmio Mato Grosso de Literatura; Passagem estreita (contos, 2019), finalista do Prêmio Jabuti; A ossatura do rinoceronte (poesia, 2020), vencedor do Prêmio Flipoços; Nojo (contos, 2020) e Nave alienígena (contos, 2022). Integra o Coletivo Literário Maria Taquara, ligado ao Mulherio das Letras – MT, e ocupa a cadeira 17 da Academia Mato-Grossense de Letras.
RAQUEL GAIO (Brasil, 1981). Poeta e fotógrafa. Licenciada em Letras pela UFRJ, é poeta, artista-cuidadora e pesquisadora independente. Escreveu os livros de poesia Das chagas que você não consegue deter ou a manada de rinocerontes que te atravessam pela manhã (2018), Manchar a memória do fogo (2019) e Com as patas no grande hematoma (2023). Artista convidada desta edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
CODINOME ABRAXAS # 03 – REVISTA RUÍDO MANIFESTO (BRASIL)
Artista convidada: Raquel Gaio (Brasil, 1981)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário