1. Corpo mascarado: Claude Cahun
1.1 Persona
Em meio às dezenas de imagens fotográficas
que nos são ofertadas diariamente – sejam para acariciar ou ofender nossa sensibilidade
– uma destas, em razão da primeira, tornou-se indelével para mim, quando em ocasião
de uma busca esquecida no Google. Trata-se de um retrato, em preto e branco, de
uma pessoa em pé trajando uma volumosa capa preta de tecido sedoso fechada na frente
na qual estão presas, como broches, dez máscaras carnavalescas e/ou teatrais que
assemelham-se ao pulcinella [1]: encobrem
apenas a área do rosto ao redor dos olhos e sobre o nariz.
Sob a capa, percebe-se
um barrado de outra peça de roupa preta, similar a uma saia na altura dos joelhos;
suas pernas ligeiramente paralelas são cobertas pela fina meia branca e nos pés,
nobres sapatos negros de salto grosso no estilo Luís XV. A pessoa – de sexo indefinido
– coloca-se em postura impávida e seu rosto está, propositalmente, oculto ao espectador
sob outra inquietante máscara, essa com feições femininas. Seus cabelos orientais
– negros e lisos – brilham sedosos como o tecido da capa e por trás dessa misteriosa
figura pendem volumosas cortinas estampadas.
Como defende Fernando
Braune (2000) a respeito do aspecto surrealista presente em qualquer fotografia
– e que, por tal razão, nos comove e desafia a perscrutar o que está para além do
visível plasmado na imagem mesma – essa indefinível criatura instiga: nem masculina
nem feminina, fantasmagórica, mas resoluta, convidativa e hermética. Ela, a entidade,
ali está a nos observar e aguardar como um/a anfitriã/o paciente. Qual das máscaras
escolher? A oferta é variada. Sob a máscara quem está? Sob a máscara, quem sou,
quem somos? Aceito o convite desta presença velada e, assombrada, adentro as cortinas…
A máscara é um
artefato ancestral que perpassa toda a história da humanidade nas mais diversas
culturas. Remete ao sagrado e profano, ao longínquo e contemporâneo, transita entre
o simular e desvelar, o exagero e a sutileza, a entrega e o narcisismo, media entre
o coletivo e individual, entre o social e subjetivo, entre o espírito e a matéria,
entre o racional e o instinto.
No antigo teatro
greco-romano, os atores assumiam a face mascarada, trágica ou cômica, de seu personagem.
Interpretavam um estereótipo pré-determinado – seja ele o herói, a esposa, o comerciante,
o sábio etc. – nas feições exageradas e enrijecidas daquelas máscaras. Há de se
recordar que eram os homens, sob o disfarce da persona, é quem interpretavam as
mulheres já que estas, não consideradas cidadãs, não tinham direito político na
polis. [2]
Jung reelabora
o significado da máscara utilizada no antigo teatro grego em sua psicanálise analítica.
Segundo ele, todo sujeito torna-se um ser social assumindo personas diferentes em
contextos diversos, pois a manifestação dessa flexibilidade psíquica, quando saudável,
está a serviço tanto da individuação quanto do impulso da saída de auto-centramento
em direção ao coletivo.
A persona é, neste
sentido, um arquétipo, uma máscara simbólica que escolhemos cotidianamente para
interpretar a nós mesmos em variadas situações sociais: em casa, no trabalho, nos
relacionamentos amorosos, na família, no lazer, enfim, nas mais dispares situações
do palco da vida.
Pelo aspecto negativo,
ainda a partir da psicanálise analítica de Jung, pode [4] acontecer por variadas instâncias da psique, que uma determinada
persona seja inteiramente assumida pelo ego (centro da consciência) de determinado
indivíduo, a ponto deste negar sua identidade anterior. O indivíduo enrijece-se
a uma personagem, para o (seu) bem e para o (seu) mal.
Essa problemática
está brilhantemente colocada no filme Persona
(1966) de Ingmar Bergman. A trama apresenta a atriz Elizabet Vogler (Liv Ullman)
que durante sua apresentação da peça Electra
de Sófocles, repentinamente para de falar. No hospital em que faz seus exames lhe
é destinada a enfermeira Alma (Bibi Andersen), responsável por cuidados de sua saúde
em uma casa próxima ao mar. Como forma de aproximação, a enfermeira busca quebrar
o silêncio absoluto de sua paciente narrando a ela, continuamente, suas vivências
e segredos pessoais. Aqui residem os enigmas e o apogeu, a belíssima fotografia
do filme e a magistral direção do enredo que modula tanto os contrastes quanto as
similitudes entre as personagens – a atriz e a enfermeira – a ponto de confundi-las,
e nos confundir, sobre quem é quem.
De modo semelhante,
pode-se relacionar persona e heterônimo, já que o segundo possibilita ao autor a
constituição e apropriação de outras personalidades como se fossem pessoas de carne,
osso, biografia e estilos literários próprios.
Heterônimos e personas
são possibilidades do ser e não ser. Como não se surpreender com a distinta prosa
e biografia ficcional de Alberto Caeiro, Ricardo Reis [5] e Álvaro de Campos, os heterônimos mais populares de Fernando Pessoa?
E como interpretar
o pseudônimo? Este também não se trata, de certo modo, de uma máscara social? Empolgante
concebê-lo não em falsidade ou embuste do próprio nome, mas na inventividade deste,
na criação, no descobrimento, na concepção, no engenho, na ideia, na fantasia, na
ficção, na ilusão, na fábula. De mesmo modo, também, na assunção dos heterônimos
e das personagens mascaradas.
A figura enigmática
da fotografia que nos introduziu neste devaneio reaparece agora em outro retrato,
totalmente despida de toda vestimenta, exceto por outra máscara. Está sentada frontalmente,
os braços dobrados sobre o peito, os cotovelos se tocam, as mãos apoiadas sobre
os ombros. As pernas fechadas e dobradas lateralmente, ambos os joelhos em primeiro
plano estão iluminados à semelhança do joelho barroco de Narciso, de Caravaggio. Seu corpo é magro, ombros estreitos, rosto ovalado,
cabelos curtíssimos e loiros. Seu sexo, apesar da nudez, ainda indefinido. A figura
toda se expõe, mas ainda nos está velada. O contraste da luz solar sobre o corpo
se contrapõe a uma perturbadora sombra que delimita um vão retangular alojado acima
da cabeça da retratada.
A autoria e ambas
personas destas imagens é Claude Cahun, pseudônimo adotado em 1917 por Lucy Renée
Mathilde Schwob.
Nascida em 1894
(Nantes, França) no seio de uma renomada família literata, [6] Claude Cahun inicia seus primeiros escritos
e fotografias entre 1910 e 1915, colaborando em populares revistas e jornais franceses.
No início da década de 1920 transfere-se à Paris, estabelece amizade com escritores,
artistas, atores e publica seus primeiros poemas e ensaios.
Claude é uma figura
emblemática. Praticamente esquecida após sua morte em 1954 foi redescoberta, por
acaso, no final dos anos 1970 pelo filósofo e poeta François Leperlier que, curioso
de sua obra, apelou em um jornal para que qualquer pessoa que a tivesse conhecido
entrasse em contato com ele. Leperlier tornara-se a partir daí a figura central
no resgate do trabalho e memória de Cahun: escreveu livros sobre a artista, organizou
exposições de seu trabalho fotográfico e, concomitantemente à onda cultural andrógina
dos anos 1980 e da emergência queer dos
1990, contribuíram para popularizar a obra dela.
Claude é ambígua.
Apresenta-se através de autorretratos, encena a si mesma, reinventa-se artisticamente,
desafia-se socialmente, provoca-se sexualmente, questiona os pressupostos identitários.
Propõe a si própria, através de sua arte-vida, inscrever-se como sujeito-plural,
andrógina, desviante das normas e classificações, Neutro é o único gênero que me convém, afirmava. [7]
Assumiu-se lésbica
desde muito jovem e sua companheira e colaboradora profissional por quase cinco
décadas foi Marcel Moore, pseudônimo de Suzanne Malherbe. Considerava-se, antes
de tudo, escritora. Contudo, diante da variedade de autorretratos e inventividade
nas personalidades construídas diante das lentes percebe-se que a fotografia também
constituiu-se como experimentação constante, como um devir Lucy, devir Claude, devir
amante, devir escritora, devir artista, devir militante, devir o que se queira e
deseja ser.
Cahun estivera
além de seu tempo. A problemática da identidade como rigidez e repetição de si mesma
era criticamente exercitada por ela assim como, também, as questões de autoria,
de gênero, da produção da verdade. Claude
e sua namorada Marcel Moore, que também era artista e designer gráfica, trabalhavam
juntas na elaboração dos retratos de Cahun. Em muitos destes, especula-se que, enquanto
ela posava, Moore a dirigia e a fotografava.
Sua arte-vida insere-se
em um contexto histórico-social entre guerras, no seio de uma sociedade que amargava
um desalento das aspirações humanistas prometidas pelos homens da razão e da ciência.
O artista moderno,
diante deste trágico cenário, repudia a sociedade burguesa e tudo o que esta representa:
seus costumes, a sua moral, seu modo de vida. Perturbados por um certo mal-estar
na arte iniciam, a partir do final do século XIX, um processo psicossocial de compreender-se
também enquanto um personagem de si e do mundo (Frayze-Pereira, 2005).
1.2 O sujeito reflexivo
Na primeira metade do século XX é
apresentada uma espécie de vínculo entre arte e angústia, entre a forma e o vazio
que a interpela, já que a sociedade moderna agora se compreendia desvinculada de
poderes divinos, antes manifestados através
do mistério da criação. O lugar dessa ausência de mistério deu lugar à condenação
moral e estética. O delírio e improvisação do ato criativo de outrora era julgado
como algo negativo, pressuposto de loucura e preguiça. Nessa redefinição contem
noções abusivas da moral burguesa para o campo da estética (Frayze-Pereira, 2005).
A modernidade compreendida entre final do século XIX e todo o XX, marca mudanças
significativas no pensamento ocidental, no qual emergências de ordens variadas –
do surgimento de novas ciências humanas às sociais, das relações de trabalho à urbanização,
da produção ao consumo, da política à arte etc. – trazem ao Homem moderno a necessidade
de uma crítica reflexiva sobre si e o mundo, buscando compreender essa teia de relações
sociais como uma construção histórica, social e política.
Segundo Frayze-Pereira
(2005) em seu livro Arte, Dor: Inquietudes
entre arte e psicanálise, entre o final do século XIX e primeiros anos do século
XX uma genealogia da história da loucura começa a ser fonte de pesquisa nas ciências
e nas artes. Em paralelo à aquelas transformações sociais, a poética artística europeia
do início do século XX incorpora uma revalorização da arte arcaica, do exotismo
das culturas não ocidentais, da arte negra, das garatujas infantis, da estranheza
dos grafismos dos psiquiatrizados.
Muitos artistas
de vanguarda assumem uma estética que seria considerada a dos marginais, loucos,
excluídos socialmente, a arte dos não ocidentais, dos negros e das mulheres, ou
seja, aquela arte que não comungava dos cânones de uma cultura por eles julgadas
comprometida.
Essa dissociação
com os valores da sociedade moderna, industrial e excludente, faz do artista moderno
um expatriado, um duplo de si, um estrangeiro em sua própria terra, um cavaleiro
errante, um romântico que buscava esperança através da negação da realidade embrutecida,
da admissão do delírio, da fuga política e social.
Os movimentos artísticos
da vanguarda europeia – dadaísmo e surrealismo – influenciados também pelas ideias
do materialismo histórico de Marx, da filosofia do martelo de Nietzsche e da psicanálise de Freud, tornam-se análogos
à esse cenário.
Tratam-se de sobreposições
fotográficas, ou seja, diferentes fotografias que amalgamadas na pós-produção, tornam-se
uma, conferindo a uma só imagem simultaneidade. O efeito dessa técnica, muito utilizada
naquele período pelos artistas dadaístas e surrealistas, confere um estranhamento,
inquietação, antinaturalidade, contradição, ritmo, pois nosso olhar desloca-se entre
as várias imagens, buscando estabelecer relações entre elas.
O titulo What do you want from me? é bastante sugestivo
pois Cahun não costumava intitular seus retratos. Observamos o retrato duplicado
de uma mesma pessoa, que se tornam duas. Talvez possam ser gêmeas, amantes, adversárias,
simbolizem corpo e alma ou a mesma pessoa em diferentes situações. Conforma-se como
representação da ideia dos muitos eus que nos constituem e as inerentes afeições:
o oculto, o irracional, o que se gostaria de ser, o que nos aprisiona, a virtualidade
do vir a ser ou do que poderia ter sido a partir de escolhas outras. As leituras
dessa imagem, como de qualquer outra, são inúmeras.
Nessa fotografia,
Claude insere-se no limiar entre gêneros com cabelos raspados, ombros nus e fundo
neutro. Não se pode afirmar certeza de masculinidade ou feminilidade: é fatalmente
um retrato de um ser andrógino.
De modo similar,
aparece em outra fotografia uma persona dual e fantasmagórica, ambas a mirar-se
entre si como que refletidas por um espelho. A lente da câmera transforma-se aqui
e, consequentemente o nosso olhar de espectador, no espelho que as reflete. Elas
estão a se olhar através do nosso olhar. Como em um jogo de cartas, são personagens
coringas, indecifráveis, inesperados, que ajudam ou atrapalham a jogada. Isso dependerá
do jogo que se joga.
Na modernidade
o sujeito passa a ser compreendido a partir de uma construção histórica, sendo constituído
de camadas arqueológicas estratificadas: sujeitos humanistas (descentrado do Divino),
sujeitos da razão, sujeitos de direito (em relação ao Estado com suas leis, direitos
e deveres), sujeito indivíduo (sob o estatuto da individualidade, com existência
e corpo individualizado, livre e autônomo), sujeito trabalhador (relação com o Capital
e consumo) e sujeito psicológico (em relação ao que dá sentido à singularidade).
Inegavelmente, o sujeito através dos tempos, estando dentro ou fora dos limites
dos seus enunciados exerce produção e significação de relações de poder.
1.3 Identidade e micropolítica
A estrutura da sociedade moderna,
e suas organizações disciplinantes, foi edificada entre os séculos XVII e XVIII.
Se desde o século XVI, a forma política de poder territorial do Estado ignorava
indivíduos – em nome do interesse na totalidade, na classe ou grupo de cidadãos
– a partir da modernidade esse fato é alterado com a necessidade de controle ao
indivíduo.
O Estado resgata
uma forma política originária das instituições cristãs – o poder pastoral – no qual
seu poder é tanto individualizante como totalizador. Não interessava ao Estado uma
massa de indivíduos anônimos que pudessem fugir ao controle, era preciso marcá-los
cada um com a sua identidade (Prado Filho, 2010).
O pastorado garante a condução das ovelhas
e assegura sua salvação de acordo com suas condutas. Esse poder pastoral aplicado
pelo Estado vem revestido de sedução e do apelo educativo, pedagógico e subjetivante
que o torna muito mais difícil de resistir, pois assegura aos indivíduos saúde,
bem-estar, segurança, proteção contra acidentes, garantia de direitos e possui uma
tecnologia de poder, tanto globalizadora e quantitativa (população), quanto analítico
(indivíduo).
Nesse contexto,
Foucault (1995) traz a analogia entre o controle das condutas que se dá através
da regulação das identidades, no qual o poder pastoral governa as almas e o poder
do Estado governa os vivos, ou seja, suas condutas. De acordo com o filósofo, a
regulação da identidade perpassa constantemente pela sexualidade, um dos mecanismos
de maior controle e normativa social, fixados nos corpos de cada indivíduo.
Na cultura ocidental
existe, segundo Foucault, diferentes formas pelos quais os seres humanos tornam-se
sujeitos a partir de diversos modos de objetivação: pelo simples fato de estar vivo
– sob a constatação natural e biológica; através da produtividade – o sujeito que
trabalha, produz riqueza e movimenta a economia; através da investigação – que opera
através da ciência; através das chamadas práticas
divisórias – onde o sujeito sofre classificações como, por exemplo, louco e
são, doente e sadio etc.; e através da sexualidade.
A teoria política
– como ciência do possível num campo de enfrentamentos – é uma produção moderna
que propõe modos de resistência contra as diferentes formas de poder. Essas, por
sua vez, devem ser pensadas a partir de necessidades conceituais específicas para
cada tipo de realidade.
Foucault desloca
as relações de poder Estado-sociedade, não compreendendo a política como relação
macro, mas sim considerando-a como fenômeno social e/ou micro-social: as relações
de poder como tecido político. Neste contexto, o poder não é algo que se detenha,
se aproprie ou seja concentrado, mas é exercido através da relação entre indivíduos
ou entre grupos, caracterizando uma horizontalidade do poder. Entende-se o poder
como resistência e enfrentamento nas relações móveis e assimétricas.
Considerando sua
influente reputação literária familiar, Claude Cahun usufruía também de conforto
material que a liberava da obrigatoriedade de um trabalho condicionado para seu
sustento. Pode se dar ao prazer de produzir suas fotografias, performances e escrita
experimental não, necessariamente, destinadas ao consumo e venda à determinado público,
mas, prioritariamente, para si mesma e seus entes mais amados. No entanto, ao infiltrar
em sua arte-vida experiências e ações de natureza ambivalente, subversiva, crítica,
sexual, fora dos padrões morais de sua época e contexto, Claude tornou a si e sua
arte política.
No autorretrato
de 1920 ela aparece em pé em postura frontal, cabelos raspados, sem maquiagem nem
adereços, trajada elegantemente em um terno masculino de veludo preto, um foulard no pescoço e um lenço no bolso do
paletó. Uma expressão afirmativa em seu olhar desafia o olhar do espectador. As
posições das mãos complementam a ambiguidade: enquanto a direita repousa delicadamente
na cintura, a mão esquerda está fechada em punho, sugerindo a ideia de enfrentamento.
Um similar confrontamento
aparece em uma fotografia da jovem Frida Kahlo, em 1924. Artista também reconhecida
por suas construções identitárias, Frida burla os rígidos padrões burgueses ao inserir-se
no retrato de família trajada, penteada e em pose como se fosse um rapaz.
Outro artista que
provocou os rótulos de gênero neste período, foi o mestre da subversão Marcel Duchamp
através de seu alter ego feminino Rrose Sélavy (EROS é VIDA). Em retrato feito pelo amigo Man Ray, Duchamp transfigura-se
nessa mulher de rebuscada postura burguesa, chapéu coco, estola de pele e expressão
maquiada e serena. As mãos meticulosas em pose delicadíssima e uma dedicatória,
escrita com letra cursiva na lateral posterior direita da imagem, endossa uma aura
de credibilidade à respeitosa madame.
Rrose era uma extensão
da tradição da androginia e da inclinação de gênero nos retratos; afinal, Duchamp
refez a Mona Lisa como homem quando desenhou um bigode e uma barba em um cartão
postal da pintura de Da Vinci. Seu pseudônimo feminino não supunha truques, pois
era apenas uma das muitas tentativas de provocar ideias sobre identidade e auto-representação,
particularmente em retratos de si mesmo. Outros exemplos incluíram fotos que o encenavam
como um criminoso e montagens fotográficas, retratando-o simultaneamente sob cinco
pontos de vista diferentes, mas Rrose, em particular, é uma das partes mais enigmáticas
da obra do artista. Ao criar um alter-ego feminino e envolto em um certo mistério,
Duchamp conseguiu equilibrar a arte da contradição, perturbando e sustentando suas
ideias e intenções de uma só vez (Hawkins, 2015). [8]
A originalidade
de Claude, no entanto, é a experimentação de si no propósito da invenção de um ser
que não se afirma em determinado rótulo, mas intenta coloca-se entre lugares: entre
gêneros, entre ideias, entre modos de vida, entre realidade e ficção.
Observando um retrato
de 1931, o surrealismo aparece marcado: Cahun se coloca entre humano e objeto, entre
orgânico e imortal, entre lugares. Um ser monolítico dotado de vida e desespero,
almejando lançar-se para fora de sua rigidez rochosa em ansiedade nervosa. Os tendões
e os dedos abertos, demarcados pelo contraste de luz e sombra, criam tensão entre
o espaço celeste e a matéria não lapidada.
Em nossa sociedade
a (re)invenção de si não é incentivada, pelo contrário. Problematizar as normativas,
primeiro passo para buscar transformar fatos dos quais não se vai de acordo, é atitude
que denota questionamento, auto-crítica e reflexão que induzem ao auto-conhecimento
e posicionamento diante das relações assimétricas que trama a tessitura micropolítica.
Ao permitir-se
pensar ou fazer diferente, o sujeito – como peça da engrenagem social – torna-se
incômodo ao status quo do poder vigente. Em seu aforismo intitulado A sólida reputação, Nietzsche considera:
Uma reputação sólida costumava ser extremamente
útil; e onde quer que a sociedade continue a ser dominada pelo instinto de rebanho,
é ainda muito conveniente, para cada indivíduo, fazer com que seu caráter e sua
ocupação sejam tidos por imutáveis – mesmo que no fundo não o sejam. […] A sociedade
sente, com satisfação, que tem na virtude desse, na ambição daquele, na reflexão
e no fervor daquele outro um instrumento confiável e sempre disposto – ela presta
o máximo de honras a essa natureza de instrumento, essa fidelidade a si mesmo, essa
invariabilidade nas opiniões, nas aspirações e até nos defeitos. Uma tal avaliação,
que em toda a parte floresce e floresceu juntamente com a moralidade dos costumes,
educa o “caráter” e difama toda mudança, toda reaprendizagem e transformação de
si.
Problematizar as
questões política, ética, social e filosófica de nossos dias não consiste em liberar
o indivíduo do Estado e suas instituições, mas desvencilhá-lo do tipo de individualização
que a ele se liga. Não é tarefa fácil, mas continua-se na resistência cotidiana
aos jogos de poder, na afirmação de si, buscando nessas relações oscilações que
vão se moldando e remodelando à medida em que se luta.
1.4 (auto)Biografia
A narrativa biográfica como gênero
literário tradicional da escrita de histórias de 9 vidas dos homens ilustres, heroicos
e desbravadores arquiteta de maneira ascendente e sublime suas façanhas sem considerar
suas ambiguidades, nem seus vacilos.
Em 1550, o italiano
Giorgio Vasari publicou Vidas dos Artistas,
livro que se tornou o precursor das biografias de artistas e também da História
da Arte como a conhecemos no Ocidente. O título original Le vite de’ più eccellenti pittori, scultori, e architettori enaltece
os mais excepcionais, inigualáveis, extraordinários
e admiráveis artistas homens.
Em pleno fortalecimento
do Renascimento, como novo paradigma sociocultural e econômico, Vasari inaugura
uma escrita biográfica que buscava evidenciar – segundo historiadores, não sem uma
implicada dose de camaradagem ou desafeto – a maestria daqueles artistas como seres
transcendentais e, também, através da relação entre a obra artística e a vida pessoal.
De outro modo,
as autobiografias oferecem possibilidades literárias de dar-se a apresentar, narrando
em primeira pessoa uma experiência vivida pelo próprio indivíduo e, por isso, são
mais permeáveis às idiossincrasias, contradições, confissões, sentimentos e pensamentos
desviantes. Os diários, cartas, memórias, seja de modo literal ou constituída de
elementos ficcionais, encorajam à autobiografia um aspecto de diálogo e não monólogo
(como acontece nas biografias) entre o autor e o leitor.
A historiadora
Michelle Perrot (2017) discorre sobre o fato de que a escrita pessoal, apesar de
não ser uma exclusividade feminina, demarcou um caráter intimista que era muito
ligado ao contexto privado ou doméstico destinado à mulher na sociedade ocidental:
De maneira geral, a presença das mulheres nesses
arquivos se dá em função do uso que fazem da escrita: é uma escrita privada, e mesmo
íntima, ligada à família, praticada à noite, no silencio do quarto, para responder
às cartas recebidas, manter um diário e, mais excepcionalmente, contar sua vida
(2017).
Apesar disso, até
o início do século XX – período em que as mulheres iniciam seu ingresso na esfera
pública – era extremamente raro encontrar autobiografias de mulheres. Segundo Perrot,
até final do século XIX, o olhar-se para si e para sua trajetória de vida, fazer
o balanço da existência e uma escrita desta, era tarefa destinada às pessoas públicas.
Se existisse, por raridade, a narrativa de vida das mulheres, geralmente era sob
a forma de memórias que evocavam e destacavam
os homens que conheceram ou conviveram.
A historiadora
brasileira Margareth Rago (2013), através de uma perspectiva feminista, defende
em seu trabalho a prática da escrita de si, a partir da leitura foucaultiana, no
intento da construção de uma subjetividade que está em constante rearranjo e aberta
ao processo inerente do devir, considerando a multiplicidade das redes de relações
na qual insere-se o sujeito.
Nesse sentido,
a autobiografia deixa de ser uma escrita estritamente individual para abrir-se também
ao coletivo e às tramas micropolíticas, considerando que a linguagem e os discursos
são meios pelos quais se organizam tanto a dominação cultural quanto a resistência.
Em 1930 Claude
Cahun publica sua autobiografia intitulada Aveux
non avenus. [11] Como era próprio
de seu feitio e contexto artístico, trata-se de uma subversão da tradicional autobiografia
a partir de uma narrativa antirrealista – híbrido entre realidade e ficção, entre
individual e coletivo – com forte apelo surrealista, ilustrada de fotomontagens
e aforismos criados por Cahun, que forjava sua crítica ao conservadorismo cultural
dominante na França, após a Primeira Grande Guerra.
Nesse collage fotográfico, aparecem fotomontagens,
muitos retratos duplicados sendo a maioria da própria Claude. Corpos sem cabeça
e vice-versa, pássaros, armas, costelas humanas similares às imagens de raio-X,
um retrato duplicado de um homem sugerindo o hibridismo entre gêneros, partes de
corpos fragmentados.
Em 1925, influenciada
pelo livro Vidas Imaginárias, escrito
pelo seu tio – o escritor simbolista Marcel Schwob – e por Moralidades Lendárias, de Jules Laforgue, Cahun publica parte de seu
manuscrito Heroínas, que se trata de uma
coletânea de contos nos quais realiza sua escrita a partir de uma mirada psicológica,
simbólica e, em certos sentidos, também autobiográfica – a exemplo do último conto
intitulado “A Andrógina, heroína das heroínas” – de mulheres célebres ou desconhecidas
da Antiguidade.
Escolhe tecer a
vida subjetiva de suas personagens sob a temática do narcisismo, androginia, onirismo,
misturando poesia e filosofia, além de metáfora e escrita culta, criando camadas
de significação. As heroínas são: Eva, a mui crédula; Dalila, mulher entre as mulheres;
A sádica Judite; A provocadora (Penélope, a irresoluta); Helena, a rebelde; Safo,
a incompreendida; Maria; Cinderela, a criança humilde e arrogante; Margarida, irmã
incestuosa; Salomé, a cética; A Bela; A esposa essencial ou A princesa desconhecida;
Sofia, a simbolista; Salmacis, a sufragista; Aquele que não é um herói; A Andrógina,
heroína das heroínas.
Neste último, Claude
inicia o conto a partir de uma descrição física de si, como uma espécie de retrato
falado, carregado de elementos autobiográficos:
Retrato da Andrógina
Seios supérfluos; os dentes pesados e contraditórios;
os olhos e cabelos do mais banal dos tons; mãos bastante finas, mas contorcidas
e deformadas por um demônio – o demônio da hereditariedade… A cabeça oval do escravo,
a testa alta demais… ou baixa demais; um nariz bastante bem-sucedido em seu gênero
– ai! um gênero que faz associações desagradáveis de imagens; a boca sensual demais:
algo que se pode agradar quando se tem fome, mas assim que se come, causa enjoo;
o queixo mal saliente o bastante; e em todo o corpo, músculos apenas esboçados…
Vitoriosa!… às vezes vitoriosa dos incômodos mais atrozes, uma destreza tardia corrige
uma sombra, um gesto imprudente - e a beleza renasce! Pois diante do espelho, Narciso
é tocado pela graça. Ele consente em se reconhecer. E a ilusão que ele cria para
si próprio se estende a alguns outros.
Segundo Leperlier,
exumador estudioso da obra de Cahun, em
Heroínas ela abertamente intenciona ironizar,
subverter e atacar a imagem da mulher culturalmente constituída nos contos e mitos,
reescrevendo uma nova biografia delas em outras
versões inesperadas, rebeldes, cáusticas e irreverentes.
A biografia de
Claude é tão multifacetada quanto o que podemos investigar através de sua escrita
literária e de sua atividade fotográfica. Em 1932 conhece e relaciona-se intelectualmente
com o precursor do surrealismo André Breton – eram bastante próximos e nutriam uma
verve criativa e amizade profunda e apaixonada.
É desse período
a imagem tão simbólica de Cahun dormindo dentro do armário, vestida de moçoila sonhadora: lacinhos no cabelo, blusa,
shortinho curto, meia soquete e sapatos brancos (fig. 10). À distância de décadas,
pode-se ler hoje essa imagem como uma representação da expressão popular sair do armário, que significa assumir a
homossexualidade, ou uma composição estética tipicamente surrealista na qual busca-se
agregar o inesperado, o casual, a desorientação, o não convencional, a fuga de padrões,
o ilógico, a imaginação na concepção da ideia, do processo e da feitura da obra
de arte como elaborada na célebre frase do poeta franco-uruguaio Lautréamont (1846-1870):
Belo como o encontro casual de uma máquina
de costura com um guarda-chuva numa mesa de dissecar cadáveres. [12]
Nessa mesma década,
Claude associa-se ao movimento surrealista e adere à Associação de Escritores e
Artistas Revolucionários militando, junto com sua companheira Moore, intensamente
nas atividades políticas e sociais afirmando suas posições libertárias. Em 1938,
às portas da Segunda Guerra, devido sua origem judaica e sua militância política
subversiva, Cahun e Moore deixam Paris e compram uma propriedade na ilha de Jérsei.
Continuam mantendo vínculo com os artistas e poetas do grupo surrealista.
Contudo, nesse
outro contexto, e como autoproteção, ambas passam a travestir-se e comportar-se
socialmente como duas senhoras. As fotografias
desse período explicitam uma relação entre Claude, retratada por Moore, a nova casa
e seu cotidiano. Cahun endossa todo o estereótipo feminino nas roupas, nas poses,
na maquiagem e cabelos. Sua nova persona é uma, aparente, pacata cidadã no alto
dos seus 45 anos.
Em 1944, em consequência
da incansável militância política em atividades de contrapropaganda da resistência
francesa, Claude e Moore são capturadas, presas e condenadas a morte pelos nazistas.
Muitos de seus arquivos, principalmente os fotográficos, foram pilhados e destruídos.
Ficam detidas até maio de 1945 e escapam, por pouco, da execução. A saúde de Cahun
fica comprometida após o período do encarceramento, realiza novos escritos e notas
sobre sua atividade de resistência, inicia a redigir sua autobiografia intitulada
Confidences au miroir, além de novos autorretratos.
Morre em 1954 de embolia pulmonar.
Em 1992, François
Leperlier publica a biografia definitiva de Claude Cahun intitulada L’ecart et la metamorfose a uma exposição
subsequente dos seus enigmáticos retratos. Três anos mais tarde, uma nova exposição
de suas fotografias no Musee d’Art Moderne de la Ville de Paris corroborou no crescente
interesse de público pelo trabalho da artista.
Sob a tutela de
Leperlier, o trabalho fotográfico de Cahun começou a ganhar espaço, ser alvo de
pesquisadores e aficionados (entre estes a provocadora artista inglesa Gillian Wearing).
Entre 2011 e 2012 uma grande retrospectiva de sua obra passou por três países em
dois continentes: começou em Paris no Jeu de Paume (entre 24 maio a 25 setembro
de 2011); Barcelona (entre 27 de outubro de 2011 a 29 de janeiro 2012); e no Chicago
Art Institute (de 25 fevereiro a 03 junho 2012).
Claude engendrou
corpos, eus, autobiografias ficcionais temperadas com situações concretas, mas não
tinha interesse pela verdade: Quanto à verdade, será que eu a confessaria para
você? Não dou a mínima para isso. Não a procuro – sim, fujo dela. Julgo que seja
esse meu verdadeiro dever…
Claude Cahun permaneceu
esquecida por meio século e muitos historiadores e críticos de arte buscam algumas
possíveis respostas à esse fato. O fato é que sua fluidez identitária, subjetiva,
sexual, artística e política a coloca como algo-alguém desconcertante, incontrolável
e, por isso, inclassificável.
1.5 Fotografia como escrita de si
O advento da fotografia, em meados
do século XIX, possibilitou um conhecimento inédito do mundo: através do congelamento
do tempo e da fantasia de imortalidade dos Homens. No século imerso da racionalidade
cientificista antropólogos, arqueólogos, geógrafos, médicos, grupos da esfera judiciária,
entre outros, fizeram uso da fotografia como atestado científico de presença e da
Verdade.
Em sua prática
inicial, o retrato fotográfico buscou aquilo que já era regra ao retrato pictórico
burguês: a preocupação com a nitidez da imagem e o caráter fidedigno na representação
do modelo retratado. No início do século XX, porém, a despeito dos detratores da
fotografia no final do século anterior, tal produto já era imbuído de valor artístico
pois oferecia, justamente, a possibilidade de subverter a realidade tal qual os
olhos veem ou espera-se de uma representação, tornando-se dispositivos para criação
artística e posicionamentos críticos das construções sociais.
O autorretrato
fotográfico, desde os primórdios, contém o aspecto performativo do olhar-se olhando.
Abarca uma carga erótica do seduzir-se seduzindo. Integra um fetiche do expor-se,
expondo. Envolve um jogo de sedução entre Narciso e seu reflexo, entre a objetiva
da câmera e a persona que se escolhe deixar aparecer.
É inegável o apelo
sexual e o mistério ao encontrar-se consigo mesmo a partir da imagem espectral,
haja vista a multiplicidade e infinidade de autorretratos ao longo dos séculos na
pintura, ao longo das décadas na fotografia e ao longo dos anos no retrato selfie:
A auto-representação no retrato contemporâneo
se impõe num movimento de superação evidenciado nas modalidades de expressão surgidas
ao longo do século passado, como a body art e a performance, e coloca no centro
da obra não apenas o autor como motivo, como sugeria a tradição do autorretrato,
mas o revela como instrumento e elemento catártico de sua própria expressão. O sujeito
se vê ante uma imagem que lhe devolve o olhar com outras imagens num processo contínuo
de multiplicação de eus, de onde surge uma nova individualidade. O reflexo da imagem
em forma de retrato, a visualização de si como outro, a ruptura, a cisão, o corte
são marcas desse novo tipo de retrato que guarda muito pouco da tradição do retrato
clássico, herdeiro da individualidade aristocrática na pintura, e burguesa, na fotografia
(Mazza e Guran, 2011).
O autorretrato
selfie oferece a possibilidade da auto-representação
das muitas personas que nos constituem, por proporcionar a agilidade do registro
como um diário visual, por ser uma ferramenta efetivamente simples e de acesso relativamente
facilitado ao alcance de todos. Já o uso que se faz após o registro, tantos em sua
defesa quanto em sua crítica, abarcaria discussões fervorosas em ambos os lados
e, definitivamente, seria melhor desenvolvido em outro escopo que não o desse artigo.
A fotografia na
contemporaneidade – a partir do contexto, da multiplicidade e variedade de linguagens,
do uso de outras ferramentas de edição em sua pós-produção, entre outros – é compreendida
e validada em seus aspectos de realidade e ficção.
Claude Cahun nunca
buscou a Verdade, posicionamento, aliás,
extremamente consonante com seu contexto histórico. Em sua luta social e experimentações
artísticas buscou promover novas formas de subjetividade através da recusa de apenas
um tipo de individualidade imposta. Para ela, mais do que investigar quem era fez-se
relevante sua recusa para imaginar e construir quem poderia ser.
Uma das formas
de sujeição é a imposição social da cristalização da identidade, na qual o sujeito
só é reconhecido se se repete perante os outros e a si mesmo. Mas sendo o sujeito
detentor de múltiplas identidades – civil, social, política, sexual – de que modo
se dá essa cristalização? Com qual das facetas ele deve se repetir? Talvez seja
nesse ponto que importa pensar na identidade como diferença, havendo uma substituição
da problematização da identidade pela luta ao direito à diferença, que por sua vez
é uma luta maior que a simples recusa da identidade.
A partir de seus
estudos foucaultianos, Margareth Rago referencia a prática do cuidado de si e da
estética da existência, elaborada pelos antigos gregos, a partir de uma mirada feminista,
na qual busca-se: uma crítica das identidades estanques; fazer da vida uma obra
de arte a partir da prática e da intelectualidade nos novos/outros modos de pensar
e fazer a política; relacionar-se com o próprio corpo e com o meio; pois,
A crítica feminista foi – e tem sido – radical
ao buscar a liberação das formas de sujeição impostas às mulheres pelo contrato
sexual e pela cultura de massas, e se num primeiro momento o corpo foi negado ou
negligenciado como estratégia dessa recusa das normatizações burguesa, desde os
anos 1980 percebem-se uma mutação nessas atitudes e uma busca de ressignificação
do feminino.
Nesse sentido,
a partir de seus retratos e autorretratos, Claude constituiu tanto um espaço de
um ‘eu’ expandido quanto a relação com o Outro, encontrou voz na fuga dos discursos
e pressupostos ontologizantes, humanistas e essencialistas a partir de sua afirmação
constitutiva no processo, no limiar entre um alguém e outro, tecendo a sua própria
identidade sem render-se ao aprisionamento ideológico e identitário. Cahun tornou-se
sujeito diaspórico e sincrético.
Entremeados nas
discursividades filosóficas-políticas, a arte é afirmada como parte fundamental
na tomada da existência e resistência ao poder e ao controle que nos foram impostos
por todos os enunciados que nos constituem.
Se não em todos,
a maioria dos autores, aqui referenciados, explicitam a profunda relação entre arte
ou criação – de modo generalizado, porém no sentido do inédito – e micropolítica,
como possibilidade da reinvenção de si e do coletivo na tomada de resistência ao
controle.
A noção de indivíduo,
na condição de modelo e referência, é instituída na modernidade, e suas experiências
coletivas e particulares tornam-se objeto de relevância e reflexão nas variadas
esferas do conhecimento. Do marxismo à psicanálise, a interpretação da subjetividade
e as inúmeras indagações filosóficas sobre a presença do sujeito no mundo – obviamente,
abordadas na arte – avançam períodos e estilos se reafirmando em todo século XX.
A busca da Verdade está sob suspeita.
As interrogações
sobre os limites do indivíduo investem com interesse quase obsessivo o privado e
o íntimo, potencializando a ideia de identidade não como algo compacto e homogêneo,
mas de um eu constituído por tantos nós, multiplicando possibilidades de auto-representações
e modos de devir.
Claude Cahun continua
inclassificável. Está, aparentemente, em algum lugar entre lugares: denominações,
linguagens, gêneros, realidade e auto-ficção, entre o inédito e o mítico. Suas experiências
radicais na arte, literatura e na política fizeram-na, simultaneamente, tanto vanguardista
quanto outsider. Propôs a fluidez entre os papéis identitários pois não lhe interessava
repetir-se para os outros, muito menos para si própria. Rompeu, no início do século
XX, as categorias binárias e dualismos impostos pela normativa social.
Embora por tanto
tempo esquecida, foi uma figura chave no movimento surrealista e quando redescoberta,
no final dos anos 1970, tornou-se referência à artistas contemporâneas – a exemplo,
Cindy Sherman e Gillian Wearing, com trajetória artística que problematiza questões
de identidade e controles sociais – e historiadores de arte que investigam a partir
de perspectivas teóricas pós-modernas, feministas e queer.
Sob o controle
dos corpos e da sexualidade a partir dos retrocessos de tempos recentes, um trabalho
como de Claude Cahun, realizado há quase um século, continua sendo tanto inédito
quanto atualíssimo. As construções sociais continuam infelizes apesar da evidente
mudança dos tempos.
O que ela buscou
em sua arte-vida era a experimentação de sua identidade e não uma definição desta.
Cahun buscava e propunha a reinvenção, a personificação, um mascarar-se para logo
em seguida, trocar as facetas. A sua verdade
é constantemente tecida com a ficção, Sob
esta máscara, outra máscara, escreveu ela.
2. Corpo onírico: Dora
Maar e Grete Stern
A ideia de que o tempo da imagem
fotografada se interrompe quando ela é captada e fixada na superfície do papel
não se sustenta, pois a fotografia não para aí. Muito pelo contrário, aí tudo começa,
todas as especulações e vivências em torno de uma imagem fotográfica são feitas
a partir desse momento. A fragmentação temporal que a fotografia instala, a instantaneidade
e pontualidade do tempo que seu processo compreende é, sem dúvida alguma, o traço
característico que a faz distinta de qualquer outra linguagem artística. Esse “momento”
único, entretanto, não seria mágico se aí permanecesse, se aí se esgotasse. (Fernando Braune, 2000)
Considerando a vida como um
apanhado de momentos únicos, afinal tudo é sempre
fluxo que não se repete exatamente como da primeira vez, os elementos que nos marcam
são revividos, reelaborados e re-significados através da inventividade dos sonhos.
Por meio desse ato inconsciente é possível, segundo a psicanálise, equilibrar algumas
instâncias da nossa consciência na tentativa de enfrentar a vida concreta. Tudo
aquilo que é reprimido na vida social e na consciência moral flui, aparentemente
desordenado, nos sonhos. O grotesco, o desconhecido, o repulsivo, o angustiante,
o abjeto, o monstruoso repugna e atrai em igual intensidade, mas, por conta de que
muitas vezes não sabermos lidar com esse sentimento dúbio da atração, forjamos locais
psíquicos muito longínquos para instalar tais aversões. E fato é que, o inconsciente
através dos sonhos, busca equacionar as realidades externas e internas.
Elementos oníricos configuraram
a obra de uma das maiores fotógrafas do século passado, embora por muito tempo Dora
Maar (1907-1997) tenha se tornado mais conhecida por ter sido amante de Picasso
do que por sua grandiosidade artística. Henriette Theodora Markovitch, que adotou
o pseudônimo Dora Maar, estava muito avante da “Mulher chorando”, imortalizada em
1937 pelo pintor espanhol.
Diante dessa inescapável construção de sua
imagem feito pelo olhar egoico de seu amante Dora se defendia: Todos os retratos dele sobre mim são mentiras.
Eles são todos Picassos. Nem uma delas é Dora Maar (Louise Baring, 2017). Para
aqueles que conviveram, amavam e a entendiam, entre eles seu amante Georges Bataille
e colegas do grupo surrealista, ela era vista sob um outro foco: teimosa, sensível,
bem-humorada e passional tanto política quanto culturalmente.
Com sua colagem fotográfica
surrealista, de uma suave mão que sai de uma concha, estaria ela, talvez, mais para
a deusa do amor, personagem central da icônica pintura O Nascimento de Vênus,
de Botticelli. Uma mão vaidosamente feminina, na pose e nas unhas pintadas, surge
insuspeitamente de dentro da concha marinha acariciando de leve a areia ao qual
se apoia e sustenta. A luz contrastada cria sombras que quase transformam esse solo
arenoso em uma pele macia. Ao fundo, sol entre nuvens e um breu espesso de uma noite
ou um oceano abissal forjam no cenário de sonho um abismo vertiginoso.
Maar criou para si e para além um universo artístico
que já em seu tempo foi reconhecido e legitimado dentro dos círculos da arte, o
que a faz ultrapassar a simples associação afetiva com o artista genioso. Aproveitando
de suas condições, possibilidades e talento genuíno, lança-se para fora das quatro
paredes que apartam a vida doméstica da social, esperada para a mulher, originando
uma linguagem fotográfica potente o bastante que iria abrir caminhos profissionais
na publicidade e na arte.
Instalada em 1926 na
cidade luz – período em que regressa à Paris depois de viver anos em Buenos Aires
–e gozando de status econômico e social, inicia seus estudos com aulas de pintura
e fotografia em escolas de referência, viaja para outros países e em 1929 abre seu
próprio estúdio.
Alavancada pelo crescente
mercado de revistas ilustradas, Maar inicia seu trabalho como fotógrafa profissional
em 1931 a partir de encomendas comerciais que incluía moda e publicidade, diversificando
seus interesses entre retratos e fotografia de rua, além de suas fotografias autorais
realizadas em seu tempo livre.
Era uma profissional disciplinada
com amplos interesses e influências artísticas, incluindo Man Ray, Raoul Ubac, Henri Cartier-Bresson,
Giorgio de Chirico, entre outros, preferências que configuravam em seu trabalho
uma estética tanto original quanto idiossincrática, a exemplo de quando usava de
cortes e enquadramentos em close-ups, perspectivas e ângulos de mergulho,
experimentava queimar e arranhar seus negativos conferindo texturas, tramas e características
peculiares.
Dora criava, a partir de contrastes
duros entre luz e sombra, nus simples, mas sensuais que afastavam-se das tradições pictorialistas
francesas e evocava a modernidade norte-americana da fotógrafa californiana Imogen
Cunningham.
A pesquisadora e escritora
inglesa especializada
em fotografia, Louise Baring, descreve em seu livro Dora Maar: Paris in the Time of Man Ray, Jean Cocteau, and Picasso (2017)
uma citação de Henri Cartier-Bresson feita em 1994 na qual ele declara que Maar
era uma fotógrafa notável com um trabalho que sempre apresentava algo marcante e
misterioso.
Uma das primeiras experimentações surrealistas de
Dora Maar foi através de fotomontagem em uma encomenda publicitária de um óleo para
os cabelos, na qual ela usa a solarização, um recurso fotográfico muito usado por
Man Ray, que configura uma estranheza da imagem pois inverte tanto as cores como
os contrastes, quase como se fosse um negativo do filme. Além disso, o assunto da
propaganda, ou seja, o produto e cabelos, estão relacionados de maneira inegavelmente
surrealista. Um farto feixe de cabelos longos e ondulados saem de dentro do gargalo
da garrafa do produto, como se, a partir do seu uso, as consumidoras pudessem contar
com semelhantes madeixas.
A imagem foi reproduzida
na célebre Arts et Métiers Graphiques, de Charles Peignot, uma revista de
artes gráficas que também publicou Publicité and Photographie, com pesquisas
anuais sobre publicidade e fotografia. As imagens de Maar apareceram no final, ao
lado de mestres como André Kertész, Lázló Moholy-Nagy, Albert Renger-Patsch e Germaine
Krull (BARING, Louise, 2017).
No início dos anos 1930,
período que corresponde ao florescer social e artístico de Maar, coincide também
com a mudança do centro da fotografia de vanguarda européia de Berlim para Paris
(ibid). Dora é, nesse contexto, uma figura entusiasta e subversiva com sua sensibilidade
peculiar e sagacidade intelectual que combinava com as características e traços
aos quais os surrealistas forjavam para si.
André Breton, à diferença
do tratamento cordial que manteve com Claude Cahun, admirava, referenciava e respeitava
artisticamente Dora Maar, incluindo-a como uma das artistas surrealistas aclamadas
em sua galeria Gradiva, na rue de Seine em 1937. O mentor do movimento surrealista
defendia que as fotomontagens de Maar consistiam em vertiginosa descida em nós
mesmos… uma sensível excursão em meio ao território proibido.
Fotomontagens também foi o grande diferencial
artístico da alemã Grete Stern (1904-1999), figura fundamental na atualização da
estética fotográfica tanto na Alemanha dos anos 30’ quanto posteriormente na Argentina
para onde se mudou.
As décadas 1920 e 1930
na Europa, que corresponde ao período entre guerras, é simultâneo ao florescimento
dos modernismos e vanguardas nos quais a fotografia teve papel fundamental nas experimentações
artísticas e documentações diversas, tornando-se também protagonista ilustrativa
nas mídias de massa, publicidades e livros de fotografia amalgamando-se indelevelmente
na sensibilidade e cultura visual.
Desde o início da fotografia,
as mulheres foram de fato presentes e atuantes nestes campos específicos, aventurando-se
com mais liberdade e poucas restrições também devido ao fato de que, a fotografia
era considerada uma arte menor, em comparação por exemplo à pintura ou escultura.
[13]
Soma-se a isto o fato de que,
por muito tempo, ser fotógrafo/a profissional não continha o status social que
foi construído nas décadas posteriores, pois a atuação neste trabalho se dava de
maneira autodidata, não havendo nenhum ensino formal ou aprendizado oficial. O acesso
à educação secundária (equivalente a dos homens) para as mulheres só acontece na
Europa em 1924 e o direito político ao voto na França foi conquistado somente após
o fim da Segunda Guerra. As mulheres casadas até 1938 precisavam de autorização
de seus maridos para matricular-se na universidade e até 1965 precisavam ser autorizadas
por eles para o trabalho fora do ambiente do lar (Julie Jones, 2016).
De tal modo, trabalhar
como fotógrafa dava-lhes a chance de criar e gestar um negócio próprio de modo mais
equânime com fotógrafos homens. Na década de 1920, como emergente mídia de massa,
ocorre o aparecimento das revistas ilustradas com assuntos sobre moda, paisagismo
e cuidados da casa, em sua maioria dirigidas às mulheres, o que gerou um campo fértil
a muitas fotógrafas que viriam contribuir para a construção de um novo olhar à cultura
visual.
A educação artística
nas universidades, como foi o caso da Bauhaus aberta em 1919, encorajou e emancipou
muitas mulheres no período entre guerras, a exemplo de Gertrud Arndt, Florence
Henri, Grete Stern, Elsa Thiemann-Franke, entre outras, a buscarem aquele tipo
de formação para além do design gráfico no início dos anos 20’.
A exposição Mulheres
Fotógrafas da Republica de Weimar (1995) reuniu e apresentou o trabalho de mais
de 50 fotógrafas ativas na fotografia comercial ou artística na Alemanha dos anos
20 e 30’ e do pós-guerra, ocasião que já se mostravam proeminentes da escola de
arte Bauhaus. [14]
Muitas destas mulheres
fotógrafas foram pioneiras ao abrirem seus estúdios, ampliando ainda mais os limites
das liberdades permitidas ao sexo feminino junto à conquista do voto, avançando
na experimentação criativa com a fotografia e gozando da consequente independência
econômica e sexual.
Em 1930 Grete Stern
e Ellen Auerbach se reuniram para formar o estúdio Ringl + Pit em Berlim,
especializado em fotografia tanto comercial quanto avant-garde, buscando
a construção de um trabalho autoral, sem os clichês do mainstream e com uma
perspectiva bastante feminista, ainda que este termo não tivesse sido concebido
naquele período.
Em 1932, Grete e o fotógrafo argentino
Horacio Coppola que se conheceram na Bauhaus, tornaram-se um casal bem atuante dentro
da cena intelectual de Berlim. Quando o partido nazista começou a ganhar poder,
a jovem Grete, mulher, judia, comunista e profissionalmente independente viu-se
ameaçada por todos os cânones que lutava para se libertar: do preconceito machista,
anti-semitismo e do conservadorismo de extrema direita, de modo que o casamento
e sua partida para a Argentina – ainda que tivesse de largar tudo o que havia construído
até então, seu estúdio, amizades, família e ideais – foram colhidos como verdadeira
oportunidade.
Em 1936, já radicada em Buenos
Aires em busca de trabalho, após fazer contatos com jornalistas e outros intelectuais
conseguiu um trabalho fixo como repórter fotográfica, não tardando a montar um novo
estúdio em sua própria casa buscando sobreviver ao trauma do exílio ao reativar
sua carreira comercial e artística interrompidas pelo regime nazista.
Grete começou a tornar-se conhecida
na capital portenha a partir de sua série de foto-montagens feita sob encomenda
pela revista argentina Idílio. A coluna
“El psicoanálisis le ayudará” recebia cartas de seu público-alvo, as jovens mulheres
casadoiras, que pediam uma interpretação de seus sonhos surreais aos psicólogos
autodenominados Freudianos. [15]
Grete tinha acesso às cartas das leitoras
com seus relatos dos sonhos na íntegra, fato que dava a ela autonomia artística
e formal para confrontar a interpretação masculina dos redatores freudianos em uma construção imagética que
apontava, ainda que de maneira, por vezes sutil, às vezes irônica, as falácias e
desigualdade de gênero da sociedade patriarcal,
O que ela preza na tarefa
da qual é incumbida é a possibilidade de operar uma subversão de uma imagem sonhada, isto é, impossível de ser
encenada na vida cotidiana, de acordo com o princípio básico da fotomontagem. No
teatro do inconsciente, Stern não busca somente um motivo para dar livre vazão à
sua vontade de criação. Busca também – e não são raras as vezes – uma maneira de
discutir a situação da mulher na sociedade patriarcal, indo além dos motivos pontuais
presentes em determinados sonhos para propor uma reflexão de alcance geral (Annateresa
Fabres, 2009).
Sua própria história de vida
a colocava legítima para subversão de padrões com as quais não ia de acordo. Stern
desde jovem engajou-se política e artisticamente, de modo que a oportunidade de
fazer sua crítica feminista em veículo de comunicação de massa foi mais uma de sua
militância.
Interessante colocar Dora Maar e Grete Stern
lado a lado na temática onírica e na escolha metodológica que ambas experimentaram
a partir da fotomontagem, além de perscrutar coincidências sobre alguns elementos
nas imagens que poderiam – conforme a leitura junguiana dos freudianos,
redatores e analistas dos sonhos enviados à revista Idílio – serem aqui nomeados arquétipos.
Partimos da coincidência de que ambas,
de origem europeia, viveram em Buenos Aires; Maar em sua juventude e Stern que se
mudou no final dos anos 30’ e por alí restou até o fim de sua vida. Ainda que a
colonização europeia deixe marcas indeléveis no seu povo, o país comporta todas
as nuances, diversidades e características problemáticas latino-americanas. É possível
que este fato não tenha se tornado apenas um apêndice em suas sensibilidades artísticas
e políticas.
Observando as imagens, percebemos,
em ambas, elementos
como conchas e moluscos (que remetem ao órgão sexual feminino), estados da natureza
que invocam o sublime como o mar abissal ou as nuvens carregadas que formam a tempestade.
O autorretrato fragmentado e cubista revela o corpo impossível que se desprende
do conceito de rigidez, unidade e identidade.
No caso das fotomontagens de
Stern, a mulher geralmente é colocada em proporção menor do que os elementos que figuram
os sonhos, traduzindo uma ideia de subjugação e dominação de sua vontade e escolhas
perante a sociedade machista e patriarcal. Ainda que adentrar no mundo onírico do
inconsciente pudesse configurar-se como momento de libertação da consciência presa
ao ego e superego, suas leitoras românticas, ao que parece, apesar de se perceberem
em apuros, ainda esperavam que seu herói masculino as pudesse salvar delas mesmas.
3. Corpo objeto: Méret
Oppenheim e Beth Moysés
Os tipos inumeráveis de imagens surrealistas reclamariam uma classificação,
que por hora não me disponho a tentar. Agrupá-los conforme suas afinidades particulares
me levaria longe; pretendo levar em consideração, e essencialmente, sua virtude
comum. Não escondo que, para mim, a mais forte é a que tem o mais elevado grau de
arbitrário; a que exige mais tempo para ser traduzida em linguagem prática, seja
por conter uma enorme dose de contradição aparente, seja por ficar um de seus termos
curiosamente disfarçado, seja por se apresentar como sensacional e pareça se desenlaçar
pouco (fechando bruscamente o ângulo de seu compasso), seja porque retira dela mesma
uma justificação formal derrisória, seja por ser de ordem alucinatória, seja por
atribuir com naturalidade ao abstrato a máscara do concreto, ou inversamente, seja
por implicar a negação de alguma propriedade física elementar, seja por provocar
o riso (André Breton, 1924). [16]
A partir desta compreensão das imagens surrealistas,
apresenta-se este capítulo como uma ampliação da linguagem fotográfica da qual tratamos
até agora, na abrangência da construção de um objeto para que seja disposto fotograficamente.
Se nos princípios da fotografia
ela era concebida apenas como ferramenta mecânica para a captação fiel da realidade,
a partir das vanguardas aquela passou a armar e validar ficções da suposta realidade.
Se a realidade, assim como
a arte, é
uma construção ficcional contada segundo privilégios de uns ou outros enunciados,
realizar uma ação artística para ser fotografada seria tanto motivo de legitimidade
da ação, como suporte material e diversificação poética através da fotografia e
seus códigos específicos. [17]
Contudo, e contraditoriamente,
as obras aqui apresentadas como objetos também são propostas como fotografias – sobretudo
no caso de Beth Moysés que é contemporânea – por realizá-las em consonância com
os ideais de nosso tempo, através do hibridismo artístico que se dá, simultaneamente,
entre a manufatura do objeto artístico, a instalação, a performance
e a videoarte.
No período entre guerras,
mesmo com as iminentes aparições das mulheres na vida econômica, social e nas vanguardas
artísticas, muitas vezes elas ainda eram apenas vistas como temas ou musas inspiradoras
dos artistas homens. No surrealismo, apesar de o movimento instigar a subversão
dos padrões e da moral vigentes para a criação de uma nova sociedade, o grupo liderado
por Breton manteve seus preconceitos bem nítidos na exacerbação dessa tal novidade
artística, que viria a ser forjada, inicialmente, apenas por homens.
As artistas surrealistas, aqui apresentadas,
não foram prontamente assumidas no grupo pelos companheiros aliás, foram por muitas
vezes desprezadas e negligenciadas por preconceitos misógino e/ou lesbofóbico. A
exemplo, pode-se observar na fotografia ao lado, realizada como divulgação em jornais
e revistas, sobre a primeira exposição surrealista em Londres no ano de 1936, na
qual a imagem é editada de modo a apagar
a presença de Claude Cahun (à direita na imagem). [18] O nome de Cahun foi editado
inclusive de catálogos e artigos dedicados ao evento.
Assim como Cahun, que havia
assumido seu pseudônimo unissex desde seus vinte e três anos, Méret Elisabeth Oppenheim
(ou Meret Oppenheim, Suíça, 1913-1985) era muitas vezes erroneamente referenciada
por críticos e outros artistas homens como o Sr. Oppenheim. Méret mudou-se a Paris em 1932 e rapidamente associou-se
aos artistas centrais do surrealismo, participando de reuniões e exposições.
Justamente por ser mulher e
saber muito bem de como os surrealistas as viam, se imbuia de ironia e bom humor
para transitar entre eles com seu trabalho carregado de erotismo e ameaça que propunham explorar
criticamente temas como identidade, exploração e sexualidade feminina a partir de
suas esculturas, objetos e fotografias.
A domesticidade feminina era
posta em cheque pela artista a partir da perturbadora e sarcástica justaposição
entre objetos de uso do cotidiano, como pratos e talheres, e outros elementos aparentemente
desconexos como uma espécie de collage tridimensional. Meret buscava desorientar
o senso comum com reelaborações dos anteriores objetos para, mais do que subverter
sua forma e utilidade, explorar os impulsos psicológicos, sexuais e emocionais que
se desprendiam sob a superfície aparentemente natural da sociedade.
No caso de sua obra surreal
mais famosa “Objeto”
(1936), a xícara, o pires e a colher de chá são inteiramente recobertos com uma
atraente (e na atualidade, ecologicamente incorreta) pele de animal. É um objeto
altamente sedutor ao olhar e ao toque, gera o fascínio e certa repulsa, de modo
análogo a tudo aquilo que provoca o distúrbio por desejos inconfessos como preconizava
Sade sobre a irracionalidade e o obsceno que caracteriza a violência e o sexo.
Meret Oppenheim ficou surpresa
com a rápida
e eloquente popularidade que ganhou seu ‘Objeto’ junto à crítica e ao público parisiense
já em 1936, na ocasião da primeira exposição de objetos surrealistas, organizada
por Breton. Dez anos mais tarde, o Museum of Modern Art, de Nova York, adquiriu
este trabalho. Em uma entrevista de 1973, Meret comenta de seu Objeto:
Arte [...] tem a ver com espírito, não com decoração […] e um
trabalho tão pequeno e econômico quanto Object tem um espírito tão descomunal porque a pele combinada com uma
xícara de chá evoca uma mistura tão surpreendente de mensagens e associações. A
pele pode remeter a visões de animais selvagens e da natureza, enquanto a xícara
de chá pode sugerir boas maneiras e civilização. Com essa pele, a xícara de chá
torna-se macia, arredondada e altamente tátil. Parece atraente ao toque, se não,
por outro lado, ao gosto: imagine-se beber dela e a sensação física de pelo molhado
enchendo a boca. [19]
A observar suas obras torna-se
evidente sua ironia e malícia como qualidades efervescentes de suas temáticas. O corpo,
a condição feminina e as dinâmicas políticas entre os sexos, para Méret, eram transmutados
através de objetos utilitários a partir da inerente carga simbólica que afere valores
na sociedade do espetáculo e do consumo.
Em “My Nurse” (1936) observa-se
um par de sapatos femininos brancos, salto alto e com sola gasta, amarrados entre
si como um assado pronto para ir ao forno, ou então, um corpo envolto em um bondage
[20] sadomasoquista. O
jantar surreal é servido em uma travessa prateada que aparentemente poder-se-ia
refletir os comensais como um ritual antropofágico e, entre o que se come ou quem
é comido, entram em jogo.
Pés e sapatos femininos
de salto alto são símbolos fetiches muito disseminados; além da cor, aspecto e o
título destes que não são nada aleatórios: brancos, castos e atenciosos como espera-se
dos calçados das enfermeiras (nurse, que, não por coincidência, reitera o
fetiche da mulher zelosa do bem-estar físico). Solas gastas de andar pelos corredores
hospitalares, tal qual seria os calçados de uma servente trabalhadora da saúde,
ou exauridos de andar pelas calçadas tal qual uma profissional do sexo?
A instituição sacramentada do
casamento é provocada ironicamente por Méret em “Sugar Ring”; contudo a aliança
de compromisso (até que a morte os separe,
amém) não engana nem pelo falso brilhante [21] que ali torna-se legítimo deboche a todos os termos que definem
o enlace matrimonial: bodas de ouro, lua de mel, e outros edulcorantes. No lugar
do diamante (Diamonds are a girl’s best friends)
[22] o que se tem é um torrão de açúcar
muito branco, volumoso e sedutor, mas que ao sinal da primeira oscilação de umidade
atmosférica o cubo açucarado se desencanta e se decompõe em líquido pegajoso.
Todos os discursos críticos sobre o papel
da mulher na sociedade machista podem perfeitamente se ajustar nos objetos de Méret:
o casamento (de branco virginal) e a dominação da mulher na cela domiciliar, a objetificação da mulher
através do sexo pago, a misoginia que imobiliza escolhas e desproporciona oportunidades
e direitos entre cidadãs e cidadãos.
Beth Moysés (São Paulo,
1960) é contemporânea e atuante no cenário artístico brasileiro e internacional.
Sua poética debruça-se sobre os mitos que permeiam o universo feminino do amor romântico
ao casamento, com punhaladas poéticas que assinalam a solidão à dois, a instituição
religiosa e marital ou a denúncia aberta sobre a violência contra a mulher.
Transita entre muitas linguagens
plásticas
e sua produção se corporifica através de objeto, instalação, performances públicas,
desenho e fotografia.
No início dos anos 1990’,
Beth apropriou-se do vestido de noiva como elemento simbólico, poderoso o bastante
para articular suas investigações sobre o ser mulher em uma sociedade desigual entre
os gêneros, bordando e tecendo narrativas que fundiam a autobiografia e os relatos
coletivos de outras mulheres.
Eu ia colando coisas
femininas: era meia de seda, tule, todas essas coisas que faziam parte do meu universo,
e pintava. Era uma guerra entre eu e a tela. Eu arrancava… Daí resolvi fazer o seguinte:
tirar a tinta por completo do meu trabalho e ele ficou branco e vi alguma coisa
de noiva nele, o que me fez buscar um vestido de noiva em uma loja. Resolvi comprar
uns vestidos já muito usados que já não serviam para uma noiva se casar. Eles já
estavam roídos por traças, antigos mesmo. Pedi, também, vestidos de noiva para as
amigas. Então me interessei por esses vestidos e comprei mais. Eu os recortava e
criava objetos com eles. Mas todo esse volume me levou a um lugar. Quando pego nos
vestidos que fui recolhendo por aí, tenho uma memória involuntária, vou lá atrás
no meu passado e trago todas as referências que tive de relacionamentos, de casamentos,
do que eu via entre meu pai e minha mãe, do que eu não concordava. Sempre fui supersensível.
Era uma coisa muito complicada aquele relacionamento entre o meu pai e minha mãe.
Eu poderia estar cuidando da minha vida, estudando, sei lá o que, mas ficava cuidando
dos dois, envolvida com os problemas deles. À maneira que encontrei para me expressar
foi através da arte. Os vestidos de noiva me levaram para esse lugar. Aí eu trouxe
e juntei este conceito ao meu trabalho: o casamento regido pelo Amor Romântico,
a identidade de gênero sexual dentro dele, a relação de poder do homem sobre a mulher,
a frustração. Então, quando comecei a fazer, eu não parava. Não parava porque era
muita coisa. Era um trabalho atrás do outro. Era uma compulsão. Iam brotando trabalhos,
sabe. Brotando, brotando, brotando, eu não parava. Eu sentia que naquilo tinha uma
verdade. As pessoas comentavam: De onde é
que você tirou isso? Eu respondia: Nem
eu sei! Sabe, a coisa foi nascendo, nascendo, nascendo pelo amor que eu tinha
pelo fazer, e de toda a história que eu carregava dentro de mim. Juntei as duas
coisas e aí nasceu o meu trabalho. Quando tirei a tinta, ficou o branco, e tudo
mais veio desse branco. [23]
Suas luvas de boxe brancas
forrada com tule e recamado com pérolas provoca uma afecção semelhante àquela despertada diante
de “Objeto” de Meret Oppenheim, uma sensação contraditória entre a sedução do material
em seu acabamento tátil que surte um efeito impecável e uma repulsa consciente da
violência que ali subjaz.
O coração-carne desprotegido,
nu e cru, repousa-se e denuncia a palidez nupcial imaculada e complexa que se afirma
na detalhada trama de arabescos floridos na renda. Sussurros sobre a ingenuidade
e o mito do amor romântico se mesclam com gritos de horror e incredulidade diante
da sujeição das esposas.
As luvas femininas novamente
retornam em outra corpulência, agora diáfana e transparente, na denúncia de suas marcas
negras e visíveis, bordadas por destino ou escolha daquelas que enfrentam a luta
cotidiana que é o viver sob a violência de seu sagrado esposo.
Falsos abrigos, territórios
de segurança, invólucros de domesticidade, as casas são, na verdade, reveladoras
de constrangimentos, cobertos apenas por véus brancos e transparentes. À maneira
de Louise Bourgeois, Beth Moysés cria células que, ao invés de demarcar espaços
de intimidade reclusa, oferecem transparência e, com isso, transformam o observador
num inevitável vouyeur (Katia Cantou, 1997). [24]
A escrita de Beth Moysés se dá pela tênue
linha que penetra o buraco da agulha e tece o vestido de noiva, que borda as pérolas,
que remenda um furo, que justapõe retalhos e denuncia a irregularidade e desajuste
que compõem o próprio tecido social. No avesso de seus objetos entrelaça uma crítica
feminista, explorando relatos e histórias de personagens e personificações femininos
que em sua poética se encontram nos enxertos e metamorfoses de um paraíso surreal
e fantasioso entre o sim e para sempre, para desabar na realidade violenta até o
basta e nunca mais.
Com sua produção diversificada
e múltipla renova os limites e cânones das linguagens, movendo-se entre performance
e fotografia, entre o objeto e o video, entre arte e militância política dando voz
tanto ao próprio corpo carnal, através da autobiografia, quanto ao corpo coletivo
através de suas ações públicas em prática poética que é, simultaneamente, sobrevivência
e resistência na luta contra a invisibilidade, a opressão e o silêncio.
NOTAS
1. Personagem burlesca napolitana da Commedia dell’Arte.
2. Carl
Gustav Jung (Suíça, 1875-1961), “psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a
psicologia analítica. Jung propôs e desenvolveu os conceitos de personalidade extrovertida
e introvertida, arquétipo e inconsciente coletivo”. Fonte Wikipedia.
3. Jung
afirmava que a mente humana, assim como qualquer ser no processo de evolução da
espécie, mantinha uma experiência primordial armazenada progressivamente nas sucessivas
gerações que se configuram como inconsciente coletivo. São imagens primordiais,
independentes de determinada cultura, que conecta a todos os seres humanos e se
repetem em qualquer época ou lugar do mundo, como formas primitivas inatas e herança
do espirito humano (Jung, 2008)
4. Em
termos genéricos, Jung conceitua que a psique é somente o inconsciente. O ego emerge
do inconsciente e reúne inúmeras experiências e memórias, desenvolvendo assim a
divisão entre o inconsciente e o consciente. (Jung, 2008)
5. Alberto Caeiro: “Nasceu em 16 de Abril de 1889,
em Lisboa. Órfão de pai e mãe, não exerceu qualquer profissão e estudou apenas até
a 4º classe. Viveu grande parte da sua vida pobre e frágil no Ribatejo, na quinta
da sua tia-avó idosa, e aí escreveu O Guardador de Rebanhos e depois O Pastor Amoroso.
Voltou no final da sua curta vida para Lisboa, onde escreveu Os Poemas Inconjuntos,
antes de morrer de tuberculose, em 1915, quando contava apenas vinte e seis anos”.
| Ricardo Reis: “Nascido no Porto, no dia 19 de setembro de 1887. Recebeu uma forte
educação clássica num colégio de jesuítas e formou-se em Medicina, profissão que
não exercia. Viveu no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser
monárquico, na sequência da derrota da rebelião monárquica da Monarquia do Norte
contra o regime republicano. É um latinista por educação, e um semi-helenista por
educação própria, além de que gostava de andar de cavalo.” | Alvaro de Campos: “Depois
de "uma educação vulgar de liceu" foi "estudar engenharia, primeiro
mecânica e depois naval" em Glasgow, realizou uma viagem ao Oriente, registada
no seu poema "Opiário", e trabalhou em Londres, Barrow on Furness e Newcastle
upon Tyne (1922). Desempregado, teria voltado para Lisboa em 1926, mergulhando então
num pessimismo decadentista.” Fonte: Wikipedia
6. Filha
de Maurice Schwob, diretor e proprietário do jornal Le Phare de la Loire[…] Sobrinha
do escritor simbolista Marcel Schwob e sobrinha-neta de Léon Cahun, orientalista
e romancista.” (CAHUN, C. 2017, p.135)
7. CAHUN,
2017.
8. HAWKINS,
A. Meet Rrose Sélavy: Marcel Duchamp’s Female Alter Ego, December 01, 2015.
9. As
vidas dos homens ilustres: Sólon ou Vidas Paralelas, obra que exerceu grande
influência na literatura ocidental, é uma compilação de várias biografias de homens
ilustres da Roma Antiga e da Grécia Antiga, escritas pelo filósofo, historiador
e ensaísta grego Plutarco (46 d.C. – 120 d.C.).
10. Association pour L’Autobiographie et le Patrimoine Autobiographiques.
11. Traduzindo,
algo semelhante à “Confissões não admitidas” ou o título em inglês, “Disavowals”,
similar a “Recusas".
12. www.tirodeletra.com.br/entrevistas/FerreiraGular.htm.
13. De
acordo com o fotógrafo Brassaï, Picasso insistia para que Dora Maar largasse sua linguagem fotográfica,
que ele considerava “un art mineur”, em privilégio da pintura. Como pintora não
conseguiu o êxito que esperava, mas em contrapartida, suas fotografias logo ganharam
status e legitimação nos círculos comerciais e artísticos (BARING, Louise,
2017).
14. Iniciada na Alemanha (mais precisamente na República de Weimar), fundada por Walter Gropius e influenciada pelas
vanguardas russas e soviéticas, a escola de arte Bauhaus foi uma das precursoras do modernismo, vigorando de 1919 a 1933 tornando-se a instituição mais importante e influente do seu tipo. Um dos principais trunfos
da Bauhaus foi reunir muitos artistas talentosos nas mais distintas áreas além da
inovação em aceitar a máquina como um instrumento aliado e legítimo do artista, em prol do pensamento criativo à produção em massa no design de qualidade, buscando estabelecer uma renovação cultural
ao propor outras relações entre o artesão, o artista e a indústria. O funcionalismo
era o conceito que norteava a filosofia da Bauhaus em seus muitos cursos de arquitetura, decoração, pintura, escultura, fotografia, cinema, teatro, balé, design
industrial, criações têxteis, publicidade e tipografia.
15. Como explica a historiadora da arte Annateresa Fabris (2009), a coluna fora sugestão de Cesar Civita, proprietário da Editora Abril, e era assinada por Richard Rest, pseudônimo que encobria tanto Gino Germani (formado em filosofia e colocaborador da Editora
Abril) quanto Enrique Butelman (fundador do Editorial Paidós, 1945). Apesar de Enrique Butelman e Gino Germani assinarem como “Freudianos”, a orientação nas interpretações dos sonhos era Junguiana. Fabris afirma que Germani, leitor da psicologia analítica de Jung, era responsável por estabelecer as diretrizes interpretativas dos sonhos
a serem ilustrados, enquanto Butelman era responsável por ler e responder as cartas das leitoras (DOSSIN, Francielly
Rocha, 2012).
16. Primeiro
Manifesto Surrealista (1924).
17. Isso foi, posteriormente esmiuçado nos anos 60.
18. Fonte:
https://catalogue.jerseyheritage.org/collection/Details/collect/5684.
19. Art […] has to do with spirit, not with decoration
(…) and a work as small and economical as Object has such outsized spirit because
fur combined with a teacup evokes such a surprising mix of messages and associations.
The fur may remind viewers of wild animals and nature, while the teacup could suggest
manners and civilization. With its pelt, the teacup becomes soft, rounded, and highly
tactile. It seems attractive to the touch, if not, on the other hand, to the taste:
Imagine drinking from it, and the physical sensation of wet fur filling the mouth.
Fonte:
www.moma.org/learn/moma_learning/meret-oppenheim-object-paris-1936/.
20. Fetiche
sexual que consiste em amarrar e imobilizar o parceiro/a.
21. Falso Brilhante
é o título
do 14° álbum de estúdio da cantora brasileira Elis Regina, lançado no Brasil em 1976 pela gravadora
Phonogram. O álbum surgiu de um espetáculo teatral/circense proposto para contar a história de vida e profissional de Elis Regina.
22. Já
cantava Marilyn Monroe em interpretação radiante no filme “Os homens preferem as
loiras” (1953)
23. MOREAU,
Arthur. “Entrevista com Beth Moysés”. eRevista Performatus, Inhumas, ano
2, n. 8, jan. 2014.
24. https://mapa.pacodasartes.org.br/page.php?name=artistas&op=detalhe&id=500&sid=778.
ANA SABIÁ (Brasil, 1978). Artista visual, pesquisadora e professora de fotografia.
Doutora em Artes Visuais (UDESC), mestra em Psicologia Social (UFSC) e licenciada
em Educação Artística (FAAP). Atua com pesquisas e práticas fotográficas desenvolvidas
a partir do corpo, surrealismo e auto-representação como estratégia crítica de temáticas
que perpassam feminismos, identidades, poesia, literatura, psicanálise e autobiografia
na fotografia contemporânea e na criação de livros de artista. Ministra cursos e
oficinas sobre fotografia e arte contemporânea em plataformas de ensino virtuais
e programas de graduação e de extensão de universidades públicas no Brasil. Autora
de publicações sobre fotografia com artigos acadêmicos, além de diversos livros
de artista como Do porão ao sótão (2021,
Prêmio Foto em Pauta, ed. Tempo d’Imagem; 2022, livro finalista do Festival de Fotolivros
do Instituto Moreira Salles) e Jogo de Paciência
(prêmio Imaginária 2021 e publicado em 2023, ed. Lovely House e Tempo d’Imagem;
2023; livro finalista do Festival de Fotolivros do IMS e finalista do Prêmio Internacional
FELIFA).
FRANKLIN CASCAES (Brasil, 1908-1983). Folclorista, ceramista, antropólogo, gravurista e escritor. Dedicou sua vida ao estudo da cultura açoriana na Ilha de Santa Catarina e região, incluindo aspectos folclóricos, culturais, suas lendas e superstições. Usou uma linguagem fonética para retratar a fala do povo no cotidiano. Seu trabalho somente passou a ser divulgado em 1974, quando tinha 66 anos. A Universidade Federal de Santa Catarina mantém um arquivo com a obra de Cascaes, aproximadamente 4.000 peças em cerâmica, madeira, cestaria, gesso, gravuras em nanquim e desenhos a lápis, além de um razoável conjunto de escritos que envolvem lendas, contos, crônicas e cartas, todos resultados do trabalho de 30 anos do escritor junto a população ilhoa coletando depoimentos, histórias e estórias místicas em torno das bruxas, herança cultural açoriana. Por sugestão de Elys Regina Zils, Franklin Cascaes é o artista convidado da presente edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 261 | junho de 2025
Artista convidado: Franklin Cascaes (Brasil, 1908-1983)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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