AQUI SOB ESTA
ABÓBODA
Aqui sob o zimbório, onde um santo viveu,
Eu cismo sobre o nada… E a lama entristeceu…
E vem-me ao coração, assim, desiludido,
Santa recordação do meu filho querido…
A lembrança dos meus é orvalho enluarado
Suavizando o calor do meu peito abrasado.
Da vida no espinhal, de minha mãe a imagem
É perfume de flor, é verde de ramagem…
Branca e doce visão aos pés do altar pendida,
Intercedendo aos céus pela filha dorida,
Que chora de amargor, ante o vício e o pecado,
Enquanto escuta da alma um som nunca estudado…
Brando e divino som, que ao coração me vem
Como réstias do sol, como um sopro do Bem…
Seria a tua prece, ó mãe, o teu cicio
Que em mim repercutindo, eu sinto que alivio?
Deus fazendo vibrar seráfica oração,
Harmonia do céu, dentro do coração?
Ó mãe, esposo e pai, ó trindade primeira,
Que eu recordo, entre o crepe e a flor da laranjeira,
Como estrelas brilhando em rosários de luz,
Um clarão derramai aos pés da minha Cruz!…
A Lágrima de um Caeté
(fragmento)
Lá quando no Ocidente o sol havia
seus raios mergulhado, e a noite triste
denso ebânico véu já começava
vagarosa a estender por sobre a terra;
pelas margens do fresco Beberibe,
em seus mais melancólicos lugares,
azados para a dor de quem se apraz
sobre a dor meditar que a Pátria enluta!
Vagava solitário um vulto de homem,
de quando em quando ao céu levando os olhos
sobre a terra depois triste os volvendo…
Não lhe cingia a fronte um diadema,
insígnia de opressor da humanidade…
armas não empunhava, que os tiranos
inventaram cruéis, e sob as quais
sucumbe o rijo peito, vence o inerte,
mata do fraco a bala o corajoso,
mas deste ao pulso forte aquele foge…
caia-lhe dos ombros sombreados
por negra espessa nuvem de cabelos,
arco e cheio carcaz de simples flechas:
adornavam-lhe o corpo lindas penas
pendentes da cintura, as pontas suas
seus joelhos beijavam musculosos
em seu rosto expansivo não se viam
os gestos, as momices, que contrai
a composta infiel fisionomia
desses seres do mundo social,
que devorados uns de paixões feras,
no vício mergulhados falam outros
altivos da virtude, que postergam
de Deus os sãos preceitos quebrantando!
Orgulhosos depois… ostentar ousam
de homem civilizado o nome, a honra!…
(…)
Era um homem sem máscara, enriquecido
não do ouro roubado aos iguais seus,
nem de míseros africanos d’além-mar,
às plagas brasileiras arrastados
por sedenta ambição, por crime atroz!
Nem de empregos que impudentes vendem,
a honra traficando! o mesmo amor!!
Mas uma alma, de vícios não manchada,
enriquecida tinha das virtudes
que valem muito mais que esses tesouros.
Era da natureza o filho altivo,
tão simples como ela, nela achando
toda a sua riqueza, o seu bem todo…
O bravo, o destemido, o grão selvagem,
o Brasileiro era… – era um Caeté! –
era um Caeté, que vagava
na terra que Deus lhe deu,
onde Pátria, esposa e filhos
ele embalde defendeu!…
(…)
Ó terra de meus pais, ó Pátria minha!
Que seus restos guardando, viste de outros
longo tempo a bravura disputar
ao feroz estrangeiro a Pátria nossa,
a nossa liberdade, os frutos seus!…
Recolhe o pranto meu, quando dispersos
pelas vastas florestas tristes vagam
0s poucos filhos teus à morte escapos,
ao jugo de tiranos opressores,
que em nome do piedoso céu vieram
tirar-nos estes bens que o céu nos dera!
As esposas, a filha, a paz roubar-nos!…
Trazendo d' além-mar as leis, os vícios,
nossas leis e costumes postergaram!
Por nossos costumes singelos e simples
em troco nos deram a fraude, a mentira.
De bárbaros nos dando o nome, que deles
na antiga e moderna História se tira.
IMPROVISO
ao distinto literato e grande poeta, Antônio Feliciano
de Castilho
Vate sublime, que os primeiros sonhos
Da juventude minha hás embalado,
Quando às margens do fresco Beberibe
Os teus primores d’arte eu decorava
Às ilusões entregue dessa idade,
Em que os risos de amor tanto seduzem!
Tu nos deixas enfim! e as plagas nossas
Ao verem-te sair gemem saudosas;
Gemem os corações dos brasileiros,
Que como meu reter-te não puderam
Nesta terra que ufana te incensara
Se o gênio aqui tivesse um templo seu!
Inclina triste a fronte, ó pão-de-açúcar,
Ao poeta que passa! ao gênio deve
A matéria imponente assim curvar-se.
Embalde indiferente ela se ostente,
A grande inteligência, que mar afora
Lá se vai!… nos corações nossos deixando
Da pungente saudade a dor acerba!
RUBEM GRILO (Brasil, 1946). Gravador, desenhista, ilustrador. Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a frequentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925), entre outros. Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage-EAV/Parque Lage, estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção “Retrato do Brasil”. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who’s Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), e Print (Estados Unidos). Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 262 | setembro de 2025
Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com






Boa noite! A imagem retratada no texto não corresponde Nísia Floresta, na verdade essa Isabel Gondim. Houve um equívoco.
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