terça-feira, 16 de setembro de 2025

NÍSIA FLORESTA (1810-1885)



Nísia Floresta é uma escritora brasileira. Ela nasceu em 12 de outubro de 1810, na cidade de Papari, no Rio Grande do Norte. Distanciou-se de sua pátria em 1848, passando a residir em Paris, comunicando-se com Victor Hugo, Saint-Hilaire, Lamartine, George-Sand, Laboulaye e correspondendo-se com Augusto Comte, Manzzini e Garibaldi, entre outros notáveis espíritos da época. Percorreu grande parte da Europa, demorando-se na Itália, tendo viajado também para o Oriente, e frequentando cursos de Ciências na Itália, Inglaterra e França. Sua estreia nas letras data de 1831, sendo autora de livros como: Direito das Mulheres e injustiça dos homens (tradução de um folheto original de Miss Godwin, 1832); Fany ou o Modelo das Donzelas e Darciz ou a Jovem Completa (1847); A Lágrima de um Caeté (1849); Opúsculo Humanitário (1853); Páginas de uma Vida Obscura (1854); dentre muitos outros. Morta em 1885, deixou manuscritos dois volumes de poesia: Inspirações Maternas e Memórias de Minha Vida. Acerca do épico A lágrima de um Caeté, em valioso ensaio por ela escrito, declarou Constância Lima Duarte: Publicado logo após os Primeiros e Segundos cantos de Gonçalves Dias, este poema reúne as duas maiores tendências do romantismo brasileiro: a questão indígena e as lutas político-sociais, ambas impregnadas de forte carga nacionalista. Para realizar esta fusão, a narrativa constrói dois tempos históricos: o da colonização e o do Império. No primeiro, o protagonista é o Caeté (representando o índio brasileiro), e o opressor, o colonizador português. No segundo momento, os protagonistas são os liberais (com destaque para Nunes Machado) e os antagonistas, os homens do Imperador. Na trajetória do tempo passado para o presente perpassa o drama do índio brasileiro: de protagonista da história a espectador da derrota liberal e da sua própria enquanto civilização. Assim, A lágrima de um Caeté se configura num lamento tanto pela derrota do indígena, quanto pela dos revoltosos de Pernambuco. A perspectiva é a mesma: é sempre a do vencido e oprimido pela força dos dominantes.

 

 

AQUI SOB ESTA ABÓBODA

 

Aqui sob o zimbório, onde um santo viveu,

Eu cismo sobre o nada… E a lama entristeceu…

E vem-me ao coração, assim, desiludido,

Santa recordação do meu filho querido…

A lembrança dos meus é orvalho enluarado

Suavizando o calor do meu peito abrasado.

Da vida no espinhal, de minha mãe a imagem

É perfume de flor, é verde de ramagem…

Branca e doce visão aos pés do altar pendida,

Intercedendo aos céus pela filha dorida,

Que chora de amargor, ante o vício e o pecado,

Enquanto escuta da alma um som nunca estudado…

Brando e divino som, que ao coração me vem

Como réstias do sol, como um sopro do Bem…

Seria a tua prece, ó mãe, o teu cicio

Que em mim repercutindo, eu sinto que alivio?

Deus fazendo vibrar seráfica oração,

Harmonia do céu, dentro do coração?

Ó mãe, esposo e pai, ó trindade primeira,

Que eu recordo, entre o crepe e a flor da laranjeira,

Como estrelas brilhando em rosários de luz,

Um clarão derramai aos pés da minha Cruz!…

 

 

A Lágrima de um Caeté

(fragmento)

 

Lá quando no Ocidente o sol havia

seus raios mergulhado, e a noite triste

denso ebânico véu já começava

vagarosa a estender por sobre a terra;

pelas margens do fresco Beberibe,

em seus mais melancólicos lugares,

 

azados para a dor de quem se apraz

sobre a dor meditar que a Pátria enluta!

 

Vagava solitário um vulto de homem,

de quando em quando ao céu levando os olhos

sobre a terra depois triste os volvendo…

Não lhe cingia a fronte um diadema,

insígnia de opressor da humanidade…

armas não empunhava, que os tiranos

inventaram cruéis, e sob as quais

sucumbe o rijo peito, vence o inerte,

mata do fraco a bala o corajoso,

mas deste ao pulso forte aquele foge…

caia-lhe dos ombros sombreados

por negra espessa nuvem de cabelos,

arco e cheio carcaz de simples flechas:

adornavam-lhe o corpo lindas penas

pendentes da cintura, as pontas suas

seus joelhos beijavam musculosos

em seu rosto expansivo não se viam

os gestos, as momices, que contrai

a composta infiel fisionomia

desses seres do mundo social,

que devorados uns de paixões feras,

no vício mergulhados falam outros

altivos da virtude, que postergam

de Deus os sãos preceitos quebrantando!

Orgulhosos depois… ostentar ousam

de homem civilizado o nome, a honra!…

 

(…)

 

Era um homem sem máscara, enriquecido

não do ouro roubado aos iguais seus,

nem de míseros africanos d’além-mar,

às plagas brasileiras arrastados

por sedenta ambição, por crime atroz!

Nem de empregos que impudentes vendem,

a honra traficando! o mesmo amor!!

Mas uma alma, de vícios não manchada,

enriquecida tinha das virtudes

que valem muito mais que esses tesouros.

Era da natureza o filho altivo,

 

tão simples como ela, nela achando

toda a sua riqueza, o seu bem todo…

O bravo, o destemido, o grão selvagem,

o Brasileiro era… – era um Caeté! –

era um Caeté, que vagava

na terra que Deus lhe deu,

onde Pátria, esposa e filhos

ele embalde defendeu!…

 

(…)

 

Ó terra de meus pais, ó Pátria minha!

Que seus restos guardando, viste de outros

longo tempo a bravura disputar

ao feroz estrangeiro a Pátria nossa,

a nossa liberdade, os frutos seus!…

Recolhe o pranto meu, quando dispersos

pelas vastas florestas tristes vagam

0s poucos filhos teus à morte escapos,

ao jugo de tiranos opressores,

que em nome do piedoso céu vieram

tirar-nos estes bens que o céu nos dera!

As esposas, a filha, a paz roubar-nos!…

Trazendo d' além-mar as leis, os vícios,

nossas leis e costumes postergaram!

Por nossos costumes singelos e simples

em troco nos deram a fraude, a mentira.

De bárbaros nos dando o nome, que deles

na antiga e moderna História se tira.

 

 

IMPROVISO

 

ao distinto literato e grande poeta, Antônio Feliciano de Castilho

 

Vate sublime, que os primeiros sonhos

Da juventude minha hás embalado,

Quando às margens do fresco Beberibe

Os teus primores d’arte eu decorava

Às ilusões entregue dessa idade,

Em que os risos de amor tanto seduzem!

Tu nos deixas enfim! e as plagas nossas

Ao verem-te sair gemem saudosas;

Gemem os corações dos brasileiros,

Que como meu reter-te não puderam

Nesta terra que ufana te incensara

Se o gênio aqui tivesse um templo seu!

Inclina triste a fronte, ó pão-de-açúcar,

Ao poeta que passa! ao gênio deve

A matéria imponente assim curvar-se.

Embalde indiferente ela se ostente,

A grande inteligência, que mar afora

Lá se vai!… nos corações nossos deixando

Da pungente saudade a dor acerba!




RUBEM GRILO (Brasil, 1946). Gravador, desenhista, ilustrador. Em 1970, estuda xilogravura com José Altino (1946), na Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, passa a frequentar a Seção de Iconografia da Biblioteca Nacional e entra em contato com as gravuras de Oswaldo Goeldi (1895-1961), Lívio Abramo (1903-1992), Marcelo Grassmann (1925), entre outros. Nesse período, inicia curso de xilogravura na Escola de Belas Artes da UFRJ e é orientado por Adir Botelho (1932). Em visitas ao ateliê de Iberê Camargo (1914-1994), recebe lições de gravura em metal e, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage-EAV/Parque Lage, estuda litografia com Antonio Grosso (1935). No início da década de 1970, ilustra jornais como Opinião, Movimento, Versus, Pasquim, Jornal do Brasil. Na Folha de S. Paulo, cria ilustrações para os fascículos da coleção “Retrato do Brasil”. Em 1985, publica o livro Grilo: Xilogravuras, pela Circo Editorial. Em 1990, é premiado pela Xylon Internacional, na Suíça. Em 1998, participa, com sala especial, da 24ª Bienal Internacional de São Paulo e, no ano seguinte, é curador geral da Mostra Rio Gravura. Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como Graphis e Who’s Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), e Print (Estados Unidos). Nossos agradecimentos a Jacob Klintowitz pela presença de Rubem Grilo como artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 262 | setembro de 2025

Artista convidado: Rubem Grilo (Brasil, 1946)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 




 

 

Um comentário:

  1. Boa noite! A imagem retratada no texto não corresponde Nísia Floresta, na verdade essa Isabel Gondim. Houve um equívoco.

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