quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

ZILA MAMEDE (1928-1985)

 


Zila Mamede (1928-1985) foi uma proeminente intelectual brasileira, destacando-se como poeta, jornalista e uma das mais importantes bibliotecárias do Rio Grande do Norte. Ela deixou um legado significativo tanto na literatura quanto na área da biblioteconomia, sendo reconhecida por sua seriedade e dedicação. Ela teve um papel fundamental na reestruturação e organização de importantes acervos e bibliotecas no Rio Grande do Norte. Ela foi responsável pelo planejamento, organização e instalação do acervo básico da Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde também atuou como diretora. Em reconhecimento ao seu trabalho, a biblioteca central da UFRN hoje leva seu nome: Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM). Considerada uma das maiores conhecedoras da obra de João Cabral de Melo Neto, ela trabalhou em um projeto de bibliografia crítica sobre o poeta. Sua obra de maior destaque nessa área foi a bibliografia anotada de Luís da Câmara Cascudo, intitulada Luís da Câmara Cascudo: 50 anos de vida intelectual (1918-1968), um trabalho minucioso e rigoroso que abrangeu meio século de atividade literária do escritor. Além de sua atuação na área de biblioteconomia, Zila também foi jornalista, colaborando para diversos periódicos e jornais. Como poeta, Zila Mamede utilizou a realidade sertaneja e a memória como motes principais para seus versos, evitando um regionalismo piegas e transformando a experiência cotidiana em objeto de encanto. Sua obra poética completa foi reunida na coleção Zila, Toda Poesia, lançada em seis volumes pela Editora da UFRN em 2023. A poeta faleceu em 13 de dezembro de 1985, enquanto nadava na Praia do Meio, em Natal, Rio Grande do Norte.

 

 

ELEGIA

 

Não retornei aos caminhos

que me trouxeram do mar.

Sinto-me brancos desertos

onde as dunas me abrasando

tarjam meus olhos de sal

dum pranto nunca chorado,

dum terror que nunca vi.

 

Vivo hoje areias ardentes

sonhando praias perdidas

com levianos marujos

brincando de se afogar,

com rochedos e enseadas

sentindo afagos do mar.

 

Tudo perdi no retorno,

tudo ficou lá no mar:

arrancaram-me das ondas

onde nasci a vagar,

desmancharam meus caminhos

– os inventados no mar:

depois, secaram meus braços

para eu não mais velejar.

 

Meus pensamentos de espumas,

meus peixes e meu luar,

de tudo fui despojada

(até das fúrias do mar),

porque já não sou areias,

areias soltas de mar.

Transformaram-me em desertos,

ouço meus dedos gritando

vejo-me rouca de sede

das leves águas do mar.

 

Nem descubro mais caminhos,

já nem sei também remar:

morreram meus marinheiros,

minha alma, deixei no mar.

 

Pudessem meus olhos vagos

ser ostras, rochas, luar,

ficariam como as algas

morando sempre no mar.

 

Que amargura em ser desertos!

Meu rosto a queimar, queimar,

meus olhos se desmanchando

– roubados foram do mar.

No infinito me consumo:

acaba-se o pensamento.

No navegante que fui

sinto a vida se calar.

 

Meus antigos horizontes,

navios meus destroçados,

meus mares de navegar,

levai-me desses desertos,

deitai-me nas ondas mansas,

plantai meu corpo no mar.

Lá, viverei como as brisas.

Lá, serei pura como o ar.

Nunca serei nessas terras,

que só existo no mar.

 

 

CANÇÃO DO AFOGADO

 

Nos olhos de cera

dois pingos de vida,

nas marcas de vida

a noite pisou.

A face tranquila

bordada de sombras

– são restos de estrelas

que o céu apagou.

Os dedos lilases

não pedem mais sol;

e os lábios desfeitos

perderam seus gestos,

calaram seus sonhos

que a morte levou.

Cabelos de musgos

lavados de espumas

caminha o afogado

que o mar conquistou.

 

 

RETRATO

 

Me lembrava da menina

escavacando o chão agreste,

me lembrava do menino

carregando melancias.

 

Em que terras desembocam

esses talos de crianças

mais finos que as maravilhas,

mais fortes que a ventania?

 

Dois pés descobriram casa,

multiplicaram-se em hastes

– são cabeleiras de trigo

dos moinhos de Van-Gogh.

 

A sombra dos dois irmãos

repartiu-se entre os veleiros:

seu tronco desarvorado

virou estrelas no mar.

 

 

HERMELINDA NO ESPELHO

 

O rosto exige unção de creme nutritivo

textura de loção hidratante

sedosidade de sabão adstringente

 

O rosto seleciona cores de potes,

formatos de tubos e de frascos

na concorrência das embalagens

 

que se oferecem em fiteiros e vitrines

– o chamariz harmônico e ofuscante

do gás neon, luz fria, candeeiros

 

Espelhos salientam abusivos olhos

pincéis acentuam a descritiva sensual dos lábios

dedos massageiam impiedosas geometrias de pescoços e colos

 

Sacralizados em banheiros e termas

multíplices cosméticos realimentam

as vibrações do rosto que exorciza o tempo.

 

 

CANÇÃO DA ROSA DE PEDRA

 

Essa, a rosa da promessa

da noite do nosso amor,

murcha rosa indiferente,

sem alma, escassa de olor?

 

Por que essa rosa de pedra,

o meu presente nupcial?

– Pantanosa flor de lama

gerada em brisas de sal.

 

O riso da minha infância,

gritam-no abismos de sangue

onde boia impura, incauta,

flor de pedra, flor de mangue.

 

A vã promessa incumprida

na noite do nosso amor

repousa em praias de sombra

navega em mares de dor.

 

 

BILHAR

 

a Ludi e Oswaldo Lamartine

 

Na medida exata

em que a noite corre

não fico: me ausento

como quem morre

 

Entre lousa e livro

único disfarce

que concedo ao tempo

mudo-me a face

 

que, no entanto, vária,

inábil, reprimida,

perde-se no encontro

tátil da vida

 

Bola sete em rude

pano de bilhar

marco meu sem rumo

jogo

 

 

MAR MORTO

 

Parado morto mar de minha infância

sem sombras nem lembranças de sargaços

por onde rocem as de gaivotas

perdendo-se num rumo duvidoso.

 

Pesado mar sem gestos, mar sem ânsia,

sem praias, sem limites, sem espaços,

sem brisas, sem cantigas, mar sem rotas,

apenas mar incerto, mar brumoso.

 

Criança penetrando no mar morto

em busca de um brinquedo colorido

que julga ver no morto mar vogando.

 

Infância nesse mar que não tem porto,

num mar sem brilho, vago, indefinido,

onde não há nem sonhos navegando.de-amar.

 

 

CAIS

 

Três navios fugindo, três demônios

do mar fazendo suas montarias.

Ninguém dizendo adeus, todos chorando,

eu querendo remar, mas eu ficando

 

de bruços nesse cais que não desejo

pois, loucas, peço as três cavalgaduras

que pisaram no espelho cal, repolhos

e encheram seus pulmões de maresia.

 

Três demônios velejam satisfeitos,

três navios mergulham no horizonte,

e eu nem sequer me faço mastro ou leme,

 

nem galopar eu posso três navios

(à noite, quando as brumas me ferirem)

presa nas rédeas desses três demônios.

 

 

RETRATO DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO

 

O gesto de tirar os óculos, de apoiar a testa na mão

(como para sustar a explosão das ideias e interioriza-se)

 

O ricto de autocomiseração (ou zombaria):

apertar os lábios num sorrisos seco e horizontal de máscara

 

O medo do demônio e dos infernos

e nenhuma convivência com um Deus que seja

 

O pavor e o pudor: onipotência e técnica

de preservar a intimidade dolorosa

 

A neurose da aspirina, do relógio e do tempo

como se o instante último fosse necessariamente aquele

 

O desejo de amor, a recusa do amor, o pecado do amor

e a casuística fidelidade ao próprio amor

 

A missão, a omissão e a ousadia da distância

na rotineira ausência, intempestiva presença

 

O degredo e o segredo na tortura

pela aspereza da dor invulnerável

 

A necessidade de confirmar se se “compreende!”

o debate, a fruição, a lucidez

 

A dialética e a disciplina do poeta

e o preconceito atávico da casta

 

O compromisso ascético com a palavra:

salvação e danação, perdição e deificação.







BRIANDA ZARETH HUITRÓN (México, 1990). Originaria de Temascalcingo de José María Velasco, México. Artista plástica y pintora surrealista. Realizó sus estudios de pintura en la Academia de San Carlos en Ciudad de México. Sus múltiples facetas artísticas y personalidad curiosa la llevaron a descubrir el surrealismo, corriente en la que encontraría una manera de comunicarse con el mundo. Plasma interpretaciones poéticas donde lo cotidiano es transformado en una realidad fantástica y onírica. Pinturas mágicas que señalan los deseos de la vida por salir en un cuadro. Ha expuesto individualmente y de manera colectiva en México y en el extranjero. Exposiciones individuales: Museo Leonora Carrington de Xilitla, ENCUENTROS ONÍRICOS en el año 2025. Museo de la Mujer, REVELACIONES ONÍRICAS, en el año 2022. PAISAJES ONÍRICOS para el Festival Temascalcingo Honra a Velasco, en el Año 2021. VENTANA A MUNDOS ONÍRICOS, en el Centro Cultural Futurama, Ciudad de México, en el año 2020. Exposiciones Colectivas Col-art en la Galería Oscar Román año 2025 Muestra pictórica EL OFICIO DEL PINTOR, de la Academia de San Carlos, Año 2019. DIMENSIONS, Festival Wave Gotik Treffen, celebrado en Leipzig, Alemania, en el año 2018. Ha participado en la Cátedra por los 100 años del surrealismo, en la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM, impartiendo conferencia sobre surrealismo femenino. Recientemente su obra ha sido publicada en el libro Mujeres Mexicanas en el Arte, de la editorial Agueda y en THE ROOM SURREALIST MAGAZINE, revista de surrealismo internacional. Brianda Zareth Huitrón es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 263 | dezembro de 2025

Artista convidada: Brianda Zareth Huitrón (México, 1990)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

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