A antologia de Júlio Henriques, intitulada Relatório sobre a construção das situações e
sobre as condições da organização e da acção da tendência situacionista internacional
seguido de textos do boletim Internationale Situationniste [trad., pref. e
notas J. H., Lx., ed. Barco Bêbado, 2021, pp. 96 – ilustrações a cores (“desvios
gráficos”): Francisco Rebolo, João Massano, Juliana Julieta, Massimo Nota, Miguel
Ângelo Marques, Nunes da Rocha], e que não é a primeira, escolhe com precisão
manual um conjunto significativo de textos, onde, num universo mínimo de sete peças,
três tão-só com três páginas, encontramos as ideias mais representativas do movimento.
Edição primorosa com grafismo pessoalizado e tiragem única de 300 exemplares,
o volume surge-nos assim como a ocasião de revisitar esta corrente de ideias, naquilo
que mais pode interessar esta revista, as relações que ela mantém com o surrealismo,
embora sem menosprezar outros pontos que possam ajudar ao entendimento da natureza,
condição, situação actual e possível destino futuro desta corrente de ideias.
Noutro lugar deste volume da revista A Ideia pode o leitor encontrar um informado
texto sobre as conexões entre situacionistas e anarquistas franceses, relações
que também de sobremaneira nos interessam, mas que têm, por escassas e de superfície,
muito menos relevância histórica que o relacionamento com o surrealismo. A formação
de Debord fez-se dentro da leitura de Marx e dos seus comentadores mais argutos
e desalinhados dos cursos dominantes da época, e se se fala da conexão entre situacionistas
e anarquistas foi porque estes receberam com simpatia – e logo à saída do primeiro
número do boletim I.S. (Junho, 1958) a
expressaram – algumas das teses situacionistas, em que viram, numa época estéril
e hostil, em quase tudo contrária à sensibilidade libertária, sinais afins. É
sabido que esses promissores botões iniciais não chegaram a florir e menos ainda
a frutificar e que as duas correntes deram entrada nos sucessos de 68 cada uma
por si e sem vislumbre de junção mínima.
A questão do surrealismo é outra. A ligação entre as
duas facções, situacionista e surrealista, é significativa, não se ficou em promessas
iniciais e tem um demorado historial, por vezes entrançando as duas correntes em
certeiros nós e cruzamentos. Dos três afluentes que estão na origem da Internacional
Situacionista (letrismo, imaginismo, grupo COBRA) dois têm filiação no surrealismo
ou numa dissidência deste, o surrealismo revolucionário de 1947, que reagrupava
gente que vinha do grupo surrealista La Main à Plume, activo em Paris na ocupação
nazi, à qual resistiu com brio, e do surrealismo belga, que reafirmava então perante
o desagrado de André Breton a ligação do surrealismo ao marxismo-leninismo e ao
partido comunista belga. Com dois manifestos e dois eixos, Paris e Bruxelas, foi
do surrealismo revolucionário que saíram o grupo COBRA (1948-53) e os imaginistas
da Bahauss, depois activos na fundação da Internacional Situacionista. Embora
as duas correntes no momento da criação da nova internacional estivessem já fundidas,
preferimos aqui por razões de compreensibilidade manter a distinção. Não menos tocante
foi o legado experimentalista que o grupo
COBRA fez questão de firmar – o primeiro em arte a fazê-lo – e que tão decisivo
se mostrou para a teorética inicial situacionista, como aliás o foi depois para
outras afirmações experimentalistas da
arte e da poesia da segunda metade do século XX.
Demais as relações directas entre a Internacional Letrista
(1952-57), de que Debord é um dos promotores, e o grupo de Breton tiveram vários
episódios, chegando os dois grupos a assinar, por ocasião do centenário do nascimento
de Arthur Rimbaud, em 1954, uma declaração comum. O surrealismo está presente
em quase todos os escritos iniciais de Debord, e os antologiados por Júlio Henriques
não fazem excepção, sendo por isso representativos duma sensibilidade geral,
extensiva ao grupo que deu corpo à crítica situacionista. A título de exemplo lembre-se
que o primeiro número do boletim I.S.,
de Junho de 1958, que mostrou pela primeira vez ao público as ideia situacionistas,
e do qual Júlio Henriques extrai nada menos que três textos dos sete que antologiou
[um de Debord, um de Gilles Ivain (pseudónimo de Ivan Chtcheglov, 1934-1998, situacionista à distância) e outro sem assinatura],
abre com um texto não assinado, e por isso da autoria do director da publicação,
G. Debord, em que o grupo se reconhece, intitulado “Amère victoire du surréalisme”,
consagrado a um balanço crítico da situação do surrealismo. Tanto este movimento
como o seu criador, André Breton, surgem assim como os grandes fantasmas do passado
recente com que a crítica situacionista teve de se confrontar. Veremos como e com
que sustentação.
Comecemos pelo primeiro texto, “Relatório sobre a construção
das situações e sobre as condições da organização e da acção da tendência situacionista
internacional”, que a partir de agora designaremos apenas por “Relatório” e que
é o texto mais longo (pp. 11-40) e mais significativo deste septenário antológico.
Para bem dizer, o “Relatório” é o texto fundador da corrente situacionista, e por
certo um dos mais importantes de Debord, onde se contêm em explosiva concentração
as linhas que depois foram exaustivamente percorridas. Anunciado no penúltimo numero
de Potlatch (22-5-1957), a revista da
Internacional Letrista, impresso na Bélgica por Marcel Mariën e distribuído em
Junho de 1957 num círculo restrito e escolhido de pessoas, o texto, que propunha
num dos seus pontos a criação da Internacional Situacionista, destinava-se a servir
de documento de reflexão aos membros da Internacional Letrista (o grupo de Débord),
aos do Movimento Internacional para uma Bahauss Imaginista (de Asger Jorn) e aos
do Comité Psicogeográfico de Londres (de Ralph Rumney), propondo a fusão destes
grupos numa nova Internacional, que funcionasse como plataforma de oposição e de
unidade de acção. No final de Julho, os seus membros encontraram-se na Ligúria,
norte de Itália, unificando-se na Internacional Situacionista, que nascia como
“frente revolucionária na cultura”. Uma tal frente começara já de resto a definir-se
num encontro anterior, em Alba, Itália, em Setembro de 1956, em que várias tendências
artísticas experimentais (letristas, imaginistas, experimentalistas e surrealistas
revolucionários) estiveram presentes.
O texto de Debord, mais “agregador” que fundador, já
que retoma num todo contributos dispersos anteriores, aparece dividido em seis partes:
“Revolução e contra-revolução na cultura moderna”, “A decomposição, estádio supremo
do pensamento burguês”, “Papel das tendências minoritárias no período de refluxo”,
“Plataforma de uma oposição provisória”, “Rumo a uma Internacional Situacionista”,
“As nossas tarefas imediatas”. Trata-se no conjunto dum texto estratégico, que
se posiciona com os tópicos clássicos dum movimento político revolucionário, embora
o seu discurso resulte dum debate que assentava nos grupos que estavam na base da
nova internacional, cujas questões primaciais se colocavam no campo da arte e no
rumo que esta tomara no pós-guerra com a fundação do letrismo em 1945, do imaginismo
de Malmö em 1946, do surrealismo revolucionário em 1947 e do movimento COBRA em
1948. Este último reunira já em si todas as tendências anteriores, em especial as
que vinham do surrealismo revolucionário, ele mesmo ponto de convergência de
cursos vários [surrealismo belga do manifesto Le surréalisme en plein soleil (1945), surrealismo francês do grupo
La Main à Plume (1941-45), abstrait-surr de Copenhaga(1937-40)], só admitindo uma
arte internacional – sem fronteiras externas ou internas, já que tudo era experimentação.
O nome do grupo, COBRA, resultava da junção das primeiras letras de três cidades
europeias – Copenhaga, Bruxelas, Amesterdão, as três referências geográficas dos
fundadores, Asger Jorn, Charles Dotremont, Apell e Constant, ligados todos ao
surrealismo revolucionário, cuja última manifestação, em Novembro de 1948, foi
a fundação do grupo COBRA. A diferença deste em relação ao surrealismo anterior,
revolucionário ou não, foi aceitar para lá do modelo mental próprio a todo o surrealismo uma experimentação física
e gestual que à época encontra correspondência involuntária na action paiting e no dripping de Jackson Pollock, também eles em dívida para com o surrealismo
por via de Max Ernst então nos Estados Unidos. Talvez a novidade de Debord, aquilo
mesmo que faz a diferença do texto de 1957 como um todo em relação à soma das suas
partes, seja a contextualização política e o enquadramento estratégico que ele
lhe imprime. Esta novidade atravessa todo o texto e manifesta-se com cintilante
presença logo nas páginas iniciais, se não mesmo na frase de abertura, “Pensamos
antes de mais que é preciso mudar o mundo”. Tudo aquilo que fez depois a história
da crítica situacionista está já em expansiva latência neste texto e nas suas
teses – algumas só circunstanciais, outras muito mais substanciais. O texto surge
como um viveiro de sementes, a partir do qual e sem grandes novidades, se definem
mais de 20 anos de história das ideias; nas suas linhas lêem-se muitos dos sucessos
que tiveram lugar nesse período que teve por epicentro a tempestade estival de
Maio de 68, mas tocou ao final acontecimentos tão vários como as mobilizações contestatárias
na Europa de leste, a contracultura americana e europeia, o autonomismo italiano,
a revolução portuguesa dos cravos e o fim do franquismo.
Leia-se nesse sentido a aproximação crítica de Gianfranco
Marelli ao situacionismo que damos a conhecer neste volume d’ A Ideia. A importância estratégica deste
ponto, a crença nas possibilidades modernas de produção, no plano geral da crítica
situacionista, a sua centralidade nas propostas avançadas por Debord, pelo menos
do Debord que mais influiu nos sucessos sociais do seu tempo, não nos permitem
encarar o situacionismo e os seus teóricos no mesmo plano de outras correntes dissidentes
que tiveram como ponto de partida a crítica da base material e técnica do capitalismo
e do desenvolvimento das suas forças produtivas. Um pensador de raiz cristã como
Jacques Ellul, que se viu por isso impedido de aderir à Internacional Situacionista,
e isto para não apontar os exemplos muito mais radicais de Gandhi ou Lanza del Vasto,
percebeu com mais acuidade, na época em que Debord escrevia o “Relatório” e a Internacional
Situacionista pela mão de Asger Jorn e de Constant se preparava para o desenvolver,
que a base técnica do desenvolvimento do capitalismo não podia servir um projecto
que queria mudar de vida e transformar o mundo. Enquanto tal base existisse, mundo
e vida teriam de ser iguais, condicionados que ficavam pelos mesmos objectos. O
que importava era impugnar essa estrutura material técnica, descobrindo uma distinta
que, sendo outra, tivesse em si uma nova potencialidade de relacionamento com o
mundo e com a vida. Depois de Ellul ficámos cientes que para criar uma nova maneira
de viver, mais justa, mais equilibrada, mais humana, menos infamante, não basta
dar nova orientação ao que hoje existe – e uma tal proposta foi a característica
do pensamento revolucionário e até reformista desde a primeira Internacional operária
até à Internacional Situacionista. Para criar um novo modo de viver é necessário
desfazermo-nos da estrutura material técnica que criou e desenvolveu o capitalismo
e que está hoje, seja em países orientados para o “comunismo” como a China, seja
em países que defendem em várias modalidades o capitalismo, a destruir a Terra
e a vida. O que unifica todos esses modelos na aparência distintos é o facto de
todos assentarem em idênticos meios de produção. Não obstante as diferenças, pode
pensar-se que esta base material os vai pouco a pouco uniformizando, sendo previsível
num ponto do futuro não muito distante a sua indistinção num híbrido único com poucas
e insignificantes variantes.
O texto de Debord
e a crítica situacionista que se lhe seguiu ao perceberem o inaudito desenvolvimento
das forças de produção no início da segunda metade do século XX, sem termo de comparação
anterior, perceberam também as modificações que estavam a nascer no plano da dominação
e já não apenas no da exploração económica, até porque esta beneficiou no momento,
fruto de acelerada produção e acumulação de riqueza, de lógicas distributivas
e compensatórias até aí desconhecidas. Um novo conjunto de mecanismos ocultos,
da publicidade ao urbanismo, do consumo ao lazer, todos intimamente ligados à mercantilização
de novos aspectos da vida, os mais invioláveis até aí, invadiram o quotidiano
nas sociedades desenvolvidas, resultado imediato do esforço técnico de guerra
e do desenvolvimento acelerado dos meios de produção que aquele provocara, com
o consequente aparecimento e acumulação de nova e desmedida riqueza. Foi nesses
meios de produção, típicos da sociedade dita de consumo, capazes de gerar uma
era de abundância nunca vista que Debord e os situacionistas viram uma nova oportunidade
para relançar a ideia duma revolução comunista, de tipo conselhista, que seria a
finalização lógica do processo de crescimento a que se estava a assistir desde
a segunda metade da década de 40 do século XX. Sabemos hoje o engano deste raciocínio
e como ele representa o erro capital do situacionismo – a crença enganosa de que
a base material do capitalismo, a sua tecnologia mais característica, pode servir,
livre de condicionamentos congenitais, para construir um mundo novo.
Mas foi também essa mesma percepção do inesperado desenvolvimento
dos meios de produção, com a sequente acumulação duma desmedida riqueza que tinha
de ser rapidamente consumida, que levou Debord e os situacionistas a atentar na
vida real, pondo em destaque as imensas, mas quase imperceptíveis, transformações
que se estavam a dar no quotidiano. Instituíram desse modo uma crítica impiedosa
das novas modalidades de dominação que em tudo se revelou inovadora, lúcida e corajosa
e cujo legado é ainda hoje um dos legítimos motivos de vaidade do situacionismo.
Numa intuição que vinha já dos grupos iniciais que fundaram em 1957 a nova internacional,
foram assim os primeiros a fazer a leitura arrasadora do urbanismo funcional, que,
embora criado em período anterior, só naquele momento procedia em extensão, arrasando
o território e criando um género de vida atomizado e angustiante que não conhecia
paralelo no passado. Foram também eles os primeiros a perceber em profundidade
os mecanismos espectaculares da publicidade
– e daí a noção de espectáculo como fetichismo da mercadoria – e o poder mítico
que ela detinha como simulacro vazio de vida, mas também como sinal compensatório,
junto de populações cada vez mais passivas e anestesiadas pelo consumo simbólico
e pelo trabalho.
Debord e os situacionistas perceberam antes de ninguém
como a era de abundância em que o capitalismo entrara estava a criar uma nova forma
de “miséria” que substituía para pior a miséria conhecida. Se esta era de tipo
material, agora, com o inusitado desenvolvimento dos meios de produção, a acumulação
de nova riqueza, os mecanismos distributivos e o tempo livre que a automatização
criava, a nova miséria abandonava a esfera do ter para se instalar como seta fatal
envenenada no coração mesmo do ser. Daí a sua superior perigosidade em relação a
todas as formas de empobrecimento vividas no passado. Ao colocarem a crítica
do capitalismo no fetichismo da mercadoria e nos modos de consumo, deixando cair
a crítica dos salários, das horas de trabalho e de outros aspectos clássicos das
reivindicações sindicais, o situacionismo pôde nascer como uma “frente revolucionária
na cultura” – a expressão é de Debord – deslocando o combate para o campo da cultura,
entendida esta como o domínio das representações estéticas e os modos de vida e
avaliando-a assim como a esfera decisiva da luta social no novo patamar em que
o capitalismo de consumo entrara com a colonização dos comportamentos. Também aqui
o legado situacionista é ineludível. Embora a violência simbólica da sua linguagem
pareça estéril, sinal dum nervosismo desnecessário, foram eles os primeiros a entender
no campo da dissidência do pós-guerra que só a cultura se tornou o terreno decisivo
de qualquer acção revolucionária. Afastaram assim a tentação do vanguardismo armado
contra pessoas, que foi o horror que depois tivemos de atravessar com as guerrilhas
urbanas marxistas-leninistas, que tão frustrantemente desmobilizadoras foram para
a dissidência em geral.
Algures, num texto da mesma época, Debord afirmava que
se o capitalismo teve a argúcia de levar a sua lógica para a vida privada, mercantilizando
o tempo de lazer e integrando de forma implacável a esfera do ser na lógica da
expansão do capital, alienando assim os últimos redutos livres da vida, os da intimidade,
cabia aos revolucionários deslocarem com mestria e superior ousadia o combate
da esfera do trabalho e das condições materiais, esfera que podia ser abandonada
sem nostalgia, daí a célebre consigna debordiana ne travaillez jamais, para o campo real das representações culturais
e simbólicas onde as novas lógicas se jogavam. É aqui que o surrealismo se faz
questão obrigatória, sem exoneração possível, para a crítica situacionista.
De todos estes pontos aquele
que merece mais atenção no “Relatório” é o surrealismo. Compreende-se que assim
seja. Duas das correntes que estiveram presentes em Julho de 1957 na fundação da
Internacional Situacionista tinham origem naquele movimento. Mesmo o letrismo
internacionalista, a corrente de Debord e Gil Wolman, sem descender do surrealismo
ou de qualquer grupo seu, tinha contactos estreitos desde muito cedo com a corrente
surrealista belga – a revista deste grupo, Les
Lévres Nues (1953-1972), era distribuída pelos letristas internacionalistas
em Paris – que descendia do surrealismo revolucionário da década anterior. Mais:
o “Relatório” foi impresso em Bruxelas ao cuidado de Marcel Mariën, um surrealista
revolucionário belga, pouco mais velho que Debord e que foi até ao final director
de Les Lèvres Nues. Só estas razões justificam
a distinção que o “Relatório” se obriga a fazer entre duas correntes surrealistas:
a belga, surrealista revolucionária, ressalvada numa frase do texto de Debord como
uma daquelas correntes minoritárias experimentais da qual tudo há a esperar (p.
25), e a surrealista propriamente dita, cuja atenção que merece ao longo de várias
partes do texto contrasta com o exíguo espaço dedicado ao futurismo (um parágrafo
de 10 linhas) e ao dadaísmo (outro breve parágrafo). Embora concedendo que nos inícios
teve papel de inegável valor, representando uma progressão sobre os movimentos
anteriores, o surrealismo é condenado em dois pontos irremissíveis – a senilidade
da sua situação presente, que se tornou manifesta no final da guerra e nas actividades
ulteriores, mas cujos sinais se percebiam já na evolução da década anterior, e o
seu erro capital, que ditou a sua ulterior decomposição e senilidade. Que erro foi
este? A “ideia da riqueza infinita da imaginação inconsciente”, a ideia do inconsciente
como a “grande força (...) da vida” (p. 16), que por sua vez permitia ao surrealismo
posicionar-se como uma superior visão da totalidade da história humana.
Esta recusa de conceder à imaginação inconsciente um papel de primeiro plano na criação, esta
negação do inconsciente como força vital e esta rejeição de que toda a história
da poesia e da civilização pudesse ser revisitada em função dessa nova descoberta,
nasce em Guy Debord não por uma qualquer leitura do facto psicanalítico em si, mas
pelos resultados que tem. Fazer do inconsciente o horizonte infinito da criação
inesgotável, como o surrealismo queria, tinha por consequência reconduzir a imaginação
(p. 16) “aos antípodas das condições modernas do imaginário: ao ocultismo tradicional.”
É o que Debord chama o “estádio senil-ocultista” do “movimento surrealista ortodoxo”
(p. 18). Mais à frente precisa o que entende por tal estádio, dizendo que à excepção
da Bélgica “todas as tendências surrealistas dispersas pelo mundo se juntam ao
campo do idealismo místico.” Fruto do seu ponto de partida, com o inconsciente
tudo absorvendo, o imaginário surrealista está obrigado para Debord a reencontrar
o ocultismo tradicional, desvinculando-se da situação moderna e inserindo-se nessa
corrente de “idealismo místico” em que a alienação moderna é substituída por formas
anteriores e arcaicas de alheamento. Para fugir às formas várias da alienação cristã
que se impuseram na modernidade o surrealismo acabou por abraçar – a expressão
é de Debord (p. 17) – “a alienação plenamente irracional das sociedades primitivas”.
Daí que o surrealismo, no estado em que então estava, o do “ocultismo tradicional”,
não podia ser para Debord uma alternativa válida de futuro. Como antídoto e resposta
à alienação moderna, o autor do “Relatório” não aceitava o recurso à irracionalidade
das sociedades primitivas; exigia antes “ir mais longe e racionalizar mais o
mundo” (p. 17).
É curiosíssima
e muito significativa esta exigência de racionalizar
mais o mundo. É porventura o ponto nevrálgico do “Relatório”, onde se decide
quer o destino crítico que ele dá ao surrealismo, vendo-o como alheado de tudo o
que é o futuro, quer o que dá à crítica situacionista nascente, como movimento
que nada deve ao primitivo e se posiciona
na esfera da modernidade e da sua racionalidade, à qual exige mesmo novo avanço.
É aqui que podemos cruzar a crítica do surrealismo tal como Debord a vê com aquele
ponto que atrás observámos – a base material técnica que o capitalismo de consumo
cria é a própria base do comunismo que virá – e que surge como constitutivo do novo
movimento. A crítica situacionista nascia como consciência da necessidade de racionalizar o mundo racional moderno,
orientando em sentido ainda mais racional
o produto dessa primeira racionalização, enquanto o surrealismo com o erro que
estava na sua raiz, a expansão do inconsciente e da sua irracionalidade, se divorciara
de qualquer aspecto da racionalidade, por aí se condenando em termos de futuro.
Para o Debord do “Relatório” a racionalização do mundo moderno era insuficiente,
visto que a orientação que o capitalismo dava à sua base material era contraditoriamente
irracional. Esta irracionalidade que subsistia na racionalidade moderna só a crítica
situacionista, pela demissão surrealista, estava em condições de superar. A irracionalidade
que fora o ponto de arranque do programa surrealista fazia com que este movimento
pudesse ainda ser posto ao serviço da irracionalidade que subsistia no sistema
social. A vitória do surrealismo, a sua progressiva aceitação nos circuitos críticos
e mediáticos, a sua comercialização e a sua rápida internacionalização, explicavam-se
destarte pela apropriação que a sociedade fazia do movimento, vendo nele um artefacto
inofensivo, que podia até ser aproveitado a seu favor.
O “Relatório” de 1957 contém assim todos os grandes
tópicos da crítica situacionista ao surrealismo. O número de estreia da revista
da I.S. (Junho, 1958) confirma isto mesmo.
Logo na nota de abertura, “Amère victoire du surréalisme”, retoma-se a matéria
do “Relatório”, insistindo no envelhecimento do surrealismo e no desvio que a
sociedade actual dele faz. Daí “a aparência surrealista do mundo moderno” e daí
a amarga vitória do movimento. Mas porventura mais significativa que essa nota,
seja a reflexão de Asger Jorn nesse mesmo número de estreia, “Os situacionistas
e a automatização”. Não que Jorn pela prática que tinha do surrealismo, a partir
do qual se formou e evoluiu, junte algo diferente ao que Debord dissera, mas porque
explicita o já dito naquele tópico tão característico da crítica situacionista –
a necessidade de atender às potencialidades libertadoras da máquina e da base
técnica criada pelo capitalismo. Mostrando uma ilimitada confiança na tecnologia,
exigindo que se leve esta às últimas consequências, pedindo que o ser humano seja
o “senhor” e não o “escravo” da automatização, Jorn vê neste tópico o ponto diferenciador
da crítica situacionista em relação ao surrealismo. Enquanto este ficara prisioneiro
duma dimensão mágica da arte, que lhe
vedava a entrada no mundo moderno, e daí a sua obsolescência, a crítica situacionista,
ao reconhecer a importância da técnica e da automatização na produção de bens,
tinha ao invés consigo uma chave capaz de potenciar de forma superior o mundo moderno.
Constant, que colaborava com Jorn desde o final da guerra,
criara o primeiro grupo experimental de
arte (Reflex, 1948), seguira com interesse
o surrealismo revolucionário, fora um dos fundadores do grupo COBRA e o primeiro
a formular as concepções do urbanismo unitário, além de ter dado adesão à Bahauss
imaginista e ter estado presente no congresso de Alba no Verão de 1956, regressa
no segundo número da revista (Dezembro, 1958) ao tópico da automatização para
enfatizar que só a técnica permite uma relação nova com o mundo, só ela pode ser
a base material da nova sociedade, só ela pode satisfazer as necessidades humanas,
só ela é experimental e só ela faculta ao artista os instrumentos nómadas que ele
necessita. A arte, ou a sua superação, só se concretiza através da técnica. Cabe
ao artista inventar as novas técnicas em todos os domínios possíveis, unindo-as
depois numa actividade convergente, que por sua vez gera uma arte de viver tridimensional
– o urbanismo unitário. Opondo-se ao funcionalismo urbano, no qual vê uma colonização
arrasadora da vida, o urbanismo unitário de Constant, resultante duma síntese convergente
de todas as artes, torna-se uma forma de vida e é para o seu autor distinto do
urbanismo novo de Chtcheglov, também chamado
psicogeografia, avaliado por Constant
como quimérico.
Depois de conhecermos os textos de Jorn e de Constant,
e o segundo leva mais longe o primeiro, esclarecendo pontos que pareciam ter ficado
retraídos, compreende-se porque motivo uma das correntes fundadoras da Internacional
Situacionista, a da Bahauss imaginista, a mais significativa, já que nela se inseriam
as experiências da importante secção italiana (Giuseppe Pinot-Gallizio, Piero Simondo,
Elena Verrone, Walter Olmo...) e o lastro do grupo COBRA, advogava uma arte industrial,
que, ao lado das novas técnicas de criação, desenvolvesse novos modos de produção.
De resto, o encontro de Alba em 1956, tão importante para a fundação no ano seguinte
do plano situacionista, foi todo dedicado ao uso da tecnologia em arte, encarado
por todos como o dado mais relevante e promissor do experimentalismo. Na sequência
dos debates, Gallizio, farmacêutico, químico, homem de ciência, inventou a “pintura
industrial”, que marcou as pesquisas do grupo italiano organizado em torno do Laboratório
Experimental de Alba, e Walter Olmo, então a caminho dos 20 anos, iniciou experiências
com instrumentos musicais baseados na tecnologia de ponta, que se tornaram uma
das fontes da vanguarda musical electrónica e até da poesia visual cibernética.
Retomemos o ponto inicial de abordagem ao “Relatório”.
A principal característica com que a crítica situacionista se apresenta é a crença
de que a base material criada pelo capitalismo, os meios produtivos que nele se
geram e desenvolvem, são o alicerce indispensável da nova sociedade comunista.
Essa crítica não soube assim desprender-se do produtivismo – ao menos da sua base
técnica. O interesse desmedido que o pensamento situacionista votou à tecnologia,
dedicando-lhe tanto espaço de discussão, acabando até por ver nela a chave da solução
do problema social, reside tão-só neste princípio de base, de resto um tópico
tradicional do pensamento que vinha das correntes operárias do século XIX, todas
subsidiárias do voluntarismo humano em dominar a natureza e de que o situacionismo
não se soube desfazer. É também por aí que se percebe a importância da técnica
no nicho artístico experimentalista donde saiu a crítica situacionista, com recurso
a uma pintura industrial e a instrumentos musicais que decorriam da tecnologia
mais avançada. Mas é ainda por aí que se entende a crítica de Debord e dos situacionistas
ao surrealismo – pelo menos naquela parte, que é afinal ponto decisivo, em que estabelecem
de forma crítica a proximidade do imaginário surrealista ao imaginário mágico primitivo.
A ligação do imaginário surrealista ao do mundo mágico primitivo resulta da sua
adesão à lógica fundadora do inconsciente, aparecendo por aí mesmo a sua desvinculação
dos fundamentos da modernidade. O tópico da senilidade do surrealismo, que se
encontra nesta época em Debord, Jorn e Constant, e que terá depois ainda algum fôlego
para chegar ao livro de Vaneigem (em nome de Jules-François Dupuis), Histoire désinvolte du surréalisme (1977),
só por aqui tem livre curso e só aqui encontra justificação. Quando Constant no
n.º 2 do boletim I.S. tece as suas considerações
sobre o lugar da técnica e o papel da automatização, sobre a insuficiência do urbanismo
de Chtcheglov, não deixa de apontar o excessivo protagonismo que o número de estreia
da nova publicação dedica ao surrealismo, dando-lhe honra de nota de abertura e
deixando subentendido que o movimento criado por Breton se está a tornar no fantasma
desnecessário da crítica situacionista. Debord responde que é preciso confrontar
para diferenciar e volta a repetir o tópico da utopia idealista do surrealismo
por oposição ao experimentalismo revolucionário da crítica situacionista. Na única
alusão ao surrealismo no livro A sociedade
de espectáculo (cap. VIII, ¶ 191), afirmando que ele realizou a arte sem a suprimir, não faz senão dizer de outro modo, mais
enxuto, a mesma coisa. Com raízes no diferendo de 1954, a diferenciação que se
fez no “Relatório” entre os dois movimentos foi depois repetida para não mais ser
esquecida.
A melhor forma de assegurar um futuro seguro e duradouro
na Terra, garantindo ao mesmo tempo a qualquer ser humano as suas necessidades essenciais
(alimentação, saúde, educação, habitação), parece passar pela edificação duma sociedade
camponesa, de abundância frugal, baseada numa agricultura ecológica, sem recurso
aos agroquímicos, que favoreça a biodiversidade e a autonomia das comunidades
locais, assente em pequena unidades de produção que trabalhem com métodos duráveis
e seja capaz de instituir uma solidariedade geral e uma organização social sem
desigualdades. Embora teoricamente todos possamos aceitar que esta é a melhor
forma de garantir a vida no planeta durante muitos milénios, assegurando ao mesmo
tempo a cada humano um quinhão de felicidade, uma tal sociedade parece muito difícil
de implementar não tanto pela ausência de reconhecimento dos seus benefícios e
da sua superioridade em relação ao actual modelo, que tem escasso e difícil tempo
de vida diante de si, mas porque o sistema técnico do presente nos paralisa os
movimentos e nos deixa sem escolha, impondo-nos as suas opções e prendendo-nos
na teia da sua lógica. Resume-se esta assim: para problemas técnicos, só são possíveis
e admissíveis soluções ainda mais técnicas. Assim se justifica, em nome dum problema
real, a descarbonização, a produção massiva de mais automóveis, desta vez eléctricos,
exigindo um desmedido gasto de recursos finitos e uma corrida demencial à energia,
em lugar de pensarmos adaptar a nossa noção de mobilidade no espaço, a uma muito
maior vulgarização da bicicleta e das deslocações pedestres. Não será com certeza
substituindo a Mercedes pela Tesla, nem trocando a corrida aos combustíveis fósseis
pela corrida ao lítio das gigantescas baterias eléctricas dos novos automóveis,
que vamos resolver os problemas ambientais do planeta. Apenas os transferimos para
um patamar superior, que em breve se revelará ainda mais grave e largo.
Ao invés do que se passou com a crítica situacionista,
que foi não só incapaz de fazer a desmontagem da base material da produção mecânica
como se acabou por render a ela, desenvolvendo por isso os subprodutos artísticos
que atrás referimos (pintura industrial, música electrónica, poesia cibernética),
o surrealismo percebeu, ou foi percebendo após 1945, na época mesma em que a crítica
de Debord se preparava para o “liquidar”, que a base material do capitalismo,
então já na sua nova e mais destrutiva fase, a nuclear, tinha de ser posta de lado
e trocada por experiências mais modestas e menos espectaculares, que surgissem
desvinculadas do horizonte fáustico para onde a sociedade industrial já então se
precipitava, arrastando com ela o resto do mundo, e que fossem capazes de recuperar
a memória de outro tempo humano mais limpo e sábio, em que o risco de destruição
mútua e de aniquilamento natural deixassem de ser um perigo tão real e tão
permanente.
Foi ele, o surrealismo,
que se mostrou em condições de deixar cair a ideia que o papel do ser humano na
Terra é 0 de dominar e explorar a natureza – noção que a crítica situacionista,
ao conviver de forma tão acrítica com a tecnologia industrial, nunca se mostrou
em condições de superar. Foi ele ainda que percebeu que a superação da arte – o
mesmo é dizer o que há de crucial no combate cultural – nunca podia chegar por
meio da técnica ou de qualquer tecnologia de ponta, já que isso é apenas e sempre
o reforço do mundo mesmo que hoje existe.
Quando Constant defende que só a técnica pode ser a
base material da nova sociedade, que só ela pode satisfazer as necessidades humanas,
que só ela faculta ao artista o nomadismo que lhe é vital, ou quando Jorn defende
que o ser humano deve ser o “senhor” da técnica e Debord fala da acção política
revolucionária no desenvolvimento das possibilidades modernas de produção, eles
não estão mais do que a reforçar o suporte ideológico da sociedade actual. Isso
ajuda a explicar o que no início apontámos – a facilidade com que parte da crítica
situacionista, aquela que diz respeito ao espectáculo, pôde ser integrada no discurso
dominante. Aceitando o princípio ordenador do presente, adaptando-se à sua orientação
basilar, não pondo em causa a sua determinação essencial, qualquer crítica da mercadoria
fetichista se torna inofensiva. O crescimento económico, e com ele toda a economia,
não existe hoje senão como corrida cega ao crescimento técnico.
As análises de Constant, Jorn e Debord mostram pois
como o modelo crítico situacionista é hoje uma velharia – chamar-lhe assim não
é uma ofensa, mas apenas a constatação da sua inutilidade. O combate do nosso tempo
está muito longe de poder conviver com qualquer acrítica idolatria pela técnica.
O que hoje interessa é denunciar as determinações sufocantes do sistema que envolve
essa mesma técnica e não nos deixam alternativa de escolha.
Cabe ao combate cultural mais decisivo dos dias de
hoje procurar as vias que possam garantir duradouramente a vida na Terra e o bem-estar
essencial para cada ser humano. Isso não passa por qualquer condescendência, menos
ainda por qualquer reforço, dum meio estrangulador, com uma lógica interna autofágica,
que se justifica a si mesmo fora de qualquer resultado prático. Ao invés, precisamos
de aceitar que muitas das experiências pré-industriais e pré-mecânicas, essas para
quem a crítica situacionista só teve palavras de menosprezo, relativas a um outro
modo de produção e vida, podem ser retomadas sem qualquer vergonha. Nem sempre
a evolução é linear e progressiva. Por vezes é preciso regressar ao passado para
exumar segmentos que ficaram esquecidos, mas cujo interesse merece ser reavaliado,
acabando alguns deles por se mostrar mais adequados ao futuro do que algumas ou
mesmo muitas experiências do presente. Basta o exemplo da agricultura para percebermos
como os saberes tradicionais podem ser muito superiores aos que foram e estão a
ser desenvolvidos na modernidade pela técnica industrial.
Precisamos sempre de pensar que o modo de vida que hoje
temos, e que evoluiu a partir dum ponto de partida que se situa no final do século
XVIII e início do século XIX, com a primeira exploração dum combustível fóssil,
o carvão de pedra, e o seu aproveitamento para formas mecânicas de produção de
bens e transporte, representa só uma ínfima parte da história da nossa espécie sobre
a Terra, qualquer coisa como 0,25 %. Não é pois de estranhar que muito do modo
de vida que foi tentado nos últimos dois séculos, sobretudo aquele que fez depender
de forma quase sacralizada do sistema técnico a resolução de todos os males humanos
e naturais, se mostre uma encruzilhada, ou mesmo um beco sem saída, que é necessário
abandonar em função de experiências mais duradouras do passado pré-industrial e
pré-mecânico, que provaram ser soluções muito mais sólidas e seguras para o futuro
da vida na Terra.
Atento à dimensão
abissal e intemporal do inconsciente, desvinculado do vazio do presente, no qual
via uma existência abjecta que coartava aos seres humanos o voo livre, capaz de
conviver no mesmo plano da presença com o passado e com o futuro, o surrealismo
percebeu ainda que a realização da filosofia e a superação da arte, os dois desideratos
situacionistas, só podiam chegar através dum imaginário descolonizado em que palavra,
poema e desenho reassumissem a efemeridade, a permanência e a força do sentido
da sua condição natural – essas que o traço rupestre dum índio e o dum pré-histórico
tinham, quando, no meio de forças sem sentido e até adversas, eram inscritos na
areia e na pedra com o propósito simples, mas decisivo, de falar respeitosamente
com a natureza.
Não poderá haver realização da filosofia e superação
da arte sem desvinculação do sistema técnico, já que este é a fonte mesma da filosofia
e da arte tal como nasceram e tal como hoje as entendemos. A noção de arte mágica formulada pelo surrealismo na
época em que Debord publicava o “Relatório” – data de 1957 o livro L’Art Magique de André Breton – parece dar
assim uma resposta muito mais adequada e promissora aos problemas do combate cultural
da nossa época do que a crítica situacionista, já que esta ficou paralisada na teia
tecnológica dum presente cego e no contributo involuntário que deu à “arte contemporânea”,
que dominada pelos aparelhos técnicos,
pela reprodução mecânica exacerbada e pela produção em massa não podia ter outro
destino senão servir de referencial ao mercado financeiro mundial.
O espectáculo parece não deixar outra saída a todos
os que têm a inteligência de o desmontar senão o próprio espectáculo. Superar a
arte através da sua mercantilização absoluta e realizar o pensamento através da
sua circulação mediática parece ter sido assim a pouca fortuna que coube àqueles
que, conquanto exigentes, não quiseram ou souberam perceber as potencialidades
emancipadoras de certas experiências do passado, remetendo-as acriticamente para
o domínio da alienação primitiva. Como se isso não fosse já bastante, carreando
uma crítica que se mostra hoje datada, ainda recusaram encarar os malefícios do
sistema técnico do seu tempo, vendo nele uma virtualidade libertadora onde afinal
só existia uma das mais danosas e sinistras prisões de sempre.
NOTA FINAL
Antes
desta antologia que aqui comentamos e acabada de surgir em 2021, Júlio Henriques
traduziu e organizou sobre a crítica situacionista o seguinte volume (onde se encontra
o texto de Asger Jorn sobre a automatização da produção de bens publicado no n.º
1 do boletim da IS): Internacional Situacionista – Antologia,
Lisboa, Antígona, 1997. [ACF]
ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO (Portugal, 1956). Ensaísta e historiador. É igualmente diretor da revista A Ideia. Fez um doutoramento em Literatura Portuguesa e uma agregação em Cultura Portuguesa. Os seus escritos sobre a História de Portugal tomam como ponto de partida os cruzamentos ou as parecenças entre a História e a Lenda. Reclama para a História, na linha de Fiama Hasse Pais Brandão, o direito à alucinação, pois uma História sem a teatralidade do imaginário não está viva nem é real. Estudioso da obra de Teixeira de Pascoaes. Poeta com uma vasta obra publicada, dedicou-se também ao romance histórico (9 títulos publicados), e é autor de duas biografias publicadas pela Quetzal – sobre Agostinho da Silva e Mário Cesariny.
FIRMINO SALDANHA (Brasil, 1906-1985). Pintor, arquiteto. Cursou arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes/Enba, em 1931, no Rio de Janeiro. Na década de 1940, inicia-se como autodidata em pintura. Em 1957, é escolhido, juntamente com Candido Portinari, para concorrer aos prêmios Guggenheim e participar da exposição realizada em Paris. Além disso, integra a comissão encarregada de projetar a Cidade Universitária, no Rio de Janeiro, ao lado de Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy; atua como presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil/IAB; e realiza, dentre outros, o mural do Banco Nacional – Palácio do Planalto, em Brasília. A seu respeito disse Flávio de Aquino: Nas telas de Saldanha sentimos formas, linhas e cores se movimentando, criando contraste, se ajustando ou se opondo umas às outras, como se nascessem do mesmo ritmo, obedientes à composição geral, com seus elementos fortemente ligados através de uma coerência formal, de onde emerge a mensagem emocional com limpidez e transparência. Por sua vez, observou Joaquim Tenreiro que Firmino foi um pintor filiado aos princípios plásticos de Braque. Sentiu-lhe intensamente a influência, especialmente no formalismo, na esquematização, na composição da obra. Assim foi durante algum tempo, e nisto está uma força e uma constância, que fazem Saldanha trabalhar continuamente até chegar à atual fase, já livre daquela influência, evidenciando sempre, porém, uma forte consciência de pintor. Firmino Saldanha é o artista convidado da presente edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
CODINOME ABRAXAS # 09 – A IDEIA – REVISTA DE CULTURA LIBERTÁRIA (PORTUGAL)
Artista convidado: Firmino Saldanha(Brasil, 1906-1985)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
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