● VÍTIMAS DA CUMPLICIDADE OU CÚMPLICES DA
VITIMIZAÇÃO
1 | Há um curta de
Jan Svankmajer, The Flat (1968), que é
paradigmático de uma curiosa relação entre o nonsense e a tolice na criação artística. Ao que tudo indica o caminho
do excesso não conduz senão ao castelo do desperdício. Cinco ou seis cenas a menos
e este curta de Svankmajer seria uma de suas melhores obras. Do jeito como foi editado
demonstra apenas que a tolice é um péssimo recurso quando se busca um caminho além
da realidade. Comédias e filmes de terror se irmanam em excessos dessa mesma natureza.
Não resta a menor dúvida de que a realidade está repleta de tolices, porém nenhuma
delas se sustenta como sendo sua representação aceitável. Nem mesmo no Brasil.
2 | Evidente que
ninguém em sã consciência aceitaria o retorno do país a uma ditadura militar. Está
certo que uma ditadura civil é igualmente inaceitável. De qualquer modo as últimas
declarações de militares dão uma medida de nossa extrema situação de risco. E nos
colocam diante de uma ambiguidade que apenas confirma um dado preocupante do caráter
brasileiro: a facilidade com que, ao eleger um herói, transferimos para o outro
a total responsabilidade de correção de nossos erros. Cada um de nós tem quando
menos um estilo próprio, porém não menos lastimável, de fugir das responsabilidades,
sobretudo quando elas impõem medidas extremas e inadiáveis como é nosso caso atual.
Não apenas o sistema político, mas toda a Constituição parece uma tábua de pirulitos
ou uma colcha de retalhos. Um remendo a mais não resolve nada. É preciso zerar o
cronômetro. Reescrever tudo. De modo mais simples, direto, abrangente. E não há
outro modo de fazê-lo senão através de uma presença massiva e constante nas ruas,
nas redes sociais, na clara definição de propósitos, na rejeição ao quadro político
através do voto nulo, no envio frequente de cartas à mídia etc. Seria oportuno e
mesmo inadiável contar com sugestões de todas as partes. Só não me digam que não
há nada a fazer.
3 | A vida não é
um incômodo para a arte. Tampouco o contrário deve ser aceito. O filme Manifesto (2015) de Julian Rosefeldt, é uma
colagem de absurdos que orquestrados alcançam uma reveladora vitalidade ou, ao contrário,
é uma colcha de retalhos que vicia a todos no espectro desconcertante da realidade
disfarçada de arte? Quando a vida é arte? Quando não? A que tipo de arte interessa
discutir quando é vida, quando não?
4 | Máscaras são cúmplices dos algoritmos do tempo a que pertencem.
Raramente se reúnem para corrigir o roteiro banal do teatro que representam. Como
lagartas meditando no interior de uma berinjela. O que levamos ao palco é uma catedral
polida, uma prateleira escalada por divindades de toda ordem, as mais austeras.
O invulgar espírito que veneramos é sempre alheio ao que somos. Como podes seguir
assim, profanando até mesmo tuas veleidades? As histórias que ouvimos são a frivolidade
da memória. No entanto, nos deixamos guiar por elas como náufragos antecipados.
Certas palavras ficam melhor quando perdem uma letra. Em qual diário de bordo se
oculta a página que aprendeu a separar as letras que fazem mal a determinadas palavras?
Como distinguir a recompensa de tua beleza das imagens saltadas dos lábios de uma
cartomante? Todos os barcos são ébrios, considerando a inconstância das marés.
5 | Teoricamente
deveria haver um sistema político-social de representatividade confiável. No entanto,
aos poucos fomos todos nos ausentando do simples exercício de mapeamento de atuações
dos representantes que deixaram de ser nossos e passaram a representar seus próprios
interesses. Não creio que se possa remendar este quadro. Sua alta voltagem de promiscuidade
teria que ser eliminada pela raiz. Cabe a todos nos organizarmos em torno de uma
tática que não seja a da violência urbana. No entanto, mesmo em concordância o que
se escuta é sobre o paradeiro de um herói que nos lave a alma.
6 | A estatística
é uma ciência canalha. Sua principal peça de montagem converte em fato qualquer
aspecto meramente casual. A estatística jamais nos dirá o motivo por que mágicos
no mundo inteiro escolheram o pombo para retirar de suas cartolas. 53 mil vereadores
existem no Brasil. Em toda a pirâmide política esta é a base triunfante da corrupção
nacional. Espalhados por 5.570 municípios são eles que preparam terreno para que
as castas mais nobres da política embaralhem
joio e trigo com exímio cinismo. Tal modelo se reproduz de modo voraz, pelos conselhos
tutelares, sindicatos, associações de pais e filhos, sacristias de todas as igrejas
etc. Temo que a saída seja nos tornarmos verdadeiros foras da lei. O poeta Dylan
Thomas tem uma frase entranhável: "Para ser um verdadeiro fora da lei, há que
ser muito honesto". É uma sacada poderosa porque muda por completo o conceito
de fora-da-lei.
7 | A realidade raramente
se mostra da maneira como a aguardamos. Somos levados – por confortos culturais
ou comodismos sociais – a esperar certo padrão de comportamento da realidade e por
vezes é justamente o oposto que se mostra. A realidade resulta em algo construído,
projetado para atender a princípios morais que se consideram – ou assim necessitam
ser considerados – infalíveis e relevantes. Por isto será sempre frustrante quando
esperamos da realidade que ela se nos apresente íntima e natural.
Os Editores
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ÍNDICE
ALFONSO PEÑA | Poética del duende: Félix Arburola y su
trazo indeleble
CARLOS M. LUIS | Notas sobre Ludwig Zeller
ESTER FRIDMAN |
O limiar do instante ou a vida como colagem de instantes
GABRIEL JIMÉNEZ EMÁN
| Andrés Eloy Blanco y Baedeker 2000:
vanguardismo y anticipación en la poesía venezolana
GRACIELA MATURO | Páginas del libro “Surrealismo en Argentina”
JAYRO SCHMIDT
| Péricles Prade & a gaiola filosófica: poética ready made
KATERINE DUMONT
| Três Origens & uma biografia assinada por Moara Guayi
LILIAN PESTRE
DE ALMEIDA | O teatro de Sony Labou Tansi ou corre o rio Congo entre suas pernas
SUSANA WALD | Tres veces el oro de los tiempos
VIVIANE
DE SANTANA PAULO | Nietzsche,
“a lhama” e a vontade de poder
ARTISTA CONVIDADO
| JAIR GLASS | OLÍVIO TAVARES DE ARAÚJO | Jair Glass, um maneirista
hoje
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/11/olivio-tavares-de-araujo-jair-glass-um.html
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com.br/2017/11/olivio-tavares-de-araujo-jair-glass-um.html
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Página ilustrada com obras de Jair Glass (Brasil,
1948), artista convidado desta edição de ARC.
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Agulha Revista de Cultura
Número 104 | Novembro de 2017
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
logo & design | FLORIANO MARTINS
revisão de textos & difusão | FLORIANO
MARTINS | MÁRCIO SIMÕES
equipe de tradução
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
ALLAN VIDIGAL | ECLAIR ANTONIO ALMEIDA FILHO | FEDERICO RIVERO SCARANI | MILENE MORAES
os artigos assinados não refletem necessariamente
o pensamento da revista
os editores não se responsabilizam pela devolução
de material não solicitado
todos os direitos reservados © triunfo produções ltda.
CNPJ 02.081.443/0001-80
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