1. VICTOR MAZIN | Transe-Golem no movimento de Maura Baiocchi
Desgramaticalização
e Acoreografia
A dança de Maura Baiocchi é imprevisível. Os seus movimentos
não seguem a priori nenhuma contagem. A sua gramática
nunca se enquadra numa escritura coreográfica reconhecível. Volta e meia, os seus
movimentos não se coadunam, subitamente cessam, transformam-se em outra coisa. A
coreografia de Maura Baiocchi não é passível de ser traduzida para nenhuma linguagem
concreta da dança e não chega a nenhuma forma acabada. Pode-se dizer que não se
trata de uma linguagem nem de uma escritura, tampouco de uma coreografia, e sim
do que Jacques Lacan chamou de lalangue (“lalíngua”).
A economia de movimentos de Maura é a
tradução da figura do Golem em estado de transformação, uma figura que reiteradamente
não encontra forma. O Golem é o que não se deixa capturar por uma forma, o inacabável.
Aqui é que cria raízes a monstruosidade.
Ela se encontra numa forma inabarcável, numa letra sem fixação, numa sintaxe em
desordem. É uma coreografia de transformações fora do controle de qualquer gramática,
que se metamorfoseia num transe acoreográfico.
A forma não se consolida. O Golem sem
forma não pode ser identificado, sujeitado ou controlado. Quem quer que seja o seu
criador, ele permanecerá para sempre um não nascido, um transformador do nascimento.
Retraçando
Triângulos
Quem cria é aquilo que dança? Quem dança aquilo que dança?
Golem conduz Maura ou Maura conduz Golem? Golem não possui Golem, assim como Maura
não possui Maura.
E, de modo
geral, a Maura de Golem e o Golem de Maura não dançam aqui, não só aqui, nesta passagem genérica, na vereda estreita do Museu
dos Sonhos de Freud. A acoreografia desdobra-se paralelamente em dois triângulos
abstratos, cujas formas, vez por outra, ficam sujeitas à desagregação, como preconiza o mandala imaginário.
Maura-Golem
traça, com a trajetória do seu movimento, um triângulo invisível: Letra – Verdade – Morte.
O Golem ganha vida com a palavra “verdade” (emet). Mas basta apagar uma letra
dessa palavra, Aleph, e surge a “morte” (met).
A configuração Letra – Verdade
– Morte nunca se completa, porque se converte em outro triângulo: Letra – Verdade – Desejo. Tudo está
no limiar. No limiar entre a vida e a morte. Transe.
Se quiséssemos narrar tudo numa sequência lógica, nosso ponto de partida seria, é claro, a aparição
de Maura na vereda genérica dos sonhos, que acompanhava o seu interesse em relação
ao entorno. O seu Golem como que reconhecia os outros, brincava com eles, sentava-se
no colo, dividia com eles uma maçã. Pode-se dizer que o Golem-Maura, ao mesmo tempo,
seduzia e domava. Mas de repente tudo mudou. Como se num piscar de olhos uma nuvem
de chumbo fechasse um céu ensolarado e lançasse à terra corriscos estridentes e incandescentes.
Terrível.
O
Terrível Despertar do Desejo
Terrível – na fronteira entre o artificial e o natural. Terrível – na compreensão nebulosa de que essa fronteira é móvel.
Terrível pelo fato de serem indistinguíveis o artificial e o natural. E o Golem
– criatura feita de argila, de matéria inanimada, ganha vida com a ajuda da técnica,
de um conhecimento secreto, artificial, contido na letra. A letra, lembra Lacan,
inspira. Mas a letra pode estar morta. Pode ser incontrolável, porque ela não conhece
as outras letras, a existência das outras. Ruptura. Aqui não há plateia. A acoreografia
cerra-se sobre si mesma, sobre a sua própria letra, sobre a letra morta. A dança
do Golem de Maura é a dança de uma letra morta.
A letra morta
perpassa como cãibra a matéria-prima crua do real. O Aleph dança por
si mesmo. A primeira letra novamente volta do real. O transe de Maura Baiocchi
deslocou os céus sobre a vereda dos sonhos.
NOTAS
Tradução
de Vadim Nikitin
Artigo inédito
de Victor Mazin redigido em abril de 2014 sobre a apresentação do espetáculo TRANS
de Maura Baiocchi no Museu Freud dos Sonhos em São Petersburgo, por ocasião
do Colóquio Internacional “Actualités de
Frankenstein: figure du monstre dans notre société contemporaine” organizado pela Universidade de São
Petersburgo e pelo Centro de Pesquisa em Psicanálise da Universidade Paris Diderot.
ВИКТОР МАЗИН | Транс-Голем В Движении Мауры Байокки
ДЕГРАММАТИЗАЦИЯ
И
АХОРЕОГРАФИЯ
Танец
Мауры Байокки непредсказуем. Движения его априори не просчитываемы. Их грамматика никак не предписана хоть каким-то узнаваемым письмом хореографии. Движения то и дело не складываются, внезапно прекращаются, превращаются в совершенно другие. Хореография Мауры Байокки не переводится на язык никакого конкретного танца и не обретает никакой законченной формы. Можно сказать, это – вообще не язык, не письмо, не хореография, а то, что Лакан назвал лялязыком.
Экономика движений Мауры – перевод Голема как фигуры пребывающей в трансформации, фигуры, вновь вновь не обретающей форму. Голем – неоформляемое. Здесь и коренится монструозность. Она – в необретении формы, нефиксации буквы, нестроении синтаксиса. Хореография трансформаций выходит из-под контроля любой грамматики, превращаясь в ахореографию транса. Важны сломы, изломы, переломные моменты и их непредсказуемость.
Форма не консолидируется. Бесформенного Голема не идентифицировать, не подчинить, не поставить под контроль. Кто бы его не творил, он остается недородившемся, трансформером зарождения.
ПЕРЕСБОРКА
ТРЕУГОЛЬНИКОВ
Творит
та, что танцует? Кто танцует ту, что танцует? Голем Мауры или Маура Голема? У Голема нет Голема, как нет у Мауры Мауры.
И вообще, Маура Голема и Голем Мауры танцуют не здесь, не только здесь, в этом родовом проходе, на узкой трассе Музея сновидений Фрейда. Ахореография параллельно разворачивается в двух абстрактных треугольниках, форма которых, то и дело подлежит распаду, как и предписано воображаемой мандале.
Маура-Голем прописывает траекторией своего движения незримый треугольник Буква – Истина – Смерть. Голема оживляет слово истина («эмет»).
Но стоит только стереть одну букву в этом слове, букву алеф, как наступает смерть («мет»). Конфигурация Буква – Истина – Смерть никак окончательно не оформляется, ибо преобразуется в другой треугольник: Буква – Истина – Желание. Все на грани. На грани жизни и смерти. Транс.
Если бы мы хотели рассказать обо всем по порядку, то заговорили бы, конечно, о появлении Мауры на родовой трассе сновидений, которое сопровождалось ее интересом к окружению. Ее Голем как будто признавал других, заигрывал с ними, усаживался на коленки, делился яблоком. Можно сказать, Голем-Маура соблазнял и приручал. Но вдруг все изменилось. Будто в миг залитое солнечным светом небо захлопнулось свинцовой тучей, из которой полетели на землю вспышки пронзительных молний. Жутко.
ЖУТКОЕ
ПРОБУЖДЕНИЕ
ЖЕЛАНИЯ
Жуткое
– на границе искусственного и естественного. Жуткое – в смутном понимании того, что граница эта подвижна. Жуткое в том, что искусственное не отличить от естественного. И Голем – существо, сотворенное из глины, неживой материи, оживает с помощью техники, искусственного, тайного знания, заключенного в букве. Буква, напоминает Лакан, одухотворяет.
Но буква может быть мертвой. Она может быть неуправляемой, ибо не знает других букв, бытия других. Разрыв. Здесь публики нет. Ахореграфия замыкается на себе, на своей букве, на букве мертвой. Танец Голема Мауры – танец мертвой буквы.
Мертвая буква пробегает судорогой по сырой материи реального. Алеф танцует сам по себе. Первая буква вновь и вновь возвращается из реального. Транс Мауры Байокки вывихнул небеса над трассой сновидений.
2. FLORENCE DE MEREDIEU | ARTAUD. Taanteatro. Théâtre de Nesle. 2016
Fundada em São Paulo em 1991 (agora há 25 anos) por Maura Baiocchi, coreógrafa adepta da dança Butoh, a companhia brasileira
Taanteatro se apresenta em Paris no Théâtre de Nesle.
Ainda insuficientemente conhecido na França e na Europa, objeto dos rumores mais
positivos, apreendidos graças à leitura dos
poucos fragmentos sobre o espetáculo que
se podem encontrar aqui ou ali na internet, o Taanteatro tem uma trajetória que dá testemunho de uma grande riqueza e de uma impressionante
maturidade.
A tropa multiplicou
espetáculos em torno de Artaud. E é “Artaud le Momo” que Maura Baiocchi e Wolfgang Pannek apresentaram
no Théâtre de Nesle. “Artaud le Momo”. Amplamente
conhecido do público, esse
texto de Artaud tem sido, nos últimos anos,
objeto de muitas reprises. Muitos “solistas” se esfregaram nesse trabalho canônico e frequentemente ficou-se entediado pela sobreoferta de
mimetismo à qual quase
todos os atores que encarnaram “Artaud Momo” se entregaram.
Aqui, a surpresa
é ainda maior. Pois a atuação
de Maura Baiocchi ultrapassa amplamente
todas as interpretações dadas até agora. Fora
os primeiros minutos em que ela mostra a visão arquetípica de um Artaud Momo, usando
sua boina e vestida de seu largo
manto (um cachecol de lã vermelha vem já perturbar e denunciar a imagem tradicional...), Maura
Baiocchi não está mais no mimetismo mas na ‘simpatia’. No sentido forte e primeiro que reveste
o termo.
Então se está em outro universo. O da medula e do osso,
de um inconsciente orgânico e alucinatório. Tudo passa
por um gestual totalmente dominado e elaborado até mesmo na desarticulação
e na ruptura. O aprendizado e a técnica certamente vêm do Butoh: trabalho
meticuloso e repetido sobre os sistemas energéticos, permitindo
a colocação em movimento de uma musculatura corporal que reage – de maneira milimetrada
– à menor respiração e à mais indistinta
inflexão da voz.
Sem dúvida, é a primeira
vez que o Momo é encarnado dessa forma por uma mulher.
Esta ambiguidade sexual reforça ainda mais o sentimento de pertencimento de Maura
Baiocchi ao seu “personagem”. Ela é Artaud – e além de Artaud –, funde-se em seus sonhos e suas obsessões, afunda na gimnopédia de seus laços, desarticula-se
em cada um de seus duplos, em cada uma de suas sombras. Este universo é complexo.
Andrógino, sobretudo. Furioso e maltratado.
A mulher,
no entanto, reaparece na virada de um gesto ou de uma obsessão, nos nós de seu cabelo. Ou dobra e desdobra-se – estendida, deitada, harmoniosa, ao fundo
da natureza de um vídeo aquoso. O conjunto
da performance fica então ainda mais forte, ao conseguir jogar sobre um registro
estendido... e contraditório. De uma ponta à outra do espetáculo, a atuação sensacional de Maura Baiocchi é suportada e sustentada por um ambiente visual poético. Orquestradas por Wolfgang Pannek,
projeções de vídeo (escritos,
grafismos dançantes, paisagens e águas vivas) amplificam o tema, fazem literalmente dançar, dobrar e desdobrar o texto de Artaud.
Quando um
Taanteatro será apresentado
em Avignon? Na cidade desses papas que Artaud tão cruelmente vituperou?
NOTAS
Tradução
de Wolfgang Pannek.
Artigo publicado originalmente em 11 dezembro de 2016 no blog FLORENCE DE MEREDIEU – JOURNAL ETHNOGRAPHIQUE: http://florencedemeredieu.blogspot.com/2016/12/artaud-taanteatro-theatre-de-nesle-2016.html.
FLORENCE DE MEREDIEU | ARTAUD. Taanteatro. Théâtre de Nesle. 2016.
4 décembre
2016. –
Fondée à São Paulo en 1991
(il y a maintenant 25 ans) par Maura Baiocchi, chorégraphe adepte du Buto, la compagnie
brésilienne Taanteatro, se produit à Paris au Théâtre de Nesle. Encore insuffisamment
connue en France et en Europe, objet de rumeurs des plus positives, appréhendée grâce à la lecture
des quelques fragments de spectacle que l’on peut trouver ici ou là sur Internet,
la trajectoire du Taanteatro témoigne d’une grande richesse et d’une impressionnante
maturité.
La troupe a multiplié
les spectacles autour d’Artaud. Et c’est un “Artaud le Momo” que Maura Baiocchi
et Wolfgang Pannek présentaient au Théâtre de Nesle.
– “Artaud le Momo”. Largement connu du public ce texte d’Artaud
a fait l’objet, ces dernières années, de maintes et maintes reprises. Nombreux sont
les “solistes” à s’être
frottés à cette
œuvre canonique et l’on est souvent lassé par la surenchère de mimétisme à laquelle
se sont livrés presque tous les acteurs incarnant “Artaud Momo”.
La surprise n’en
est – ici – que plus grande.
Car la performance de Maura Baiocchi outrepasse largement toutes les interprétations
jusqu’ici donnés. En dehors des premières minutes où elle campe la vison
archétypique d’un Artaud Momo, coiffé de son béret et vêtu de son
ample manteau (une écharpe de laine rouge vient déjà perturber et dénoncer
l’image traditionnelle…), Maura
Baiocchi n’est plus dans le mimétisme mais dans la “sympathie”. Au sens fort et
premier que revêt le terme.
On est alors dans
un autre univers. Celui de la moelle et des os, d’un inconscient organique et hallucinatoire.
Tout passe par une gestuelle totalement maîtrisée et travaillée
jusque dans le déglingué et la
rupture. La leçon et la technique viennent assurément du Buto: travail minutieux
et répété sur les systèmes
énergétiques
permettant la mise en branle d’une musculature corporelle qui réagit – de manière millimétrée – au moindre souffle
et à la plus indistincte inflexion de voix.
Sans doute est-ce
la première fois que le Momo est ainsi incarné par une femme. Cette ambiguité sexuelle
renforce encore le sentiment d’appartenance de Maura Baiocchi à son “personnage”.
– Elle est
Artaud – et
au-delà d’Artaud –,
se fond en ses rêves et ses obsessions, se coule dans la gymnopédie de ses attaches,
se désarticule en chacun de ses doubles, en chacune de ses ombres. Cet univers est
complexe. Androgyne, le plus souvent. Furieux et malmené.
La femme, toutefois,
au détour d’un geste ou d’une obsession, réapparaît dans les nœuds
de sa chevelure. Ou bien se déplie et déploie – étendue, couchée, harmonieuse, sur
le fond de nature d’une vidéo aqueuse. – L’ensemble de la performance n’en est
alors que plus fort, qui parvient à jouer sur un registre étendu… et contradictoire.
D’un bout à l’autre
du spectacle, la sensationnelle performance de Maura Baiocchi est supportée et sous-tendue
par un fond visuel poétique. Orchestrées par Wolfgang Pannek, des projections
vidéo (écritures,
graphismes dansants, paysages et eaux vives) amplifient le propos, font littéralement
danser, plier et ployer le texte d’Artaud.
À quand une présentation
du Taanteatro en Avignon? Dans la Cité de ces Papes qu’Artaud a si cruellement vitupérés?
3. PHILIPPE PERSON | Performance de Maura Baiocchi em torno de textos de Antonin Artaud
Evocar a figura longa e calva de Antonin
Artaud, suas palavras incandescentes lançadas nas chamas da loucura, seu caminho
tortuoso povoado por cactos mágicos e eletrochoques,
isso já é sair da banalidade para se rejuntar
a este singular que tem o nome de poesia. Aquele que Serge Gainsbourg
situou
entre os “terríveis da criação” e que foi o alucinado Marat em “Napoleão” de Abel Gance, é um daqueles vagabundos
celestes atravessado por lampejos geniais que é preciso
redescobrir periodicamente. Para isso, o intrépido precisará de um guia
capaz de içar-se sem pressa para além dos caminhos
batidos, alguém improvável cuja presença se tornará imediatamente uma evidência.
Maura Baiocchi é desse calibre. Com boina
na cabeça, rosto maquiado,
sobrancelhas proeminentes e nariz vermelho, evocando tanto o resfriado persistente quanto
o palhaço, vestida demais como se saísse da clínica de Rodez,
ela
chega de onde não era esperada: do fundo da sala. Em seguida, ela volta lentamente
ao palco, um caderno rabiscado com as palavras de Artaud nas mãos, às vezes
abordando alguns espectadores para pedir que leiam uma frase. Entre Nosferatu e
Pina Bausch, e na língua do “Mômo”, ela cria imediatamente um clima
de estranha estranheza. Não se trata de uma leitura de textos, mas sim de uma performance
em torno do autor do “Teatro da
Crueldade”. Maura Baiocchi é “Madame Artaud”,
dançarina e bruxa brasileira, uma atriz esboçando um
sorriso de escárnio ou sussurrando
um a-parte distante. Impondo sua maestria sem nunca ser assustadora, ela dá passos leves e até
mesmo parece voar entre as projeções de vídeo que cobrem a parede do palco.
Pouco a pouco,
os textos de Artaud tornam-se menos abstrusos, esclarecem-se
nas hesitações eruditas e nas repetições fingidas
da atriz para encontrar a palavra certa. Tudo terminará numa apoteose interminável com a conferência pronunciada por Artaud no Vieux-Colombier em 1947. De volta
dos mortos, após sofrer os caprichos elétricos do Doutor Gaston Ferdière, ele está
aqui, entregando seus segredos irracionais.
Maura Baiocchi está além da encarnação.
Terrivelmente dúbia, ela
é Artaud, sem nunca
deixar de ser a atriz que o interpreta. Aula sobre a arte de atuar, sua performance
deixa o público atordoado.
Não mais
importa se ela estava certa ou errada, ao extrapolar Artaud; se ela
causou irritação ou admiração; se deixou o público impassível ou se o comoveu,
as palavras do “Mômo” atingiram
o seu alvo e esta é a sua proeza
essencial e necessária.
NOTAS
Tradução de Wolfgang Pannek.
Crítica publicada no website froggy’s delight em novembro de 2017 por ocasião da apresentação de Artaud le Momo no Théâtre de Nesle em Paris: https://www.froggydelight.com/article-19640.html.
PHILIPPE PERSON | Performance de Maura Baiocchi em torno de textos de Antonin Artaud
Evoquer la longue figure glabre d’Antonin Artaud, ses mots
incandescents jetés dans les flammes de la folie, son chemin torturé peuplé de cactus
magiques et d’électrochocs, c’est déjà sortir de la banalité pour rejoindre ce singulier qui a
nom poésie.
Celui que Serge
Gainsbourg rangeait parmi ses “affreux de la création”, et qui fut l’halluciné Marat
du “Napoléon” d’Abel Gance, est un de ces clochards célestes dont il faut périodiquement
redécouvrir le n’importe quoi parcouru de fulgurances géniales.
Pour cela, l’intrépide
aura besoin d’un guide, lui aussi capable de se hisser sans hâte hors des chemins
battus, quelqu’un d’improbable dont la présence deviendra immédiatement une évidence.
Maura Baiocchi
est de cette trempe. Béret sur la tête, visage grimé avec des sourcils proéminents
et un nez rouge qui évoque autant le rhume persistant que le clown, trop habillée
comme si elle sortait de la clinique de Rodez, elle arrive d’où on ne l’attendait
pas : de l’arrière
de la salle. Puis, elle rejoint lentement la scène, un cahier gribouillé de mots
d’Artaud en mains, apostrophant quelques spectateurs, leur demandant parfois de
lire une phrase.
Entre Nosferatu
et Pina Bausch, dans la langue du “Mômo”, elle crée d’emblée
un climat d’une étrange étrangeté. Il ne
s’agira donc pas d’une lecture de textes, mais d’une performance autour de l’auteur
du “Théâtre de la cruauté”.
Maura Baiocchi est “Madame Artaud”,
danseuse et sorcière
brésilienne, actrice esquissant un ricanement, ou chuchotant un a-parte distancié.
Imposant sa maîtrise sans
jamais faire peur, elle a le pas léger et semble même voler parmi les vidéo-projections
qui enrobent le mur de la scène.
Peu à peu, les textes
d’Artaud deviennent moins abscons, s’éclairent dans les hésitations savantes et
les répétitions
feintes de l’actrice pour trouver le juste mot. Le tout s’achèvera en interminable
apothéose avec la conférence prononcée par Artaud au Vieux-Colombier en 1947. Revenu
d’entre les morts après avoir subi les lubies électriques du Docteur Gaston Ferdière,
le voilà livrant ses secrets déraisonnables.
Maura Baiocchi est au-delà
de l’incarnation. Terriblement duplice, elle est Artaud sans jamais cesser d’être
l’actrice qui le joue. Leçon sur l’art de jouer, sa performance laissera pantois.
Qu’elle ait eu tort
ou raison de surjouer Artaud, qu’elle ait provoqué de l’irritation ou de l’admiration,
qu’elle ait laissé de marbre ou ému, plus rien n’a d’importance: les mots du “Mômo” ont atteint
leur cible et c’est là sa prouesse essentielle et nécessaire.
4. GUILLAUME D’AZEMAR DE FABREGUES | Artaud, le Mômo – Théâtre de Nesle
No Théâtre de Nesle, Maura Baiocchi dança, brinca e conta a vida alucinada de Antonin Artaud, o homem que fez a arte e o teatro delirarem. Deixei-me levar por sua atuação, foi um grande e lindo momento.
Antonin Artaud, nascido em 4 de setembro de 1896. Foi um homem do teatro, tentou transformá-lo, e, sem dúvida, está na origem de muitas performances. Ele viveu, viajou, sob o efeito de drogas, foi internado por nove anos em Rodez. Escreveu, dirigiu e influenciou fortemente pessoas como Jean-Louis Barrault. A lista de seus amigos é
o mundo da arte dos anos 1920 a 1948. Saindo da guerra e do hospital psiquiátrico, deu em 13 de janeiro de 1947 no Théâtre du Vieux Colombier uma palestra ímpar, a última vez em que estaria no palco.
Maura Baiocchi nos fará viver esta vida, a luta de Antonin Artaud, seus combates, sua vontade. A peça começa no fundo da sala. Não. Começa com sons abafados atrás da porta da sala, e Maura Baiocchi entra, já habitada por Antonin Artaud que ignorou todas as convenções, todos os constrangimentos, o Antonin Artaud livre. Ela vai ficar por muito tempo naquela área. De repente me viro, é
estranho, pelo menos um terço dos espectadores fica virado de frente para o palco, como que
esperando por um ator clássico, parado no centro do palco. Há um senhor adormecido, um outro que se pergunta o que está fazendo ali, a senhora que está fascinada…
A viagem continua, a de Artaud, a nossa. Maura Baiocchi é
brasileira, seu texto está escrito em um caderno que faz parte da encenação, ela se agarra a ele, escreve nele, vai usá-lo para apagar um cigarro comprido que cheira mal (fique tranquilo, se ela evoca as substâncias alucinatórias, trata-se de eucalipto). A peça segue o fio da vida de Artaud que segue o fio do tempo. Estamos na América do Sul, entre os incas (não entre os astecas, a frase soava esquisita com o sotaque brasileiro), Artaud é habitado por suas pesquisas, Maura é habitado por Artaud. E então o tempo das drogas, das visões, do universo que se torna flexível, acima do solo. Aí vem o tempo da internação, outras drogas, os eletrochoques.
Maura me levou a bordo, estou voando com o Artaud, sofrendo com ele. As palavras desaparecem, a sequência é dançada, a música é lancinante. Lanço um olhar sobre os espectadores, Maura Baiocchi levou todos a bordo, inclusive aquele que dormia, aquele que se perguntava o que fazia ali, agora estão atentos, hipnotizados. Chega a hora do discurso, o do Vieux Colombier, aquele que subjugou a elite da arte que saiu atordoada, silenciada. As folhas voam. O público aplaude, resta a seqüência final, a doença corrói, vence, o corpo de Artaud se contrai, se enrola, levado pela onda.
Artaud
está morto.
A peça durou quase duas horas, Maura Baiocchi não saiu de cena, admiro o esforço da atuação, da dança, da encenação organizada a serviço do tema. A secura,
a
tensão. Eu compartilhei da vida de Artaud, sua liberdade, as drogas, os eletrochoques. Bravo. Fiquei atordoado. Deslumbrado. Pelo assunto. Pelo jogo. Por Maura Baiocchi, seu jogo, sua dança. Pelo grande jogo.
NOTAS
Tradução
de Wolfgang Pannek.
Crítica originalmente publicada em 16 de novembro de 2017 no website Je n’ai qu’une vie por ocasião da apresentação de Artaud le Mômo no Théâtre de Nesle em Paris: https://jenaiquunevie.com/2017/11/16/artaud-le-momo-theatre-de-nesle/.
GUILLAUME D’AZEMAR DE FABREGUES | Artaud, le Mômo – Théâtre de Nesle
Au Théâtre de Nesle, Maura Baiocchi,
danse, joue et raconte d’une façon la vie hallucinée d’Antonin Artaud, l’homme qui
faisait délirer l’art et le
théâtre. Je me suis laissé embarquer par sa performance, c’était un grand et beau
moment.
Antonin Artaud, né le 4 septembre
1896 est un homme de théâtre, il a essayé de le transformé, est sans doute à l’origine de nombreuses
performances. Il a vécu, voyagé, sous l’influence des drogues, a été interné pendant neuf ans
à Rodez. Il a écrit, mis en scène, fortement influencé des gens comme Jean-Louis
Barrault. La liste de ses amis, c’est le monde
de l’art des
années 1920 – 1948. Sorti
de la guerre et de l’hôpital psychiatrique,
il va donner le 13 janvier 1947 au théâtre du Vieux Colombier une conférence unique,
la dernière fois qu’il sera
sur scène. Maura Baiocchi va nous faire vivre cette vie, la lutte d’Antonin Artaud,
ses luttes, ses combats, sa volonté.
La pièce commence au
fond de la salle. Non. Elle commence par des sons sourds derrière la porte de la salle, et Maura
Baiocchi entre, déjà habitée,
qui incarne l’Antonin
Artaud qui fait fi de toutes conventions, de toutes contraintes, l’Antonin Artaud libre,
elle va rester assez longtemps dans la zone.
Du coup je me retourne,
c’est étrange,
un bon tiers des spectateurs reste face à la scène, comme s’ils attendaient
un acteur classique, debout au centre de la scène. Il y a le monsieur qui s’est endormi, celui
qui se demande un peu ce qu’il fait
là, la dame qui est fascinée…
Le voyage continue,
celui d’Artaud,
le notre. Maura Baiocchi est brésilienne, son texte est écrit sur un cahier qui fait partie
de la mise en scène, elle s’y accroche,
écrit dessus, l’utilisera
pour éteindre une longue cigarette qui sent bizarre (rassurez-vous, si elle évoque
les substances hallucinatoires, ça reste de l’eucalyptus).
La pièce suit le fil
de la vie d’Artaud,
qui suit le fil du temps. Nous voilà en Amérique du Sud, chez
les Incas (pas les Aztèques, la phrase a sonné bizarre avec l’accent brésilien),
Artaud est habité par sa recherche, Maura est habitée par Artaud. Et puis le temps
des drogues, les visions, l’univers
qui devient souple, hors sol. Ensuite, le temps de l’internement, d’autres drogues,
les électrochocs. Maura m’a embarqué,
je plane avec Artaud, souffre avec lui. Les mots disparaissent, la séquence est
dansée, la musique lancinante.
Je jette un oeil
sur les spectateurs, Maura Baiocchi les a tous embarqués, y compris celui qui dormait,
celui qui se demandait ce qu’il faisait
là, ils sont maintenant attentifs, hypnotisés.
Vient le temps du
discours, celui Vieux Colombier, celui qui a subjugué le gotha de l’art qui est sorti
scotché, silencieux. Les feuilles volent.
La salle applaudit, il reste la séquence
finale, la maladie ronge, gagne, le corps d’Artaud se resserre,
recroqueville, la vague l’emporte.
Artaud est mort.
La pièce a duré près de deux heures,
Maura Baiocchi n’a pas quitté
la scène, j’admire l’effort du jeu, de
la danse, la mise en scène
épurée, au service
du propos. La sécheresse,
la tension. J’ai partagé la vie d’Artaud, sa liberté, les drogues, les électrochocs.
Bravo. J’ai été scotché. Bluffé. Par le
propos. Par le jeu. Par Maura Baiocchi, son jeu, sa danse. Du grand jeu.
VICTOR MAZIN | Psicanalista, escritor e Professor da Faculdade de Artes Liberais e Ciências da Universidade do Estado de São Petersburgo. Ele é um fundador do Museu dos Sonhos de Freud e autor dos livros Freuds Gespenster (Matthes & Seitz, 2015) e Unheimat (Matthes & Seitz, 2020).
FLORENCE DE MÈREDIEU | Escritora, filósofa e historiadora da arte. Professora honorária da Universidade de Paris 1- Panthéon Sorbonne. Especialista em arte moderna e contemporânea e em Antonin Artaud, a quem dedicou dez livros, incluindo o primeiro livro dedicado aos desenhos do poeta: Antonin Artaud, Portraits et gris-gris (Paris: Blusson, 1984). Seu livro mais recente é BACON / ARTAUD / VINCI. A Magnificent Wound (Paris: Blusson, 2019). Textos disponíveis no Brasil: Eis Antonin Artaud (São Paulo: Perspectiva, 2012); Entrevista com Florence de Mèredieu, de Alex Galeno e Fagner França em Antonin Artaud: Insolências, Editora Moinhos, 2018; Florence de Mèredieu, A Grande Constelação das Terras Indígenas, A América Latina na vida e obra de Antonin Artaud em Antonin Artaud e a América Latina, Fonte Editorial, 2018; Florence de Mèredieu, No Limiar do Corpo. Metamorfoses a Linhas de Fuga: De Antonin Artaud às Expressões Contemporâneas em Corpos diferenciados em performance, Editorial Fonte, 2018.
PHILIPPE PERSON | Dramaturgo, diretor, ator de teatro sediado em Paris. Foi diretor do Théâtre Lucernaire, diretor-fundador da Escola de Arte Dramática Lucernaire e é diretor-fundador da Cie Philippe Person.
GUILLAUME D’AZÉMAR DE FABREGUES | Editor, crítico e cronista do website teatral Je n’ai qu’une vie - https://jenaiquunevie.com/ - com sede em Paris.
CANDELARIA SILVESTRO | Artista argentina nacida en Córdoba, en 1977. Expone desde el año 1998 en salas de arte, galerías y Museos públicos y privados. Su obra forma parte de colecciones públicas y privadas, nacionales e internacionales de Argentina, Brasil, Holanda, Estados Unidos. Desde el año 2000 colabora con la Compañía Taanteatro de São Paulo en la realización de escenografía, vestuario, video animación, objeto escénico y performer. Sus trabajos más recientes son una participación en el film internacional La Peste de Antonin Artaud junto a la Compañía Taanteatro, en 2020; además de una participación especial en el Festival de Ecoperformance 2021 (Compañía Taanteatro); una exposición de pinturas de gran formato inspirada en el paisaje de la Mar Chiquita “Bandada de Flamencos”; la performance Ophelia de Ansenuza, concepción, dirección y coreografía de Maura Baiocchi (Compañía Taanteatro); y participación en el filme Apokalypsis, dirección de Maura Baiocchi y Wolfgang Pannek – todo esto en 2021.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 03
Número 202 | fevereiro de 2022
Artista convidada: Candelaria Silvestro (Argentina, 1977)
Traduções de Wolfgang Pannek e Vadim Nikitin
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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