Meu conhecimento sobre o Brasil era
constrangedoramente escasso, limitado aos clichês culturais
da capoeira, da coca e da
cachaça. [1] Além
das imagens chamativas do Carnaval do Rio transmitidas em bytes de notícias uma vez por
ano ao redor do mundo, minhas noções das tradições e inovações culturais se resumiam
às obras de Augusto Boal e suas teorias sobre
O Tira na Cabeça e suas técnicas chamadas Arco-íris
do Desejo.
Embora, inegavelmente,
o gênio de Boal tenha moldado e influenciado o mundo
do teatro para sempre, eu era completamente naïf em relação
ao despertar cultural, criativo e artístico que estava prestes a encontrar como
resultado de minhas experiências com Maura Baiocchi, Wolfgang Pannek e sua companhia de artistas
de ponta. Minha prática – e a prática de qualquer artista que teve o privilégio
de aprender com a
Taanteatro Companhia – nunca mais seria a mesma.
A técnica
do taanteatro em parte permite a quebra de práticas antigas e arraigadas de um artista
e abre novos mundos de possibilidades e potenciais criativos. A companhia descreve
a palavra taanteatro como um neologismo que significa teatro coreográfico
de tensões e afirma que esta abordagem para a criação de performance “permitirá
[o surgimento de] novos procedimentos e parâmetros para gerar, encenar e analisar
uma performance.”
Esses novos parâmetros
são descobertos identificando primeiramente e, em seguida, manipulando as “tensões”
centrais à abordagem do taanteatro: inter-tensões, entre você e outras pessoas e objetos; intra-tensões,
as tensões dentro de você; e infra-tensões, as tensões entre você
(e os outros) e as crenças, códigos, valores e sistemas culturais/sociais
que constituem as nossas circunstâncias vividas.
Era minha intenção,
ao terminar esta residência com a Taanteatro, sair da
minha zona de conforto como artista e mudar alguns dos hábitos que desenvolvi como
teatrólogo, encontrando formas alternativas de ser
e de criar.
Nas palavras do próprio Pannek, “não basta você dizer ‘esta é a alternativa’ ou falar em
alternativas possíveis, pois elas ainda não existem. Você
precisa criar a alternativa, dar início à sua existência para realmente poder discuti-la.”
O teatro de tensões permite acessar essas alternativas, visando limpar a mente e
o corpo de velhos hábitos, preconceitos e respostas automatizadas a estímulos criativos,
a fim de gerar imagens, emoções, ações e características
a partir de um ponto de impulso básico, escapando da sombra de hábitos criativos
anteriores.
Durante o tempo que
passei na Taanteatro Oficina Residência, e aprendendo sobre o teatro de tensões,
minhas noções de performance e minha compreensão conceitual do que o teatro poderia
ser – particularmente o teatro australiano contemporâneo à sombra de seus opressores
coloniais, o Reino Unido e os Estados Unidos – foram ampliadas por meio de treinamentos
intensivos, envolvendo uma série de exercícios de dança e movimento, meditações
guiadas, exercícios de ioga e sessões de coreografia em grupo.
Além disso, a chave
de sucesso de sua teoria é a pesquisa criativa e acadêmica rigorosa da simbologia
e mitologia em torno dos conceitos básicos da performance, acionados no artista
através de uma complexa série de exercícios evocativos projetados para conectar
teoria e prática. Com foco em imagens e interpretações incorporadas de noções complexas
de filosofia e fenomenologia, os criadores são incentivados a atingir novos níveis
de criatividade por meio de exercícios de impulso avançados que permitem aos participantes
acessar áreas de sua psique criativa que, de outra forma, permaneceriam adormecidas.
No entanto, a Taanteatro
Companhia está determinada a não parar por aí – a evolução da prática performativa
e o desenvolvimento da conceptualização única dessa prática criativa são apenas
uma parte de sua história. Sob a direção perspicaz e inovadora de Maura Baiocchi
com Wolfgang Pannek, a Taanteatro Companhia também abriu novos caminhos em tempos
recentes. Tais caminhos incluem do desenvolvimento da ecoperformance – uma
nova concepção de performance que explora diretamente o zeitgeist de consciência
ambiental e promove mensagens de sustentabilidade e responsabilidade ecológica –
até a realização de uma performance digital totalmente online e verdadeiramente
internacional em escala e impacto – Antonin Artaud's The Theatre and the Plague
–, em que a companhia enfrentou os desafios da prática criativa contemporânea e
ofereceu oportunidades para a arte e para as/os artistas em meio às condições mais
sufocantes. [2]
Pelo que veio da Taanteatro
Companhia, o mundo criativo agradece. E aguardamos com grande expectativa o que
ainda está por vir.
NOTAS
Tradução de Wolfgang Pannek.
1.
Com o termo coca, o autor refere-se à experiência de tomar um chá de folhas
de coca trazidas por um participante andino da residência.
2. ocasionadas pela pandemia de Covid19.
SHANE
PIKE | Capoeira, Coca and Cachaça: Experiencing
new techniques of theatre creation with Taanteatro Companhia
My knowledge of the
Taanteatro Company and of Brazil was embarrassingly scant, limited to the cultural
clichés of capoeira, coca and cachaça. Beyond the glitzy footage of the Rio Carnival
appearing in newsbytes around the world once a year my knowledge of Brazil and its
cultural traditions and innovations was frightfully limited to the works of Augusto
Boal and his theories on cop-filled heads and rainbows of desire. While, undeniably,
the genius of Boal has shaped and influenced the world of theatre forevermore, I
was completely naïve to the cultural, creative and artistic awakening
that I was about to encounter as a result of my experiences with Maura Baiocchi,
Wolfgang Pannek and their company of cutting-edge artists. My practice, and the
practices of every artist who has had the privilege to learn from Taanteatro, would
never be the same.
The Taanteatro technique,
known to me as the Theatre of Tensions, in part enables the breaking of an artist’s
old, entrenched practices and opens new worlds of creative possibility and potential.
The company describes the word Taanteatro as a neologism meaning “choreographic
theatre of tensions” and claim that this approach to performance making will “enable
[the emergence of] new procedures and parameters for generating, staging and analyzing
a performance.” These new parameters are uncovered by first identifying and then
manipulating the “tensions” central to Taanteatro’s approach; inter-tensions, between yourself
and other people and objects; intra-tensions, the tensions within yourself; and
infra-tensions, the tensions between yourself (and others) and the beliefs, codes,
values and cultural/societal systems that make up our lived circumstances.
It was my intention,
by completing this residency with Taanteatro, to be taken out of my comfort zone
as an artist and to change some of the habits I had developed as a theatre maker,
finding alternative ways of being and creating. In the words of Pannek himself,
“you cannot just say ‘this is the alternative.’
you have to create the alternative. You have to show the beginnings of the alternative.
… You cannot talk of possible alternatives, as they are not there yet. You can only
discuss the alternatives once you have created them.” The Theatre of Tensions is
the way these alternatives may be accessed, aiming to clear the mind and body of
old habits, preconceptions and automated responses to creative stimuli, in order
to generate images, emotions, actions and characteristics from a place of base impulse,
escaping the shadow of previous creative habits.
During my time at Taanteatro,
learning about their Theatre of Tensions, my notions of performance and conceptual
understanding of what theatre could be – particularly contemporary Australian theatre
in the shadow of its colonial oppressors, the United Kingdom and the United States
– were extended through intensive workshops involving a series of dance and movement
exercises, guided meditations, yoga workouts and group choreography sessions. Further,
key to the success of their theory is rigorous creative and academic research into
the symbology and mythology surrounding core performance concepts ignited within
the artist through a complex series of evocative exercises designed to connect theory
with practice.
Yet, Taanteatro Companhia
are determined not to stop there – the evolution of performance practice and the
development of a unique framework for creative practice only part of their story.
Under the insightful and innovative direction of Maura Baiocchi with Wolfgang Pannek,
Taanteatro has also led the way in recent times. From the development of a novel
format for eco-performance, a consideration of performance that taps directly into
the environmentally conscious zeitgeist and promotes messages of sustainability
and ecological responsibility; to the realisation of an entirely online digital
performance that is truly international in scale and impact, Antonin Artaud’s:
The Theatre and the Plague, Taanteatro have met the challenges of contemporary
creative practice and provided opportunities for art and artists amidst the most
stifling of conditions.
For what has come from
Taanteatro Companhia the creative world is grateful. And for what is still to come,
we await in eager anticipation.
SHANE PIKE | Dramaturgo e diretor teatral australiano. Atua como professor de teatro na Queensland University of Technology. Formado pela Western Australian Academy of Performing Arts (WAAPA), com PhD em Direção e Treinamento de Atores, recebeu o Prêmio de Excelência em Pesquisa da Edith Cowan University.
CANDELARIA SILVESTRO | Artista argentina nacida en Córdoba, en 1977. Expone desde el año 1998 en salas de arte, galerías y Museos públicos y privados. Su obra forma parte de colecciones públicas y privadas, nacionales e internacionales de Argentina, Brasil, Holanda, Estados Unidos. Desde el año 2000 colabora con la Compañía Taanteatro de Sao Paulo en la realización de escenografía, vestuario, video animación, objeto escénico y performer. Sus trabajos más recientes son una participación en el film internacional La Peste de Antonin Artaud junto a la Compañía Taanteatro, en 2020; además de una participación especial en el Festival de Ecoperformance 2021 (Compañía Taanteatro); una exposición de pinturas de gran formato inspirada en el paisaje de la Mar Chiquita “Bandada de Flamencos”; la performance Ophelia de Ansenuza, concepción, dirección y coreografía de Maura Baiocchi (Compañía Taanteatro); y participación en el filme Apokalypsis, dirección de Maura Baiocchi y Wolfgang Pannek – todo esto en 2021.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 03
Número 202 | fevereiro de 2022
Artista convidada: Candelaria Silvestro (Argentina, 1977)
Traduções de Wolfgang Pannek e Vadim Nikitin
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
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