quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

SHANE PIKE | Capoeira, Coca e Cachaça: experimentando novas técnicas de criação teatral com a Taanteatro Companhia



Em fevereiro de 2013, viajei para o estado de São Paulo, Brasil, para realizar uma residência intensiva com a Taanteatro Companhia. A residência aconteceu em sua sede rural no sul do estado, e o objetivo da minha passagem por lá foi aprender sobre o método único da companhia de criar/conceber sua própria abordagem teatral, conhecida como teatro de tensões.

Meu conhecimento sobre o Brasil era constrangedoramente escasso, limitado aos clichês culturais da capoeira, da coca e da cachaça. [1] Além das imagens chamativas do Carnaval do Rio transmitidas em bytes de notícias uma vez por ano ao redor do mundo, minhas noções das tradições e inovações culturais se resumiam às obras de Augusto Boal e suas teorias sobre O Tira na Cabeça e suas técnicas chamadas Arco-íris do Desejo.

Embora, inegavelmente, o gênio de Boal tenha moldado e influenciado o mundo do teatro para sempre, eu era completamente naïf em relação ao despertar cultural, criativo e artístico que estava prestes a encontrar como resultado de minhas experiências com Maura Baiocchi, Wolfgang Pannek e sua companhia de artistas de ponta. Minha prática – e a prática de qualquer artista que teve o privilégio de aprender com a Taanteatro Companhia – nunca mais seria a mesma.

A técnica do taanteatro em parte permite a quebra de práticas antigas e arraigadas de um artista e abre novos mundos de possibilidades e potenciais criativos. A companhia descreve a palavra taanteatro como um neologismo que significa teatro coreográfico de tensões e afirma que esta abordagem para a criação de performance “permitirá [o surgimento de] novos procedimentos e parâmetros para gerar, encenar e analisar uma performance.”

Esses novos parâmetros são descobertos identificando primeiramente e, em seguida, manipulando as “tensões” centrais à abordagem do taanteatro: inter-tensões, entre você e outras pessoas e objetos; intra-tensões, as tensões dentro de você; e infra-tensões, as tensões entre você (e os outros) e as crenças, códigos, valores e sistemas culturais/sociais que constituem as nossas circunstâncias vividas.

Era minha intenção, ao terminar esta residência com a Taanteatro, sair da minha zona de conforto como artista e mudar alguns dos hábitos que desenvolvi como teatrólogo, encontrando formas alternativas de ser e de criar.

Nas palavras do próprio Pannek, “não basta você dizer ‘esta é a alternativa’ ou falar em alternativas possíveis, pois elas ainda não existem. Você precisa criar a alternativa, dar início à sua existência para realmente poder discuti-la.”

O teatro de tensões permite acessar essas alternativas, visando limpar a mente e o corpo de velhos hábitos, preconceitos e respostas automatizadas a estímulos criativos, a fim de gerar imagens, emoções, ações e características a partir de um ponto de impulso básico, escapando da sombra de hábitos criativos anteriores.

Durante o tempo que passei na Taanteatro Oficina Residência, e aprendendo sobre o teatro de tensões, minhas noções de performance e minha compreensão conceitual do que o teatro poderia ser – particularmente o teatro australiano contemporâneo à sombra de seus opressores coloniais, o Reino Unido e os Estados Unidos – foram ampliadas por meio de treinamentos intensivos, envolvendo uma série de exercícios de dança e movimento, meditações guiadas, exercícios de ioga e sessões de coreografia em grupo.

Além disso, a chave de sucesso de sua teoria é a pesquisa criativa e acadêmica rigorosa da simbologia e mitologia em torno dos conceitos básicos da performance, acionados no artista através de uma complexa série de exercícios evocativos projetados para conectar teoria e prática. Com foco em imagens e interpretações incorporadas de noções complexas de filosofia e fenomenologia, os criadores são incentivados a atingir novos níveis de criatividade por meio de exercícios de impulso avançados que permitem aos participantes acessar áreas de sua psique criativa que, de outra forma, permaneceriam adormecidas.


Para mim, essa experiência foi o início de um método inteiramente novo de prática criativa que agora caracteriza meu trabalho como dramaturgo, diretor e performer, mas também como acadêmico. Em minha experiência, as estruturas conceituais e práticas oferecidas pela dinâmica taanteatro podem ser aplicadas em toda a gama das funções da criação performativa.

No entanto, a Taanteatro Companhia está determinada a não parar por aí – a evolução da prática performativa e o desenvolvimento da conceptualização única dessa prática criativa são apenas uma parte de sua história. Sob a direção perspicaz e inovadora de Maura Baiocchi com Wolfgang Pannek, a Taanteatro Companhia também abriu novos caminhos em tempos recentes. Tais caminhos incluem do desenvolvimento da ecoperformance – uma nova concepção de performance que explora diretamente o zeitgeist de consciência ambiental e promove mensagens de sustentabilidade e responsabilidade ecológica – até a realização de uma performance digital totalmente online e verdadeiramente internacional em escala e impacto – Antonin Artaud's The Theatre and the Plague –, em que a companhia enfrentou os desafios da prática criativa contemporânea e ofereceu oportunidades para a arte e para as/os artistas em meio às condições mais sufocantes. [2]

Pelo que veio da Taanteatro Companhia, o mundo criativo agradece. E aguardamos com grande expectativa o que ainda está por vir.

 

NOTAS

Tradução de Wolfgang Pannek.

1. Com o termo coca, o autor refere-se à experiência de tomar um chá de folhas de coca trazidas por um participante andino da residência.

2. ocasionadas pela pandemia de Covid19.

 

 

SHANE PIKE | Capoeira, Coca and Cachaça: Experiencing new techniques of theatre creation with Taanteatro Companhia

 


In February 2013, I travelled to the state of São Paulo, Brazil, to undertake an intensive residency with the Taanteatro theatre company. The residency took place at their rural headquarters in the south of the State, and the aim of my time there was to learn about the company’s unique method of creating/devising their own brand of theatre, known as: Theatre of Tensions.

My knowledge of the Taanteatro Company and of Brazil was embarrassingly scant, limited to the cultural clichés of capoeira, coca and cachaça. Beyond the glitzy footage of the Rio Carnival appearing in newsbytes around the world once a year my knowledge of Brazil and its cultural traditions and innovations was frightfully limited to the works of Augusto Boal and his theories on cop-filled heads and rainbows of desire. While, undeniably, the genius of Boal has shaped and influenced the world of theatre forevermore, I was completely naïve to the cultural, creative and artistic awakening that I was about to encounter as a result of my experiences with Maura Baiocchi, Wolfgang Pannek and their company of cutting-edge artists. My practice, and the practices of every artist who has had the privilege to learn from Taanteatro, would never be the same.

The Taanteatro technique, known to me as the Theatre of Tensions, in part enables the breaking of an artist’s old, entrenched practices and opens new worlds of creative possibility and potential. The company describes the word Taanteatro as a neologism meaning choreographic theatre of tensions” and claim that this approach to performance making will enable [the emergence of] new procedures and parameters for generating, staging and analyzing a performance.” These new parameters are uncovered by first identifying and then manipulating the tensions” central to Taanteatro’s approach; inter-tensions, between yourself and other people and objects; intra-tensions, the tensions within yourself; and infra-tensions, the tensions between yourself (and others) and the beliefs, codes, values and cultural/societal systems that make up our lived circumstances.

It was my intention, by completing this residency with Taanteatro, to be taken out of my comfort zone as an artist and to change some of the habits I had developed as a theatre maker, finding alternative ways of being and creating. In the words of Pannek himself, you cannot just say ‘this is the alternative.’ you have to create the alternative. You have to show the beginnings of the alternative. … You cannot talk of possible alternatives, as they are not there yet. You can only discuss the alternatives once you have created them.” The Theatre of Tensions is the way these alternatives may be accessed, aiming to clear the mind and body of old habits, preconceptions and automated responses to creative stimuli, in order to generate images, emotions, actions and characteristics from a place of base impulse, escaping the shadow of previous creative habits.

During my time at Taanteatro, learning about their Theatre of Tensions, my notions of performance and conceptual understanding of what theatre could be – particularly contemporary Australian theatre in the shadow of its colonial oppressors, the United Kingdom and the United States – were extended through intensive workshops involving a series of dance and movement exercises, guided meditations, yoga workouts and group choreography sessions. Further, key to the success of their theory is rigorous creative and academic research into the symbology and mythology surrounding core performance concepts ignited within the artist through a complex series of evocative exercises designed to connect theory with practice.


With a focus on imagery and embodied interpretations of complex notions of philosophy and phenomenology, creatives are inspired to new levels of creativity via advanced impulse exercises that allow participants to access areas of their creative psyche that have remained otherwise dormant. For me, this experience was the beginning of an entirely new method of creative practice that now informs my work as a playwright, director and performer but also as an academic. In my experience, the conceptual and practical frameworks offered by the Taanteatro method can be applied across the gamut of performance making roles.

Yet, Taanteatro Companhia are determined not to stop there – the evolution of performance practice and the development of a unique framework for creative practice only part of their story. Under the insightful and innovative direction of Maura Baiocchi with Wolfgang Pannek, Taanteatro has also led the way in recent times. From the development of a novel format for eco-performance, a consideration of performance that taps directly into the environmentally conscious zeitgeist and promotes messages of sustainability and ecological responsibility; to the realisation of an entirely online digital performance that is truly international in scale and impact, Antonin Artaud’s: The Theatre and the Plague, Taanteatro have met the challenges of contemporary creative practice and provided opportunities for art and artists amidst the most stifling of conditions.

For what has come from Taanteatro Companhia the creative world is grateful. And for what is still to come, we await in eager anticipation.

 

 


SHANE PIKE | Dramaturgo e diretor teatral australiano. Atua como professor de teatro na Queensland University of Technology. Formado pela Western Australian Academy of Performing Arts (WAAPA), com PhD em Direção e Treinamento de Atores, recebeu o Prêmio de Excelência em Pesquisa da Edith Cowan University.
 

 

 


CANDELARIA SILVESTRO | Artista argentina nacida en Córdoba, en 1977. Expone desde el año 1998 en salas de arte, galerías y Museos públicos y privados. Su obra forma parte de colecciones públicas y privadas, nacionales e internacionales de Argentina, Brasil, Holanda, Estados Unidos. Desde el año 2000 colabora con la Compañía Taanteatro de Sao Paulo en la realización de escenografía, vestuario, video animación, objeto escénico y performer. Sus trabajos más recientes son una participación en el film internacional La Peste de Antonin Artaud junto a la Compañía Taanteatro, en 2020; además de una participación especial en el Festival de Ecoperformance 2021 (Compañía Taanteatro); una exposición de pinturas de gran formato inspirada en el paisaje de la Mar Chiquita “Bandada de Flamencos”; la performance Ophelia de Ansenuza, concepción, dirección y coreografía de Maura Baiocchi (Compañía Taanteatro); y participación en el filme Apokalypsis, dirección de Maura Baiocchi y Wolfgang Pannek – todo esto en 2021.

 

Agulha Revista de Cultura

Série SURREALISMO SURREALISTAS # 03

Número 202 | fevereiro de 2022

Artista convidada: Candelaria Silvestro (Argentina, 1977)

Traduções de Wolfgang Pannek e Vadim Nikitin

editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com

concepção editorial, logo, design, revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS

ARC Edições © 2022 

 





 

 

 contatos

Rua Poeta Sidney Neto 143 Fortaleza CE 60811-480 BRASIL

floriano.agulha@gmail.com

https://www.instagram.com/floriano.agulha/

https://www.linkedin.com/in/floriano-martins-23b8b611b/

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário