Tendo
uma vida social bem dinâmica, casou-se pela primeira vez em 1915 com o jurista e
historiador Octávio Tarquínio de Sousa, mas em 1924 se separa e parte para Paris
com suas duas filhas. Na Cidade Luz se casa, em 1926, pela segunda vez, com o diplomata
Carlos Martins Pereira e Sousa (1884-1965), que se tornará embaixador do Brasil
em Washington, no agitado ano de 1939. Maria Martins montou ateliê na própria Embaixada,
desenvolvendo sua obra com extrema tenacidade. Transitava por altas esferas, alcançando
prestígio internacional pela sua excepcional escultura, apreciada por vários surrealistas
e frequentadores do circuito diplomático.
Viveu
em diversos lugares como Dinamarca, Bélgica, França, Estados Unidos e Japão, tendo
viajado para a Índia e China. Um dos seus mais famosos relacionamentos emocionais
foi com o famoso Marcel Duchamp, que a admirava intensamente.
Em
1942, Maria monta um estúdio na Park Avenue em Nova York, faz amizade com a escultora
Mary Callery que lhe introduz no cenário artístico da cidade. Conhece grandes personalidades
como os arquitetos Philip Johnson e Mies van der Rohe.
Nesse
período nova-iorquino conheceu também André Breton e Rufino Tamayo, tendo se aproximado
dos artistas que frequentavam o badalado apartamento de Peggy Guggenheim como Max
Ernst, Marc Chagall, Yves Tanguy, Marcel Duchamp e Piet Mondrian além de Fernand
Léger, que se tornou um amigo bem próximo.
A
projeção de sua obra se deve primeiramente aos elogios de André Breton, um dos mentores
do surrealismo, tendo se integrado ao movimento pela sua linha vanguardista. Na
realidade Maria foi introduzida no campo surrealista com a sua terceira individual
“Maria: New Sculptures” apresentada, em 1943, na Valentine Gallery, em Nova York,
um ponto crucial na carreira da artista, ocasião em que sua obra “St. Francis” é
comprada pelo Metropolitan Museum of Art e a peça “Yara” é adquirida pelo Philadephia
Museum of Art.
Em
1947, realiza uma individual na Julien Levy Gallery, em Nova York, tendo no catálogo
texto de apresentação de André Breton. Participou da famosa exposição “Le Surrealisme”
(Exposition Internationale du Surréalisme), no verão de 1947, na Galerie Maeght,
em Paris, que foi antológica, ocasião em que Breton dedicou o evento aos grandes
seres invisíveis ou envoltos à vida mítica. A montagem foi conduzida por Marcel
Duchamp (1887-1968) e Frederic Kieller (1890-1965). Martins apresentou na mostra
obras que nutriam espiritualmente os visitantes, promovendo o lado estético e harmonioso
das peças com o intuito de afastar os temores que o tema poderia ensejar; foram
expostas duas esculturas em bronze: “The Road; The Shadow; Too Long; Too Narrow”
(O Caminho; A Sombra; Longos Demais; Estreitos Demais) (1946) e “O Impossível”
(1945).
Transformações
marcantes surgiram nessa época com figuras humanas metamorfoseadas em plantas e
árvores enaltecendo personagens místicos de uma tradição bem brasileira como Cobra
Grande, Yara, Yemanjá, Boto e Boiuna. Resgatando os mitos amazônicos com formas
que primam pela maestria nos resultados plásticos.
A
sua obra abrange, além das esculturas, objetos cerâmicos, desenhos e inúmeros textos,
pois adorava escrever. Publicou, inclusive alguns livros pela Civilização Brasileira
como Ásia Maior: o planeta Terra (1958),
Ásia Maior: Brama, Gandhi e Nehru (1961)
e Deuses Malditos I – Nietzsche (1965).
As suas intensas pesquisas resultaram na transformação de figuras humanas em expressões
enaltecedoras da natureza na sua essência.
As
suas formas escultóricas impressionam, a sua obra é reconhecida internacionalmente
com uma das grandes escultoras brasileiras, justamente no ano de 2012, quatro décadas
após sua morte, a Documenta de Kassel, na Alemanha, deu um grande destaque na sua
incursão plástica. Em 2013, algumas de suas obras foram expostas no Museu Astrup
Fearnley, em Oslo, na Noruega, confirmando a sua importância e atraindo a atenção
de instituições culturais dos quatro cantos do mundo. Nesse mesmo ano, uma grande
mostra “Maria Martins: Metamorfoses” ocupava o Museu de Arte Moderna de São Paulo
– MAM, reunindo peças notáveis, num total de 38 esculturas, demonstrando o vigor
de uma expressividade atemporal. Deve-se frisar que a escultura “Impossível” (década
de 40), em uma de suas versões, pertencente ao acervo do Banco Itaú, se destacou
como uma das peças mais icônicas da sua carreira.
Após
a publicação do antológico livro Maria,
editado pela Cosac Naify, em 2010, que reune as imagens de todas as obras catalogadas,
o interesse pelas suas esculturas tem atraído a atenção tanto de especialistas como
de colecionadores, justamente pelo arrojo das propostas que criam impactos e confrontos
estéticos.
Recentemente,
o Museu de Arte de São Paulo realizou uma grande mostra da revolucionária artista,
aberta em agosto de 2021 e posteriormente em março de 2022 na Casa Roberto Marinho
no Rio de Janeiro, situada no pitoresco bairro do Cosme Velho.
Sua
obra se inspira nos mitos e rituais dos povos indígenas e afro-brasileiros tendo
forte atração por parte dos surrealistas. André Breton, foi um dos maiores apreciadores
das obras da artista. O mentor do surrealismo era próximo de Benjamin Péret (1899-1959),
estudioso e pesquisador que viveu no Brasil entre 1929 e 1931, tendo publicado uma
série de artigos sobre os rituais afro-brasileiros do candomblé e da macumba, enfatizando
a marginalização desse grupo. Devido às suas publicações e atividades políticas,
Péret, foi preso e expulso do país, conforme decreto assinado por Getúlio Vargas.
No
rol dos amigos de Breton, Claude Lévi-Strauss (1908-2009), importante antropólogo
foi uma preciosa fonte de informações sobre o Brasil tendo se impressionado com
a obra de Maria Martins, especialmente a escultura “Macumba” (1943-44), que foi
exibida na Valentine Gallery, em 1944, aliás, uma foto da peça foi publicada na
badalada revista surrealista VVV de número 4, uma cena ritual de raiz afro-brasileira
com figuras em estado de transe. André Breton, assim, analisou a escultura Macumba:
“Um hino ao próprio Deus do espasmo, onde a carne, abrindo-se como um botão de flor,
se ramifica de todas as singularidades de estrutura do metal nativo”.
Em
discurso intitulado “Arte, Liberdade e Paz” entregue ao Washington Art Committee
e lido pelo congressista de Nova York, Jacob Javits (1904-1986) no Boletim do Congresso
dos Estados Unidos, em 18 de junho de 1947, Martins destacou a inseparabilidade
da arte e da política. Realçou a importância de ser adotada a paz e a reconstrução
do pós-guerra por meio da educação e da arte.
Em
1949, Maria Martins disse à imprensa em Washington que estava em “uma cruzada artística
e pessoal pela liberdade, por você, por mim, por todos nós…, não devemos ser escravizados,
reprimidos, como direi despersonalizados.
O
poeta surrealista Benjamin Péret escreveu em 1956: “Maria encarna o Brasil, ela
não poderia ter vindo de nenhum outro lugar do mundo, pois parece que nenhum outro
espaço sugere no mesmo grau esta imagem tão inconclusa, que desejava ser imobilizada”.
A
obra de Maria Martins é aberta a inúmeras considerações, a sua poética atinge a
alma humana na universalidade de sua expressão, rompe as fronteiras artificiais
das culturas regionais para abarcar uma conexão vital de integração e atemporalidade.
Maria
Martins sentia uma grande preocupação com a sociedade contemporânea que exige que
todos os povos se encaixem numa única imagem global, a universalização devastadora
das culturas, impondo uma forma de vida igual a todos, negando o passado histórico
dos povos.
Num
trecho do livro Ásia Maior: Brama, Ghandi
e Nehru (1961), Maria Martins afirma:
O
futuro mostra-se ameaçadoramente nublado para a Ásia, sobretudo para a Índia, tanto
quanto para a América do Sul e, sobretudo, talvez mais para o Brasil. A política
internacional encontra-se cada dia mais obnubilada. Cada dia perversamente as Grandes
Potências dominadas por ilimitada vaidade arrastam sem hesitar o mundo à beira da
catástrofe, a fim de medir o poder de que dispõem e a faculdade cada qual de hipocritamente
melhor explicar sua boa vontade e seu desejo de paz e concórdia.
A
unificação do pensamento para Maria é uma lástima, representa um ataque contra a
vida dos povos, a diversidade do destino das nações, das raças, das religiões, dos
costumes e das civilizações que são essenciais para o aprimoramento da sociedade
na sua concepção transparente.
Concomitantemente
aos seus pensamentos, iam surgindo transformações em sua escultura que se alinhava
na força da natureza, na exuberância de uma Amazônia onírica acoplada a uma tradição
dos mitos e dos devaneios advindos do processo criativo. A sua obra, apesar de estar
vinculada ao surreal, é uma consequência da antropofagia de Tarsila, mas redimensionada
nas metamorfoses corporais alcançando uma sensualidade feminina mitológica, a ser
decifrada a cada ângulo de observação. Uma obra desafiadora que espelha os conflitos
do ser humano, alia a deformidade comportamental da violência com as mutações da
realidade, uma infinidade de fatores que dinamizam a cultura e a própria sensibilidade.
A
obra de Maria Martins permite confrontos e reflexões, aprimorando o olhar, cada
detalhe se amolda a uma linguagem que perscruta as raízes da natureza tanto na intensidade
mística das florestas como na sutileza dos universos humanos.
O
núcleo central da sua linguagem escultórica reflete a potencialidade do surrealismo
sobretudo no período de reconstrução que se sucedeu ao segundo conflito bélico com
implicações sociais e políticas.
Ao
integrar lendas suas esculturas ganham dimensões telúricas, proporcionando novas
perspectivas de seu percurso que sempre se posicionou de forma enigmática.
A
Amazônia sempre a impressionou, notadamente por ocasião de um sobrevoo pela floresta
em viagem ao Brasil, cuja visão privilegiada foi inesquecível, mas o conhecimento
sobre os mitos e as lendas da decantada floresta se deve mais a pesquisa dos livros
como o famoso Na planície amazônica, de
Raymundo Moraes (1872-1941), publicado originalmente em 1926, do que o contato direto
com a exuberância da região. Gostava também de realçar, especialmente no período
que permaneceu no exterior, sua origem, o Brasil com suas características tropicais.
Ao
retornar com seu marido Carlos Martins ao Brasil, em 1950, trouxe uma belíssima
coleção de objetos africanos e de indígenas americanos, referência para suas incursões
artísticas com profundas reflexões. A sua vivência no exterior contribuiu muito
para ampliar a percepção das fundamentais conquistas sociais que surgiam com mais
intensidade, transformando o panorama do mundo frente às inúmeras necessidades que
afligiam grande parte da humanidade. Vale notar que nos anos 1940, suas esculturas
tiveram forte impacto nos surrealistas, tendo influenciado o próprio movimento.
A complexidade da sua obra possibilita sempre novas leituras, não se esgota em delineamentos superficiais, acopla densas camadas de culturas ancestrais com perspectivas arrojadas, unindo dimensões diversas na desconstrução de tempos impostos com atitudes que promovem a individualidade como premissa para alcançar o universal.
JOSÉ HENRIQUE FABRE ROLIM | Jornalista, crítico de arte, curador e pesquisador, formado em Direito, colaborou em diversos jornais e revistas como A Tribuna de Santos, Folha de S. Paulo, Arte em São Paulo, Dasartes, Cadernos de Crítica, Módulo e Arte Vetrina da Itália. Ele teve nos anos 2000 uma coluna no jornal DCI-Shopping News de São Paulo e atualmente escreve sobre arte no site Arteref. Foi jurado do Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), além de presidir esta entidade no período 2013-2017.
TRAVIS SMITH (Estados Unidos, 1970) | Artista gráfico conocido por diseñar carátulas de álbumes para bandas de heavy metal. El periódico Chronicles of Chaos lo considera sin duda uno de los artistas gráficos más talentosos del heavy metal actual. Entre 1998 y 2022 ha realizado más de 100 proyectos gráficos completos (no solo las portadas) para varias bandas de heavy metal, incluyendo Devin Townsend, Katatonia, Nevermore, Opeth, Anathema, Black Crown Initiate, Soilwork, King Diamond, Novembre, Avenged Sevenfold, Strapping. Young Lad, Perséfone, Riverside y Overkill. La base de su trabajo consiste principalmente en la creación completa del arte de cada álbum. Es conocido por un estilo oscuro e introspectivo que se basa en gran medida en la fotografía, compuesta digitalmente con varios otros medios. También se utilizan texturas acrílicas, así como acuarelas, pasando por un proceso de digitalización y posterior superposición sobre matrices fotográficas. Tenerlo con nosotros como artista invitado es una forma de reconocer la belleza de su creación. En una breve conversación, nos autorizó a utilizar todo este material.
Agulha Revista de Cultura
Série SURREALISMO SURREALISTAS # 13
Número 212 | julho de 2022
Artista convidado: Travis Smith (Estados Unidos, 1970)
editor geral | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editor assistente | MÁRCIO SIMÕES | mxsimoes@hotmail.com
concepção editorial, logo, design, revisão de textos & difusão | FLORIANO MARTINS
ARC Edições © 2022
∞ contatos
Rua Poeta Sidney Neto 143 Fortaleza CE 60811-480 BRASIL
https://www.instagram.com/floriano.agulha/
https://www.linkedin.com/in/floriano-martins-23b8b611b/
Nenhum comentário:
Postar um comentário