terça-feira, 24 de janeiro de 2023

THOMAZ ALBORNOZ NEVES | Erik lindegren, poesia e abstração

 


Erik Johan Lindegren (Luleå, 1910-Estocolmo, 1968) filho de um engenheiro mecânico e de uma dona de casa, passou a infância em Malmö. Em 1919, dificuldades financeiras levam a família a Kiruna, onde não havia escola secundária. Erik mora com uma tia em Östersund para continuar seus estudos. É lá que se interessa pelos pré-modernistas suecos Bo Bergman, Dan Andersson, Harriet Löwenhjelm e Pär Lagerkvist. Mais tarde, as reuniões de poesia francesa, alemã e inglesa o aproximam de Baudelaire, Rilke e Keats. Estuda filosofia e história literária na Universidade de Estocolmo onde lê a antologia Fem Unga (Cinco Jovens) que inaugurou o modernismo sueco em 1929 e a tradução de The Waste Land feita por Karin Boye e Erik Mesterton para a revista Spectrum, em 1931. As traduções dos surrealistas feitas por Ekelöf também foram fundamentais para sua escrita. Nesse período convive com o cosmopolita poeta finlandês 
Rabbe Enckell que foi uma espécie de mentor para ele.

Em 1935 estreia com Póstum Ungdom (Póstuma Juventude). A coleção traz poemas em forma fixa e rimada que não são incluídos nas suas antologias futuras apesar de possuírem já o lírico pessimismo que o caracterizaria. Lindegren tardou cinco anos para romper com o estilo convencional de Póstum Ungdom e encontrar uma voz que repercutisse a ameaça apocalíptica da Segunda Guerra. Nesse sentido, a poesia do seu segundo livro responde antes à sua época que às inquietações existenciais do autor. Lindegren afirmou que sempre almejou emular Eliot em sua crítica à cultura ocidental.

Diante do pacto de Hitler e Stálin que permite a declaração de guerra da urss contra a Finlândia, Lindegren alistou-se no exército finlandês e em uma catarse provocada pela iminência de ir ao front escreve no final do outono de 1939 os últimos 35 sonetos em versos brancos e quebrados que integram Mannen Utan Väg (O Homem sem Caminho). A trégua assinada entre soviéticos e finlandeses não exclui o contexto que confere especial autenticidade à mais radical e incompreendida aventura estética do período. Mannen Utan Väg foi recusado pela Bonniers em 1940. Artur Lundkvist lhe dirá mais tarde que o livro era ridicularizado nos corredores da editora como a obra de um lunático.

Em 42 publica alguns poemas na revista Horisont e ganha impulso sendo contratado pelo jornal Aftontidningen onde encontra espaço e alguma renda. Até então depende do apoio financeiro do pai para manter-se. Com o tempo, constrói a reputação de crítico alerta, confiável e bem relacionado com o meio literário europeu. Seu longo ensaio sobre Auden publicado em 1943 na revista Ord och Bild (Palavras e imagens) revela o seu próprio interesse na relação entre o poema e a forma, a poesia e a ética, o poeta e a sua identidade.

Em sua carreira literária, Erik Lindegren traduz para a editora Bonniers, Hamlet, de William Shakespeare, Assassinato na Catedral, de T. S. Eliot, a poesia de Paul Claudel, Saint-John Perse, Paul Valéry, Rainer Maria Rilke, Paul Éluard e Dylan Thomas, a narrativa de William Faulkner e de Grahan Greene. Também verte libretos, colabora escrevendo com assiduidade para o compositor clássico Karl Birger Blomdahl e edita revistas de arte como Prisma, uma das mais sofisticadas do seu tempo na Suécia. É patente que seu conhecimento de música e belas-artes foi determinante para a construção rítmica e a iconografia dos seus versos.

Porém, em 1942, diante da rejeição das editoras, é forçado a acudir ao pai para custear 200 volumes de Mannen Utan Väg. Um desses exemplares muito manuseado, com as folhas descoladas e versões em alemão nas margens dos poemas, está hoje na Biblioteca Nacional, em Estocolmo. Pertenceu a Nelly Sacks e comprova o imediato fascínio despertado por um Lindegren praticamente desconhecido na grande poeta judia recém-chegada à Suécia fugindo da Alemanha.

Graças à potência das imagens e a revoltada angústia que transmite, esta obra inovadora ocupa um lugar de destaque no movimento modernista escandinavo. Em 1945, Mannen Utan Väg foi reeditada pela Bonniers e provocou debates sobre linguagem e hermetismo. O título é eliotiano, mas a riqueza associativa é surrealista e remete ao Sol Primeiro, de Elytis, com a ressalva de que Lindegren traz ao surrealismo uma complexidade própria e uma insurgência direta contra o espírito do seu tempo e a indiferença pela vida humana.

Depois da epígrafe

 

skugglös slingrar sig misstagens väg

på jorden det främmande djupet

betraktad av solens asketiska öga

och horisonters medfödda blindhet

 

sem sombra o caminho dos erros serpenteia

na terra a estranha profundeza

vista pelo ascético olho do sol

e a inata cegueira dos horizontes

 

a cena de abertura do primeiro soneto traz Narciso em uma sala de espelhos. O poema traz reflexos fragmentados, desespero sem objeto e sentimentos sem sujeito. A sala de espelhos, símbolo surrealista por excelência, remete obviamente ao inconsciente, elemento fascinante naqueles anos.

 

I

(i speglarnas sal där ej endast Narkissos

tronar på sin förtvivlans pelare utan svindel

 

diade evigheten med en grimas

de obegränsade möjligheternas land

 

i speglarnas sal där en enda besmittad snyftning

undkom likgiltighetens korsade värjor

 

och förvandlade luften till löfte och mull

som rann utefter stadens alla fönster

 

i speglarnas sal där fulländningen stansas i plåt

och bärs som en fånge i standardbröstet

 

där ordet begår harakiri i krevadernas sken

och trumpeten smakar krossat porslin och döende blod

 

i speglarnas sal där en blir de mycket för många

och dock ville falla som dagg i tidens grav)

 

I

(na sala de espelhos onde não só Narciso

senta sem vertigem no trono do desespero

 

com esgares a eternidade amamentava

a terra das infinitas oportunidades

 

na sala de espelhos onde um só soluço contaminado

escapa das espadas cruzadas da indiferença

 

e transforma em promessa e húmus

o ar que atravessa as janelas da cidade

 

na sala de espelhos onde a perfeição é prensada na chapa

e levada como um prisioneiro no peito exemplar

 

onde a palavra comete harakiri iluminada por explosões

e o trompete tem sabor de porcelana esmagada e sangue de moribundo

 

na sala de espelhos onde um se torna muitos

e ainda queria cair como orvalho no túmulo do tempo)

 

O soneto XVIII é outra amostra da intensidade de resistência e ativismo alcançado pela poesia de Lindegren.

 

XVIII

att skjuta en fiende och rulla en cigarett

att flamma till och släckas som en fyr i storm

 

att sitta som en fluga i intressenters nät

att tro sig född med otur fast man bara är född

 

att vara en funktion av allt som inte fungerar

att vara något annat eller inte vara alls

 

att som den gråa stenen passas in i hatets mur

och ändå känna stenars samförstånd som ljungens glädje

 

att känna allt försummat i det rykande regnet

att njuta av spänningen vid det pyrande bålet

 

att tvivla på att detta måste vara sista gången

att bejaka allt bara det inte upprepas

 

att slå sig igenom och nå fram till en utsikt

där blixtar jagar för att hämnas mänskligheten

 

XVIII

atirar no inimigo e enrolar um cigarro

e dragar sua luz como a de um farol na tempestade

 

como uma mosca presa na teia dos calculistas

um recém-nascido aterrorizado por ter nascido

 

ser uma função em tudo que não funciona

querer ser outro ou não ser nada

 

pedra gris que encaixa no muro do ódio

sentindo o consenso do encaixe, o viço do musgo

 

sentir a omissão sob a chuva vaporosa

aquecido pelo calor dos crematórios

 

duvidar se agora é a última vez

zelando para que não ocorra novamente

 

para irromper no alto até o vislumbre

do raio que se vinga da humanidade

 


Lindegren identifica no isolamento a causa do atraso cultural sueco dos anos 30 ao pós-guerra. Muitas das suas atividades nesse momento devem ser vistas à luz desse sentimento. Com o poeta e crítico estoniano Ilmar Laaban, traduz uma antologia de poesia francesa contemporânea para o sueco. O livro, publicado em 1948, reúne 19 poetas, e contribui para a internacionalização da lírica sueca.

A ansiedade diante de um mundo paralisado, a insegurança do presente e a descrença em relação ao futuro repercute no estilo de Lindegren em um nítido movimento pendular que o faz passar do pessimismo e da crítica social aos poemas líricos de Sviter (Suítes), escritos durante o conflito. Nessa coleção, o poderoso choque de imagens dá lugar à docura da melodia, como se lê nos versos célebres de Arioso e da Pastoral.

 

ARIOSO

 

Någonstans inom oss är vi alltid tillsammans,

någonstans inom oss kan vår kärlek aldrig fly

Någonstans

o någonstans

har alla tågen gått och alla klockor stannat:

någonstans inom oss är vi alltid här och nu,

är vi alltid du intill förväxling och förblandning,

är vi plötsligt undrans under och förvandling,

brytande havsvåg, roseneld och snö

 

Någonstans inom oss där benen har vitnat

efter forskares och tvivlares nedsegnade törst

till förnekat glidande

till förseglat vikande

O moln av tröst!

någonstans inom oss

där dessas ben har vitnat och hägringarna mötts

häver fjärran trygghet som dyningarnas dyning

speglar du vårt fjärran som stjärnans i en dyning

speglar jag vårt nära som stjärnans i en dyning

fäller drömmen alltid masken och blir du

som i smärta glider från mig

för att åter komma åter

för att åter komma till mig

mer och mer inom oss, mer och mera du.

 

ARIOSO

 

Em algum lugar dentro de nós estamos sempre juntos

Em algum lugar onde o amor não foge

Em algum lugar

em algum lugar

todos os trens partiram e os relógios pararam

Em algum lugar dentro de nós é sempre aqui e agora

e nós somos sempre todos até nos misturarmos

de repente na maravilha e na transformação da maravilha

quebrando a onda do mar, rosa de fogo e neve

 

Em algum lugar dentro de nós onde os ossos branquearam

depois da sede da busca e da sede da dúvida

até a fugidia negação

até a recôndita rendição

Ah, nuvens de consolo!

Em algum lugar dentro de nós

onde estes ossos branqueiam e as miragens se reconhecem

surge a certeza na distância como a onda nas ondas

eu reflito nossa distância como a estrela na onda

e o sonho deixa sempre a máscara em que tu te tornas

e em que escapas

para tornar a voltar

para voltar a mim outra vez

cada vez mais dentro de nós

cada vez mais tu

 

A Pastoral está composta de quatro peças e encerra Sviter. Estas quatro peças ou fragmentos estão relacionados com a estrutura quadripartida dos movimentos de uma suíte musical. A composição está relacionada também com os Four Quartets de T. S. Eliot, especialmente na relação entre os quatro poemas e os quatro elementos. Lindegren os explora paralelamente considerando o ar em Burnt Norton; a terra em East Coker; a água em The Dry Salvages; e o fogo Little Gidding. O poema que segue é o aéreo primeiro fragmento. Nele, ressoa o inconfundível, redundante e desnecessário eco de Paul Éluard.

 

PASTORAL

 

I

Även denna morgon

i flykt över molnens trappor

i floder av viskande grå kristall

sjungande morgonljusets hjortar

sjunkande landskapets glittrande håv

 

din vila din sömn efter gryningens ljudlöst travande spann

din vila min känslas naknaste skugga

(svart mot din naknaste jord)

din vila min sömn min oros som vindens i vågornas vagga

 

även denna morgon solens sävgröna matta

blåa fåglar samlade i din kropp för att dricka

där ögonblicken föder sin nyhet i timglasets midja

 

även denna morgon begärets flöjter

strålande upp ur svalkan som varma källor

i ljudlöst böljande spel mot zenit

 

även denna stund som ett minne av en häftig lycka

stänkande upp på min handlov

djupt ur havets salt.

 

PASTORAL

 

I

Também esta manhã

voando nos degraus das nuvens

em rios de gris cristal sussurrante

cantando ao cervo da aurora

afundando a rede brilhante da paisagem

 

teu repouso teu sonho no mudo abraço da aurora

teu repouso minha sombra desnudada

(obscura contra a tua terra desnudada)

teu repouso meu sonho sem repouso no berço das ondas

 

também esta manhã ao verde-pálido tapete do sol

pássaros azuis descem para beber em teu corpo

onde o instante nasce da cintura da ampulheta

 

também esta manhã as flautas do desejo

irradiando ao zênite em silenciosas ondas

o frescor brilhante de fontes termais

 

também agora na lembrança amarga de uma alegria

do meu punho esparzindo

o profundo sal do mar

 

São versos que pagam antigas dívidas, em especial com Shelley, Hölderlin e Keats. Lundkvist comenta que

 


Suítes descende do romantismo inglês e alemão do século XIX. Lindegren escreve uma poesia com um fundo de autocombustão e dúvida, uma dramatização dionisíaca que mal consegue ocultar um sentido de futilidade. Poesia escrita por um fanático da esterilidade, essa tendência barroca pouco frequente na poesia sueca. A exacerbação e o êxtase que perseguia tinha necessariamente que lhe custar caro. Lindegren tornou-se um poeta extraordinariamente parco. Era, no entanto, um caráter aberto e positivo que, como outro Minotauro, ficou encerrado no seu labirinto, furioso contra todas as limitações do seu mundo interior e do que lhe rodeava. Era um mestre na mitificação e no incenso que descreve o ápice e o desespero em uma forma disciplinada e artística.

 

Lindegren se despede com Vinteroffer (Sacrifício de Inverno) em 1954. O título remete ao Sacrifício da Primavera de Stravinsky. Do espírito caótico de Mannen Utan Väg ao romantismo de Sviter, Vinteroffer traz um tom ainda mais reflexivo ao tema recorrente da sua poesia: a busca pela abstração onde o sentido mesmo da realidade cessa. Tal abstração é levada à máxima potência por Ikaros, poema de abertura do livro.

Nele, não é o personagem mítico, mas a própria realidade que mergulha, enquanto Ícaro se eleva cada vez mais alto, na direção de um renascimento. Impossível fugir da comparação com Muséee des Beaux Arts, de Auden. Em Lindegren, a abstração nasce da ascensão em fuga, ou seja, é a recriação do interior da queda de Ícaro pintada por Brueghel que serve de modelo a Auden. Mas enquanto este descreve a cena a olho de pássaro, como era seu costume, Eric é Ícaro.

 

IKAROS

 

Bort domnar nu hans minnen från labyrinten.

det enda minnet: hur ropen och förvirringen steg

tills de äntligen svingade sig upp från jorden.

Och hur alla klyftor som alltid klagat

efter sina broar i hans bröst

långsamt slöt sig, som ögonlock,

hur fåglar strök förbi, som skyttlar eller pilskott,

och till slut den sista lärkan, snuddande hans hand,

störtande som sång.

 

Sedan vidtog vindarnas labyrint, med dess blinda tjurar,

ljusrop och branter,

med dess hisnande andedräkt, som han länge

och mödosamt lärde sig parera,

tills den återigen steg, hans blick och hans flykt.

 

Nu stiger han ensam, i en himmel utan moln,

i en fågelfri rymd bland reaktionsplanens larm…

stiger mot en allt klarare sol,

som blir allt svalare, allt kallare,

Uppåt mot sitt eget frusande blod och själarnas flyende vattenfall,

en innestängd i en vinande hiss,

en luftbubblas färd i havet mot den magnetiskt hägrande ytan:

fosterhinnans sprängning, genomskinligt nära,

virveln av tecken, springflodsburna, rasande azur,

störtande murar, och redlöst ropet från andra sidan:

 

Verklighet störtad

utan verklighet född!

 

ÍCARO

 

Já se apaga na memória o labirinto

As lembranças: tumulto, gritos

ao elevar-se e abandonar a terra

E como desabou lentamente

o coração como pálpebras que fecham

o abismo de cada ponte

e os pássaros, pedras de funda ou flechas

e a última cotovia que ao roçar sua mão

caiu como uma canção

E outra vez os ventos e seus touros cegos

seus gritos de luz, seus precipícios

e ao golpe de vento que com tanto custo

aprendeu a esquivar – e outra vez

subir ainda: ver e fugir

 

Voa a sós pelo céu sem nuvens

em um espaço sem aves nem jatos de aeroplanos

sobe rumo a um sol cada vez mais claro

mais brilhante e mais frio

rumo ao seu próprio sangue, à cascata de almas em fuga

encerrado em um elevador sibilante

uma bolha de ar que reflete o mar em miragens magnéticas

ruptura amniótica, proximidade transparente

vertigem de signos em um azul raivoso

as paredes ruindo e o grito do outro lado:

 

Realidade desabada

e um nascer sem realidade

 

Em Vinteroffer, Lindegren vai ao extremo da dissolução do conteúdo poético. Seu radicalismo não é formal, é ontológico. O resultado da busca pelos limites da linguagem na profundidade ou na altura (a queda para o zênite) do ser, não o leva a um renascimento, mas ao esgotamento da própria voz. Ao silêncio de origem que é o mesmo silêncio de destino. Ikaros é, evidentemente, uma alegoria da sua própria aventura expressiva.

Desde essa perspectiva, o poema resta quase como um espólio da experiência poética esgotada pelo poeta. Ao fim e ao cabo, a poesia não é o que um dia Erik Lindegren especulou que fosse: “um cálculo superior”, mas uma energia vital que também se exaure.

No seguinte poema crepuscular de Vinteroffer se ouve o eco distante dos oceânicos versos de Harry Martinson:

 

Skymningens spenvarma mjölk

sköljande ljundens fromma stenar

 

halvsänkt råmar en kos vita negermask

ringlande sjunker solgatan i väster

 

horisontes liboj en krans av ljus

av drunknade tända livet till minne

 

O leite morno do poente se confunde

ao rumor piedoso nos rochedos

 

meio submersa, muge a vaca preto e branca

ao oeste, o reflexo do sol serpenteia

 

a boia com sino do horizonte, um halo de luz

acende a vida na memória do afogado

 


Erik Lindegren tinha 44 anos quando abandona a poesia. Nos 14 anos de silêncio que se seguiram dedicou-se à tradução e a escrever e adaptar libretos como A Jornada nesta Noite, da sua própria autoria, e Aniara, de Harry Martinson, para o compositor Karl-Birger Blomdahl na Ópera Real Sueca. Publicou apenas dez poemas até sua morte, aos 57 anos. Somente no centenário de nascimento a reunião da obra proporciona uma visão ampla de um poeta considerado injustamente menor, mesmo na Suécia.

No tomo impresso pela editora Themis sob o cuidado de Daniel Pedersen, Póstuma Juventude, O Homem sem Caminho, Suítes e Sacríficio de Inverno ocupam apenas a metade do volume. O restante traz a sua até então vasta e praticamente inédita poesia esparsa.

 

POET

 

Bländad av solen

belyst av bränder

virvlad ur aska

aldrig densamma –

 

ytans lek med djupet

(med sprittande nya stjärnestim)

djupets hot mot ytan

(med vimlande döda solsystem)

orden alltför fjärran

(som smält guld)

liv mycket nära

(som stelnat bly)

 

mer förklädd än intet

naknare än allt

 

på en jord där allt

är för tidigt eller för sent.

 

POETA

 

Ofuscado pelo sol

iluminado pelas chamas

rodopiado pelas cinzas

nunca as mesmas

 

o jogo da tona com o fundo

(com efervescentes cardumes de estrelas)

a ameaça que o fundo faz à tona

(com inúmeras galáxias mortas)

as palavras distantes demais

(como ouro derretido)

a vida perto demais

(como chumbo congelado)

 

mais disfarçado que o nada

mais nu do que tudo

 

em uma terra onde tudo

é muito tarde ou cedo demais

 

Há contadas razões para um poeta desse potencial renunciar à poesia: o desânimo diante da perda do poder transformador da obra de arte na sociedade, esgotar-se ou repetir-se; e, claro, pode renunciar à poesia por desdém à vocação.

 

ENSAMHET

 

i dubbel ensamhet

den orörlig växer till det förflutna

som än en gång föder kargt det som inte hade någon framtid.

 

SOLIDÃO

 

na dupla solidão

o imóvel cresce ao passado

que uma vez mais dá à luz estéril aquilo que não tinha futuro

 

Erik Lindegren viveu em uma intensidade espiritual e intelectual de alta combustão. A personalidade carismática, histriônica e dinâmica carregava consigo uma ternura e uma delicadeza difíceis de harmonizar. O professor Ingvar Holm, seu contemporâneo, define uma “riqueza de inveja” ao seu redor como sarrafo do seu reconhecimento. Lindegren foi um autor mais reconhecido por seus pares que pelo público. Diante das suas escolhas, não é difícil concluir que lhe importava mais ser explorado a fundo por alguns leitores do que na superfície por muitos.

 

 


THOMAZ ALBORNOZ NEVES (Brasil, 1963). É advogado, cineasta, tradutor, ensaísta e poeta. Ao longo de quase quarenta anos, tornou-se um dos mais ativos tradutores de poesia contemporânea para o português. Viveu na Itália, França e Espanha durante seus anos de formação. Fixou-se então no Rio de Janeiro, no norte do Uruguai e finalmente em Livramento. Publicou vários livros, entre eles Renée (1987), Poemas (1990), Golfe (2012), À espera de um igual (2020), Oriente (2021) e 24 verbetes (2022).

 


LENNIN VÁSQUEZ (Peru, 1978). Artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura. Estudou na Escola Superior Autônoma de Belas Artes do Peru entre 1996 e 2002, onde obteve medalha de ouro em desenho. Suas exposições pessoais incluem Metaphysical Landscapes (2023), Collected Work (2019) Spain, I Have All Nights in My Veins (2018); Delírios Crepusculares (2017); Quadrante dos Sonhos – jardins e labirintos (2015); Vento SURreal (2010); Aos Olhos do Apu (2009); Ritual Beings (2007), entre outras. Desde 1997 expôs coletivamente em dezenas de oportunidades no Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Colômbia e Espanha. Em 2010 realizou mural no encontro internacional Art x Parte em Berazategui, Buenos Aires, Argentina. Seu trabalho está no Museu Belas Artes, Santiago do Chile; Aliança Francesa Lima, Peru; Município de Suba, Bogotá, Colômbia; e Coleção Faber Castell, Lima, Peru. Coleção Mapfre Lima Peru. Lennin possui um traço refinado repleto de referências mitopoéticas, que expressam não apenas sua afinidade com o Surrealismo, como também um universo acentuado por suas origens indígenas.




Agulha Revista de Cultura

Número 222 | janeiro de 2023

Artista convidado: Lennin Vásquez (Peru, 1978)

editor | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2023

 


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