No início
dos anos 50 é atraído pelo expressionismo
e participa da New
York School, um grupo informal
de artistas, coreógrafos, músicos e poetas. A arte clássica e a moderna foram influências iniciais que
o acompanharam pela vida. Toma quadros por motivo
de poemas e olhares de pintores sobre a realidade como
técnica narrativa. É um poeta que procura ser original inclusive em relação às próprias
formulações, em um esforço deliberado para ouvir outro tom na sua voz dizendo o que ele pensa.
Assim, os French Poems, escritos em francês
enquanto morava em Paris, são publicados em inglês. Usar a tradução como original tem o propósito,
segundo Ashbery, de evitar modelos verbais e associações costumeiras.
Minha poesia reproduz a maneira como o conhecimento chega a mim, que é aos trancos e barrancos e indiretamente. Não acho que a poesia organizada em
padrões perfeitos refletiria essa situação.
Minha poesia é disjunta, mas a vida também
é.[...]
Suas fontes são Auden, Stevens, Perse, Roussel, Hölderlin, algo da
poesia popular épica e muita poesia americana e inglesa dos anos trinta e quarenta,
não sei ao certo até que ponto tudo isto é evidente. Elipses, mudanças frequentes
de tom, de voz (isto é, a voz do narrador), de pontos de vista, para dar uma impressão
de fluxo estão entre as minhas características. Poucas vezes uso a métrica. [...]
Um poema é só um punhado de impressões. Se fosse decifrado deixaria
de ser um mistério.
Os poemas são uma “tela verbal”
sobre a qual o poeta aplica técnicas da pintura abstrata. A afirmação tem certo
de efeito e traz uma meia verdade. Embora imagens e ideias se movam sem continuidade,
como um pincel expressionista, sua poesia evoluiu
sob uma variedade de influências que vai além desse lugar-comum.
O estilo multifacetado, polifônico, inacabado, reflexivo
e inundado pela cultura pop, tornou-se
tão influente que seus imitadores são uma
legião, observa Helen Vendler.
O que Ashbery ofereceu para
alguns poetas americanos como Hass, Glück e Strand foi outra forma de expressão,
sua originalidade nasce da liberdade e a transmite. A correnteza de pensamentos
intercalada pela cena que a contextualiza cria uma realidade subjetiva e objetiva
ao mesmo tempo, sem ser uma nem a outra. Uma realidade semi-abstrata, para usar a definição de Elizabeth Bishop.
Esse retrato das percepções e do que as provoca deriva, de acordo com Paul Auster, da capacidade que Ashbery possui de minar certezas ao articular as zonas ambíguas de nossa consciência. Outros leitores, não tão seduzidos pelo seu virtuosismo maneirista, apontam um hermetismo premeditado feito de tudo -ou de qualquer coisa- para significar nada em específico ou algo vago em forma genérica. Refletindo sobre esse viés interpretativo, Ashbery comentou
Boutades à parte, a recusa em ordenar um universo de fluxo e caos passa o entendimento convencional do poema
a um segundo plano. Em muitos casos, o próprio “eu” do narrador se dissolve. O sujeito
pode ser o próprio poeta, estar em terceira
pessoa, ou ser alguém com quem o poeta
dialoga. Poesia para ser lida mais que para ser ouvida, dado que a voz única de
um declamador uniformiza a polifonia do original.
Sobre a diluição do sujeito, argumenta
com a pérola não-dualista: Somos todos, de alguma forma, aspectos de uma consciência que faz nascer
o poema.
THE IVORY TOWER
Another season, proposing a
name and a distant resolution.
And, like the wind, all attention.
Those thirsting ears,
Climbers on what rickety heights,
have swept you
All alone into their confession,
for it is as alone
Each of us stands and
surveys this empty cell of time. Well,
What is there to do? And so a mysterious creeping motion
Quickens
its demonic profile, bringing tears, to these eyes at least,
Tears of excitement. When was the last time you knew that?
Yet in the textbooks thereof
you keep getting mired
In a backward innocence, although
that too is something
That must be owned, together
with the rest.
There is always some impurity.
Help it along! Make room for it!
So that in the annals of this
year be nothing but what is sobering:
A porch built on pilings, far
out over the sand. Then it doesn’t
Matter that the deaths come
in the wrong order. All has been so easily
Written about. And you find
the right order after all: play, the street shopping, time flying.
A TORRE DE MARFIM
Outra estação, propondo um nome e
uma distante
resolução
e, como o
vento, toda a atenção. Estes sedentos ouvidos
alpinistas de que ruinosas alturas, te jogaram
na sua confissão sozinho, tão sozinho quanto
cada um de nós vigiando esta cela vazia de tempo.
Bem,
o que mais se pode
fazer? E assim um misterioso
rastejar
acentua seu perfil demoníaco, trazendo lágrimas,
ao menos a estes olhos,
lágrimas de emoção. Quando foi a última vez que
o soubeste?
No entanto,
te atolas outra vez nos mesmos
livros didáticos
em uma inocência
ultrapassada, embora também isso seja algo
que deve ser cuidado, junto com o resto
Sempre há alguma impureza. Faz com que siga! Dá
lugar!
Para que nos anais deste ano não haja nada além
de sobriedade:
uma galeria erguida em colunas longe, sobre a areia.
Então
não importa se as mortes
chegam na ordem errada. Sobre isso tudo
já foi escrito.
E encontras a ordem certa afinal: o jogo, a rua, ir
de compras, perder tempo.
O fato é que o leitor procura
identificar formas, mas só encontra borrões.
Suportar a abstração com palavras é um desafio,
especialmente quando o poema é tão indefinido que impede a identificação
do seu motivo mais concreto. Pois, nem
toda metalinguagem funciona. E escrever sobre poemas sendo escritos, mais que maestria
exige um repertório de contravenenos -ele os possui- para a monotonia e a dispersão.
Ou quase. É ao que Roger Shattuck se refere ao dizer que dessa forma cada poema se
torna uma arte poética da sua própria condição.
WHAT IS POETRY?
The medieval town, with frieze
Of boy scouts from Nagoya? The snow
That came when we wanted it to snow?
Beautiful images? Trying to avoid
Ideas, as in this poem? But we
Go back to them as to a wife, leaving
The mistress we desire? Now they
Will have to believe it
As we believed it. In school
All the thought
got combed out:
What was left was like a field.
Shut your eyes, and you can feel it
for miles around.
Now open them on a thin vertical path.
It might give us – what? – some flowers
soon?
O QUE É A
POESIA?
Um
burgo medieval, com friso
dos escoteiros de Nagoya?
A neve
que
veio quando queríamos que nevasse?
Belas
imagens? Tentar evitar
as
ideias, como neste poema? Mas
voltamos
a elas como a uma esposa, abandonando
a
amante desejada? Agora eles
terão
que admitir
como
nós o admitimos. Na escola
todo
o pensamento foi penteado:
Um
descampado é o que restou
Fecha
teus olhos para senti-lo longe e ao redor
Agora
os abres em uma fina linha vertical
Nos
daria – o quê? – algumas flores de repente?
O verso de Ashbery é feito com hipóteses
em processo. Sua sofisticada incerteza, sempre in
media res, conduz o leitor a um lugar incômodo. É uma linguagem
do desconforto. Se quando acerta sua poesia encanta através do próprio hermetismo, quando fracassa no lugar de ser autêntica e enigmática é apenas incompreensível.
O limite é tênue e ele não se importa.
AT NORTH FARM
Somewhere someone is traveling furiously
toward you,
At incredible speed, traveling day and
night,
Through blizzards and desert
heat, across torrents, through narrow passes.
But will he know where to find you,
Recognize you when he sees you,
Give you the thing he has for you?
Hardly anything grows here,
Yet the granaries are bursting with
meal,
The sacks of meal piled to the rafters.
The streams run with sweetness, fattening
fish;
Birds darken the sky. Is it enough
That the dish of milk is set out at
night,
That we think of him sometimes,
sometimes and always, with mixed feelings?
NA FAZENDA DO NORTE
Em algum lugar
alguém viaja com fúria na tua direção
em uma velocidade
incrível, viajando dia e noite
por nevascas, no calor do deserto, atravessando
correntezas e desfiladeiros
Mas, ao chegar,
saberá onde estás?
E ao te encontrar, saberá quem és?
Dará o que traz para ti?
Aqui quase nada cresce
mesmo assim,
os celeiros estão repletos
Se amontoam
até o teto os sacos de farinha
E com doçura
correm os riachos, engordando os peixes
Pássaros escurecem
o céu. Bastará
servir o prato
com leite a cada noite
pensar nele
de vez em quando
de vez em quando
e sempre, com sentimentos confundidos?
Self-Portrait
in a Convex Mirror, ganhou
o Pulitzer, o prêmio Nacional do Livro e o do Círculo dos Críticos, em 1975. Esta obra-prima do pós-modernismo, é uma digressão a partir da pintura homônima
do maneirista emiliano Francesco Parmigianino (1503-1540).
Lendo Vassari, mas ouvindo antes o timbre
de Vassari
além
da beleza angelical do pintor e da novidade sugestiva da invenção do espelho convexo,
é possível captar uma manifestação da
nova sensibilidade maneirista, graças à
presença da visão anamórfica da mão deformada pelo
formato do espelho.
e a dicção do comentário de Argan sobre Parmigianino
Francesco
adverte que a história não é mais a experiência fundamental e que o presente se
confunde com o eterno em uma dimensão atemporal, irreal. Sua beleza é o sinal da
negatividade de todos os outros valores, e dessa negatividade, que em certo sentido
denuncia, recebe o seu esplendor misterioso, lunar.
escutamos com clareza a mesma voz mental de Ashbery em seu poema. O
tom ensaístico torna a leitura desta composição menos hermética que outros trabalhos
do autor. A pintura é um pretexto para o poeta dispersar e reagrupar digressões
em torno do autorretrato distorcido e paralisado de Parmigianino. O tempo detido
da imagem passando pelo pensamento que a contempla é o núcleo do poema e o modelo
da sua estrutura fluida.
A reflexão avança em fragmentos, redemoinha em blocos discursivos para emergir em um aforismo luminoso,
que ora vacila na imagem convexa e seu mundo
aprisionado, ora hesita na mente volátil
do poeta. O efeito paira
entre o sonho e a realidade. O que nos remete
à própria vida, pois como o poeta diante do quadro, cada leitor está entre a página e o seu próprio fluxo de associações. O estranhamento criado
por essas camadas
de dissociações, essa galeria
de realidades, aumenta quando o leitor percebe que, apesar de tanta potência reflexiva,
o narrador do poema transmite quietude, como se ele vibrasse em um diapasão e o
vigor da sua inteligência em outro.
É correta a afirmação que Ashbery não se acomodou
às fórmulas do próprio sucesso.
Foi um poeta regido pelo risco e, muito em
função disto, será menos lido do que deveria. Importa pouco que a crítica mais convencional
o considere o último canônico, equiparável a Yeats
ou Stevens. Ele seria, não fosse a contradição conceitual, o primeiro clássico
do pós-modernismo. Bom, talvez seja, justamente por ela.
THOMAZ ALBORNOZ NEVES (Brasil, 1963). É advogado, cineasta, tradutor, ensaísta e poeta. Ao longo de quase quarenta anos, tornou-se um dos mais ativos tradutores de poesia contemporânea para o português. Viveu na Itália, França e Espanha durante seus anos de formação. Fixou-se então no Rio de Janeiro, no norte do Uruguai e finalmente em Livramento. Publicou vários livros, entre eles Renée (1987), Poemas (1990), Golfe (2012), À espera de um igual (2020), Oriente (2021) e 24 verbetes (2022).
LENNIN VÁSQUEZ (Peru, 1978). Artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura. Estudou na Escola Superior Autônoma de Belas Artes do Peru entre 1996 e 2002, onde obteve medalha de ouro em desenho. Suas exposições pessoais incluem Metaphysical Landscapes (2023), Collected Work (2019) Spain, I Have All Nights in My Veins (2018); Delírios Crepusculares (2017); Quadrante dos Sonhos – jardins e labirintos (2015); Vento SURreal (2010); Aos Olhos do Apu (2009); Ritual Beings (2007), entre outras. Desde 1997 expôs coletivamente em dezenas de oportunidades no Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Colômbia e Espanha. Em 2010 realizou mural no encontro internacional Art x Parte em Berazategui, Buenos Aires, Argentina. Seu trabalho está no Museu Belas Artes, Santiago do Chile; Aliança Francesa Lima, Peru; Município de Suba, Bogotá, Colômbia; e Coleção Faber Castell, Lima, Peru. Coleção Mapfre Lima Peru. Lennin possui um traço refinado repleto de referências mitopoéticas, que expressam não apenas sua afinidade com o Surrealismo, como também um universo acentuado por suas origens indígenas.
Agulha Revista de Cultura
Número 222 | janeiro de 2023
Artista convidado: Lennin Vásquez (Peru, 1978)
editor | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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