René Émile Rouget Char (Isle-sur-la-Sorgue,
1907-Paris, 1988) foi o caçula dos quatro filhos de Émile Char com Marie-Therese
Rouget. Émile foi prefeito de Isle-sur-la-Sorgue e diretor da sociedade de estucadores
de Vaucluse. René passou a infância em Névons, na grande casa de família cuja construção
dentro de um parque centenário foi concluída pelo avô paterno no ano do seu nascimento.
Com a morte do pai em 1918, os Char
passam por dificuldades financeiras. Em 21, René liga-se ao cantoneiro Louis Curel,
admirador da Comuna de Paris e membro do PCF, e aos pescadores, vagabundos e armeiros
de Sorgue, mais tarde chamados em diversos poemas de Les transparents.
Char mede quase dois metros de altura,
pratica rúgbi e possui temperamento impulsivo. Em 23, abandona o liceu Mistral d’Avignon,
onde era interno desde os onze anos, depois que um de seus professores ridiculariza
seus primeiros versos. Viaja à Tunísia, onde os Char são proprietários de uma pequena
usina de fabricação de gesso. Na volta, acompanha sem interesse o curso da École
Supérieure de Commerce de Marseille. Lê Rimbaud, Mallarmé, Lautréamont e, possivelmente,
os primeiros poemas de Éluard. Trabalha em uma transportadora de frutas e verduras
em Cavaillon quando é convocado a prestar serviço militar na artilharia de Nîmes.
No verão de 1929, envia a Paul Éluard
um dos vinte e seis exemplares do livro de poemas Arsenal impressos às expensas
do antigo chefe, o proprietário da transportadora. Éluard o visita no outono e passa
três semanas em Isle-sur-la-Sorgue.
No início do inverno, Char está em
Paris morando na casa de Éluard e entra no grupo surrealista justo quando Desnos,
Prévert e Queneau se desligam do movimento. Durante cinco dias em Avignon, Char
e Éluard escrevem a seis mãos com Breton os trinta poemas de Ralentir Travaux (Devagar, Obras), título
retirado de um sinal de trânsito. Sem a marcação anotada a lápis em um exemplar
por Éluard, não seria possível discriminar o autor de cada verso. No poema que segue
é fácil constatar como a escritura automática surrealista modula a voz de cada poeta
em um mesmo diapasão bretoniano.
Como Éluard e Char superam a estética do movimento
é assunto bem mais interessante que os versos de L’ecole buissonnière.
L’ECOLE BUISSONNIERE
C On entrait par une porte dérobée
B Il y avait un cœur sur le tableau noir
Et un baguette de coudrier sur la table
On aurait entendu un pas de loup
E L’amour le premier enseignait
Aux amants à bien se tenir
C Les pierres suivaient leur ombre douce-amère
E L’œil ne desserrait pas on étreinte
B Et si elle me demande ma vie
Questionnait-il
Aussitôt la lumière
ne faisait qu’un bond comme les racines
E Tendait des pièges de rosée
Ta chevelure questionnait-il
Et le silence était
conquis
GAZEAR A ESCOLA
Nós entramos pela porta traseira
Havia um coração no quadro-negro
e uma vara de condão sobre a mesa
Teríamos ouvido os passos do lobo
O primeiro amor ensinava
boas maneiras aos amantes
As pedras seguiam sua sombra agridoce
O olho não soltou o nosso abraço
E se ela pedir minha vida
Ele perguntou
De imediato a luz saltou como as raízes
armando as armadilhas de orvalho
Tua cabeleira ele perguntou
E o silêncio foi conquistado
O início dos anos 30 é de fanático ativismo.
Funda com Éluard, Breton e Aragon a revista Le Surréalisme au Service de la Révolution. Estuda os pré-socráticos, explora Paracelso,
Fulcanelli e os grandes alquimistas. Publica uma segunda edição revisada de Arsenal
e é ferido por uma facada na virilha durante a intervenção dos surrealistas no bar
Maldoror. Os surrealistas invadem a Exposition
Coloniale de 1931 exigindo a evacuação imediata das colônias e a realização
de um julgamento dos crimes cometidos pela França nos países ocupados.
No final de novembro, Artine com uma gravura de Dalí é publicada
por José Corti para as Éditions Surréalistes. Char e Corti colaborariam em diversos
projetos. Em 34, diante da recusa da Gallimard, editaram juntos os 500 exemplares
de Le Marteau sans Maître. A edição, ilustrada
por uma gravura de Kandinsky, foi custeada por Éluard. Os poemas desse livro central
para o período contrapõem o caos metropolitano parisino ao idílio de Isle-sur-la-Sorgue.
Já aqui sua fidelidade à natureza não regride ao folclore. Ao contrário, Char reinventa
seu universo agrário natal através de um tratamento aforismático heraclitiano regido
pelo tempo cósmico das estações.
LE TERME EPARS
Qui convertit l’aiguillon
en fleur arrondit l’éclair.
Petite pluie réjouit
le feuillage et passe sans se nommer. Nous pourrions être des chiens commandés par
des serpents, ou taire ce que nous sommes.
L’arbre de plein
vent est solitaire. L’étreinte du vent l’est plus encore
A PALAVRA DISPERSA (excertos)
Quem converte o ferrão em flor arredonda o relâmpago
Chuva mansa alegra a folhagem e passa sem ser nomeada. Podemos
ser cães governados por serpentes, ou ficar calados sobre o que somos.
A árvore ao vento é solitária. O abraço do vento é ainda mais.
Como todo poeta, Char absorve o mundo, o filtra
em seu silêncio interior e traduz o processo através da linguagem. A diferença entre
ele e os demais está em que seu objeto não é a realidade, nem o que ela lhe provoca,
mas o processo de depuração. Já aqui deixa de buscar a intervenção na sociedade,
no sentido surrealista do termo, para desenvolver uma visão de mundo integrado ao
seu próprio panteísmo provençal.
Em dezembro de 1934, rompe com os
surrealistas. Em uma carta dirigida a Antonin Artaud escreve:
O surrealismo morreu do sectarismo imbecil de seus seguidores
Em outra carta, esta aberta, endereçada a
Benjamin Péret, escreve:
Recuperei a minha liberdade sem, no entanto, sentir necessidade de cuspir
no que durante cinco anos representou tudo para mim.
Char se mantém próximo apenas de Éluard. Deixa
Paris em 1936, nomeado delegado dos estucadores de Vaucluse, função que manterá
até 37, quando adoece com septicemia. Durante o período de convalescença, mergulha
em D’Alembert, D’Holbach e Helvétius na biblioteca das irmãs Roze. Éluard e Man
Ray vão a Isle para a preparação de Dépendance
de l’adieu, com desenhos de Picasso, publicado por Guy Lévis Mano, com uma tiragem
de 70 exemplares. Em fevereiro de 38, Char oferece a Christian Zervos seus primeiros
escritos sobre pintores: Corot e Courbet.
Em setembro é mobilizado em Paris
e em janeiro de 1939 está em Nîmes, arrolado como soldado raso. Com a invasão, Char
se esconde da polícia de Vichy entre Céreste, Cabrières e Gordes em Vaucluse. Em
1942, entra para a resistência liderando a seção de pouso e paraquedismo nos Baixos
Alpes. Seu codinome é Hypnos. Durante esse período, mantém um diário publicado depois
da guerra sob o título Feuillets d’Hypnos.
Está dedicado a Albert Camus e integra Fureur
et Mystère 1937-1948. No final do conflito, Char recebe a Medalha da Resistência,
a Cruz da Guerra e é nomeado para a Legião de Honra.
Para Paul Veyne, as anotações de Feuillets d’Hypnos
são calculadas para restaurar a imagem de uma certa atividade, de uma certa
concepção da Resistência e de um certo indivíduo com sua multiplicidade interna,
suas alternâncias e também a sua diferenciação, que ele está menos disposto do que
nunca a esquecer. O formato fragmentado do livro reflete a rejeição de René à retórica,
transições, introduções e explicações que são o tecido de qualquer corpo narrativo.
Restam apenas as partes vivas, separadas, o que dá aos Feuillets um falso ar de
coleção de aforismos ou de diário privado, enquanto a composição geral e as anotações
são muito calculadas. O conjunto perfaz uma das menos convencionais e mais profundas
imagens do que foi a resistência europeia ao nazismo.
A edição original traz 237 notas de comprimento
desigual, como os Pensées de Pascal e
termina com o seguinte poema não numerado:
LA ROSE DE CHENE
Chacune des lettres
qui compose ton nom,
ô Beauté, au tableau
d’honneur des supplices,
épouse la plane
simplicité du soleil, s’inscrit
dans la phrase géante
qui barre le ciel, et s’associe
à l’homme acharné
à tromper son destin
avec son contraire
indomptable: l’espérance.
A ROSA DE CARVALHO
Cada uma das letras que formam teu nome
Ó beleza, no quadro de honra dos suplícios
desposa com a plana simplicidade do sol, se inscreve
na frase gigante que bloqueia o céu, e se associa
ao homem determinado a enganar seu destino
com seu oposto indomável: a esperança
A LA SANTE DU SERPENT
I
Je chante la chaleur à visage de nouveau-né, la chaleur désespéré.
III
Celui qui se fie au tournesol ne méditera pas dans la maison. Toutes les pensées
de l’amour deviendront ses pensées.
IV
Dans la boucle de l’hirondelle un orage s’informe, un jardin se construit.
V
Il y aura toujours une goutte d’eau pour durer plus que le soleil sans que l’ascendant
du soleil soit ébranlé.
X
Tu es dans ton essence constamment poète, constamment au zénith de ton amour,
constamment avide de vérité et de justice. C’est sans doute un mal nécessaire que
tu ne puisses l’être assidûment dans ta conscience.
XI
Tu feras de l’âme qui n’existe pas un homme meilleur qu’elle.
XVII
Mon amour, peu importe que je sois né : tu deviens visible à la place où je
disparais.
XIX
Ce qui t’accueille à travers le plaisir n’est que la gratitude mercenaire du
souvenir. La présence que tu as choisie ne délivre pas d’adieu.
XXIV
Si nous habitons un éclair, il est le cœur de l’éternel.
XXVI
La poésie est de toutes les eaux claires celle qui s’attarde le moins au reflet
de ses ponts. Poésie, vie future à l’intérieur de l’homme requalifié.
A
SAUDE DA SERPENTE (excertos)
I
Eu canto o calor com rosto de recém-nascido, o calor
desesperado.
III
Quem confia no girassol não meditará em casa. Todos
os pensamentos do amor serão seus pensamentos.
IV
No giro da andorinha uma tormenta se forma, um jardim
se constrói.
V
Haverá sempre uma gota d’água durando mais do que
o sol sem que o ascendente do sol estremeça.
X
És sempre poeta em tua essência, sempre no zênite
do teu amor, sempre ávido de verdade e justiça. Sem dúvida é um mal necessário que
não o sejas sempre em tua consciência.
XI
Tu farás da alma que não existe, um homem melhor
que ela.
XVII
Meu amor, pouco importa que eu tenha nascido, tu
te tornas visível no lugar em que desapareço.
XIX
O que te acolhe através do prazer não é mais que
a gratidão mercenária da recordação. A presença que escolheste não diz adeus.
XXIV
Se habitamos o relâmpago, habitamos o coração do
eterno.
XXVI
A poesia é, de todas as águas claras, a que menos
tarda nos reflexos das suas pontes. Poesia, vida futura no interior do homem requalificado.
Em muitas passagens de Fureur et Mystère, Char revisita sua Sorgue
natal com o estado de espírito da clandestinidade e da resistência. Não se deve
passar por alto que este poeta escreve entocado entre incursões para recolher paraquedistas,
executar colaboradores, ou defender Céreste de ataques nazistas. Conciliar guerrilha
e poesia nessas circunstâncias requer um grau de comprometimento e uma integridade
difíceis de estimar. Seu lirismo está impregnado de revolta e de ação. No nostálgico
poema dedicado ao cantoneiro Curel, Char funde elementos paratáticos dos reinos
vegetal, animal, mineral e humano para alcançar uma unidade poética ao mesmo tempo
desassociada e amalgamada pela combinação das suas analogias.
LOUIS CUREL DE LA
SORGUE
Sorgues qui t’avances
derrière un rideau de papillons qui pétillent, ta faucille de doyen loyal à la main,
la crémaillère du supplice en collier à ton cou, pour accomplir ta journée d’homme,
quand pourrai-je m’éveiller et me sentir heureux au rythme modelé de ton seigle
irréprochable? Le sang et la peur ont engagé leur combat qui se poursuivra jusqu’au
soir, jusqu’à ton retour, solitude aux marges de plus en plus grandes. L’arme de
tes maîtres, horloge des marées, achève de pourrir. La création a risée se dissocient.
L’air-roi s’annonce.
Sorgue, tes épaules
comme un livre ouvert propagent leur lecture. Tu as été, enfant, le fiancé de cette
fleur au chemin tracé dans le rocher qui s’évadait par un frelon… Courbé, tu observes
aujourd’hui l’agonie du persécuteur qui arracha à l’aimant de la terre la cruauté
d’innombrables fourmis pour la jeter en millions de meurtriers contre les tiens
et contre ton espoir. Écrase donc encore une fois cet œuf cancéreux qui résiste…
Il y a un homme
à présent debout, un homme dans un champ de seigle, un champ pareil à un choeur
mitraillé, un champ sauvé.
LOUIS CUREL DE LA SORGUE
Sorgue que avanças atrás de uma cortina de borboletas cintilantes,
com tua foice de reitor leal na mão, a cremalheira do suplício é um colar em teu
pescoço para cumprir com tua jornada de homem. Quando poderei despertar e sentir
a felicidade modelada por teu centeio impecável? O sangue e o medo começaram sua
luta que continuará até a noite, até seu retorno, solidão com margens cada vez maiores.
A arma dos teus mestres, relógio das marés, prestes a apodrecer. A criação e o riso
se dissociam. O ar-rei se anuncia.
Sorgue, teus ombros como um livro aberto propagam sua leitura.
Foste, filho, o noivo desta flor de caminho traçado na rocha, que evadia por um
zangão… Curvado, observas hoje a agonia do perseguidor que arrancou do ímã da terra
a crueldade de inumeráveis formigas para arremessá-la em milhões de assassinos contra
os teus e a tua esperança. Esmaga então, uma vez mais, este ovo canceroso que resiste.
Há um homem de pé agora, um homem em um campo de centeio, um
campo como um campo metralhado, um campo salvo.
O estranhamento é provocado pelo tipo de equação
poética. Em parte, a originalidade estilística de René Char nasce da falta de identificação
do comparado ou do motivo da comparação. As metáforas, símiles, analogias e comparações
avançam sem associações imediatas. O sentido surge da compatibilidade entre os termos
sem pares em um todo fragmentado, mas, como já foi dito, alquimicamente coeso.
Depois da sua militância de juventude e das
experiências em combate, Char se reclui e deixa de participar de manifestações públicas,
exceção feita apenas aos protestos contra a instalação de mísseis nucleares no planalto
de Albion. Nas décadas de 1950 e 1960, passa por algumas experiências teatrais e
cinematográficas malsucedidas. Publicou mais de 30 volumes de poesia, crítica e
peças cênicas. Seu estilo nunca deixou de ser cifrado e o mistério sempre foi parte
central da sua mensagem. Diz Char:
No poema cada palavra deve ser empregada quase em seu sentido original.
Algumas palavras, quando separadas, tornam-se plurivalentes. E existem aquelas amnésicas.
[…]
O poeta não retém o que descobre. Uma vez transcrito, o perde em seguida.
Nisso reside a sua novidade, seu infinito e seu perigo. […]
Entre inocência e conhecimento, entre amor e nada, o poeta estende sua saúde
cada dia.
Como se vê, a complexidade desta poesia é
de natureza diversa do hermetismo italiano. Enquanto na Itália os poetas herméticos
reagem à censura valendo-se de um estilo baseado na associação de ideias por justaposição,
esta age em uma dimensão primária, na formação mesma do verso. Char se situa no
magma da compreensão, onde cada coisa é seu próprio enigma. É anterior à representação.
Assim, faz com o verso o que a cor faz com a abstração. O entendimento tem efeito
retardado. E mesmo quando surge, a compreensão não é como se ofuscasse, mas como
o que embaça. Nos seus momentos mais fechados constrói um poema intransmissível
que faz sentido apenas para emoldurar o que permanece oculto. Como na alquimia,
há um uso da escuridão pelo entendimento. Uma estrofe de Char é uma promessa jamais
cumprida realizada pela própria espera.
A série Quatre Fascinants, de 1951, é um exemplo do frágil equilíbrio entre
a objetividade do modelo e a abstração que o expressa.
QUATRE FASCINANTS
LE TAUREAU
Il ne fait jamais
nuit quand tu meurs,
cerné de ténèbres
qui crient.
Soleil aux deux
pointes semblables.
Fauve d’amour, vérité
dans l’épée,
Couple qui se poignarde
unique parmi tous.
LA TRUITE
Rives qui croulez
en parure
Afin d’emplir tout
le miroir,
Gravier où balbutie
la barque
Que le courant presse
et retrousse,
Herbe, herbe toujours
étirée.
Herbe, herbe jamais
en répit,
Que devient votre
créature
Dans les orages
transparents
Où son cœur la précipita?
LE SERPENT
Prince des contresens,
exerce mon amour.
À tourner son Seigneur
que je hais de n’avoir
Que trouble répression
ou fastueux espoir.
Revanche à tes couleurs,
débonnaire serpent.
Sous le couvert
du bois, et en toute maison.
Par le lien qui
unit la lumière à la peur,
tu fais semblant
de fuir, ô serpent marginal!
L’ALOUETTE
Extrême braise du
ciel et première ardeur du jour,
Elle reste sertie
dans l’aurore et chante la terre agitée,
Carillon maître
de son haleine et libre de sa route.
Fascinante, on la
tue en l’émerveillant.
QUATRO FASCINANTES
O TOURO
Nunca é noite quando morres
rodeado por trevas que urram
Sol de dois extremos semelhantes
Fera do amor, verdade na espada
Casal que se apunhala único entre todos
A TRUTA
Margens que esmigalhais adornadas
a fim de alagar todo o espelho
Cascalho onde o barco balbucia
que a correnteza prensa e enovela
Relva, relva, sempre estirada
Relva, relva, sempre e sem pausa
O que é vossa criatura
nas tormentas transparentes
onde a precipita seu coração?
A SERPENTE
Príncipe dos contrassensos, cultiva o meu amor
para evitar seu Senhor que odeio por não ter mais
que inquieta repressão ou suntuosa esperança
Desforra das tuas cores, bondosa serpente
Na felpa do bosque e em todas as casas
Pelo laço que une a luz ao medo
ameaças fugir, oh serpente marginal
A COTOVIA
Extrema brasa do céu e primeiro ardor do dia
Incrustada na aurora canta a terra agitada
Arame de sinos dona do seu alento e livre do seu caminho
Maravilhosa, a matam ao maravilhá-la
Seu verso sempre emana mais do que a leitura
capta de imediato. E quanto mais essa poesia parece feita de uma sucessão de artifícios,
mais ela se opõe à falsificação. Mais verdadeira é.
O poema que segue pertence à fase
tardia de Chants de la Balandrane, de
1977:
ENTRAPERÇUE
Je sème de mes mains.
Je plante avec mes
reins;
Muette est la pluie
fine.
Dans un sentier
étroit
J’écris ma confidence.
N’est pas minuit
qui veut.
L’écho est mon voisin,
La brume est ma
suivante.
ENTREVISTO
Semeio com as mãos
Planto com meus rins
Muda é a chuva fina
Em uma trilha estreita
escrevo esta confidência
não é meia-noite quem quer
O eco é meu vizinho
A bruma me continua
As últimas duas décadas foram de consagração
da sua figura solitária. Teve a rara distinção de ver a publicação de um Cahier de l’Herne dedicado à sua obra em
1971 e das suas Obras Completas na Biblioteca da Pléiade, em 1983. Ambas edições
costumam ser realizadas postumamente.
THOMAZ ALBORNOZ NEVES (Brasil, 1963). É advogado, cineasta, tradutor, ensaísta e poeta. Ao longo de quase quarenta anos, tornou-se um dos mais ativos tradutores de poesia contemporânea para o português. Viveu na Itália, França e Espanha durante seus anos de formação. Fixou-se então no Rio de Janeiro, no norte do Uruguai e finalmente em Livramento. Publicou vários livros, entre eles Renée (1987), Poemas (1990), Golfe (2012), À espera de um igual (2020), Oriente (2021) e 24 verbetes (2022).
LENNIN VÁSQUEZ (Peru, 1978). Artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura. Estudou na Escola Superior Autônoma de Belas Artes do Peru entre 1996 e 2002, onde obteve medalha de ouro em desenho. Suas exposições pessoais incluem Metaphysical Landscapes (2023), Collected Work (2019) Spain, I Have All Nights in My Veins (2018); Delírios Crepusculares (2017); Quadrante dos Sonhos – jardins e labirintos (2015); Vento SURreal (2010); Aos Olhos do Apu (2009); Ritual Beings (2007), entre outras. Desde 1997 expôs coletivamente em dezenas de oportunidades no Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Colômbia e Espanha. Em 2010 realizou mural no encontro internacional Art x Parte em Berazategui, Buenos Aires, Argentina. Seu trabalho está no Museu Belas Artes, Santiago do Chile; Aliança Francesa Lima, Peru; Município de Suba, Bogotá, Colômbia; e Coleção Faber Castell, Lima, Peru. Coleção Mapfre Lima Peru. Lennin possui um traço refinado repleto de referências mitopoéticas, que expressam não apenas sua afinidade com o Surrealismo, como também um universo acentuado por suas origens indígenas.
Agulha Revista de Cultura
Número 222 | janeiro de 2023
Artista convidado: Lennin Vásquez (Peru, 1978)
editor | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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