quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

NICOLAU SAIÃO | Deus e os seus áulicos – Uns breves apontamentos sobre “Religião”

 

1. Jacques Chastel, suscitado talvez por esta quadra, escreveu-me traçando diversas hipóteses sobre religião.

Cito o autor de “La mistyque et l’homme” no texto que me dirigiu: “Só o homem, que tem consciência de si mesmo, desenvolveu religiões. E fê-lo em todas as latitudes e lugares”.

Tal não corresponde à realidade histórica. Com o devido respeito e com exemplos, não é verdade. Mas creio que Jacques Chastel não diz isto por desonestidade intelectual ou perfídia fideísta, mas apenas porque está mal informado.

Vejamos: o Homem não desenvolveu, sempre e em todas as épocas, em consciência e em seu foro íntimo, religiões (formalizadas, reveladas, canónicas) o que é um dado relativamente recente. Na pré-história desenvolveu o que se chama “para-religiões” (vide J. Maringer e E. O. James). Eram totens ou tabus animalistas ou do mundo circundante (vegetais, minerais, de habitat). A conceptualização era-lhes alheia. Só se desenvolveu posteriormente, através de REVELAÇÃO, ou seja e para seguirmos Richard D. Baltrusaitis, “contacto com entidade (“anjo”, personagem ou emanação) inscrita na Realidade”.

Segundo ponto: os índios a partir da região sonoriana não possuíam religião. Criam sim no Grande Mistério ou Grande Medicina, que eram para eles as forças encarnadas da Natureza e do espaço-tempo. O Manitu e quejandos foram criações lexicais dos brancos invasores, primeiro, depois plasmadas no léxico de Hollywood e reproduzidos até à saciedade.

Finalizando: o problema está em que as “religiões reveladas” traduzem SEMPRE uma obrigatoriedade em relação aos interesses (pois é disto que se trata) da Entidade propulsora. Depois mantida, incrementada e, frequentemente e nos casos maléficos, distorcida (no caso do Cristianismo) ou criminal de base (caso do Islamismo). É verdade que o “esquerdismo”, que no fundo tem uma feição Ur-Fascista, e o racionalismo estreito, derrocaram ou tentaram derrocar “religiões reveladas”, criando em substituição preceitos tão ou mais nefastos. E isso porquê? Porque os seus próceres visavam - tal como os próceres das “religiões reveladas” - USAR o vulgus pecus para os seus fins (não já para amarem e obedecerem ao “Senhor” mas sim ao partido ou ao Chefe).

O Futuro, impreterivelmente, trará o verdadeiro racionalismo, que é o que em sã existência recusa umas e outras, de forma realmente consciente. E quem, de forma cínica, achar que o Homem tem de ser um “símio di Dio”, é tão criminal como os que queimavam “hereges” ou rebentam com pessoas/colectivos de Outro Cariz. Ou os metiam na Lubianka apenas por rezarem (os totalitarismos equivalem-se). Por último, quando uma pessoa, posta entre a possibilidade de salvar um filho/uma esposa ou, benevolente, 200 ou mil pessoas alheias, opta por salvar um filho/uma esposa - não o faz por ser SEU/SUA, mas sim por o/a AMAR. Além disso o exemplo é isso, um exemplo apenas. Ou seja, uma “realidade construída” como exemplo propositivo. Que não tem incursão cognitiva na Realidade, social ou formal, mas apenas no campo da “hipótese de trabalho”. E é disto que parte a opinião global, que aliás respeito mas da qual tenho de, urbanamente, discordar de Jacques Chastel.

 

2. Cito Pedro Heitor de Lara: “Vejo, claramente visto, que o homem necessita de acreditar em algo maior do que ele, que não é só razão”.

 É a opinião dele - e nada mais. Não tem valor probatório POR SI MESMA. E isto, também, porque não sendo o Homem só razão, não se segue que tenha, por isso, de se entregar à crença, À SUBMISSÃO, porque é disso que se trata, aos conceitos e fideísmos dos que num deus acreditam e MANDAM NO MUNDO MENTAL E ÍNTIMO A ESSE PRETEXTO. Mas de facto é nisto que bate o ponto: a crença num Deus ter de ser seguida da Obediência aos seus áulicos. O mal não está pois em deus, eu por exemplo dou-me perfeitamente com “Deus” (a ideia da Imanência), o mal está nos que falam em seu nome e, autoritariamente, acham que a sua é a voz de Deus… (Já se percebeu que isso não passa dum truque, duma insolência, duma fraude). Tão grave no Cristianismo como no Islamismo ou noutra religião qualquer. O acrescento de maldade vem disto: no Cristianismo não és imediatamente preso ou abatido; no Islamismo sim.

Mas, seja no intuito de, por exemplo, um Manuel Clemente (nexo positivo) ou no de um mullah (nexo autoritário), ou doutra qualquer entidade hierárquica, o que se pretende na realidade indubitável é que o ser humano creia, pratique e viva conforme o ditame dos antístenes. As nuances apenas teatralizam o que se segue. E, por último e por exemplo dum outro fideísmo (laico), o regime nazi não era uma democracia, sequer um republicanismo como por exagero (?) Pedro Heitor sugere ou diz a dado passo: era uma ditadura tendencial que, antes de se ter firmado, APROVEITOU um detalhe eleiçoeiro (republicano), que nem sequer foi livre. Goering, mestre de más mestranças, disse-o num comício da cervejaria da Unter den Linden:”Aproveitaremos as facilidades e normas da democracia de Weimar para os destruirmos mais depressa”. O problema, portanto, não é a falsa democracia nem sequer Cristo: é os falsos democratas e os falsos adeptos do Galileu. E, claro, o “autoritarismo de base” que toda a IGREJA assume e tenta perpetuar.

Daí os massacres, daí as prepotências, daí a infâmia real que toda a Religião Revelada traz consigo e a História documenta.

E Deus está tão longe, no empíreo… É-lhes fácil assim manejarem e tripudiarem em seu nome. Pois Fátimas e quejandas não são apenas uma burla, são um aproveitamento indecoroso, de tal forma que a própria ICAR não as toma como dogma. Mas, após Woityla, o falso santo, estimulam-na de forma impositiva/autoritária habilidosamente. Pois não…

 

3. Falando sem partis-pris, como hipótese filosófica decorrente das investigações de ponta, ponhamos esta proposição, para situarmos os conceitos numa plataforma não mística: as religiões são construções do Homem, que interpretando, sem na altura possuir linguagem tecnológica suficiente, certos acontecimentos ou contactos (hoje já admitidos plenamente pela ICAR, vide a declaração do teólogo Michel Frumser com apoio de João XXIII) deram feição de Deuses, Deus, etc. a entidades in loco provindas do outer space.   

Nesta perspectiva, a superioridade cultural de esta ou daquela religião (neste caso do Cristianismo, efectivamente e apenas) parte dum postulado racional/conceptual que reconhece valor ao ser humano como ser criado em liberdade por “Deus” (o livre-arbítrio, que é o mais saudável valor da “religião cristã”) o mais importante papel de dignidade desse Cristianismo inscrito num polo de razão. Se por vezes e em épocas bem determinadas houve Antístenes e sacerdotes que o desrespeitaram (Inquisição, brutalidade obscurantista, etc) isso é um dado à revelia da evangelização do aceitado Nazareno. 

Segundo ponto: por seu turno, o Islão preceitua a “obrigatoriedade total” do crente. Não existe, nele “espaço de fuga”. É, pois, um conceptualismo totalitário, ocupando a TOTALIDADE DO SER NO CRENTE. Os islamitas ditos moderados, ou tolerantes, são pois o que se diria maus muçulmanos. Uma vez que, neles, existem frestas criadas ou por interesses próprios ou, então, por estratégia política da agremiação civil ou nacional a que estão ligados.

Daí que Carl Heinzenfeld, no seu monumental estudo sobre as religiões reveladas, tenha caracterizado o Islamismo, no fundo, como uma política, sim, travejada por uma pátina “fideísta” para agregar os fiéis, que em última análise são encarados como SOLDADOS DO CALIFADO PUTATIVO.

Assim, é um absoluto contrasenso falar-se em Islamismo Democrático, como seria absurdo falar-se em tigres vegetarianos.


Não esqueçamos que A QUESTÃO RELIGIOSA SE PASSA TODA NESTE LADO DA VIDA, tem portanto uma existência histórica E SÓ HISTÓRICA. São os homens que aceitam ou recusam os maneios religiosos, não o Deus cristão contra o Deus islâmico ou outros quaisquer, como é óbvio. Só nas lendas construídas (ou nos relatos mal compreendidos) é que um deus vem lutar a favor deste ou daquele campo…

A religião cristã pode ser metafisicamente falsa, mas o seu cânone consegue conviver com a modernidade, a própria razão e os direitos humanos. A islamita, não. Daí que, se o ocidente tiver a inteligência e a decisão de resistir ao atual arranque muçulmano, que é ajudado pelo “esquerdismo” que se reivindica de marxista sem de facto sequer o ser, será uma questão de tempo a DERROCADA COMPLETA DO ISLAMISMO FUNDAMENTALISTA E MESMO DO QUE SE DISFARÇA DE “TOLERANTE”.  

E isto porque as contradições internas dos apaniguados de Mafoma, o avanço científico E PRINCIPALMENTE TECNOLÓGICO, estilhaçarão os dogmas corânicos, que NÃO PARTEM DO DEVIR HUMANO MAS DA SUA SUPRESSÃO IDEOLÓGICA E SOCIAL.

Os mais inteligentes dos chefes islâmicos e marxianos já o perceberam, daí a pressa e o ímpeto que põem na sua evangelização. Eles sabem que O TEMPO TRABALHA CONTRA OS SEUS IDEÁRIOS. É preciso, portanto, mantermo-nos de olhos abertos e lucidamente estimularmos a democracia!

 

4. Cito: “Quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem”. (Chesterton)

Esta frase é apenas um tour de force dum católico “benignamente anarquista” como lhe chamou Hilaire Belloc, que de acordo com o catolicismo conservador ou ortodoxo se tratava de um “mau católico” e que era na realidade um homem de bem que, vergastado pelo protestantismo inglês tradicionalmente brutal e ávido nas classes de topo, se mudou então para a ICAR por ingenuidade conceptual, felizmente ultrapassada com pujança legítima pelo seu espírito indagador.

Mas o melhor está em que GKC põe, a despeito de si mesmo e num lapsus lingua delicioso, o dedo na ferida: a bobagem que a ideia de Deus é.

Mas eu diria: pior que bobagem, o tombo num buraco de mentira e hipocrisia que isso é realmente, provindo desse Deus forjado pela impostura, frequentemente violenta e violentadora - e impositiva desde o início - que o catolicismo (como aliás TODAS as religiões) foi quer histórica quer “evangelicamente”.

E veja-se o que dele sempre resultou, como aliás das outras confissões: recalcamentos, danos mentais, crimes pessoais e coletivos, paranoia e esquizofrenia social (seja a pedofilia fideísta, seja as diversas monomanias “religiosas”).

As religiões não passam de encenações políticas, tal como os seus colegas laicos (comunismo, fascismo etc).

 Tão opressivos, no fundo, como eles et pour cause…

 

5. Em tempo de Coronavírus é também importante combater o vírus da beatice.

Há, na verdade, muitos vírus que durante demasiado tempo têm prejudicado a humanidade. 

Um deles é o vírus das burlas que, incrementadas por instituições “religiosas” e seus áulicos, manipulam o ser humano no sentido de o controlarem e se servirem dele como objecto do seu poder discricionário e totalitário, abusando sem ética da sua boa-vontade e da sua inocência ante os conceitos mais profundos que espiritualmente lhe são próprios.

Em 2010, o especialista em hebraico e grego Doutor Mauro
Biglino - depois de durante algumas décadas ter traduzido para as Edições São Paulo diversos textos a partir do original hebraico - deu-se conta de que algo não batia certo: as Bíblias que temos em casa, mediante traduções orientadas e organizadas de forma capciosa pela teologia, muitas vezes através de interpolações falsas e posteriores, estabeleciam um relato ora insensato ora tendencioso visando encenar sobre o chamado Cânone uma historieta tendo como figura central uma personagem alcandorada em deus do qual, a partir daí, surgiria como consequência uma religião – primeiro com o paulinismo e depois com o constantinismo – que se constituiria como o sujeito e o âmago do mundo ocidental e, seguidamente, tentou e ainda tenta dominar o universo, espalhando-se (por vezes mediante violência) pelos outros continentes e civilizações.

Mauro Biglino, num acto vincadamente demopédico, correndo os riscos de ser caluniado, difamado e até ameaçado na sua existência pelos próceres vaticanistas e derivados, iniciou um trabalho de base que consiste apenas nisto: ler e dar a ler o conjunto de livros, denominados Bíblia, na sua integridade e realidade conceptual, sem as fantasias que os teólogos, a princípio com ingenuidade convenhamos, mas seguidamente com impostura e autoritarismo astucioso, têm cinicamente proposto à Humanidade.

Claro que, a partir daquela data, o Autor de diversos livros iluminantes (“A Bíblia não é um livro sagrado”, “A Bíblia não fala de Deus”, “O falso Testamento”…), não mais pôde publicar qualquer trabalho na Editora São Paolo. Mais: ainda que atacado ferozmente pelos beatos e outros burlões fideístas - e dado que hoje já não é viável a Inquisição oficial, pois vive-se em democracia e as suas constituições não impõem o imperativo papal, antes defendem a liberdade de expressão e opinião – Mauro Biglino tem efectuado conferências sucessivas em diferentes partes do mundo, nas quais com respeito e tranquilidade – apanágio dos espíritos éticos e superiores – tem dado nota das suas constatações e descobertas. Não defendendo, sublinhemo-lo, nenhuma tese – mas “limitando-se” à leitura sem efabulações fantasistas e mentirosas do que naquela originalmente está posto.

O que basta, é o suficiente, para desvelar a impostura secular.

O vídeo que aqui se deixa, com o abraço a todas as sãs consciências dos confrades, conta com a tradução das legendas da publicista brasileira Jussara Matana e tem estado patente no Youtube, bem assim como diversas outras conferências e entrevistas do estudioso italiano, que vos suscitamos a ver.

                                                       

NÓTULA

O vídeo que é referido neste texto foi retirado do Youtube posteriormente. Pode, no entanto, ver-se na página oficial, ali presente, do Doutor Mauro Biglino.

 

 


NICOLAU SAIÃO (Portugal, 1949). Poeta, ensaísta, tradutor. Participou em mostras de Arte Postal em países como Espanha, França, Itália, Polónia, Brasil, Canadá, Estados Unidos e Austrália, além de ter exposto individual e colectivamente em lugares como Lisboa, Paris, Porto, Badajoz, Cáceres, Estremoz, Figueira da Foz, Almada, Tiblissi, Sevilha etc. Em 1990 a Associação Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio Revelação/Poesia ao seu livro Os objectos inquietantes (1992). Autor ainda de Assembleia geral (1990), Passagem de nível (1992), Flauta de Pan (1998), Os olhares perdidos (2001), O desejo dança na poeira do tempo (2008), Olhares perdidos (2007), O armário de Midas (2008), As vozes ausentes (2011), Escrita e o seu contrário (a sair). Prefaciou os livros Mansões abandonadas, de José do Carmo Francisco, Fora de portas, de Carlos Garcia de Castro, Estravagários, de Nuno Rebocho e Chão de Papel, de Maria Estela Guedes. Fez para a Black Sun Editores a primeira tradução mundial integral de Os fungos de Yuggoth, de H. P. Lovecraft (2002), que anotou, prefaciou e ilustrou, o mesmo se dando com o livro do poeta brasileiro Renato Suttana, Bichos (2005). Organizou, coordenou e prefaciou a antologia internacional Poetas na surrealidade em Estremoz (2007) e co-organizou/prefaciou Na Liberdade – poemas sobre o 25 de Abril. Com Mário Cesariny e Carlos Martins, colaborou na efectuação da exposição “O Fantástico e o Maravilhoso” (1984) e, com João Garção, levou a efeito a mostra de mail art “O futebol” (1995). Concebeu, realizou e apresentou o programa radiofónico “Mapa de Viagens”, na Rádio Portalegre (36 emissões). O cantor espanhol Miguel Naharro incluiu-o no álbum Canciones lusitanas. Tem colaborado em espaços culturais de vários países. Em 1992 o município da sua terra natal atribuiu-lhe o galardão de Cidadão Honorário e, em 2001, a cidade de Portalegre comemorou os seus 30 anos de actividade cívica e cultural outorgando-lhe a medalha de Mérito Municipal.

 

 

 

JULIA MARGARET CAMERON (Índia, 1815-1879). Um dos melhores exemplos de acaso objetivo encontramos na biografia desta fotógrafa, a quem sua filha lhe presenteia uma câmara quando Julia completa 48 anos. Era a sua primeira máquina e até o momento ela não havia despertado o mínimo interesse pela fotografia. Curioso prenúncio de sua filha, o fato é que sua imediata dedicação, ajudada por um amigo, a levou rapidamente ao domínio do processo do colódio úmido – clássico processo fotográfico que se encontra nos primórdios da fotografia –, começando assim a sua carreira fotográfica. De imediato ela transformou um galinheiro em improvisado laboratório e em estúdios algumas dependências da sua casa. O resultado dessa sua identificação foi a criação de um estilo muito próprio baseado em longos tempos de exposição, na falta de nitidez provocada por um rápido desfoque, assim como na supressão de detalhes, nas manchas provocadas pelo modo irregular de como aplicava o colódio úmido e na utilização do simbolismo da iluminação. Caracterizou-se então por sua escolha de trabalhar com retratos – em especial os retratos de mulheres – e as cenas alegóricas, o que a situa como uma precursora da recriação de cenas vivas aplicadas à fotografia. Acerca de seu trabalho ela mesma diria: Eu ansiava por prender toda a beleza que viesse até mim, e por fim o desejo foi satisfeito. Nossa homenagem a essa brilhante fotógrafa, que é nossa artista convidada.

 

 




Agulha Revista de Cultura

Número 224 | fevereiro de 2023

Artista convidado: Julia Margaret Cameron (Índia, 1815-1879)

editor | FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2023

 


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