quinta-feira, 22 de junho de 2023

MÁRCIA PFLEGER | As vicissitudes da Arte e da Literatura no século XXI




Num século regido pela velocidade com que as coisas se tornam obsoletas e são substituídas, em que novidades vêm de todos os lados – e não vêm sozinhas, porque já chegam com tribos efervescentes, tanto de adeptos quanto de opositores – é delicado falar de perspectivas na arte atual. 

Nem todas as previsões são cabíveis. Por exemplo, assim como o cinema não morreu com o surgimento das plataformas de streaming, o livro impresso não dá mostras de finado com o advento dos e-books. E é especialmente sobre livros e literatura que gostaria de discorrer.

Primeiramente, falo sobre as tecnologias incorporadas ao livro no final do século XX e início deste. Apesar da nostalgia que ainda evoca a máquina de escrever, praticamente toda literatura produzida atualmente é escrita num computador – do mesmo modo que, um dia, a pena de ganso acabou substituída pela máquina de escrever. Quiçá, uma nova tecnologia, que transporta em tempo real diretamente para um livro o que é ditado pelo autor, torne-se popular mais adiante. Tudo isso são facilidades e, como tais, chegaram para ficar – e serem substituídas em seu devido tempo. Nada de apegos até aqui.

Outro aspecto a considerar é a Inteligência Artificial (IA) presente cada vez mais no dia a dia, que permite às máquinas “aprenderem” com a experiência, fazerem adequações e entregarem performances semelhantes aos seres humanos. Para a literatura, a IA chamada GPT-3, criada pela empresa OpenAI, por exemplo, pode gerar textos de forma autônoma, com vários estilos e temas diferentes.  

Então, a criatividade humana iria ribanceira abaixo, substituída pela máquina? Negativo, pois o que nos impede de usar isso como uma espécie de braimstorm cibernético? Não poderíamos nós, autores humanos, analisarmos esses conteúdos multivariados e, a partir daí, criarmos algo novo, totalmente diferente do que foi apresentado pela IA, mas que funcionou como um insight e nos impulsionou a novas ideias?  Ela é apenas outro instrumento, outra facilidade e, ao que parece, veio para ficar. Nada de histeria até aqui.

Com uma IA também é possível analisar dados de como o leitor interage com um livro, o que permitiria ao autor ajustar sua escrita para atender melhor às expectativas do público. Os algoritmos já fazem isso para o marketing e as vendas. Além disso, caso fosse um e-book, há possibilidades de criar ambientes de realidade virtual, enriquecendo a experiência de leitura, permitindo que os leitores vejam os personagens do livro em ação, num ambiente imersivo. E não poderia isso ser usado como uma das estratégias para ajudar a incentivar aqueles jovens que leem pouco hoje em dia? Incorporar conteúdos desse naipe agora é possível.

Já que acabamos falando de conteúdos na literatura contemporânea, vamos continuar nosso voo sobre eles...


O ecletismo e as múltiplas possibilidades 

Com o volume caudaloso de informações de que dispomos hoje, seria impossível que a literatura contemporânea não fosse predominantemente eclética, em seus temas e sua estética. Absorvemos tendências, linguagens, ideias... Experimentamos se gostamos de tal coisa ou não (talvez, por isso, algumas coisas se mostrem rapidamente tão descartáveis), temos acesso aos mais variados temperos, bebemos de várias caves, promovemos os escambos mais requintados ou vulgares, mas contamos com um vasto repertório de experiências. E todas elas enriquecidas por uma cultura, uma crença, uma política, uma coloração vinda dos mais diversos lugares. 

Como não se dar ao luxo de ser eclético diante de toda essa liberdade e diversidade? 

Na poesia, embora todo o cuidado seja pouco para não cair no "nonsense" ou na verborragia aleatória, algumas características se sobressaem como: o uso de referências atualíssimas (internet, eletroeletrônicos, nomes de banda ou marcas de produtos, paisagens urbanas, cidades do mundo todo, etc.); a subversão da pontuação; cenas banais/corriqueiras para sacadas sensacionais; metáforas atreladas a elementos atuais; a liberdade de usar ou não rimas, usar ou não palavrões, palavras fora de moda ou expressões estrangeiras. 

Nesse último caso, impossível ignorar o idioma inglês, presente em expressões, gírias e fetiches da fala. Segundo Luiza Vilela Sposito, mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-RJ, a geração de poetas que começou a escrever na virada do século XX para o XXI, “foi criada num Brasil pós-ditadura e pós-abertura econômica em que a televisão, o cinema e a música fizeram do inglês uma espécie de língua franca do entretenimento”. E cita que o inglês é hoje mais um item na prateleira daquilo que o professor, escritor e tradutor Paulo Britto definiu como um “supermercado inesgotável de formas e posturas, temas e ritmos” que se faz disponível aos poetas contemporâneos. O desafio do poeta hoje seria, segundo ele, o “de levantar o imenso inventário de experiências da modernidade e dos períodos anteriores e utilizá-lo criativamente”.

E quanto à crítica literária, quem opina hoje em dia sobre a literatura? Os próprios leitores. Existe uma participação mais ativa deles. A crítica literária especializada não é mais a única referência – os próprios leitores trocam mensagens entre si, tecem elogios ou desafetos sobre uma obra, há salas de discussão, clubes do livro, blogs, comunidades, etc. Tudo isso faz parte do que hoje é consumido como literatura.  Essa literatura que é eclética, diversificada e inquieta, na medida em que reflete um mundo que parece agora estar mais convencido da diversidade de suas vozes e tons. 


A vez e a voz das mulheres 


Atento agora para um aspecto bem importante: não há muito tempo, uma escritora britânica foi incentivada a assinar sua criação com um nome que não “delatasse” que a obra fora escrita por uma mulher. Ela se chamava Joanne Kathleen Rowling e o livro era o primeiro da saga Harry Potter. Como disse, não faz muito tempo... Igual um espasmo do século XIX, essa ainda era a realidade recente das mulheres que desejavam ser escritoras.
Agora, as mulheres têm não apenas se destacado, como também levantado sua voz com mais vigor. E este também é um movimento atual que veio para fincar uma bandeira: a literatura feita por mulheres ganhou visibilidade e força. Não tem mais volta: só tem avanço. É outro fato que veio para ficar. 

Não quer “passar a perna” na literatura feita por homens e nem derrubar ninguém, mas sim ter seu merecido reconhecimento. E bons nomes não faltam como: Alice Munro (primeira vez que o Nobel foi entregue a um escritor de contos – lembram-se de que nem Jorge Luis Borges, célebre no gênero, foi agraciado com o prêmio?); a ucraniana Svetlana Aleksiévitch (outro Nobel); e a também premiada Chimamanda Adichie, só para citar algumas. Porque a lista de escritoras talentosas, brasileiras ou estrangeiras, seria imensa para caber aqui. 


Conclusão

Seja por meio da diversidade a que temos acesso, seja por meio de novas tecnologias que chegam, seja pelo acolhimento de outras vozes (mulheres, quilombolas, indígenas ou o que for), o espaço das artes e da literatura parece ter se expandido – embora essa condição não agrade a todos, por serem mais puristas ou mais tímidos.

Fora essas poucas previsões acima, o resto ainda parece estar fervilhando, movediço, irrequieto, para nos lembrar que o século XXI trouxe para a Arte uma diversidade de cores nunca vista. Se ficarmos atentos saberemos como observar e abraçar isso de acordo com o que esse novo tempo nos solicita. 

Podemos girar esse caleidoscópio e perceber suas possibilidades, ou podemos afastá-lo dos olhos.









Márcia Pfleger é escritora, tradutora e jornalista brasileira, de Curitiba (Paraná). É formada em Comunicação Social – Jornalismo, pela PUC/PR, com graduação em Gestão da Comunicação, pela FGV/SP. Em 2015, lançou seu livro de estreia, “Caneca de Café com Versos”, pela Editora 7Letras. Tem poemas e contos publicados em diversas revistas, jornais e sites de Artes e de Literatura nacionais e internacionais. Foi um dos destaques citados no Dossiê Woolfianas – Mulheres que Escrevem nos Séculos XX e XXI, organizado pela Universidade Federal do Paraná-UFPR, e finalista do Prêmio Off Flip 2020, na categoria Poesia. Também integra a coletânea nacional “As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira”, organizada pelo jornalista e poeta paulista Rubens Jardim.  Em dezembro de 2020, lançou seu segundo livro, “Camélias Afônicas”, um ebook pelo selo das Edições Marianas, que apoia a escrita produzida por mulheres. 




MARIE DE VALON (Francia, 1948). Formada en la Ecole d’Art Martenot de París y ganadora de numerosos premios de exposiciones en Francia y en el extranjero, la mayor parte del trabajo de Marie de Valon encuentra su fuente en la naturaleza y su filosofía de vida. Inspirada por sus numerosas estancias en Florencia, Marie de Valon expresa la riqueza de la campiña toscana en sus primeras obras. En sus esculturas, Marie de Valon exalta su alegría por vivir; los cuerpos en volúmenes acurrucados parecen esperar la mano que los acaricie. Su arte profundamente humano nos conmueve, nos reconcilia con la Realidad. La pintura abstracta de Marie de Valon es un viaje sutil que parte de la Realidad. Marie de Valon combina un gesto de tradición con la creación contemporánea. Se produce un diálogo entre la materia y los gestos para dar forma a la emoción. Marie es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.



Agulha Revista de Cultura

Número 232 | junho de 2023

Artista convidado: Marie de Valon (França, 1948)

editora | ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2023 

 


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