quinta-feira, 15 de agosto de 2024

ANDRÉ PARINAUD | André Breton, La Révolution Surréaliste e os direitos do homem

 


ANDRÉ PARINAUD | Hoje abordaremos uma das fases essenciais de seu movimento, que está marcada pela publicação da revista: La Révolution Surréaliste. Sabemos qual é sua posição de rebeldia, rebeldia ao mesmo tempo poética, moral e política. O primeiro número da revista testemunha suas resoluções contidas nesta peremptória declaração: É preciso obter uma nova declaração dos direitos do homem. Creio que a melhor forma de compreender seu pensamento nesse momento é precisar o sentido exato que você dá a essa expressão.

 

ANDRÉ BRETON | No momento em que apareceu o primeiro número de La Révolution Surréaliste – ou seja, ao final de 1924 – se obteve a unanimidade de seus colaboradores nos seguintes pontos: o mundo chamado cartesiano que lhes rodeava era um mundo insustentável, mistificador sem humor, contra o qual estavam justificadas todas as formas de insurreição. Toda a psicologia do entendimento era discutida. Por sua vez havia uma categórica negativa a admitir tudo o que se havia elaborado a partir de um ponto de vista puramente cordial do espírito. Seu amigo Ferdinand Alquié, em um texto muito sagaz intitulado “Humanismo surrealista e existencialista”, e recopilado, em 1948, em Les Cahiers du Collège Philosophique, expõe da melhor forma o problema: Declarar que a razão é a essência do homem, significa, desde já, cortá-la em dois pedaços, coisa que não deixou de fazer a tradição clássica. Esta distinguiu no homem o que é razão e que, portanto, é verdadeiramente humano, e o que não é razão e, por isto mesmo, parece indigno do homem, instintos e sentimento. Toda a lição de Freud que era, cada vez mais, neste terreno, nosso guia, estava presente para nos indicar o perigo mortal que este corte, que essa excisão entre as forças chamadas da razão e paixões profundas, mesmo quando estivessem dispostas a se ignorarem mutuamente, fazem correr o homem. O único recurso era, naturalmente, opor-se às exorbitantes pretensões desta razão que, em nossa opinião, havia usurpado o lugar da autêntica razão, e também subtrair dos processos de rejeição, o que os torna mais nocivos, os impulsos e os desejos. Na medida em que a antiga razão era por nós desprovida do poder absoluto que se havia arrogado durante séculos, resulta compreensível que os deveres que contribuía a impor ao homem no plano moral perderam para nós qualquer justificação. Não quero dizer com isto que fomos impulsionados a nos situarmos à margem da lei, mas sim unicamente que formulávamos sobre esta mesma lei umas reservas concretas. Nós aproveitaríamos todas as ocasiões de encontrá-la em falta, até que outra razão, autenticamente baseada, a substituísse. Tal é o sentido com o qual se deve entender a declaração que figura na capa do primeiro número de La Révolution Surréaliste: É preciso obter uma nova declaração dos direitos do homem.

 

AP | Você poderia nos esclarecer um ponto importante: o grupo surrealista se mostrava unânime em sua ambição revolucionária?

 

AB | Quer se trate da firme intenção de romper o racionalismo fechado, como da contestação absoluta da lei moral em curso, assim como também do projeto de libertar o homem mediante a utilização da poesia, do sonho, do sobrenatural, ou do afã de promover uma nova ordem de valores, em todos esses pontos nosso acordo era total. Porém, sobre os meios para alcança-los, não deixaram de apresentar-se algumas divergências, derivadas da complexão psicológica de cada um de nós.

 

AP | Nessa época, qual era a posição de Aragon no grupo?

 

AB | Aragon? Continuava sendo tal como o apresentei anteriormente: sempre gostava dos acrobatas; ninguém melhor do que ele para captar a situação; ainda não havia acabado de decidir uma coisa, mesmo contrário à sua opinião, como por exemplo subir uma colina, e ele já estava no cume… A opinião geral, entre nós, era que continuava sendo demasiado literato: inclusive quando passeava conosco pela rua, era muito raro que não nos lesse um texto seu, estivesse acabado ou não. Fatalmente, esses textos foram cada vez mais caricatos; mesmo assim, ele gostava muito, quando os dizia nos cafés, sem perder nenhum de seus gestos refletidos nos espelhos. Nessa época isto era considerado unicamente como um defeito e prejudicava ligeiramente suas intervenções, que eram sempre notavelmente inteligentes e sutis.

 

AP | A atitude de Éluard estava também um pouco afastada de sua concepção de La Révolution Surréaliste, você não acha?

 

AB | A participação de Éluard na atividade do grupo, por mais constante que fosse, não deixava de transparecer alguma reticência: entre o surrealismo e a poesia, no sentido tradicional da expressão, é muito provável que fora esta última aquela que lhe aparecesse como um fim, o que – de um ponto de vista surrealista – constituía uma grande heresia (desnecessário dizer, com efeito, que a estética que queríamos proscrever, entrava uma vez mais plenamente por essa porta). Que as intenções de Éluard se mantivessem à margem dos objetivos do Manifeste, isto se viu claramente no rogo que se publique de seu livro Les Dessous d’une vie ou La Pyramide humaine, publicado em 1926, em que se esforçava por estabelecer uma distinção entre o sonho, o texto automático e o poema, atribuindo maior importância a este último. Esta divisão por gêneros, com sua acentuada predileção pelo poema como consequência de uma decisão bem definida, isto me pareceu em seu conjunto, isto me pareceu super-retrógrado e em contradição formal com o espírito surrealista. Evidentemente, isto não desmerece em nada as qualidades sensíveis que serviram para impor a personalidade de Éluard.

 


AP | Como foi apresentado o primeiro número? Quais eram, na sua opinião, seus centros de interesse?

 

AB | A princípio, a revista fez finca-pé no surrealismo puro – o surrealismo, digamos, em seu estado nativo – e é o que nos levou a confiar a direção a Pierre Naville e Benjamin Péret, que naqueles momentos podiam ser considerados como os mais plenamente animados pelo novo espírito e os mais rebeldes a toda concessão. Devo apontar que os primeiros números de La Révolution Surréaliste não incluem poemas, porém em troca abundam ali os textos automáticos e as narrações de sonhos. Se remeto à situação daquele momento, tal como resulta da interação das correntes que antes mencionei, eis aqui como eram apresentadas em largos traços:

A corrente lírica seguia com seu ímpeto, tantos nos prolongamentos do romantismo, com Desnos, ou com Baron, no sentido da expressão burlesca e confusa ao máximo preconizada por Rimbaud, ou com Éluar, que havia ajustado sua forma de atuar interiormente à de Baudelaire. Michel Leiris compartilhava com Desnos o desejo de intervir e operar sobre a própria matéria da linguagem, obrigando as palavras a revelar sua vida íntima e trair o misterioso comércio que levam a caba à margem de seu próprio sentido. Desde esse ponto de vista seu mestre, e o nosso, era, naturalmente, Raymond Roussel. Nossas reiteradas solicitações de que este último colaborasse não receberam, com grande decepção por nossa parte, nenhuma resposta. Com o tempo fomos compreendendo que Roussel estava comprometido com uma obra totalmente individual que não suportava nenhuma abertura para o exterior. Mesmo atualmente se está muito longe de haver compreendido o significado e alcance de semelhante empresa. Porém, de todas as formas, nossa admiração por Roussel não se viu afetada; com idêntico entusiasme que a princípios de 1924 fomos os únicos que acolhemos com fervor sua obra L’Êtoile au front. Também seríamos os únicos, em 1926, em aclamar Poussières de Soleil.

 

AP | Porém, além do caso de Roussel, não solicitaram outras colaborações? Creio que essa eleição poderia nos aclarar ainda mais a sua posição.

 

AB | Entre as colaborações desejadas, não vejo mais que uma das que nos faltaram: a de René Guénon.

Certamente não tínhamos demasiados títulos para pretendê-la, porém, no entanto, nos decepcionou que não tivesse colaborado. De qualquer modo, é muito sintomático que tenhamos a ele nos dirigido. Isto seria suficiente para demonstrar que, desde esse momento, nos sentimos atraídos pelo pensamento chamado tradicional e queríamos honrá-lo em sua própria pessoa. Creio que, entre todos nós, os mais inclinados para essa ideia eram então Artaud, Leiris e eu próprio, embora fosse Naville que tenha proposto escrever a Guénon. É curioso conjeturar agora em que teria sido diferente o surrealismo, caso Guénon não se houvesse negado a colaborar…

 

AP | Já que você citou o nome de Antonin Artaud, creio que os ouvintes não me perdoariam caso eu não pedisse que você evocasse sua altiva figura e nos explicasse a sua contribuição com o movimento surrealista.

 

AB | Havia passado muito pouco tempo desde que Antonin Artaud se unira a nós, porém ninguém havia posto, mais espontaneamente ao serviço da causa surrealista, todos os seus meios, que eram grandes. No passado, seu fiador por excelência – e nisto se assemelhou a Éluard – era Baudelaire, porém se Éluard buscava seu bem-estar no Le Beau navire, Artaud saboreava muito mais sombriamente Le Vin de l’assassin. Talvez tinha mais conflitos com a vida que nós. Muito agraciado, como o era então, arrastava atrás de si, ao deslocar-se, uma paisagem de novela negra, toda ela atravessado por relâmpagos. Estava possuído por uma espécie de furor que não perdoava, por assim dizê-lo, a nenhuma das instituições humanas, porém que podia, em algumas ocasiões, desembocar em um riso que destilava todo o desafio de sua juventude. Este furor, mediante o surpreendente poder de contágio que possuía, influiu profundamente no caminho empreendido pelo surrealismo, nos impulsionou a correr verdadeiramente todos os riscos, a atacar pessoalmente, com discrição, tudo aquilo que não podíamos sofrer.

 

AP | Como se manifestou essa vontade de combate? Contava com a adesão de todos?

 


AB | O tom dos diversos textos individuais ou coletivos publicados durante o ano 1925 demonstra palpavelmente o endurecimento de nossa postura. Uma Oficina de investigações surrealistas foi aberta no número 15 de rue de Grenelle e seu objetivo inicial era recolher todas as comunicações possíveis, referentes às formas que podia adquirir a atividade inconsciente do espírito. Esta oficina, frente ao número de curiosos e de importunos que a assediavam, teve que rapidamente fechar suas portas ao público. Artaud, que assumiu sua direção sucedendo Francis Gérard, se esforçou por convertê-la em um centro de readaptação à vida. Em suas paredes foram fixados os primeiros quadros de Chirico, que gozavam de um indiscutível prestígio entre os surrealistas, e havia também moldes de corpos femininos. Entre aqueles a quem não assustavam as atividades subversivas devemos ressaltar a passagem por aquela oficina de Valéry e Fargue.

Naquele momento foram publicados, com o impulso de Artaud, textos coletivos de uma grande veemência. Enquanto os papillons surrealistas, que haviam partido dois ou três meses antes da Oficina de investigações, pareciam ainda duvidar sobre o caminho a empreender (poesia, sonho, humor etc.) e que, ao final de contas, eram dos mais inofensivos, esses textos adquiriram bruscamente um ardor revolucionário. Tal é o caso da “Declaração do 27 de janeiro de 1925”, da qual se intitula “Abram os cárceres, aposentem o exército”, dos chamamentos “ao Papa” e “ao Dalai-Lama”, das cartas “aos reitores das universidades europeias” e “às escolas budistas” e da “carta aos médicos diretores dos asilos mentais” que podem ser lidos na obra Documents surréalistes. A linguagem estava desprovida de tudo o que podia lhe emprestar um caráter ornamental, se subtraía à onda de sonhos de que falava Aragon, e queria ser agudo e brilhante, porém brilhante como uma arma. Gosto desses textos, particularmente aqueles em que se via mais claramente a influência de Artaud. Uma vez mais estou valorando em função de seu próprio destino a grande parte de sofrimento que nele motivava a rejeição quase absoluta, que era também o nosso, porém que ele era mais apto, e o mais ardente, em formular.

No entanto… embora eu participasse totalmente do espírito que os animava – esses textos eram, por outro lado, o fruto de extensas mudanças de impressões entre a maioria de nós – e eu tivesse muito poucas reservas a fazer acerca de seu conteúdo, nem por isto deixei de inquietar-me rapidamente pela atmosfera que criavam. Pelo próprio fato de que sucederam com muito breve intervalo e que esta atividade de grande polêmica tendia necessariamente a passar à frente de todas as demais, eu tinha a impressão de que, sem sabê-lo, estávamos em um estado febril e que o ar estava ficando viciado ao nosso redor. Ao considerá-los agora de mais perto, capto melhor as minhas reticências, que naquele momento me resultavam obscuras. Esse caminho, semi-libertário, semi-místico, não era totalmente o meu e às vezes eu o considerava mais como um beco sem saída do que propriamente um caminho (eu não era tampouco o único a crer nisto). O lugar em que introduz Artaud me deu sempre a impressão de ser um lugar abstrato, uma espécie de galeria de espelhos. Nisto havia sempre para mim algo de verbal, mesmo quando o verbo era muito nobre e belo. Era um lugar de lacunas e elipses em que, pessoalmente, eu não encontrava mais as minhas comunicações com a inumeráveis coisas das quais, apesar de tudo, sigo gostando e que me retêm sobre a terra. Creio que se esqueceu demasiado que o surrealismo amou muito e o que rejeitou com energia é precisamente o que pode dificultar o amor.

Finalmente eu desconfiava de um certo paroxismo ao qual se dirigia, com toda segurança, Artaud – como como fez Desnos em outro plano – e me parecia que por nossa parte se produzia um desgaste de forças, que mais tarde não poderíamos compensar. Se você prefere, eu via que a máquina funcionava a todo vapor, porém não via como poderia seguir alimentando-se…

 

AP | Esta é, sem dúvida, a explicação da grande mudança dado bruscamente na linha de La Révolution Surréaliste, cuja direção naquele momento passou a ser sua.

 

AB | sim, foi por estas razões – e por algumas outras – que eu decidi, não sem grandes escrúpulos de minha parte, deter a experiência da qual Artaud era responsável e encarregar-me pessoalmente da direção de La Révolution Surréaliste. No texto bastante confuso em que o anunciei – e no que resulta manifesto que não disse tudo – tentava dar a entender do melhor modo possível que se tratava, claro está, de acabar com o antigo regime do espírito, porém que, para isto, era insuficiente esperar assustar o mundo mediante brutais intimidações. O meio que eu preconizava era regressar às posições prévias, ou seja, essencialmente e diante de tudo, voltar a por a linguagem em efervescência, tal como havia sido colocado na escritura automática e nos sonhos, confiando cegamente no que isto podia resultar.

 

AP | Assim sendo, sua atitude não implicava nenhuma renúncia. Me parece, por outro lado, que estamos entrando em uma fase singularmente ativa do movimento, não é mesmo?

 


AB | As preocupações de ordem social não foram abandonadas. Tentaram unicamente ser traduzidas de um modo menos lírico e mais rigoroso. A virada política não estava muito longe. No prólogo do número 4 ao que estamos nos referindo, figura uma frase com a qual hoje me sinto totalmente identificado. Permita-me citá-la: No estado atual da sociedade europeia, permanecemos adictos ao princípio de toda ação revolucionária, inclusive quando esta tome como ponto de partida a luta de classes e enquanto a leve o suficientemente adiante.

Um certo círculo de escândalos se fecha nesse preciso momento com o banquete a Saint-Pol-Roux. As disciplinas a que nos limitamos alguns de nós em seguida ainda não se encontravam claramente definidas – recorde que nos encontramos na metade de 1925 –, os surrealistas constituíam um grupo homogêneo e extremamente conjuntado, compartilhavam as mesmas convicções fundamentais e cultivavam entre eles os motivos de irritação recebidos do exterior que, claro está, não eram escassos. Na mesma manhã do banquete, suas assinaturas apareceram em um protesto elevado, pelos intelectuais, contra a guerra do Marrocos, que acabava de rebentar. Porém, no plano que era mais propriamente o nosso, acabava de apresentar-se outro motivo de exasperação. Em uma entrevista publicada em um jornal italiano e reproduzida em Comedia, o embaixador da França, Claudel, após haver declarado que o surrealismo, assim como o dadaísmo, tinha um único sentido: pederástico, se vangloriava de sua atividade patriótica durante a Guerra de 1914, que consistiu na compra de toucinho, para o exército, na América do Sul. Desta vez ele havia ido demasiado longe. Se, por nossa parte, se desencadearam invectivas, ao menos que se reconheça que não fomos nós que começamos…

Porém o banquete a Saint-Pol-Roux se apresentou de todas as formas sob maus auspícios. No mesmo momento em que íamos para o lugar onde ele seria celebrado, saiu da imprensa a famosa “Carta aberta a Paul Claudel”, impressa em papel cor de sangue de boi. Decidimos chegar antes à Closerie des Lilas, para colocar um exemplar debaixo de cada um dos guardanapos.

 

AP | Qual era, a priori, a posição dos surrealistas com respeito a esta manifestação?

 

AB | Um banquete semelhante não era muito de nosso agrado. Na mesma medida em que enaltecíamos, na pessoa de Saint-Pol-Roux, um dos criadores do simbolismo, em quem, por minha parte, eu havia visto o mestre da imagem, e dediquei um livro, Clair de terre, àqueles que, como ele, se outorgam o magnífico prazer de tornar-se esquecido, estávamos unanimemente de acordo em deplorar que sua passagem por Paris dera lugar a ágapes antiquados e ridículos. Se ele se havia prestado de excessivo bom grado a isto, isto se devia a que, em sua solidão de Bretagne, havia perdido todo o contato com seus companheiros de juventude, que em sua maioria haviam murchado terrivelmente e não duvidada que poderia, mesmo que fosse por apenas uma noite, estabelecer uma ponte entre eles e o surrealismo…

 

AP | Eu lhe agradeceria que nos explicasse o desenvolvimento dos acontecimentos essenciais daquela manifestação, da qual possuímos já diversas versões.

 

AB | O banquete, ou melhor: o que deveria ter ali acontecido, não se desenvolveu exatamente como se disse. Os termos da carta a Claudel tiveram por efeito, de entrada, surpreender e indignar boa parte dos convidados e, devido ao fato de que não como souberam exatamente como reagir, criar entre nós e eles uma grande tensão. Isto se traduz, em algumas damas da assistência por uma tal sufocação, que inclusive uma delas me pediu que abrisse a janela situada atrás de mim. Sem dúvida o fiz, com alguma violência, ou talvez a fachada daquele primeiro piso que dava para o bulevar Montparsasse estava em muito mal estado, posto que os batentes da janela se desprenderam quando eu ainda tinha a maçaneta em minha mão. Meus vizinhos de mesa foram suficientemente rápidos para pegá-los e me ajudar a coloca-los no chão, evitando a quebra dos cristais.

Evidentemente, a presença na mesa de honra (e as palavras mesa de honra já nos exasperavam) de madame Rachilde e de Lugné-Poe, contra quem tínhamos sérias queixas, estropeava tudo. Rachilde acabava de pronunciar, não lembro em que jornal, frases de um caráter germanófobo (um francês não pode se casar com uma alemã), que resultavam odiosas. O que ainda perdoávamos menos a Lugné-Poe era que, durante a guerra, havia pertencido ao serviço de contraespionagem. Seu encontro conosco essa noite constituiu uma mescla detonante. É sabido que as frases que pronunciaram em voz alta os surrealistas referindo-se a eles produziram o início de uma briga. Estava ao ponto de ser servida uma bastante triste merluza com molho branco quando vários de nós já havíamos subido nas mesas. Tudo degringolou definitivamente quando três convidados se ausentaram para em seguida regressar com a polícia. Porém o humor que que Rachilde, que estava totalmente excitada naquele momento, fosse presa no meio da confusão geral. Já era demasiado tarde para que as exortações de Saint-Pol-Roux acalmassem os ânimos. Também é sabido que Leiris escapou por muito pouco do linchamento, por haver pronunciado, da janela, frases sediciosas. O que este episódio tem de importante é que aponta a ruptura definitiva do surrealismo com todos os elementos conformistas da época. Os jornais, que tinham à frente o Action Française, aos quais se uniram grupos profissionais, como a Sociedade dos letrados e a Associação de escritores combatentes, pediram represálias (nossos nomes não deveriam mais ser publicados; inclusive falavam em nos expulsar da França, não se sabe em virtude de qual decreto…). A partir deste momento foram cortadas as pontes entre o surrealismo e todo o resto. E nós nos acomodaríamos muito bem a isto. Porém é a partir de então quando a rebelião comum tendeu a canalizar-se no plano político.



NOTA

Reproduzimos o capítulo VIII da série radiofônica de entrevistas que fez André Parinaud a André Breton, momento em que conversam acerca da revista La Révolution Surréaliste. Entrevista incluída em Entretiens 1913-1952 (Paris: Editions Gallimard, 1952). Tradução de Floriano Martins.

 

 


ANDRÉ PARINAUD (França, 1924-2006). Jornalista, escritor e crítico de arte. Foi editor-chefe da rádio RTL, do semanário Arts e da revista Galerie jardin des Arts. Organizou também inúmeras exposições e publicou numerosos trabalhos resultantes das suas entrevistas com personalidades do mundo cultural francês, e foi cofundador e presidente do Festival Internacional de Arte e Filme Educativo (FIFAP) da UNESCO que se realizava todos os anos no Esfera da UNESCO em Paris. Autor de livros como Como alguém se torna Dalí (1974), Gaston Bachelard - Releitura e Biografia (1996), e Conversas com homens notáveis ​​sobre a arte e as ideias de um século (2006).




JULIA OTXOA (Espanha, 1953). Poeta, narradora y artista gráfica Entre sus últimas exposiciones : “Llocs de Pas” Espectáculo colectivo audiovisual-MACBA-Barcelona 2006, “Absinthe Review” Nueva York 2007; “New Sleepingfis Review”, Nueva York 2007; “Certamen Internacional de Fotografía Surrealista”, Eibar 2007; “Fragmentos de Entusiasmo”-Catálogo de la exposición Antología de la Poesía Visual española 1964-2006”-“Poesía Visual Española” (Antología) Editorial Calambur,Madrid,2007; “La Fira Mágica”, Exposición colectiva de Poesía Visual Ayuntamiento de Santa Susana Barcelona, 2007; “Homenaje a Manuel Altolaguirre”, Exposición Poesía Visual – Instituto Cervantes en Fez (Marruecos, 2007 ); “Miguel Hernández – Muestra de Poesía Visual” (Universidad Miguel Hernández-Elche, 2008); “Exposición libros de artista”, Museo de San Telmo San Sebastián, 2023; “Tres senderos que convergen”, Centro cultural Oquendo, San Sebastián. Julia Otxoa es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.
 

 


Agulha Revista de Cultura

Número 254 | agosto de 2024

Artista convidada: Julia Otxoa (España, 1953)

Editores:

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