quinta-feira, 15 de agosto de 2024

LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | A revista Tropiques e o surrealismo: confluências e irradiações ou As metamorfoses do surrealismo a partir das Antilhas



Introdução

Este é o terceiro texto, publicado pela Agulha Revista de Cultura, de Floriano Martins, a respeito de Tropiques no espaço de três anos. Os dois primeiros abordavam Suzanne Césaire e René Ménil, e intitulavam-se respectivamente “Suzanne Césaire e a revista Tropiques” (janeiro de 2022) e “René Ménil, o poeta trickster de Tropiques ou Teoria e crítica, humor e criação numa revista-laboratório antilhana” (março de 2022).

Abordamos aqui o terceiro fundador – ou o primeiro, tal como é considerado em geral – da célebre revista antilhana, o poeta Aimé Césaire.

Após uma introdução muito semelhante às anteriores para recordar aos novos leitores as condições históricas e culturais, linguísticas e estratégicas, da publicação da revista, faremos um resumo crítico de cada número, ressaltando não só a lista completa das contribuições assinadas por Aimé Césaire assim como o seu diálogo, ao mesmo tempo complexo e imprevisível, com os dois outros cofundadores da revista, com o surrealismo e a negritude. Assim, o leitor terá uma ideia precisa de cada número, a participação do poeta Césaire no seu intercâmbio intelectual com os demais colaboradores, francófonos e não-francófonos; antilhanos, franceses ou estrangeiros; poetas e artistas plásticos; ensaístas e cientistas.

O barco Le Capitaine Lemerle, vindo de Marselha, ao aportar a Fort-de-France na Martinica, com a sua carga de indesejáveis a caminho dos Estados Unidos vai catalisar confluências enquanto os seus passageiros, que viajavam entulhados [1] em condições difíceis e precárias, vão descobrir objetos inesperados e fenômenos culturais novos, ao descerem à terra depois do período de quarentena.

Não é fácil, de longe, no espaço e no tempo, compreender o impacto, duradouro e sempre fascinante, da revista Tropiques: um objeto desconhecido, totalmente imprevisível no início da II Guerra, surge numa periferia do conflito mundial, e se expande por um grande mar piolhento de ilhas. [2] Este mar, o das Caraíbas, por sua vez, ao mesmo tempo aberto e fechado, recebe o impacto de um verdadeiro meteorito e suas ondas repercutem ainda hoje, no início do século XXI.

E, ainda hoje, oitenta anos mais tarde, a crítica literária não explorou devidamente Tropiques: uma revista cultural, criada e dirigida por um grupo de jovens intelectuais antilhanos, nascidos na Martinica e que a ela retornam depois de formados em França, a maioria com idades em torno dos 30 anos, [3] quase todos professores do liceu Victor Schœlcher, de Fort-de-France. A revista, materialmente muito pobre, é publicada com razoável regularidade, na maior parte do tempo sob estreita censura do regime militar de Vichy, o que é não deixa de ser surpreendente, devido às circunstâncias da época. Foram publicados 15 números até o seu encerramento.

A ilha, semelhante a uma grande salamandra quando avistada do alto, está então isolada pelo bloqueio naval (primeiro inglês e depois anglo-americano) e vive a dura experiência da autossuficiência. Apenas barcos autorizados, sobretudo de refugiados, aportam à ilha. E é um oficial graduado da marinha de Vichy – cúmulo da ironia ou do acaso objetivo – que fornece, aos jovens editores, o papel para impressão de cada número, sendo Suzanne Césaire aquela que vai buscá-lo ao próprio escritório da censura militar.

A revista, durante muito tempo, foi quase um mito e todos os que se interessavam por literaturas de língua francesa (antilhana ou africana) tinham lido ou ouvido falar de Tropiques, a partir de transcrições, sempre as mesmas, e algumas bastante defeituosas porque lacunares, tiradas da tese pioneira de Lylian Kesteloot. Até que Jacqueline Leiner, graças à editora francesa especializada em reprint, Jean-Michel Place, publica, em 1978, em dois volumes, a reprodução anastática de todos os 15 números da revista, acrescida de:

a) uma entrevista inicial importante de Jacqueline Leiner com Aimé Césaire, diretor da revista;

b) o comentário – já eminentemente crítico – sobre o conjunto dos números, assinado por outro cofundador, René Ménil (“Pour une lecture critique de Tropiques”, [4] de outubro de 1973);

c) a carta do oficial da Marinha francesa Bayle, de 10 de maio de 1943, comunicando aos editores a interdição de publicação da revista;

d) a resposta sucinta e insolente, de 12 de maio de 1943, do comitê de redação de Tropiques, assinada por Aimé Césaire, Suzanne Césaire, Georges Gratiant, Aristide Maugée, René Ménil e Lucie Thésée; [5]

e) um índex dos colaboradores ao longo do tempo e

f) uma belíssima capa com a reprodução de um desenho original feito a giz por Wifredo Lam, o pintor cubano, mestiço de chinês com negra.

Materialmente, a reedição de Jean-Michel Place, no final dos anos 70, revela, para quem sabe olhar, ao mesmo tempo, a grande precariedade material dos inícios e o fulgor da inteligência e da criatividade do grupo. E ainda a sua capacidade de organização e de difusão.

Tropiques, por um lado, confirma um extraordinário poeta (Aimé Césaire, que já publicara a 1ª versão do Cahier d’un retour au pays natal, em 1939, numa revista de Paris, Volontés) e por outro, revela dois grandes escritores: René Ménil e Suzanne Césaire, ainda pouco conhecidos entre nós. É o trio fundador de Tropiques.

 Antes de avançarmos, no entanto, será necessário esclarecer o que foi a II Guerra nas Antilhas francesas, ou seja a chamada Dissidence, movimento progressivamente explorado pelos escritores da Martinica ou da Guadalupe, e depois da Guiana francesa, primeiro em poesia (numa linguagem, no início, forçosamente absconsa para escapar à censura oficial), depois em narrativas diversas e em ensaios sucessivos até hoje. É na herança desse movimento que se inserem as obras de Fanon, Glissant e de seus continuadores.

O mais surpreendente é que o período histórico da denominada, hoje, “Dissidência” foi mostrado muito cedo, exatamente nos anos 1944-1945, pelo cinema americano, num filme muito conhecido de Humphrey Bogart no seu primeiro encontro com Lauren Bacall, [6] e os cinéfilos de hoje talvez não saibam mais fazer a distinção entre ficção cinematográfica e realidade histórica. O encontro de dois monstros do cinema de Hollywood (Bogart e Bacall) tem lugar sobre o pano de fundo de Fort-de-France e seu pequeno porto durante a “Dissidência”.

 

1. O tempo da Dissidência antilhana: de junho de 1940 a julho de 1943

Em política, dissidência é o ato coletivo de discordar de uma política oficial, de um poder instituído ou de uma decisão coletiva. Os que escolhem a dissidência ou entram em dissidência, são ditos dissidentes. É uma palavra corriqueira, hoje, se lermos os jornais. O termo é aplicado sobretudo a regimes autoritários ou totalitários. Embora próximos, dissidência não é, assim, sinônimo de oposição, esta quase sempre clara ou culturalmente aceita num regime democrático.

Nas Antilhas e na Guiana francesas, Dissidência é o movimento de recusa, durante o período de três anos, de junho de 1940 a julho de 1943, pelo qual antilhanos e guianenses de língua francesa contestam o regime colaboracionista de Vichy, resistem de diferentes maneiras ou saem mesmo do seu território natal “franco-americano”, lançando-se ao mar em pequenos barcos para juntarem-se à France Libre do general de Gaulle. Esses barcos clandestinos rumavam para territórios outros dentro do mar das Caraíbas, geralmente para as ilhas inglesas.

Os representantes oficiais das, ainda, colônias do Império francês, – o almirante Georges Robert, [7] alto-comissário da metrópole francesa nas Antilhas, o governador da Guadalupe, Constant Sorin e o seu homólogo na Martinica, Henri Bressolles e mais tarde Yves Nicol –, alinham-se ao governo do Marechal Pétain (1940-1944), o chamado regime de Vichy depois da derrota da França em 1939. Com apoio de efetivos navais em presença, cria-se um estado policial numa zona geográfica pertencente à América das Plantações, ou seja, a América que conheceu/viveu a escravidão e dela tem memória. E com adoção das leis raciais, há episódios de antissemitismo explícito durante o regime de Vichy. Em livro publicado recentemente, de Kora Véron, encontra-se uma descrição do quotidiano na cidade de Fort-de-France:

 

A atmosfera foi asfixiante durante dois anos com a presença de oficiais muitas vezes arrogantes, racistas, antissemitas (como o tenente Castaing), e milhares de marinheiros desocupados perambulando pela cidade. [8]

 

O regime de Vichy termina, nas Antilhas, em julho de 1943, com a rendição do almirante Georges Robert, o que se reflete diretamente nos números subsequentes da revista Tropiques, com artigos muito mais explícitos contra a Igreja e os lacaios.

Lembro ao público mais jovem que os Estados Unidos entraram tardiamente na II Guerra mundial: o conflito começa, na Europa, em setembro de 1939 mas os Americanos só entram na guerra, ao lado dos Aliados, a 7 de dezembro de 1941, portanto depois de dois anos de conflito, grande avanço de tropas do Eixo para Leste e para Oeste na Europa, rendição francesa e bombardeios de cidades e portos, sem falar na guerra no norte da África e no Extremo Oriente. Enfim, o armistício de Compiègne entre a Alemanha e a III República francesa, esta representada pelo marechal Philippe Pétain, herói da I Guerra, data de 22 de junho de 1940.

É preciso assim projetar as atividades do grupo de intelectuais antilhanos e a publicação de Tropiques sobre esse duplo fundo espácio-temporal: por um lado, trata-se, ainda, de colônias francesas na América (por outras palavras: pequenas ilhas das Caraíbas e o território continental da Guiana que faz fronteira, ao mesmo tempo, com o Brasil e o Suriname, então holandês) e por outro lado, o fim regional da guerra – note-se bem o adjetivo regional [9] – chega mais cedo enquanto o conflito continua ativo em todo o oceano Atlântico.


Apesar das dificuldades e dos perigos ainda existentes, o casal Césaire (Aimé e Suzanne) não só viaja aos Estados Unidos durante a guerra como faz, sobretudo, uma estadia importante de mais de seis meses em 1944, no Haiti, país mítico da negritude triunfante.

 

2. Haiti, país mítico nas Américas negras

Antes de abordar Tropiques, é preciso ainda lembrar a função simbólica de Haiti, país mítico das Américas.

Haiti, o primeiro país americano a declarar, em 1804, ao mesmo tempo, – é a simultaneidade que é importante – a sua Independência em relação à França ainda revolucionária [10] e a abolição da escravatura, depois de uma guerra em que as suas tropas resistem e vencem, com o auxílio de um pequeno contingente de trânsfugas poloneses (sic), exércitos franceses, espanhóis e ingleses, permanece praticamente desconhecido entre nós, sobretudo do ponto de vista literário e artístico. [11]

Haiti está presente na obra de Aimé Césaire, direta ou indiretamente, desde o princípio até ao fim, na sua poesia, no seu teatro, na sua obra ensaística, nas suas entrevistas e nas suas leituras. Tentemos esboçar rapidamente uma cronologia, não exaustiva – esta seria longa demais – , que mostre Haiti como presença constante e questão absolutamente central, e igualmente como espelho revelador da complexidade e ambiguidade da problemática antilhana. Avancemos apenas alguns exemplos:

a) em 1939, na primeira versão do Cahier, [12] publicada pela revista Volontés, [13] de Paris, às vésperas da II Guerra, aparece o episódio do general haitiano Toussaint Louverture no forte de Joux, prisioneiro da neve “branca”, sendo este talvez o episódio mais “estável”, ao longo do tempo, de todo o poema que se caracteriza justamente pela sua grande “mobilidade”, com várias versões diferentes, ao longo de quase vinte anos, até a edição de Présence Africaine, dita definitiva de 1956; [14]

   b) em 1948, no ensaioEsclavage et colonisation, PUF

c) em 1962, no ensaio histórico Toussaint Louverture: la Révolution française et le problème colonial (Présence Africaine), com prefácio de Charles-André Julien, dividido em três grandes partes: a fronda dos brancos, a revolta dos mulatos e a revolução dos negros; [15]

d) em 1963, na La Tragédie du Roi Christophe, ainda por Présence Africaine e

e) sem falar nas inumeráveis referências a lugares e divindades, personagens e episódios da história de Haiti, explícita ou alusivamente, na sua obra poética.

Para resumir de outra maneira a questão, é sempre útil reler a nota sucinta de Edouard Glissant no seu Glossário, no final daquele que permanece, ainda, o seu melhor e mais importante ensaio, Le Discours antillais, [16] de 1981, (Seuil):

 

Haiti (São Domingos). Provavelmente a nova “terra mãe”. Porque aí se encontraram, e só aí, as condições de sobrevivência organizada e a afirmação política (revolucionária) que daí surgiu. A desmedida do subdesenvolvimento e os extremismos dos Toton-macoute fizeram regredir este país para aquém de toda avaliação possível. Mas Haiti guarda uma força nascida da memória histórica, da qual todos os Antilhanos terão um dia necessidade. [17] (itálicos do autor Glissant)

Ora, é este país mítico na memória histórica, que o casal Césaire visita e percorre, durante meses, em plena II Guerra mundial. Esta continua, mortífera e feroz, encarniçada e ainda imprevisível, na Europa e no Extremo Oriente, mas a estadia haitiana de Aimé e Suzanne acontece depois do fim da “Dissidência” nas Caraíbas. E o texto de Suzanne, “A grande camuflagem”, nasce justamente desse interregno temporal e da descoberta de uma ilha, dividida em duas, [18] a outra terra mãe da negritude americana e antilhana. Por outras palavras: um território negro – semelhante e diferente, mítico e concreto, exaltante e incômodo – em que a África se enraizou fundo na América com uma religião em liberdade [19] (o vodu) e a sua pintura popular que virá a surpreender igualmente, como outra descoberta imprevista, o poeta francês, André Breton. [20]

 

3. Descrição dos números de Tropiques

Como a revista Tropiques mesmo na sua reedição está, muito provavelmente, ausente da maioria das bibliotecas universitárias no Brasil, descrevemos abaixo cada número de Tropiques. O leitor poderá ter uma ideia precisa da composição não só de cada número, como apreciar as relações existentes entre os seus artigos. Por outras palavras: fazer uma dupla leitura segundo os eixos paradigmático e sintagmático.

Acrescentamos em seguida um breve comentário crítico a cada número, no seu conjunto, assinalando o que nos parece importante, destacando as influências, origens e consequências.

 

— Nº I, Tropiques, abril 1941, 75 p.

Sumário:

0. Aimé Césaire: “Présentation”

1. Aimé Césaire: “Fragments d’un poème”

2. Suzanne Césaire: “Léo Frobenius et le problème des civilisations”

3. Charles Péguy: “Poèmes (avec une introduction d’Aimé Césaire)”

4. René Ménil: “Naissance de notre art”

5. Georgette Anderson: “Mallarmé et Debussy”

Notules: errata et confirmation

Breve resumo crítico:

– A apresentação inicial de Césaire é a constatação da miséria intelectual e artística da Martinica: a primeira frase é: Terra muda e estéril. Falo da nossa; no final da primeira parte: Não é mais tempo de parasitar o mundo. Trata-se de salvá-lo. É tempo de cingir os rins como um homem corajoso,  e a última frase: os homens de boa vontade trarão ao mundo uma nova luz.

– Fragmentos de um poema constituem a primeira versão de um longo poema épico, Le Grand Midi, que virá a ser publicado no volume Les Armes miraculeuses (Gallimard, 1946). A primeira produção poética de Césaire é tipicamente épico-dramática, criando longos poemas. Confirma-se a função de Tropiques como revista-laboratório e o tipo de composição poética em Césaire como œuvre mobile.

– O primeiro texto de Suzanne Césaire apresenta o africanista alemão Leo Frobenius (1873 –1938) que estabelece a distinção ente civilização etíope e hamítica. [21] A distinção será retomada, dois anos mais tarde, por Aimé Césaire, no Congresso de Port-au-Prince, no seu texto “Poésie et connaissance” (in Tropiques, nº XII). E a árvore constitui provavelmente o símbolo mais frequente e importante de toda a sua obra.

– Apresentação por Césaire de uma seleção de poemas de Charles Péguy (1873 – 1914): “Paris, vaisseau de charge”, “Paris, double galère”, “Paris vaisseau de guerre”, “Présentation de la Beauce à Notre-Dame de Chartres.” A pequena antologia é interessante porque revela a leitura feita por Césaire, pelo menos no início da sua produção poética, dos grandes escritores católicos franceses (poetas e romancistas) do início do século XX. Em outro número de Tropiques, Césaire fará uma nova referência, dessa vez, a Paul Claudel e a seguir a Georges Bernanos.

– Texto muito importante, de René Ménil, sobre a possibilidade de nascimento da nossa arte na Martinica; note-se que não se trata de renascimento, com epígrafe de Nietzsche. A última frase é: a existência do Poeta vai coincidir com a nossa existência, nós, homens ainda aproximativos.

– Comparação, assinada por Georgette Anderson, entre o poema “L’après-midi d’un faune”, de Mallarmé com o prelúdio de Claude Débussy.

 

— Nº II, Tropiques, julho 1941, 79 p.

Sumário:

1. Aristide Maugée: “Note sur la poésie: poésie et obscurité”

2. René Ménil: “Orientation de la poésie”

3. Aimé Césaire: “Fragments d’un poème (fin)”

4. “Poètes nègres américains avec une Introduction par Aimé Césaire”

5. Suzanne Césaire: “Alain et l’esthétique”

Notes, Revue des revues, Nouvelles:

Notes sur la pratique de l’hindouisme, de J. Chambon

La végétation des Antilles françaises, par H. Stehlé

A la Martinique

Errata

Breve resumo crítico:

Note-se inicialmente que os títulos, no interior da revista, não correspondem exatamente aos títulos do Sumário inicial, apresentando-se geralmente mais longos.


– “Nota sobre a poesia: poesia e obscuridade” tenta defender a poesia moderna da crítica corrente sobre a sua obscuridade, buscando explicar inclusive passagens do Cahier d’un retour au pays natal, de Césaire. Aristique Maugée comenta, de forma ainda incipiente, passagens obscuras da 1ª versão do poema de Césaire, publicado em 1939.

– Texto importante de René Ménil, sobre poesia, com epígrafe inicial de Novalis: toda poesia deve ser legendaria e feérica. Insiste sobre a importância do sonho e glosa uma imagem de Suzanne Césaire sobre o funâmbulo que caminha sobre a corda, cita Hegel e Éluard, Breton e os manifestos do Surrealismo, recusa o realismo. Última frase: é o tempo da liberdade de espírito. O texto de Ménil mostra o seu conhecimento prévio da produção surrealista.

– “Fragmentos de um poema”, por Aimé Césaire, apresenta agora o título “Le Grand Midi”, longo poema épico que será publicado no volume Les Armes miraculeuses (Gallimard, 1946).

– “Introdução à poesia negra americana” seguida da tradução em francês de três poetas americanos: “A criação do mundo”, de James Weldon Johnson (traduzido por J. Roux-Dellmel); “ O canto da colheita”, de Jean Toomer (traduzido por Eugène Jolas); “À América”, de Claude Mac Kay (sem indicação de tradutor, portanto provavelmente traduzido pelo próprio Césaire, cujo trabalho final na Ecole Normale, de Paris, foi sobre poesia norte-americana).

– Texto teórico importante de Suzanne Césaire em que, sob o pretexto de apresentar o filósofo Alain aos leitores antilhanos, na última parte do artigo, numa completa reviravolta, opõe-no a André Breton.

– “Notas sobre a prática do hinduísmo”: o texto pode surpreender o leitor brasileiro ou latino-americano. Ele diz respeito à prática religiosa da comunidade hindu que veio a substituir, nas Antilhas francesas (Martinica e Guadalupe sobretudo), os escravos negros depois da abolição definitiva (abolição de 1848, lei de Victor Schœlcher, na II República francesa). Seria um tema a ser estudado comparativamente nas Américas negras: cada país americano escolheu, de certa forma, os seus “asiáticos” (a França escolheu os indianos de Pondichéry, sua pequena colônia na Índia; o Brasil, os japoneses; Cuba, os chineses de Cantão e de Macau, o que explica a presença de Eça de Queiroz como cônsul português em Havana etc.)

– “A vegetação das Antilhas francesas”: o texto, assinado por H. Stehlé, retoma um relatório recente do Bulletin agricole, de março de 1940, e corresponde à convicção, entre os redatores de Tropiques, da necessidade da população da ilha conhecer o seu entorno físico (flora e fauna). Tropiques é, assim, igualmente uma forma de exploração do entorno físico e geográfico do país natal.

– “Na Martinica”: o texto apresenta notas que apresentam resumidamente indicações importantes aos leitores:

a) a passagem de André Breton e de André Masson por Fort-de-France num barco de refugiados (Le Capitaine Lemerle) que faz quarentena de alguns dias, na ilha, antes de seguir viagem para os Estados Unidos e

b) a chegada igualmente, pelo mesmo barco, de Wifredo Lam, o pintor cubano, a caminho de Cuba. Wifredo é acompanhado pela alemã Helena Holzer, acrescentamos nós.

Essas notas finais situam claramente, no tempo – entre o primeiro nº e o segundo nº de Tropiques –, o encontro de Aimé e Suzanne Césaire com o pintor André Masson e sobretudo com a família de Breton (André, sua mulher Jacqueline Lamba e a filha, a pequena Aube), a descoberta pelo poeta surrealista do poema de Césaire, Cahier d’un retour au pays natal, o intercâmbio de livros e de revistas entre os dois grupos (o dos passageiros em trânsito e o grupo de jovens de Tropiques), as conversas entre os três casais (André-Jacqueline, Aimé-Suzanne, Wifredo-Helena Holzer), [22] o passeio coletivo à floresta tropical de Absalon etc. As notas explicam, ao leitor de hoje, a virada da revista cujo segundo número centra-se inteiramente na poesia.

 – A errata final confirma que, apesar da precariedade dos meios tipográficos, [23] o grupo de Tropiques pretende sempre fazer uma revisão atenta de cada número, dirigido sobretudo a um público de jovens estudantes de liceu.

 

Nº III, Tropiques, outubro de 1941, 77 p.

Sumário:

1. René Ménil: “Introduction au merveilleux”

2. Jeanne Mégnen: [24] “Poèmes”

3. Aimé Césaire: “Poèmes”

4. Suzanne Césaire: “André Breton, poète”

5. André Breton: “Poèmes”

6. Georgette Anderson: “Maeterlinck et le merveilleux”

Revue des Revues – Nouvelles

Note: R. Ménil

Relire

A.        Césaire: (Postface) “En rupture de mer Morte”

Errata

Breve resumo crítico:

– Na página de abertura, uma epígrafe, sem assinatura, define o número do ponto de vista coletivo: Procuramos o nosso verdadeiro rosto. Já condenamos suficientemente a literatura artificial que, dele, pretende nos dar a imagem: poetas atrasados, heróis de clichês, supersticiosos fazedores de alexandrinos, muito cansados declamadores de nada. Narciso da Martinica onde te reconhecerás? Mergulha os teus olhos no espelho do maravilhoso: contos, lendas, canções. Aí verás inscrita, luminosa, a vera imagem de ti mesmo. Autoria muito provável: René Ménil.

– “Introdução ao maravilhoso”, de René Ménil, é um denso ensaio filosófico de 9 páginas. O ensaio é a introdução teórica para dois textos do número seguinte sobre literatura oral em crioulo.

– Os poemas de Jeanne Mégnen intitulam-se: “Colchiques” (datado de Paris, outubro 1939), “La belle au bois dormant” (datado de Basse Terre, maio 1941) e “Demain, commencera le bruit” (datado de Paris, novembro de 1939).

– Os poemas de Césaire são: “Survie”, “N’ayez point pitié de moi”, “Au-delà” e “Perdition” que serão publicados no volume Les Armes miraculeuses (Paris, Gallimard, 1946), o volume mais surrealista do poeta.

– Com a assinatura de Suzanne Césaire, uma análise da poesia de Breton.

– Poemas de André Breton: “La mort rose” (do volume Le révolver à cheveux blancs), “Vigilance” (do volume Le révolver à cheveux blancs), “Pour Madame *** (de agosto de 1941, subentendido para Madame Suzanne Césaire). Dos três poemas de Breton, apenas o último é inédito.

– Georgette Anderson sobre “Maeterlinck e o maravilhoso”. A primeira frase é: Não esconderemos aqui as fraquezas do simbolismo, as suas puerilidades, os seus tiques, o seu gosto da frase, mas também, em compensação que testemunhos! Ver o seu texto anterior em Tropiques I.

– “A revista das revistas. Notícias. Notas” junta muitas coisas, numa efervescência de descobertas:

a) uma “Lettre vénézuélienne” (sic), um manifesto de poetas da Venezuela contra Breton e o surrealismo;

b) “Le mouvement poétique au Vénézuela”, resenha sem assinatura, provavelmente de Suzanne Césaire, reconhecível não só pelo tom de resenha, a princípio aparentemente neutro, como também pela técnica desconcertante de fazer uma virada repentina de crítica dura e agressiva perto dos últimos parágrafos.


c) a tradução de um artigo da revista Life, de agosto de 1941: “O surrealismo irá colonizar o cinema americano?” sobre um novo filme, Doctor Jekyll et Mister Hyde.

d) sob o subtítulo de “A ação fulminante” e como uma nota, René Ménil, acrescenta um pequeno texto de três páginas: citando a psico-análise (sic) e a etnografia, reafirma, segundo Hegel, a unidade humana do sonho e da ação. Última frase: Cada um sabe que a palavra do mago produzia o seu efeito com a certeza do relâmpago.

– “Reler” é uma seleção de citações breves, voluntariamente sem conexões aparentes, dos seguintes autores, de diferentes épocas: André Breton (citação extraída de Vases communicants), Eugenio d’Ors, Flammarion, Leonardo de Vinci, Doutor Allendy, Ventura Garcia Calderón.

– O nº 3 de Tropiques é o resultado evidente da passagem do navio Le Capitaine Lemerle: é quase integralmente dedicado à poesia. No último momento de montagem do número, Césaire acrescenta, como posfácio, um poema em prosa, particularmente opaco, onde se descobre que esse mar Morto do título é o mar das Caraíbas e das ilhas informes, à espera de um grande cataclisma purificador de que participarão os animais e as feras, seguindo-se um massacre dionisíaco. O narrador no final exclama: Hurrah! Extermino os feridos. Mato uma segunda vez os mortos. Nesse poema, já se percebe claramente a releitura de Lautréamont. “En rupture de mer Morte” não será retomado por nenhum volume de poemas. [25] Consta do volume Poésie, editado em 1994, por Seuil, edição de Daniel Maximin e Gilles Carpentier: o volume constitui, ainda hoje, o mais prático e fidedigno para os leitores de um modo geral. O poema foi analisado, pela primeira vez (salvo erro), no nosso ensaio Vampire liminaire : de Lautréamont aux Césaire. Würzburg, Königshausen & Neumann, 2019, 210 p.

– Na última página, uma Errata confirma o clima febril com que foi montado o número.

 

— Nº IV, Tropiques, janeiro de 1942, 71 p.

Sumário:

1. Aimé Césaire et René Ménil: “Introduction au folclore martiniquais”

2. Lafcadio Hearn: “Conte colibri”

3. Georges Gratiant: “Contes créoles”

4. Aimé Césaire: “Poèmes”

5. Pierre Mabille: “Le royaume du merveilleux”

6. Suzanne Césaire: “Misère d’une poésie”

Les livres

Documents (survivances africaines à la Martinique)

René Ménil: “Drame légendaire au crepuscule”

Breve resumo crítico:

– O primeiro texto, escrito em parceria por Césaire e Ménil, é fundamental: com pouco mais de quatro páginas, coloca a problemática da literatura oral em crioulo, modo de expressão alusivo e metafórico de um povo que tem fome e que diz o seu medo através da figura do zombi (haitiano). As duas últimas partes do artigo abordam o tambor e a derrota de Colibri, personagem popular tradicional nas Antilhas, morto por vários animais (o Cavalo, o Boi, o Peixe-armado e até por Deus). Última frase: Era uma vez um homem negro agarrado à sua terra.

– O segundo texto é a tradução em francês e em crioulo francês do Conto Colibri na versão de Lafcadio Hearn (Grécia, 1850-Tóquio, 1904). Este, antes de ir para o Japão, passou pelas Antilhas, recolhendo contos orais. [26]

– Georges Gratiant apresenta dois contos tradicionais da Martinica que recolheu, e os traduz para o francês.

– Os poemas de Césaire são: “pour l’Aube” e “Histoire de vivre”. O primeiro poema entrará no volume Les Armes miraculeuses (Gallimard, 1946), mas não o segundo.

– “O reino do maravilhoso” é a citação de um trecho do livro de Pierre Mabille, já publicado (Le miroir du merveilleux. Sagittaire).

– O texto de Suzanne, “Miséria de uma poesia”, é um ataque feroz ao poeta John Antoine-Nau (escritor francês nascido em São Francisco, Estados Unidos, em 1860, e vencedor do prêmio Goncourt de 1908). E sem medo de escandalizar, ataca o que chama literatura de rede, os parnasianos franceses (Leconte de Lisle, José Maria de Hérédia, ambos nascidos em ilhas, o primeiro na Reunião e o segundo, em Cuba) e ainda Francis Jammes, terminando com a frase que será retomada por quase todos de Tropiques: a poesia da Martinica será canibal, ou não será.

– O texto seguinte, sem indicação de autor, faz a resenha de um livro publicado no Canadá (Arte e catolicismo) do dominicano francês, Marie-Alain Couturier (1897-1954), igualmente pintor e defensor da arte contemporânea na construção de novas igrejas, recusando frontalmente o academismo. O final do artigo pode ser uma indicação da possível autoria de Suzanne. As últimas frases são: Em resumo, com limites dos quais advinha-se a origem. Mas também uma certa audácia. Lucidez. Um bom livro.

– A resenha seguinte, também sem indicação de autor, sobre o texto de Thierry Maulnier e o Surrealismo, intitulada “A respeito da Introdução à poesia francesa” é uma seleção de enxertos com um final bastante agressivo: Nada tolo. Odeio as fomes que capitulam em plena colheita. Mais uma vez o tom parece ser o de Suzanne Césaire.

– A série seguinte, intitulada “Documentos” aborda diferentes temas, o que sugere uma exploração nas reservas da velha Biblioteca Schœlcher, [27] de Fort-de-France:

a) os feiticeiros a partir de um livro do final do século XIX, Recueil des contes populaires de la Sénégambie. Paris, Ernest Leroux éditeur, 1885;

b) lista de enigmas [28] e provérbios numa poética de reescritura da oralidade tradicional e

c) contos de animais.

– O texto final, de René Ménil, é uma total surpresa, desestabilizando qualquer leitor : um conto fantástico sob a forma de uma carta, escrita à moda do século XVII, em que o Destinador emprega o vous dirigindo-se a um caro amigo, não nomeado. Este surge como Dom Quixote a cavalo e empunhando uma lança no alto de um morro, desce até à imensa catedral de um burgo da Martinica, Gros-Morne. Ironia e pastiche, alegoria e simbolismo, tudo se conjuga num texto imprevisto em que o muito sério Ménil revela uma faceta humorística de trisckter. A frase final é: Mas, sabei-o, não escapareis mais, desde então, à injunção trovejante do vosso desejo armado. Já disse demais. Adeus. A carta, meio paródica, meio séria, dirige-se evidentemente a Aimé Césaire.

– Notícias são três:

a) a fundação em Port-au-Prince (Haiti) de um Instituto de Etnologia, com a pergunta final: quando veremos aí bolsistas da Martinica?;

b) o congresso pan-americano em Port-au-Prince no mesmo mês de janeiro de 1942 e

c) a exposição de André Masson, em Baltimore (USA), com uma conferência sobre as origens do cubismo e do surrealismo.

– Errata.

O número é particularmente interessante para quem pretender trabalhar sobre reescritura literária da oralidade tradicional.

 

— Nº V, Tropiques, abril 1942, 71 p.

Sumário:

1. Aimé Césaire: “En guise de manifeste”

2. Aristide Maugée: “Aimé Césaire, poète”

3. René Ménil: “Laissez passer la poésie”

4. Lucie Thésée: “Beau comme…”

5. René Ménil: “Couleurs d’enfance, couleurs de sang”

6. André Breton: “La lanterne sourde”

7. “Jeu surréaliste”, sem indicação de autor

8.  Suzanne Césaire: “Malaise d’une civilisation”

9. Aimé Césaire: “Vues sur Mallarmé”

10. Léo Frobenius: “Que signifie pour nous l’Afrique?”

Breve resumo crítico:

– O primeiro texto, um poema dedicado a André Breton, marca a adesão oficial de Césaire e do grupo de Tropiques ao Surrealismo. O excerto em questão será anexado à segunda versão do Cahier d’un retour au pays natal, publicada em janeiro de 1947, em Nova York, pela editora Brentano’s. Ernstpeter Ruhe define a obra de Césaire como “mobile” (= móvel), cada texto ou poema sendo rescrito em várias versões, ao longo do tempo.


– Aristide Maugée analisa passagens do Cahier. O artigo apresenta uma epígrafe tirada de Rimbaud: o poeta é realmente ladrão de fogo… A primeira frase é: Nasceu-nos um poeta. Depois de um século de conformismo e de vazio poético. Maugée já assinara uma primeira tentativa de leitura de passagens do Cahier de 1939: ver artigo anterior “Note sur la poésie: poésie et obscurité.”

– O texto de René Ménil, “Deixai passar a poesia…” é um ataque em regra à burguesia de cor da Martinica, dividido em nove partes e, ao mesmo tempo, um poema em prosa. Anuncia a descoberta da mina minada, o humor. Anunciamos a chegada do humor às Antilhas. Dirigindo-se com ironia ao meu colonial amigo, evoca um passeio coletivo à floresta de Absalom através do jogo surrealista do belo como: [29] … belo como o encontro na floresta antilhana, no coração de uma clareira iluminada por uma fina luz sangrenta, de um canibal e de uma mulata[30] de tez de cinza, o que retoma um texto anterior de Suzanne Césaire, repetindo-lhe a frase sem indicar a fonte: A poesia da Martinica será canibal. Ou não será, apenas com mudança da pontuação. A frase final –Deixai passar nas Caraíbas tumultuosas, à altura do gavião, a voz total, mortal, exaltante da poesia – retoma e sintetiza o início do Cahier em que o narrador descreve as Antilhas em voo planado de um grande pássaro que desce progressivamente à terra, numa espécie de zoom cinematográfico.

– Lucie Thésée, no texto seguinte, joga o jogo adotado pelos surrealistas do belo como… em 16 frases. Na verdade, os Surrealistas se inspiram de um trecho do célebre poema em prosa, Les Chants de Maldoror, sobretudo canto VI, de Lautréamont, publicado em 1869. O que interessa constatar é que o grupo de Tropiques está a reler Lautréamont, sob a ótica de Breton, o que aparecerá de forma espetacular no nº duplo 6-7, o número seguinte, de fevereiro 1943.

– René Ménil, em “Cores de infância, cores de sangue”, apresenta um longo poema em prosa, de quase três páginas e meia, em torno dos seus sonhos. O título “Cores de infância, cores de sangue” retorna como fecho do poema.

– “A lanterna surda”, poema em prosa de André Breton tem a seguinte dedicatória: a Aimé Césaire, René Ménil, Georges Gratiant, a quem devo uma tarde inesquecível. Se a dedicatória é uma alusão ao passeio coletivo na floresta tropical de Absalom, as mulheres desapareceram sintomaticamente (Suzanne, Jacqueline, Helena), o que de certa forma é bem característico de Breton.

Querem ouvir a voz do oráculo?: a pergunta abre a descrição do jogo surrealista do cadavre exquis (=cadáver delicioso) que os tradutores apressados no Brasil e em Portugal traduzem erroneamente, ignorando os falsos amigos entre as duas línguas (o português e o francês), por “cadáver esquisito”, seguida de uma série de quinze exemplos. A tradução cadáver esquisito, tão disseminada, além de não corresponder ao sentido, em francês, de exquis (nem aliás, em espanhol de esquisito), destrói completamente a conotação gastronômica da frase inicial: le cadavre exquis boira le vin nouveau.

– Em “Malestar de uma civilização”, Suzanne Césaire retoma a distinção do seu texto inicial (cf. Tropiques I, de abril de 1941) aplicando a análise de Frobenius à Martinica. A última frase é voluntarista: Esta terra, a nossa, só pode ser o que queremos que ela seja.

– O texto de Césaire retoma a leitura de Mallarmé, destacando o paradoxo fundador: uma gigantesca aventura intelectual, à margem de uma deficiência física e, de forma muito criativa do ponto de vista crítico, destaca curiosas analogias entre o poema de Mallarmé com o conto de Villiers de l’Isle Adam, Véra. O leitor surpreende-se com a qualidade e a erudição de Césaire numa revista dirigida essencialmente a jovens estudantes de uma pequena cidade colonial numa periferia americana: o artigo é relativamente longo (9 páginas).

– O último texto, “O que significa para nós a África?”, junta uma introdução, sem indicação de autor, com uma longa citação de Frobenius (Histoire de la civilisation africaine, 1933, NRF). Provavelmente de Suzanne.

Errata: todas as gralhas corrigidas são do poema inicial de Césaire.

 

— Nº duplo VI-VII, Tropiques, fevereiro 1943, 65 p.

Sumário:

1. René Ménil: “In memoriam”

2. Aimé Césaire: “Isidore Ducasse, comte de Lautréamont”

3. Lautréamont: “Extraits”

4. René Ménil: “Le dictateur”

5. Aimé Césaire: “Poèmes”

6. Lucie Thésée: “Où va tomber la terre?”

7. René Hibran: “Le problème de l’art”

8. A. Jean-Philippe: “Réflexion sur quelques phénomènes de mimétisme”

9. René Ménil: “Notes sur Mallarmé”

10. Georges Gratiant: “La fortune d’un rêve”

Aristide Maugée: “Revue des revues”

Breve resumo crítico:

– No interior da revista, com o subtítulo, “Aquele que chamávamos o mestre”, René Ménil presta homenagem, em nome da redação, a Jules Monnerot, falecido no ano anterior (Fort-de-France, julho de 1874 – setembro de 1942), obrigado a suspender todas as suas atividades públicas sob o regime do Almirante Robert. Advogado, professor de filosofia e jornalista, Jules Monnerot é o fundador do Partido Comunista da Martinica e do jornal Justice. Último parágrafo do elogio fúnebre: Se a vida tem um sentido, ele existe na morte. Logo que apareceu a morte, esta existência que se simplificava até à lenda, se decantava ainda mais para traçar, como pelo fogo do espírito, a estrada, única, da nossa dignidade. Em nota de pé de página, Ménil deseja que um estudo sério fixe a trajetória e o papel considerável que este professor de civismo verdadeiro, este advogado brilhante, este político humano, este historiador da nossa miséria colonial, representou na geração dos Grandes republicanos.

– Texto muito importante de Césaire sobre Lautréamont em 19 curtos parágrafos, com subtítulo que retoma o jogo da comparação inédita e surpreendente: A poesia de Lautréamont, bela como um decreto de expropriação. Com frases que se tornaram muito conhecidas: Príncipe severo das contorções, Príncipe fulgurante das cesarianas, [31] Deu nascimento, como seu fruto natural, à lógica do absurdo e ao grotesco da lógica. O primeiro a compreender a inquietante demiúrgica inversão da lógica. O artigo confirma a importância da leitura de Lautréamont pelo grupo. A leitura de Césaire parte, de certa forma de um poema de Breton e desenvolve-se, de forma original, a partir da imagem positiva (sic) do vampiro. [32]

– Pequena antologia de Les Chants de Maldoror, com citação de passagens tiradas de: a) o prefácio; b) o hino ao polvo (canto II); o hino ao piolho (canto II); a dualidade do ser (canto VI); a morte de Mervyn (canto VI) em longa citação, artigo com 4 páginas e meia.

– Delicioso conto surrealista de René Ménil, intitulado “O ditador”. Amante de trevos de 4 folhas e habitando uma torre, o personagem central desvela desde a primeira frase o seu aspecto inquietante-grotesco: O ditador caminhava na pradaria. Sem muito pensar, colhia trevos de 3 folhas e, sem muito pensar, seja pela saliva, seja por discreta sutura, seja por hábil dissimulação, fazia trevos de 4 folhas. O conto incorpora discursos do ditador sobre seus projetos. Última frase: O trevo, no céu, se tinha acentuado com luz florescente, e dir-se-ia, hipnótica. O ditador, no elevador, esmigalhava entre os dedos um falso trevo natural de 4 folhas que colhera num dos jardins suspensos da torre de marfim.

– Os poemas de Césaire, neste número, são: “Entrée des amazones” (Entrada das amazonas), dedicado a Pierre Aliker e não retomado posteriormente; “Fantômes à vendre” (Fantasmas à venda), dedicado a Georges Gratiant e igualmente não retomado posteriormente; “Femme d’eau” (Mulher d’água) e “Tam-tam de nuit” (Batuque noturno), ambos retomados na edição de 1946 de Gallimard (Les Armes miraculeuses).

– Lucie Thésée assina um longo poema em prosa, “Onde vai cair a terra?”


– René Hibran, magrebino, nascido em Túnis em 1912 e chegado à Martinica no início dos anos 40, é, então, diretor da Ecole d’Arts appliqués de Fort-de-France que abre as portas no mesmo ano de 1943: o seu texto “O problema da arte na Martinica. Uma opinião” repete a desoladora constatação sobre a pobreza artística e cultural da ilha. Primeira frase: Quem se interessa por arte, quando chega de barco à Martinica, espanta-se por não existir arte local ou tão pouco, tão reduzido nas suas manifestações. Fim do último parágrafo sobre o habitante da Martinica: Uma estética étnica permitiria apaziguar um conflito interior que o torna estéril, libertando-o, ao tomar consciência da sua verdadeira personalidade, desenvolvendo-se do ponto de vista artístico seguindo a sua ‘nuance’ sem de nada abdicar, nem das diferentes contribuições que nele existem. Repete-se assim, dois anos mais tarde, o mesmo diagnóstico do primeiro texto de Tropiques, de 1941 sobre a miséria cultural da Martinica.

– O texto “Reflexões sobre alguns fenômenos de mimetismo” abre-se com duas citações de Diderot (Le rêve d’Alembert) e de Flaubert (Saint Antoine) explorando a contiguidade aparente dos reinos na natureza: a) as flores-insetos; b) os animais-flores; c) o animal-homem (em particular a manta religiosa, o Bernard-l’hermite, [33] o sapo de mar). No final, distingue mimetismo defensivo e agressivo. Termina com uma citação de Novalis: A natureza tem espírito, humor, fantasia etc. Há caricaturas naturais entre os animais, as plantas. A natureza divertiu-se sobretudo no reino animal: aí se mostra absolutamente humorística.

Artigo nunca citado pela crítica e que pode ser útil aos tradutores e leitores da poesia de Césaire: pode explicar, de certa forma, o seu gosto pela metamorfose e a sua fascinação pelas enciclopédias de botânica.

– René Ménil com “Notas sobre Mallarmé” retoma um diálogo interno da revista – sobretudo com Césaire – sobre a poesia francesa contemporânea. [34] A última parte é voluntariamente polémica: Mallarmé no ápice de uma história em que alguma coisa podia ainda ser feita por reflexão./Suprema poesia./ Mallarmé tão perto de fazer o grande salto, para. E Ménil termina as suas notas articulando Mallarmé a Breton, como aquele que não estancou na sua trajetória.

– Georges Gratiant assina um conto surrealista, “Fortuna de um sonho”, escrito em “abyme”( ou seja, com uma história dentro de outra história) na 3ª pessoa, superpondo tempos e espaços diferentes. Primeira frase: E Melânia nos contou isso:… Um adendo, igualmente na 3ª pessoa, conta que Melânia recebeu uma carta, de um certo Vilo H., habitante da rua Schœlcher de Caiena (capital da Guiana francesa). Finalmente um Jornal – La Dépêche coloniale (=o Correio colonial) – noticia a prisão de um terceiro homem preso na rua “Bons-Enfants”, acusado de roubo numa joalheria. O conto de Gratiant é um exemplo típico de conto surrealista onde a ação atravessa vários tempos e espaços.

– Sob assinatura de Aristide Maugée, a Revista das revistas e Correspondências dá conta de vários eventos e novidades:

a) a difusão da revista Tropiques nas Antilhas e no continente americano (grandes vozes amigas nos dizem o seu afeto e a sua simpatia, para além do mar das Caraíbas, em Cuba, Curaçao, México, Nova York);

b) no México, anúncio da Antologia de mitos, lendas e contos populares da América, projeto de Benjamin Péret;

c) publicação, em Cuba, da tradução em espanhol do Cahier d’un retour au pays natal, por Lydia Cabrera, ilustrada por Wifredo Lam e precedida por um prefácio assinado por Benjamin Péret, do qual são citados quatro parágrafos. [35] Citamos o último: Tenho a honra de saudar aqui o primeiro grande poeta negro que rompeu todas as amarras e avança sem se preocupar com nenhuma estrela Polar, com nenhum Cruzeiro do Sul intelectual, guiado apenas pelo seu cego desejo…

d) longo texto anunciando a exposição de gouaches de Wifredo Lam em Nova York, acompanhado pelo texto de Pierre Mabille, datado de Havana, 4 de agosto de 1942;

e) de Nova York, artigo importante de André Breton, na revista que dirige: Prolegômenos ao 3º manifesto do surrealismo e

f) na mesma revista de Nova York, um poema em prosa de Breton: Pequeno intermezo profético.

– Na última página da revista Tropiques, anúncio da exposição – já realizada – de René Hibran, em Fort-de-France, em dezembro de 1942.

 

— Nº duplo VIII-IX, Tropiques, outubro 1943, 65 p.

Sumário:

1. Aimé Césaire: “Maintenir la poésie”

2. Charles Duits: “Poèmes”

3. Aimé Césaire: “Poème”

4. Suzanne Césaire: “1943: le Surréalisme et nous”

5. Jorge Cáceres: “Poema”

6. René Ménil: “Evidences touchant l’esprit et sa vitesse.

7. F. Laurencine: “Faune et flore de l’inconscient”

8. S. Jean-Alexis: “Note sur le hasard”

9. Lucie Thésée: “Poème”

10. Georges Gratiant: “Volcan éteint”

11. Armand Nicolas: “La traite des nègres”

Breve resumo crítico:

– Aimé Césaire abre o número invocando sucessivamente os poetas Baudelaire, Rimbaud, Breton, Valéry, Claudel (nunca tão fulgurante quando cessa de ser católico). Na última frase, soam, ao mesmo tempo, o espírito de Lautréamont e a inversão da punição de Prometeu pela sua hubris: E pretendemos, fieis à poesia, mantê-la viva: como uma úlcera, como um pânico, imagens de catástrofes e de liberdade, de queda e de nascimento, devorando sem fim o fígado do mundo.

– De Charles Duits (1925 – 1991) são publicados dois poemas, “Matin de la chaleur” e “Le chimiste”. Duits, também pintor, é muito jovem, 17 anos na época, estudante na Universidade de Harward (Estados Unidos) e colaborador da revista franco-americana VVV, dirigida por Breton e o pintor David Hare. A revista surrealista, criada em Nova-York, teve apenas 4 números de 1942 à 1944.

– Poema de Césaire: “Avis de tirs”. Será o primeiro poema do volume Les Armes miraculeuses (Gallimard, 1946)

– Suzanne Césaire, com uma epígrafe de um poema do marido ainda em redação, “Batouque”, publica um texto crítico sobre o grupo de Tropiques e o Surrealismo. A última frase é: Surrealismo, corda esticada da nossa esperança, que remete à imagem do funâmbulo que caminha ou dança sobre um cabo ou uma corda. A imagem do funâmbulo já apareceu anteriormente num dos primeiros textos de Suzanne.

– De Jorge Cáceres, um dos chefes de fila do surrealismo chileno e editor da revista de Santiago, Leit-motiv, um seu poema em espanhol com sua tradução em francês, assinada por R. Durand.


– Ménil assina “Evidências referentes ao espírito e à sua rapidez”, dividido em 14 partes, geralmente curtas, em que aborda: o espírito e o inconsciente, a lógica da imagem é a lógica do absurdo, o todo está no todo, a rapidez do espírito, a multiplicação dos poetas malditos, a vidência poética, o pensamento é bio-lógico ou não é, a clareza não está nos objetos, o irracional tem a sua luz diferente, o inconsciente coletivo está no inconsciente individual e vice-versa, a tensão poética se mantém pelo movimento metafórico, o espírito rápido é o espírito-rei, a metáfora é um meio de conhecimento do mundo e do homem. A última frase: o último destino da poesia sendo o de se multiplicar, dialecticamente, em força nua da multidão.

– “Fauna e flora do inconsciente”, de Franck Laurencine (1906 – 1956), tem como subtítulo “estudo de textos automáticos: Le poisson soluble de André Breton.”

– “Nota sobre o acaso” (e não azar como traduziria em português um apressado) aborda a noção surrealista do “acaso objetivo”. Primeira frase: o acaso, noção espantosa. Última frase: por tudo isso acreditamos que a definição mais aceitável do acaso é a que propõe André Breton no Amour fou: o encontro de uma necessidade externa e de uma finalidade interna, ou ainda: ‘a forma de manifestação da necessidade externa que abre caminho no inconsciente humano’.

– De Lucie Thésée, poema intitulado simplesmente “Poema”.

– De Georges Gratiant, poema intitulado “Vulcão extinto.” O vulcão é um elemento geográfico característico da paisagem antilhana. Há dois vulcões importantes: a montanha Pelée, na Martinica e La Soufrière, na Guadalupe. Dois vulcões de tipos diferentes e que aparecerão no imaginário e em toda a poesia antilhana francófona, um que explode e destrói (dito peleano), outro materno, segundo, mais tarde, Daniel Maximin, que fertiliza a terra (La Soufrière).

– Aos poemas do jovem Charles Duits publicado na revista nova-iorquina VVV, articula-se o texto, fruto muito provavelmente de pesquisa na Biblioteca Schœlcher, de um outro jovem, também nascido em 1925, sobre o Tráfico dos negros, assinado por Armand Nicolas, futuro historiador da Martinica e futuro secretário geral do PC da Martinica. Texto dividido em partes: Introdução, Sítio de tráfico: a origem dos escravos, Métodos de compra, O martírio da África, A rota para a escravidão.

– A Errata do nº 8-9 será publicada no volume seguinte.

– Em maio de 1943 a revista é proibida de circular: a censura oficial de Vichy fecha a publicação.

 

— Nº X, Tropiques, fevereiro 1944, 87 p.

Sumário:

1. Aimé Césaire: “Panorama”

2. Aimé Césaire: “Introduction à un conte de Lydia Cabrera”

3. Lydia Cabrera: “Bregantino, Bregantin (conte nègre-cubain)”

4. Victor Brauner: “Du fantastique”

5. René Ménil: “Poème”

6. Lucie Thésée: “Préférence”

7. Aimé Césaire: “Intermède”

8. E. Nonon: “La faune précolombienne des Antilles françaises”

9. Henri Stehlé: “Les dénominations génériques des végétaux aux Antilles françaises. Histoires et legendes qui s’y rattachent”

Breve resumo crítico:

Primeiro número da revista depois da proibição de circular e depois do fim da “Dissidência”, ou seja, o fim do regime de Vichy nos territórios franceses da América. O nº 10 de Tropiques não apresenta nenhum texto de Suzanne Césaire.

– Em “Panorama”, curtos parágrafos (21 ao todo) enquadram uma citação forte de Michelet sobre o Renascimento francês tardio e descreve a situação atual da Martinica que impede o Renascimento da ilha. Primeira frase: Este país sofre de uma revolução recalcada. A última frase: Este sangue a revigora ou estrangula.

– “Introdução a um conto de Lydia Cabrera”, [36] assinada por Césaire, precede a tradução em francês do conto negro-cubano “Bregantino, Bregantín”, traduzido do espanhol por Francis de Miomandre.

– Victor Brauner (Romênia, 1903-Paris, 1966) reproduz a apresentação da sua exposição de pintura com o projeto de uma montagem de seus objetos de escultura juntamente com atores. Evidentemente, os leitores da Martinica deverão imaginar a exposição intitulada “Sobre o fantástico”.

– René Ménil publica um longo poema em prosa. A primeira frase: Colhíamos injúrias do chão para com elas fazermos diamantes.

– Lucie Thésée publica um poema em prosa intitulado “Preferência.”

– Césaire publica um intermédio teatral com o consultante, quatro oráculos, vozes, o Mestre de cerimônia e o Clown, sob o título Et les chiens se taisaient…, drama, uma das muitas etapas preparatórias do longo poema dramático conhecido por este nome e que será publicado no volume Les Armes miraculeuses (de 1946).

– Um longo artigo, de onze páginas, sobre “A fauna pré-colombiana das Antilhas francesas.”

– Um muito longo artigo, de 35 páginas, “As denominações genéricas dos vegetais nas Antilhas francesas”, com o subtítulo “Histórias e lendas”, dividido em várias partes: Denominações genéricas populares; Vestígios caraíbos; Contribuições europeias; Denominações hindus; Denominações genéricas científicas; Aulet e os nomes caraíbas; Raízes gregas ou latinas; Coincidências greco-latinas e crioulas; Papel da ecologia; Nomes celtas; A ciência da Arábia feliz; Contribuição hindu e malaia; Homenagem à divindade; O elemento humano nas denominações racionais; Mecenas e protetores das ciências; Governadores, embaixadores e humanistas; Médicos e farmacêuticos; Lineu e Jussieu; Honra aos agrônomos; Evocação dos exploradores; Religiosos botânicos; Testemunhos de reconhecimento aos precursores; A lenda caraíba da mandioca; Os grandes exploradores e os eruditos sedentários; de Flacourt, Bougainville e Dumont-d’Urville; Centros de irradiação intelectual; Histórias e lendas do café. O artigo, nunca citado, pode ser muito útil para o tradutor de textos antilhanos do francês para o português.

– Errata do nº anterior.

 

— Nº XI, Tropiques, maio de 1944, 64 p.

Atenção: a numeração das páginas muda e passa a ser sequencial em relação ao nº anterior. A revista passa a ser editada pela Imprimerie officielle.

Sumário:

1. Etiemble: “L’idéologie de Vichy contre la pensée française”

2. Aimé Césaire: “Lettre”

3. André Breton: “Un grand poète noir”

4. René Ménil: “Situation de la poésie aux Antilles”

5. Aimé Césaire: “Poème”

6. René Ménil: “La dernière insurrection”

Les livres. Les revues.

Breve resumo crítico:

O número 11 de Tropiques, como o anterior, não apresenta nenhum texto de Suzanne Césaire. O ano de 1944 é importante porque o casal Aimé-Suzanne Césaire, a partir do verão, passa mais de seis meses no Haiti, deixando os filhos com as avós (paterna e materna) em Fort-de-France. Césaire é convidado para um colóquio internacional e uma série de conferências. A Dissidência antilhana já terminou, o que explica a violência crítica dos dois primeiros textos.

– Transcrição da conferência de René Etiemble (1909-2002) feita em Fort-de-France, sob a presidência do novo Governador francês, a 6 de março de 1944. Última frase: Sabemos em todo caso que os homens fazem a sua história, que esta República renovada será em grande parte o que quisermos que ela seja; basta que a nossa vontade seja lúcida e estejamos prontos, por ela, a todos os sacrifícios que ela poderá vir a exigir de nós.

– “Carta aberta à Monsenhor Varin de la Brunelière, bispo de Saint Pierre e de Fort-de-France”. O texto tem uma epígrafe, tirada de Bernanos: Todos esses pios personagens comiam juntos o preço do negro (Nous autres Français). [37] O texto é um ataque vigoroso à política da Igreja diante da escravidão, defende a conferência de Etiemble, faz o elogio de Victor Schœlcher, um ateu que a Igreja combateu. A última frase é irônica: Só me resta, Monsenhor, pedir que creia no meu profundo arrependimento. Segue-se a data: 5ª feira, 20 de abril de 1944.

– “Martinica encantadora de serpentes. Um grande poeta negro” é o prefácio que André Breton acaba de escrever para a primeira edição bilingue francês-inglês do poema Cahier d’un retour au pays natal, a ser publicada pelas Editions Hémisphères e que será reproduzida posteriormente pela edição de Présence Africaine, de 1956. A primeira frase recorda Abril 1941. A última frase: A palavra de Aimé Césaire, bela como o oxigênio nascente. O texto descreve a surpresa de Breton ao descobrir, na sua chegada à Martinica, o poema de Césaire na vitrine de uma lojinha do centro de Fort-de-France.

– René Ménil refaz o panorama literário da Martinica: “Situação da poesia nas Antilhas.” Primeira frase: Todo renascimento põe na ordem do dia a velha querela do fundo e da forma. O fim do texto aborda o romantismo: O romantismo antilhano aí está com sua nova concepção da beleza crioula. E resume: Romantismo antilhano: movimento cultural do povo antilhano tomado convulsivamente pelo sentimento da sua própria vida. Concebido em 1932 em ‘Legítima defesa’, esse movimento só foi efetivamente desenvolvido em 1940, de modo insólito, por voluntária sugestão poética. Foi constantemente orientado por meio de técnicas seguras, vindas das ciências humanas, tais como a psicanálise, o materialismo histórico, a etnografia. O mestre operador desta revolução foi Aimé Césaire. O texto revela claramente a face de Ménil, ideólogo marxista.

– O poema em questão de Césaire é ainda um trecho de Et les chiens se taisaient (ato I).


– “A última insurreição” é um magnífico exemplo de conto surrealista de René Ménil, narrado na primeira pessoa. Uma “cabeça cortada” [38] – no caso feminina – é jogada no meio dos negros de uma aldeia fantástica denominada “Rivière-aux-écailles” (= Rio das Escamas). A cabeça é de Méloré, a amada do narrador. Num pátio pendem três cadáveres – igualmente femininos – enforcados, e um eles sorri. Numa assembleia secreta, se reúnem dois padres e duas mulatas sob o olhar intruso do narrador, voyeur. Este, saindo do labirinto secreto, encontra a seguir uma mulher de uma beleza terrível com quem faz amor. Ela insinua que Méloré não amava o narrador: é a liberdade de espírito que ela procurava nos teus braços. E mais ainda, talvez ela pensasse no outro enquanto te beijava. No final, sob os faróis/holofotes que iluminam o céu, ela propõe: vamos ver como dorme a cidade. O conto lembra o clima de um filme de Dalí ou de Buñuel. É uma das joias escondidas, a meu ver, de Tropiques, e o conto surrealista apresenta a outra face de Ménil, poeta em prosa.

– A resenha sobre “Os livros” é precedido por dois parágrafos, sem assinatura e em itálico, apresentando Georges Bernanos: As ideias de Bernanos… melhor do que as ideias de Bernanos, seria necessário falar dos temas de Bernanos. Todos os conhecem: tema da burguesia parasita, tema do dinheiro-rei, tema da civilização mecânica, tema da demissão das elites, tema da honra cristã, tema da velha França, tema da caridade em marcha, tema da grande conspiração dos medíocres, tema do ‘realista’, tema da igreja, tema de Maurras e… Tudo isso é retomado e desenvolvido pela ‘Carta aos Ingleses’ com uma paciência exemplar, uma bonomia terrível, uma força admirável. [….] …as páginas nas quais ele analisa implacavelmente os dois grandes fenômenos que dominam a história moderna: a subida e a traição da burguesia. O texto pode ser de Ménil, o ideólogo, ou de do próprio Césaire, seguido de três enxertos, como uma pequena antologia de Bernanos, apresentados da seguinte maneira: a) citemos; b) e eis aqui agora a traição da burguesia e c) e o mecanismo desta traição é admiravelmente desmontado: hipocrisia, egoísmo, rancor.

– Seguem-se enxertos de George (sic) Gorse, “Dimensões da guerra” acompanhado de “Sobre heróis e chefes”, textos apresentados da seguinte maneira: “dois ensaios muito inteligentes e admiravelmente escritos”. O primeiro foi impresso ainda em Beirute (imprensa do jornal francófono La Syrie et l’Orient, de 1943). A resenha termina com a observação: demonstração de um enxerto impressionante de ‘Le gai savoir’ (= A Gaia ciência) que prova claramente (se ainda fosse necessário) a filiação Nietzsche-Hitler: ‘o Estado militar aparecerá como o último meio para manter as grandes tradições, o tipo superior do homem, o duro. As concepções que eternizam a inimizade e as distâncias sociais dos estados podem aí encontrar a sua sanção, por exemplo, o nacionalismo, o protecionismo aduaneiro?’

Faz-se ainda a resenha de um terceiro ensaio de George Gorse, intitulado “Nossa paz” (editado em francês, no México, em 1941). A resenha, sempre sem indicação de autor, assim termina: Veem-se os limites do livro: livro reformista porque ‘possibilista’, mas livro lúcido, corajoso, prático; livro básico para discussões no futuro. Útil ainda talvez porque nos faz compreender a urgência da Revolução. Interessa notar ainda a troca de informações que circula, através de Tropiques, com o final do bloqueio naval.

– A secção “As revistas” apresenta a revista Hémisphères, circulando em Nova York, sob a direção de Yvan Goll. A revista dedicara o seu nº duplo 2-3 unicamente às Antilhas. Um dos artigos é justamente “Descoberta de Tropiques” (sic), o outro sendo a retomada do texto de Breton sobre Um grande poeta negro. A revista de Goll [39] faz alusão a Cuba, Haiti, Porto Rico, Guadalupe, Martinica, Trindade e reproduz quatro desenhos de Masson, inspirados pela mulher e a floresta da Martinica (sic).

Número sem errata.

 

— Nº XII, Tropiques, janeiro de 1945, 68 p. (em numeração agora contínua em relação ao número anterior e impressão realizada pela Impressa do Governo, sic.)

Sumário:

1. Aimé Césaire: “Georges Louis Ponton”

2. Aimé Césaire: “Poésie et connaissance”

3. Pierre Mabille: “La Jungle”

4. René Ménil: “Introduction à 1945”

5. Francis Picabia: “Poème”

6. Lucie Thésée: “Poème”

7. A. Carpentier. Revue des revues.

Breve resumo crítico:

Note-se inicialmente que a revista, impressa agora na Imprensa oficial do governo da Martinica, os títulos dos artigos, no corpo da revista, não correspondem exatamente aos do sumário e não há mais errata, embora esta seria, por vezes, necessária. Por exemplo, no sumário, Francis Picabia aparece simplesmente como Picalia (sic).

Neste resumo crítico transcrevemos os títulos, assim como aparecem no corpo da revista.

Note-se ainda: é o terceiro número sem nenhuma contribuição de Suzanne Césaire. Esta, de saúde frágil, está ocupada ainda pela maternidade e filhos.

– “Georges-Louis Ponton, Governador da Martinica”: texto de homenagem de Césaire ao antigo governador da ilha (anterior ao regime de Vichy), falecido a 31 de julho de 1944. Primeira frase: Ele tinha vindo entre nós, na hora do nosso maior desastre. E ainda: na verdade, nada o assustava. Nem mesmo a selva Martinica. Último parágrafo: Era porque, de vez em quando, no alto de um morro, um camponês, uma catana na mão, parava, tirava da testa a varíola do suor, sacudia seu velho cansaço e retomava o sulco com passo mais firme pensando que havia ainda, lá longe, para os lados de Fort-de-France e perto do escritório, um homem que, enquanto lá estivesse, evitaria o escândalo da Reação triunfante: Georges-Louis Ponton, um puro.

– “Poesia e conhecimento”: trechos do mais importante texto teórico de Césaire sobre poesia, extraídos de uma comunicação apresentada no Congresso de Filosofia, de Haiti. Opõe conhecimento científico e conhecimento poético. Seguem-se sete proposições que são um resumo e uma clarificação do seu pensamento. Termina por uma definição do poeta: O poeta é este ser muito antigo e muito novo, muito complexo e muito simples que, nos confins vividos do sonho e do real, do dia e da noite, entre ausência e presença, procura e recebe no estourar repentino dos cataclismos interiores a senha da conivência e do poder.

– “A selva”, de Pierre Mabille, com o subtítulo “Da importância adquirida pela crítica de arte na época contemporânea”, com 15 páginas, apresenta a pintura contemporânea em Cuba, dividida em quatro partes: a) da pessoa de Wifredo Lam; b) sobre acontecimentos singulares que tiveram lugar em Paris no início do século; c) de volta ao país natal e d) uma noite na planície de Haiti, para terminar comparando a selva viva do mestiço Lam com a selva sinistra em que um Fuehrer, inclinado sobre um pedestal, espia, ao longo das colunatas neogregas de Berlim, a partida de coortes mecanizadas, prontas, depois de terem destruído tudo o que existia de vivo, à destruírem-se por sua vez no paralelismo rigoroso de cemitérios sem fim. Datado de Havana, maio 1944.

– De René Ménil, um novo texto teórico muito importante intitulado “O humor: introdução a 1945”, a ser lido integralmente e em que destaca, na longa história do humor, sucessivamente, Sócrates, Lautréamont e Dada. E na poesia moderna e contemporânea: Baudelaire, Breton, Éluard, Langston Hughes e Césaire para exaltar os tiros de salva do humor atroz. Num parágrafo precedente descreve o humor camponês nas Antilhas: No camponês antilhano, é preciso confessar, sempre existiu um humor que geralmente se ignora mas do qual se encontra a expressão quotidiana nas piadas e nas canções em que o negro se toma como alvo dos seus sarcasmos.

– De Francis Picabia, [40] uma seleção de curtos poemas, com o subtítulo “Pérolas aos porcos”: “Minha amiga”, “Poema da Esperança”, “Do outro lado”, “A criança” e “Curiosidade.”

– De Lucie Thésée, um poema e um conto intitulado “Profunda alegria”.

– Na Revista das revistas: a) um longo texto de Alejo Carpentier, retirado da revista haitiana Cahiers d’Haïti de janeiro de 1944, intitulado “A evolução cultural da América latina” e b) um texto de Pierre Mabille, intitulado “Panorama haitiano”, retirado da mesma revista, do número de março do mesmo ano.

Sem errata e, pela primeira vez, a indicação da tiragem de Tropiques do exemplar: 450 exemplares.

 

— Nº XIII-XIV, Tropiques, 1945 (sem indicação de mês), 50 p. (em numeração contínua em relação ao número anterior e impressão realizada pela Impressa do Governo, sic.). [41]

Sumário:

1. Aimé Césaire: “Hommage à Schœlcher”

2. V. Schœlcher: “Quelques textes”

3. Pierre Loeb: “Peinture”

4. Aimé Césaire: “Poème”

5. Suzanne Césaire: “Le grand camouflage”

Breve resumo crítico:

Sem indicação de mês (na verdade no segundo semestre de 1945), com o menor número de páginas da coleção (apenas 50), sem resenhas, pela primeira vez sem texto de René Ménil, [42] no retorno da longa temporada passada em Haiti pelo casal Césaire, com a maior tiragem da revista, ainda que bastante modesta, depois do final da II Guerra no Ocidente, [43] celebrado a 8 de maio de 1945, depois das sucessivas rendições dos exércitos alemães entre o final de abril e início de maio. Uma página está virada. O número é composto por cinco artigos, fechando com o mais longo texto de Suzanne Césaire, uma meditação poética a partir da geografia.

Os textos serão citados abaixo como aparecem no corpo da revista.

– “Homenagem a Victor Schœlcher”, discurso pronunciado por Césaire a 21 de julho de 1945, no dia da festa tradicional do liceu de Fort-de-France dedicada ao “libertador” dos escravos. Poderia ser comparado com avaliações posteriores da figura histórica (Glissant, por exemplo, em Le discours antillais, de 1981) como o iniciador de um processo de assimilação à francesa. O último parágrafo é revelador do sentido realista de Césaire face à sua ilha: Não lhe faltou nem mesmo, como se crê às vezes, pensar de forma lúcida, à moderna, as condições da liberdade: perceber que deixar o negro livre mas despojado num tête-à-tête anárquico com o colono rico, é entregar a liberdade negra a todas às aventuras de uma falsa democracia; que, onde não existe segurança econômica, a base da liberdade é nula, sem a qual ela tropeça, se rompe e vacila, fascinada pela sua própria queda, esmagada pelo seu próprio peso… Esta conclusão, citada ipsis litteris, é precedida por um reflexão – interessante – sobre a França, a metrópole: Este é o muito alto ensinamento de Victor Schœlcher. Não é inútil meditar, creio eu, sobre a França na hora em que ela se inquieta pelo seu próprio destino e se interroga sobre o melhor meio de administrar os milhares de homens que vivem no que se convencionou chamar o Império. Victor Schœlcher é um homem atual em toda força da palavra. Nenhuma das qualidades que requer a gravidade do momento falta a Victor Schœlcher. Contra a timidez nos projetos, há um antídoto: o espírito de Victor Schœlcher. Contra a propensão à tirania, há um antídoto: o espírito de Schœlcher. Contra o preconceito e a injustiça, há um antídoto: o espírito de Victor Schœlcher.

– Sem que apareça isso claramente no Sumário, sob o título Victor Scholecher. Alguns textos, é montada um dupla antologia opositiva que traz, à memória atual, o grande debate, ainda dos meados do século XIX, sobre a escravidão na França e sua abolição:

a) inicialmente, enxertos do próprio Schœlcher, tirados das suas publicações Des Colonies françaises e Abolition de l’esclavage, e ainda a discussão da citação apócrifa de Robespierre: périssent les Colonies plutôt qu’un principe (= morram as colônias antes que um princípio) e

b) a seguir, sob o título geral “Os que odiavam Schœlcher”, surgem os textos, um deles francamente caricatural, [44] com os subtítulos “Alguns trechos do jornal La Défense nationale”, “Schœlcher visto pelos escravagistas”, “A contra ofensiva dos negreiros” e “Victor Schœlcher põe em guarda o viajante contra a camarilha dos proprietários de Plantações”, reunidos em outra mini-antologia grotesca.

Para o leitor brasileiro, lembramos que a abolição da escravidão na França é feita no papel (e não aplicada) em 1793 durante a Revolução francesa, a abolição definitiva sendo só finalmente votada e oficializada, em 27 de abril de 1848 pelo governo provisório da IIª República, pela lei Victor Schœlcher.

– “A pintura e o tempo presente”, conferência feita no Liceu Schœlcher a 2 maio de 1945, por Pierre Loeb. [45]

– “Poema” é ainda um excerto de uma das versões de uma tragédia a ser publicada. No caso, trata-se ainda de “Et les chiens se taisaient…”

– O texto de Suzanne Césaire, “A grande camuflagem”, [46] ocupa uma posição estratégica. É o fecho de Tropiques. Seu marido acaba de ser eleito maire de Fort-de-France, mandato que conservará até 2001.

 

Os colaboradores mais frequentes de Tropiques são:

1. Aimé Césaire com 25 textos assinados e mais 1, assinado conjuntamente com René Ménil sobre contos orais e ainda provavelmente outros textos sem assinatura assinalados anteriormente;

2. René Ménil com 14 textos e mais 1, assinado conjuntamente com Aimé Césaire sobre contos orais e ainda provavelmente outros textos sem assinatura assinalados anteriormente;

3. Suzanne Césaire com 7 textos e muito provavelmente mais 3 ou 4 resenhas sem assinatura assinaladas anteriormente;

4. André Breton com 6 textos;

5. Lucie Thésée com 5 textos;

6. Georges Gratiant com 3 textos;

7. Pierre Mabille com 3 textos;

8. Aristide Maugée com 3 textos;

9. Henri Stehele, botânico trabalhando na Martinica, com 2 textos sobre fauna e flora e

10. Georgette Anderson com 2 textos sobre comparação das artes (música e poesia).

 

4. As metamorfoses do surrealismo a partir das Antilhas

Para melhor descrever as influências e as irradiações que se cruzam, optou-se por apresentar a revista Tropiques a partir de duas perspectivas diferentes: inicialmente do ponto de vista antilhano e a seguir do ponto de vista dos que chegam como refugiados à América.

 

4.1. A contribuição do trio fundador à revista Tropiques

A revista desde o início abrigou uma grande diversidade de artigos desde que, de certa forma, estivessem ligados às Caraíbas e à América em geral. Já descrevemos a contribuição de Suzanne Césaire [47] e de René Ménil, em números anteriores de Agulha, cabe-nos agora destacar a contribuição de Aimé Césaire.

Creio que a descrição de cada número na sua diversidade e na sua evolução ao longo de três anos permite ao leitor de hoje fazer uma ideia da contribuição de Césaire. Os três fundadores históricos de Tropiques não só possuem personalidades bastante diferentes como as suas trajetórias de criação e produção divergem.

A trajetória de Suzanne Roussi, Césaire pelo casamento, é curta e fulgurante como um raio: depois de sete textos (dos quais apenas o último é mais longo), concentrados num curto período, ela desaparece como escritora, ainda em vida. Suzanne anuncia temas que serão desenvolvidos por seus colegas masculinos, encontra fórmulas lapidares que serão retomadas por seu marido e amigos, assina a crítica mais radical nas resenhas de outros poetas em Tropiques. Escreve ainda uma peça de teatro inspirada num conto de Lafcadio Hearn, que foi representada em Fort-de-France, depois da guerra, mas cujo texto se perdeu: de certa forma, Suzanne antecede a virada de Césaire para o teatro que só se dará nos anos 60.

René Ménil é juntamente com Suzanne, o teórico de Tropiques, leitor dos alemães (no grupo, é o único que lê alemão) e ainda poeta em prosa de textos ao mesmo tempo ferozes, humorísticos e líricos. Como poeta, sempre em prosa e nunca em verso, é o herdeiro de uma dupla tradição: o romantismo alemão e a poesia da revolta francesa, de Rimbaud e Lautréamont. Depois da aventura coletiva de Tropiques, Ménil envereda por uma carreira de ensaísta, de formação marxista, fazendo a transição da sua geração para os ensaios de Fanon, de Glissant e seus seguidores do movimento da “antilhanidade”. Discute e assina juntamente com o amigo Aimé Césaire sobre pelo menos dois temas fundamentais sobre literatura oral, humor e Lautréamont. Seria urgente traduzi-lo para o português e igualmente para o espanhol como reflexão importante sobre as problemáticas da descolonização e da identidade americana, nas suas múltiplas camadas de significação (en pâte feuilletée, como diria Lévi-Strauss) e suas temporalidades divergentes. É o primeiro a publicar uma avaliação crítica de Tropiques, tanto do ponto de vista individual como coletivo.

Aimé Césaire, por sua vez, tem a trajetória mais longa e diversificada do grupo. Sua obra abarca poesia, teatro (quatro peças importantes, de cunho histórico, todas com diferentes versões), ensaio (crítico e histórico), discurso, tradução de poesia. Ele só não fez romance nem conto. Em Tropiques, ele abre a revista-laboratório a textos outros, inclusive sobre botânica. Sua curiosidade parece inesgotável e sua erudição revela-se sólida e muitas vezes espanta o leitor francês ou estrangeiro. Aliás, cada leitor de Césaire constrói aos poucos, para seu uso particular, um glossário e um sistema interno de remissões. E esta trajetória literária coexiste ainda com a sua longa atividade política, ao mesmo tempo legislativa (na Assembleia francesa, em Paris) e executiva, como maire [48] de Fort-de-France durante décadas, além de ter fundado um partido político, o PPM (Parti progressiste martiniquais), depois da sua saída do PCF.

 

4.2. A contribuição de André Breton à revista Tropiques

A chegada de André Breton acompanhado por um certo número de intelectuais e artistas à Martinica, marcou Tropiques assim como os refugiados vindos de Marselha foram marcados pela descoberta sucessiva das ilhas (Martinica, Cuba e Haiti) de diferentes maneiras.

Breton ao descer à terra em Fort-de-France descobre a revista e o Cahier d’un retour au pays natal na sua primeira versão, discute e troca textos com os jovens redatores, conhece a floresta tropical, republica textos já publicados e oferece inéditos, escreve o que virá a ser o prefácio da 2ª edição do Cahier cujo texto, pronto em 1943, só sairá em Nova York por Bretano’s em janeiro de 1947. O intercâmbio é portanto intenso, nos dois sentidos.

A leitura dos resumos dos diferentes números dará uma ideia das trocas entre Nova York e Fort-de-France. Pode-se resumir o intercâmbio da seguinte maneira:

a) o surrealismo, tal como Breton o concebe e dirige até então, torna-se também um fenômeno e um movimento “americanos”, em suas diversas realizações com dinâmica e características próprias;

b) Breton entra em contacto direto com a pintura popular haitiana e a recriação popular de cultos africanos enraizados na América insular, descobrindo a terra que virá a ser a outra terra mãe mítica dos negros escravizados;

c) apesar dos esforços de Breton para manter uma estrita ortodoxia em língua francesa, surgem outros tipos de surrealismo que se expressam em outras línguas e às vezes até mesmo um mesmo poeta publica e se exprime em produção multilingue ou diglóssica;

d) os refugiados vindos de França entram, na América, em contacto com outros refugiados anteriores, vindos da Europa de Leste ou ainda com os refugiados da Guerra civil espanhola em especial em países como México, Argentina, Cuba;

e) no Brasil, a vinda muito precoce dos “futuristas” italianos preparou o terreno ao movimento nacional da antropofagia, desde os anos 20 do século passado, e este, por sua vez, preparou o terreno para a difusão do surrealismo entre nós e

f) o surrealismo de francês ao descobrir um antepassado numa figura impar e praticamente desconhecida até então, que se desenvolve em Montevideu entre duas línguas (uma em que escreve e outra, oculta, da sua infância de órfão de mãe) num curto período tempestuoso entre dois cercos (o de Montevideu e o cerco de Paris), depois de uma experiência de internamento num liceu na província francesa: Isidore Ducasse, conde de Lautréamont.

A diversidade do surrealismo vem sendo exposta pelo trabalho de Floriano Martins na Agulha Revista de Cultura.


NOTAS

1. O navio dispunha de um número muito reduzido de camarotes para passageiros, um dos poucos aliás era ocupado por Claude Lévi-Strauss e sua mulher.

2. A expressão é de Aimé Césaire e quem já sobrevoou as Antilhas de avião pode avaliar a justeza da metáfora.

3. No momento da criação de Tropiques, abril de 1941, do grupo, René Ménil e Aristide Maugée, ambos nascidos em 1907, são os mais velhos, com 34 anos. Césaire e Suzanne, nascidos respectivamente em 1913 e 1915, não completaram ainda 30 anos.

4. Consultar o texto de Ménil, in Agulha (março de 2022) com a análise da sua apreciação crítica fundamental: ela implica uma distanciação e uma autoanálise individual e coletiva, marcada pelo marxismo.

5. As assinaturas aparecem por ordem alfabética de sobrenome.

6. Refiro-me ao filme de Howard Hawks, To Have and Have not, traduzido no Brasil por “Uma aventura na Martinica”. O filme foi lançado em outubro de 1944, com Humphrey Bogart (Harry Morgan), Walter Brennan (Eddie), Lauren Bacall (Slim), Dolores de Moran (Hélène de Bursac), Walter Molnar (Paul de Bursac), argumento de Jules Furthman e William Faulkner (sic), baseado em livro homônimo de Ernst Hemingway. No Brasil, o filme recebeu o nome Uma aventura na Martinica, enquanto, em Portugal, manteve-se o jogo do título inglês, Ter e não ter. À primeira vista, esta célebre obra de Hawks faz lembrar Casablanca, filme do ano anterior, com que muitas vezes foi comparado. Comparação que, evidentemente, não tem apenas que ver com Bogart. A ação situa-se, como a do filme de Curtiz, durante a guerra e numa zona sob administração francesa (Martinica), onde é possível a coexistência entre os esbirros de Vichy (detentores da ordem) e uma vasta fauna de refugiados. Como em Casablanca, um casal de refugiados (os Bursac) procura, por todos os meios, fugir para zonas livres. Como em Casablanca, Bogart começa por não estar em nenhum lado (‘What are your simpaties?’ pergunta-lhe o Capitão Renard – ‘Minding my own business’, responde Bogart) e acaba por arriscar a pele para salvar os resistentes. Como em Casablanca, o café tem um lugar central e é o lugar geométrico de toda a ação (Apresentação da Cinemateca portuguesa, assinada por João Bernard da Costa). E como Casablanca, acrescento eu, há canções míticas no bar onde todos se reúnem, pontuando aliás de forma lírica a intriga central sobre o desaparecimento de uma grande soma de dinheiro. O filme, debaixo da sua aparência de ação e romance, é uma massa folhada a ser explorada. Os diálogos são particularmente brilhantes.

Entre nós, o filme é apenas lembrado como o encontro de Bogart e Bacall, quando é lembrado. O desaparecimento dos clubes de cinema nas universidades brasileiras fez desaparecer também, da memória, um testemunho visual absolutamente contemporâneo, mesmo se romanceado, do período da chamada “Dissidência” antilhana.

7. Georges Robert (Courseulles, 1875 – Paris, 1965), oficial da marinha e administrador, sobretudo conhecido como Alto comissário de Vichy para os territórios de além-mar do Atlântico Oeste (Antilhas, Guiana e Saint– Pierre-et-Miquelon), é figura, ainda hoje, bastante controversa. De Gaulle, nas suas Memórias de guerra, comenta a atuação do almirante Robert, por vezes bastante ambígua. Em setembro de 1944, Robert foi acusado oficialmente de colaboração. Seu processo, que durou anos, tem várias peripécias de encarceramento e libertação, sendo por fim reintegrado em abril de 1954 como almirante e não mais sujeito a inquérito a partir de 1957.

8. In VÉRON, Kora. Aimé Césaire. Seuil, 2021, p. 171.

9. Talvez se pudesse mesmo dizer fim “local” da guerra: é apenas no mar semifechado das Caraíbas que termina a guerra.

10. Napoleão Bonaparte, no poder desde 1799 graças ao golpe do 18 Brumário, só se faz sagrar Imperador a 2 de dezembro de 1804.

11. Nem referimos o desconhecimento histórico, por demais evidente. Napoleão enviou, para as Antilhas, tropas francesas que incluíam batalhões poloneses (sic). Destes, cerca de 150 poloneses passaram aos revoltosos e a Constituição haitiana, de 1804, deles não se esquece e os declara oficialmente “negros” assim como as suas mulheres. Conhecemos, inclusive, telas de artistas poloneses sobre feitos heroicos desses legionários brancos na campanha de São Domingos. Sobre o assunto, ver duas telas do pintor polonês, Janvier Suchodolski, ambas no Museu Nacional de Varsóvia: na primeira, a legião polonesa comanda combatentes negros na tomada de uma colina chamada a Colina da palmeira e um soldado negro exibe a cabeça cortada de um oficial francês; na segunda, legionários poloneses, adotam o largo chapéu de palha haitiano para protegerem-se do sol. A análise da Constituição haitiana de 1804 pode ser consultada: ver o nosso ensaio sobre “Textes fondateurs d’Amérique et l’esprit de 89. Analyse de quelques textes historiques (version revue et élargie)”, p. 15 – 46 , in Haiti. 200 anos de distopias. Diásporas e utopias de uma nação americana. Organização de Celina de Araújo Scheinowitz, Humberto de Oliveira, Maximilien Laroche. UEFS, 2004, 430 p.

12. O poema fundador da “negritude” tem pelo menos 4 versões, todas bastante diferentes: Volontés, Paris, 1939; Brentano’s, Nova York, janeiro de 1947; Bordas, Paris, março de 1947 e Présence Africaine, Paris, 1956, esta última dita “definitiva”. Sobre a questão ver, em particular, o Posfácio à nossa tradução do Diário de um retorno ao país natal, EDUSP, 2014.

13. A revista Volontés desaparece logo a seguir, com o início da II Guerra.

14. Para se ter uma noção da mobilidade do Cahier, consultar a sua tradução para o português, em edição crítica e bilíngue, publicada pela EDUSP.

15. O desconhecimento, no Brasil e na América latina, do ensaio de Césaire sobre a revolução haitiana é lamentável sobretudo em relação aos movimentos negros.

16. Ensaio não traduzido para o português, sem dúvida, por ser longo demais: 513 p.

17. Discours antillais. Seuil, 1981, p. 498.

18. É preciso olhar o mapa: a antiga Hispaniola, a segunda maior ilha das Caraíbas, depois do lagarto de Cuba, divide-se em dois países, à esquerda, a grande goela de Haiti (país “diglóssico” do ponto de vista linguístico: crioulo e francês) e à direita, a República Dominicana (de língua espanhola). Diglossia não é bilinguismo. Diglossia supõe hierarquização das línguas faladas por uma comunidade, em que se separam ascensão social e afetividade, língua do poder e língua dos afetos. A poesia de Césaire, como a de outros poetas antilhanos, inclusive de língua espanhola, joga metaforicamente com a forma das ilhas vistas do alto sobre o mar, criando uma geografia simbólica. Haiti é por excelência a grande goela, a Martinica é o “lézard” (=lagarto), a Guadalupe, o “papillon” (= a borboleta).

19. A expressão é de Roger Bastide, in Les Amériques noires.

20. A variedade e importância da pintura popular (ao mesmo tempo documental, histórica e religiosa) em Haiti é um tema que percorre toda a literatura das e sobre as Antilhas.

21. O termo foi formado a partir de Ham, filho mais jovem de Noé. O seu nome é igualmente grafado como Cam. Adotamos Ham, seguindo a lição de Frobenius, que opõe, na sua obra, etíope a hamítico (sic). Enfim, comentários de exegetas rabínicos indicam que a tradução Cam, a mais comum, gerando “camítico” e o preconceito contra os de pele “queimada”, não se justificaria do ponto de vista etimológico.

22. Tudo leva a supor a influência das duas mulheres, a martinicana Suzanne Césaire e a alemã Helena Holzer, intelectualmente mais maduras, sobre Jacqueline Lamba (1910-1993), que pedirá rapidamente o divórcio do seu marido André nos Estados Unidos, iniciando uma experiência/carreira de artista plástica e sobretudo na influência recíproca – esta indiscutível – entre Breton e Césaire, nas suas poéticas. Sobre este último aspecto, Ménil tem um texto bastante convincente no seu volume já citado, Tracées. Enfim, Helena Holzer publica, em inglês, com seu sobrenome de casada (Benítez), um texto importante sobre o intercâmbio que durará, aliás, até o final da vida do pintor cubano, entre Césaire e Lam: ver Helena Benítez, Wifredo and Helena. My Life with Wifredo Lam 1939-1950. Lausanne, Acatos, 1999. Ambos testemunhos – o de René Ménil e o de Helena Holzer – aparentemente são desconhecidos no Brasil. A guerra, com a deslocação de refugiados europeus para a América, pôs em contato um grande número de escritores e artistas. Helena Holzer é uma figura multifacetada a ser estudada e lida: de sólida formação científica, falava correntemente várias línguas e é ela que traduz em espanhol, para Wifredo, o Cahier, de Césaire. Daniel Maximin supõe, o que me parece muito provável, que a primeira tradução do poema para o espanhol, assinada pela etnóloga cubana Lydia Cabrera, teve a sua ajuda, uma vez que o texto é bastante hermético em vários trechos e levanta problemas vários, não só de sintaxe como de vocabulário.

23. A revista é impressa localmente na Impressa do jornal Courrier des Antilles, 32, Rue Perrinon, Fort-de-France, depois dos textos serem aprovados pela censura militar.

24. Jeanne Mégnen, chamada na intimidade Michette, é a companheira de Pierre Mabille, médico ligado a André Breton, também ele com formação médica: Mabille irá instalar-se no Haiti, onde dirige o Institut Français. Isso significa que, ao visitar Haiti, meses mais tarde, o casal Aimé-Suzanne tem já relações na ilha.

25. O leitor encontrará uma leitura do poema “En rupture de mer Morte”, in Vampire liminaire: de Lautréamont aux Césaire. Königshausen& Newmnn, 2019, p. 93-95.

26. O título da peça de teatro desaparecida de Suzanne Césaire era a transposição de um conto de Lafcadio Hearn.

27. Em pleno centro da cidade, frente ao ângulo Norte da principal praça de Fort-de-France, “La Savane”, a biblioteca Schœlcher, obra de 1887, de Pierre-Henri Picq, está classificada oficialmente MH, 1993 (Monumento Histórico). Tem uma boa coleção do século XIX, legada por Victor Schœlcher: 10 mil livros da sua coleção particular e 250 partituras musicais.

28. Enigmas e adivinhações ligam-se, na obra poética de Césaire, ao tema de Édipo diante da Esfinge. Inúmeros dos seus poemas, curtos e longos, possuem, no seu centro mais obscuro, enigmas a serem descodificados pelo leitor.

29. Na verdade, o jogo “belo como…”, retoma uma passagem de Lautréamont (Chants de Maldoror, Canto VI).

30. Nas Antilhas, diz-se chabine: é uma mulata clara, de traços finos, de pele cinza claro, muitas vezes de olhos verdes. A “chabine” é sempre Suzanne Césaire, tanto em Breton como em Ménil.

31. Talvez mesmo uma declaração de filiação intelectual jogando com o seu próprio nome (Césaire) e um parto sangrento (cesariana).

32. Ver o nosso livro sobre o assunto Vampire liminaire: de Lautréamont aux Césaire. Lecture et réécriture. Würzburg, Königshausen & Neumann, 2019, 210 p.

33. Família de crustáceos que carrega uma proteção externa – tomada de empréstimo – ao seu abdómen. Nome científico: Pagurus bernhardus.

34. Ver Tropiques, nº V: “Vues sur Mallarmé”, de Césaire.

35. Trata-se da primeira publicação do Cahier em livro.

36. Lydia Cabrera (La Habana, 1899 – Miami, 1991), etnóloga, pesquisadora cubana. Foi a tradutora para o espanhol da 1ª versão do Cahier, de Césaire, provavelmente com o auxílio da alemã Helena Holzer.

37. O panfleto foi publicado por Gallimard, em 1939, quando o escritor católico já estava no Brasil. Em março de 1938, Georges Bernanos que retornara do autoexílio na Espanha para França, dois meses antes dos acordos de Munique, ulcerado com a fraqueza/covardia dos políticos franceses diante da Alemanha de Hitler, decide exilar-se de novo, embarcando para a América do Sul. Faz escala no Rio de Janeiro em agosto de 1938. Entusiasmado pelo país, aí decide instalar-se e vai para Barbacena (MG) em agosto de 1940, para uma pequena casa numa colina chamada “La Croix-aux-âmes” (Cruz das Almas), onde recebe escritores brasileiros e, em particular, Stefan Zweig e sua mulher, pouco antes do suicídio do casal. Um filme recente, de Maria Schrader, Adeus, Europa, de 2016, retrata o período.

38. O tema da “cabeça cortada” é importante na obra de Césaire, no seu caso, sempre masculina, lembrança de Boukman (hougan, do vodu que liderou o primeiro massacre de brancos proprietários na guerra de Independência no Haiti) e Zumbi (no Brasil). Ver a propósito a nossa análise do poema “Batouque”, in Césaire hors frontières. Poétique, intertextualité et littérature comparée. Würzburg, Königshausen & Neumann, 2015, 400 p.

39. Chamamos a atenção do leitor brasileiro para o poeta e tradutor Yvan Goll, pseudónimo de Isaac Lang, judeu, nascido em Saint-Dié em 1891, pequena cidade situada na Lorena, perto da fronteira com a Alemanha. No tempo da longa duração, Saint-Dié é o centro da “marca” – no sentido latino – ainda merovíngia. Goll morre em Neuilly sur Seine, em fevereiro de 1950, aos 58 anos. Goll é poeta, escritor trilingue (alemão, francês e inglês) e tradutor. É um tipo de surrealista diferente de Breton que só publica em francês e usa sempre a sua mulher (primeiro Jacqueline Lamba e depois, a partir de 1943, a chilena Elisa Bindorff, mais tarde Elisa Breton, como sua tradutora para o inglês ou para o espanhol, na vida corrente). É conhecida a resposta de Breton – negativa – à famosa pergunta: “você é capaz de amar e ir para a cama com uma mulher que não fale francês?”

40. Francis Picabia (Paris, 1879-Paris, 1953), pintor, desenhista e poeta francês, próximo do movimento dadaísta e a seguir do surrealismo.

41. Apesar da indicação de nº duplo, o exemplar XIII-XIV é aquele, no conjunto da revista Tropiques, com menor número de páginas e com maior tiragem: 500 exemplares.

42. Em Tropiques, Ménil publica 15 textos sem contar aquele que assina juntamente com Césaire (Introdução ao folclore martinicano, IV).

43. A rendição oficial do Japão data de 2 de setembro de 1945 com a assinatura oficial da ata por representantes do Imperador Hihorito a bordo do US Missouri.

44. Um texto caricatural sugere o judaísmo de Schœlcher pelos traços de fisionomia: O Sr. Schœlcher tem orelhas pontudas, o nariz longo e adunco, a pele do rosto amarela e repuxada no sentido do comprimento… É um diabo de pacotilha. Nascido numa família católica originária da Alsácia, Schœlcher, na verdade, é maçon e ateu.

45. Galerista francês (1897– 1964), fundador da galeria Pierre, inaugurada em outubro de 1924, rue Bonaparte, em Paris. Loeb expôs pintura surrealista. A galeria muda-se em 1927, e expõe Braque, Dufy, Chagall, Jean Arp. No início da II Guerra, Loeb exilou-se em Cuba por ser de família judia.

46. Consultar a respeito o número já indicado de Agulha Revista de Cultura.

47. Cf. A Grande camuflagem (Papéis Selvagens, 2023). No nosso posfácio à tradução de A Grande camuflagem vimos, muito de passagem como Suzanne deixou a sua marca não só sobre o poema Diário de um retorno ao país natal[1], (como de outros poemas da primeira fase de Césaire, aliás), marca que se pode entrever por leituras cruzadas e o estudo da mobilidade do poema, com seus acréscimos e modificações inúmeras até às terceiras provas da edição dita definitiva, de 1956.

48. Traduzir “maire” por prefeito em português é ignorar totalmente o sistema dual francês em que o “maire” (eleito) de uma cidade coexiste com a figura do “préfet” do “département”, alto funcionário, nomeado pelo governo. Os professores de literatura estrangeira deveriam ler pelo menos um resumo da Constituição do país estrangeiro.

 

 


LILIAN PESTRE DE ALMEIDA | Romanista de formação, ensaísta e tradutora, publica em francês e/ou português sobre literaturas francófonas, literatura comparada, iconografia e iconologia. O nº 115 da Agulha Revista de Cultura, de julho de 2018, publicou uma edição especial sobre o seu trabalho, sob o titulo “Entre o Mediterrâneo e as Caraíbas”. Últimas publicações: Vampire liminaire: de Lautréamont aux Césaire. Königshausen & Neumann, 2019, e os posfácios às traduções de Suzanne Césaire: Escritos de Dissidência (Papéis selvagens, 2021) e Sony Labou Tansi. O ato de respirar (Cultura e Barbárie, 2021), além de: Cousins d’Amérique. Un essai hybride à partir et autour de l’oeuvre de Daniel Maximin (Paris, L’Harmattan, 2023), Eu, laminaria… Últimos poemas, de Aimé Césaire. Edição bilíngue (Rio, Papéis selvagens, 2023), e Pigmentos, Nevralgias, de Léon Gontran Damas. Edição bilíngue Rio, Papéis Selvagens, 2023). Ensaio escrito a nosso pedido, datado de Lisboa, julho-agosto de 2024.




JULIA OTXOA (Espanha, 1953). Poeta, narradora y artista gráfica Entre sus últimas exposiciones : “Llocs de Pas” Espectáculo colectivo audiovisual-MACBA-Barcelona 2006, “Absinthe Review” Nueva York 2007; “New Sleepingfis Review”, Nueva York 2007; “Certamen Internacional de Fotografía Surrealista”, Eibar 2007; “Fragmentos de Entusiasmo”-Catálogo de la exposición Antología de la Poesía Visual española 1964-2006”-“Poesía Visual Española” (Antología) Editorial Calambur,Madrid,2007; “La Fira Mágica”, Exposición colectiva de Poesía Visual Ayuntamiento de Santa Susana Barcelona, 2007; “Homenaje a Manuel Altolaguirre”, Exposición Poesía Visual – Instituto Cervantes en Fez (Marruecos, 2007 ); “Miguel Hernández – Muestra de Poesía Visual” (Universidad Miguel Hernández-Elche, 2008); “Exposición libros de artista”, Museo de San Telmo San Sebastián, 2023; “Tres senderos que convergen”, Centro cultural Oquendo, San Sebastián. Julia Otxoa es la artista invitada de esta edición de Agulha Revista de Cultura.


 


Agulha Revista de Cultura

Número 254 | agosto de 2024

Artista convidada: Julia Otxoa (España, 1953)

Editores:

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ARC Edições © 2024


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