Fragmentos de silêncio é um livro-árvore.
Desde seu primeiro verso – amar o inútil
– até o fôlego final de uma criação que deseja se perder em um rio. Um livro que tece a brevidade da vida com os fios
de cada uma de suas imagens. Não à toa, é uma tessitura que enaltece o dois, como
um símbolo de reflexão. O antagonismo, ou imagem dupla, ou metáfora, reforça todo
o movimento poético do livro, e sua autora o destaca em dois momentos decisivos:
ao evocar a presença do amor em seus dois
corpos, duas almas, e ao sugerir notável senha de sua compreensão ao referir
a busca do dois perfeito ou alucinação compartilhada.
Pois é justamente nessa imagem que ela faz o que anuncia no início da página seguinte:
rasga as roupas do destino. E duas são
também as motivações estruturais do livro, seja pelo moto contínuo de suas metáforas,
o movimento simultâneo de suas representações, seja pela presença da imagem plástica
– Elys Regina Zils é também artista plástica e seu livro está repleto de páginas-folhas
de sua árvore tão singular. Quando em um verso ela pede ao leitor, qualquer um que
esteja passando por seus poemas, que lhe confie seu sonho, percebemos que sua intenção
é a simetria essencial, que a criação, ao expandir-se o faz na direção de uma nova
consequência, a síntese, que não pode ser alcançada de outra forma. Sem, no entanto,
esquecer: somente o múltiplo é permanente.
Em nenhum momento
do livro essa saborosa analogia se revela como nesta página-floresta:
sou a dama sem sombra
a feiticeira que domina a arte
de criar matéria
no espaço nebuloso
as assimetrias da manhã
aspiram à alquimia
mas as sensações essenciais não se tocam
incompatibilidade de ideais?
Este livro-árvore,
Fragmentos de silêncio, de Elys Regina
Zils, com seu sentimento de mundo, emite
os sons mais reveladores, com suas frases
possíveis do que seríamos, sendo sempre outro à nossa porta, em nosso íntimo,
na lonjura mais buscada de todos os abismos, e o faz com essa disciplina existencial
de quem afirma:
enquanto durar a poesia
no prato da loucura
o desejo se lambuza
Agosto de 2024
ELYS REGINA ZILS (Brasil, 1986). Poeta, artista visual, tradutora. Doutoranda e Mestre em Estudos da Tradução pela PGET/Universidade Federal de Santa Catarina. Possui graduação em Letras-Língua Espanhola e Literaturas e Letras-Português também pela Universidade Federal de Santa Catarina/Florianópolis, Brasil. Se dedica à Literatura Latinoamericana, pesquisando principalmente Vanguardas Literárias e Artísticas com ênfase em Literatura Surrealista Latinoamericana. Editora da Agulha Revista de Cultura (2023), revista criada por Floriano Martins. Tradutora, ao lado dele, de sua trilogia dedicada ao surrealismo, Bússola do Acaso. Tem sido responsável ainda, parcialmente, pela curadoria e tradução de poetas hispano-americanos para o Atlas Lírico da América Hispânica, da revista Acrobata. A Sol Negro Edições, casa de livros artesanais, publicou Os elementos terrestres, de Eunice Odio, edição bilíngue organizada e traduzida por ela. Atualmente tem em preparação a tradução de livros de Marosa di Giorgio e Olga Orozco, para a mesma Sol Negro Edições. Recentemente criou a Editora Mamma Quilla, cujo catálogo estreia com O dia dos cinco orgasmos (Leila Ferraz), Susana Wald – Visões vertiginosas da criação (ensaio e entrevista, ERZ) e Fragmentos de silêncio (poesia e colagem, ERZ), todos em 2024.
FLORIANO MARTINS (Fortaleza, 1957). Poeta, editor, dramaturgo, ensaísta, artista plástico e tradutor. Criou em 1999 a Agulha Revista de Cultura. Coordenou (2005-2010) a coleção “Ponte Velha” de autores portugueses da Escrituras Editora (São Paulo). Curador do projeto “Atlas Lírico da América Hispânica”, da revista Acrobata. Esteve presente em festivais de poesia realizados em países como Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Equador, Espanha, México, Nicarágua, Panamá, Portugal e Venezuela. Curador da Bienal Internacional do Livro do Ceará (Brasil, 2008), e membro do júri do Prêmio Casa das Américas (Cuba, 2009), foi professor convidado da Universidade de Cincinnati (Ohio, Estados Unidos, 2010). Tradutor de livros de César Moro, Federico García Lorca, Guillermo Cabrera Infante, Vicente Huidobro, Hans Arp, Juan Calzadilla, Enrique Molina, Jorge Luis Borges, Aldo Pellegrini e Pablo Antonio Cuadra. Criador e integrante da Rede de Aproximações Líricas. Entre seus livros mais recentes se destacam Un poco más de surrealismo no hará ningún daño a la realidad (ensaio, México, 2015), O iluminismo é uma baleia (teatro, Brasil, em parceria com Zuca Sardan, 2016), Antes que a árvore se feche (poesia completa, Brasil, 2020), Naufrágios do tempo (novela, com Berta Lucía Estrada, 2020), Las mujeres desaparecidas (poesia, Chile, 2022) e Sombras no jardim (prosa poética, Brasil, 2023).
ANTONIA EIRIZ (Cuba, 1929-1995). Se graduó de la Escuela de Bellas Artes de San Alejandro en 1957. Participó en la II Bienal Interamericana de México en 1960 y en la VI Bienal de Sao Paulo en 1961, donde su obra recibió una mención honorífica. De 1962 a 1969 impartió clases en la Escuela de Instructores de Arte y en la Escuela Nacional de Arte, ambas en La Habana. En 1963 ganó el Primer Premio en la Exposición de La Habana, organizada por la Casa de las Américas. Al año siguiente, la Galería Habana presentó su importante exposición “Pintura/Ensamblajes”. En 1966 expuso su obra junto a Raúl Martínez en la Casa del Lago de la Universidad Nacional Autónoma de México, y un año después en el 23 Salón de Mayo en París, Francia. Eiriz tenía una forma muy particular de captar su entorno, optando por retratar las situaciones más dramáticas y grotescas de la condición humana, lo que provocó que su obra fuera incomprendida por el gobierno revolucionario, lo que la llevó a jubilarse anticipadamente. A finales de los años sesenta abandonó la pintura y se dedicó a la promoción de formas de arte popular, transformando su casa en un taller donde enseñaba técnicas como el papel maché y los trabajos textiles a la comunidad local. En 1989 recibió la Orden Félix Varela del Consejo de Estado de Cuba, la más alta distinción del país en el ámbito cultural. En 1991 se realizó una exposición de su obra titulada “Reencuentro” en la Galería Galiano de La Habana y en 1994 recibió una beca de la Fundación John Simon Guggenheim. Después de su muerte en 1995, el Museo de Arte de Fort Lauderdale organizó una retrospectiva de su obra: “Antonia Eiriz: Tributo a una leyenda”. Ahora ella es nuestra artista invitada, en esta edición de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 255 | setembro de 2024
Artista convidada: Antonia Eiriz (Cuba, 1929-1995)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2024
∞ contatos
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http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
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