quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

LILA RIPOLL (1905-1967)

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA Agulha Revista de Cultura

 


Lila Ripoll (1905-1967). Poeta, jornalista, pianista. Também teve marcada presença na cena política, integrando a formação inicial do Partido Comunista Brasileiro, quando este ainda não era reconhecido. Suas atividades nessa época, em Porto Alegre, estavam mais ligadas à maestria como professora de música. Ao lado de Delmar Mancuso, montou a peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, e também criou o Grupo de Arte que era voltado ao teatro. Atuou como destacada poeta em uma geração que contava com Dyonélio Machado e Mário Quintana. Seu primeiro livro foi De mãos postas (1938), seguido de Céu vazio (1943), este último tendo recebido uma crítica de Cyro Martins, onde este afirma não haver lugar para o artifício na poesia de Lila Ripoll, porque toda ela está tomada das refrações da alma (…). Todo o livro é um pronunciamento de si mesma, porém diluído no sortilégio das líricas alusões ao inacessível. A obra completa de Lila Ripoll totaliza oito livros, que foram editados de 1938 a 1965.

 

 

GRITO

 

Não, não irei sem grito.

Minha voz nesse dia subirá.

E eu me erguerei também.

Solitária. Definida.

 

As portas adormecidas abrirão

passagem para o mundo

 

Meus sonhos, meus fantasmas,

meus exércitos derrotados,

sacudirão o silêncio de convenção

e as máscaras de piedade compungida.

 

Dispensarei as rosas, as violetas,

os absurdos véus sobre meu rosto.

 

Serei eu mesma. Estarei

inteira sobre a mesa.

As mãos vazias e crispadas,

os olhos acordados,

a boca vincada de amargor.

 

Não. Não irei sem grito.

 

Abram as portas adormecidas,

levantem as cortinas,

abaixem as vozes

e as máscaras

 

que eu vou sair inteira.

Eu mesma. Solitária.

Definida.

 

 

RETRATO

 

Chego junto do espelho. Olho meu rosto.

Retrato de uma moça sem beleza.

Dois grandes olhos tristes como agosto,

olhando para tudo com tristeza!

 

Pequeno rosto oval. Lábios fechados

para não revelar o meu segredo...

Os cabelos mostrando, sem cuidados,

Uns fios brancos que chegaram cedo.

 

A longa testa aberta, pensativa.

No meio um traço, leve, vertical,

indicando uma ideia muito viva

e os sérios pensamentos: o meu mal!...

 

O corpo bem magrinho e pequenino.

Sete palmos de altura, com certeza.

Tamanho de qualquer guri menino

que a idade, a gente fica na incerteza!

 

E nada mais. A alma? Ninguém vê.

O coração? Coitado! está bem doente.

Não ama. Não odeia. Já não crê...

E a tudo vive alheio, indiferente!...

 

Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho.

O espelho é meu amigo. Nunca mente.

No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.

 

E sabe desde quando estou descrente!...

 

 

GRILO

 

Um grilo fere

o silêncio com seu

canto.

Fere ouvidos

fere alma

pensamento

e solidão.

 

Risca o vidro

da janela.

Traça desenhos

no ar. Vai

crescendo

de insistência.

Parece agulha

de vidro. Fina

lâmina cortante

abrindo sulcos

no ar.

 

Vai o canto

se adensando

de mistura

com a chuva

Vai o canto

se adensando

de mistura

com o vento.

 

Grilo e chuva

na janela.

Grilo e vento

na vidraça.

 

Vento e chuva,

grilo e vento

levaram meu pensamento

e o desfolharam

no ar.

 

 

FLORESTA

 

De olhos fechados

mergulho em teu ventre.

Perfumes se encontram

no meu rosto. Braços

apanham meus cabelos.

 

Braços leves, pesados,

amorosos ou rudes,

Braços de cedro

ou espinheiro,

de parasitas

ou cravos selvagens.

 

No ar e na boca

um gosto de erva

amanhecida. Um gosto

de coisa lavada.

Um ar de chuva

e terra. Um gosto

de mundo amanhecendo.

 

Oh, enveredar

por esse mundo livre

e ser uma entre as árvores

que formam o volume

do teu rosto.

 

Enveredar por esse mundo livre.

Conhecer a geografia

do teu peito. Misturar-me

à conversa das folhas

e adivinhar o casamento

secreto das raízes!

 

 

CANÇÃO DA CHUVA

 

Cai uma chuva tão fina

que quase nem molha a gente.

É uma música em surdina

que apenas a alma sente.

 

Junto meu rosto à vidraça

e olho a rua sem pensar.

Fico em estado de graça,

como quem vai comungar.

 

Senhora dos mundos vivos,

Nossa Senhora da Vida,

quantos dias negativos

na minha estrada perdida!

 

Senhora tu não devias

permitir tantos enganos.

Há excesso de alegrias,

e excesso de desenganos.

 

Por onde andaram meus passos

vi sinais de desalentos.

Vaguei por muitos espaços

e senti todos os ventos.

 

Ventos do sul, vento norte,

ventos do leste e do oeste,

tão diversos como a sorte

que tu, na vida, nos deste.

 

Senhora dos mundos vivos,

Nossa Senhora da Vida

quantos dias negativos

na minha estrada perdida!





TARŌ OKAMOTO (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakkenGeijutsu Fudoki (Redescoberta do JapãoTopografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 259 | janeiro de 2025

Artista convidado: Tarō Okamoto  (Japão, 1911-1996)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 





  

 

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