DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA
Agulha Revista de Cultura
POR
QUE SOU FORTE
a Ezequiel Freire
Dirás que é falso. Não.
É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda
vez que hesito…
Cada vez que uma lágrima
ou que um grito
Trai-me a angústia –
ao sentir que desfaleço…
E toda assombro, toda
amor, confesso,
O limiar desse país
bendito
Cruzo: – aguardam-me
as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada,
esqueço!
É que há dentro vales,
céus, alturas,
Que o olhar do mundo
não macula, a terna
Lua, flores, queridas
criaturas,
E soa em cada moita,
em cada gruta,
A sinfonia da paixão
eterna!…
– E eis-me de novo forte
para a luta.
FRAGMENTOS
Minh’alma é como a rôla gemedora
Que delira, palpita, harqueja e chora
Na folhagem sombria da mangueira;
Como um cyáhe gentil de argenteas plumas,
Que fallece de amôr sobre as espumas,
A soluçar a queixa derradeira!
Meu coração é o lothus do oriente,
Que desmaia aos languores do occidente
Implorando do orvalho as lacteas pérolas;
E na penumbra pallida se inclina,
E murmura rolando na campina,
O’ briza, me transporta
ás plagas cérulas.
Ai! quero nos jardins da adolescência
Esquecer-me das urzes da existência,
Nectarizar o fél de acerbas dôres;
Depois... remontarei ao paraizo,
Nos lábios tendo os lyrios do sorriso,
Sobre as azas de mysticos amores.
RESIGNAÇÃO
No silêncio das noites
perfumosas,
Quando a vaga chorando
beija a praia,
Aos trêmulos rutilos
das estrelas,
Inclino a triste fronte
que desmaia.
E vejo o perpassar das
sombras castas
Dos delírios da leda
mocidade;
Comprimo o coração despedaçado
Pela garra cruenta da
saudade.
Como é doce a lembrança
desse tempo
Em que o chão da existência
era de flores,
Quando entoava o múrmur
das esferas
A copla tentadora dos
amores!
Eu voava feliz nos ínvios
serros
Empós das borboletas
matizadas…
Era tão pura a abóbada
do elísio
Pendida sobre as veigas
rociadas!…
Hoje escalda-me os lábios
riso insano,
É febre o brilho ardente
de meus olhos:
Minha voz só retumba
em ai plangente,
Só juncam minha senda
agros abrolhos.
Mas que importa esta
dor que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos
ruidosos,
Se nas asas gentis da
poesia
Eleva-me a outros mundos
mais formosos?!…
Do céu azul, da flor,
da névoa errante,
De fantásticos seres,
de perfumes,
Criou-me regiões cheias
de encanto,
Que a luz doura de suaves
lumes!
No silêncio das noites
perfumosas
Quando a vaga chorando
beija a praia,
Ela ensina-me a orar,
tímida e crente,
Aquece-me a esperança
que desmaia.
Oh! Bendita esta dor
que me acabrunha,
Que separa-me dos cânticos
ruidosos,
De longe vejo as turbas
que deliram,
E perdem-se em desvios
tortuosos!…
RECORDAÇÃO
Lembras-te ainda, Adelaide,
De nossa infância querida?
Daquele tempo ditoso,
Daquele sol tão formoso
Que dava encantos à vida?
Tu era como a florinha
Desabrochando medrosa;
Tu, alva cecém do vale,
Entreabrias em teu caule
Da autora a luz d'ouro e rosa.
Nosso céu não tinha nuvens:
Nem uma aurora fulgia,
Nem uma ondina rolava,
Nem uma aragem passava
Que não desse uma alegria!
Tu me contavas teus sonhos
De pureza imaculada;
Eflúvios de poesia,
Trenos de mata harmonia...
Eras sílaba inspirada!...
E a nossos seres repleto
Desse amor que não fenece,
Como sorria a existência!
Quanto voto de inocência
Levava ao céu nossa prece!
SANDNESS
Still visit thus my nights, for you reserved,
And mount my soaring soul thougts like yours.
JAMES THOMSON
Meu anjo inspirador
não tem nas faces
As tintas coralíneas
da manhã,
Nem tem nos lábios as
canções vivaces
Da cabocla pagã!
Não lhe pesa na fronte
deslumbrante
Coroa de esplendor e
maravilhas,
Nem rouba ao nevoeiro
flutuante
As nítidas mantilhas.
Meu anjo inspirador
é frio e triste
Como o sol que enrubesce
o céu polar!
Trai-lhe o semblante
pálido – do antiste
O acerbo meditar!
Traz na cabeça estema
de saudades,
Tem no lânguido olhar
a morbideza;
Veste a clâmide eril
das tempestades,
E chama-se – Tristeza!...
TARŌ OKAMOTO (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakken – Geijutsu Fudoki (Redescoberta do Japão – Topografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.
Agulha Revista de Cultura
Número 259 | janeiro de 2025
Artista convidado: Tarō Okamoto (Japão, 1911-1996)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
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