quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

NARCISA AMÁLIA (1852-1924)

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA Agulha Revista de Cultura

 


Narcisa Amália (1852-1924). Poeta e jornalista, publicou seu único livro de poesia em 1872, intitulado Nebulosas. Reconhecida por seus pares, Narcisa seguiu produzindo poemas e textos sobre diversas temáticas, dentre as quais a defesa do direito das mulheres, a abolição da escravidão e a defesa da República. Ela também colaborava com os jornais A Imprensa e A República, além de ter dirigido o periódico A Gazetinha: folha dedicada ao belo sexo, todos publicados em Resende, Rio de Janeiro. Narcisa Amália se destaca como uma das principais figuras feministas do Brasil devido à sua notável contribuição como poeta, tradutora de francês e, significativamente, como a primeira jornalista mulher do país. Ela se dedicou a pautas feministas, escrevendo artigos impactantes como “A emancipação da mulher” e “A mulher no século XX”, que provocaram desconforto na sociedade conservadora brasileira da época.

 

POR QUE SOU FORTE

 

a Ezequiel Freire

 

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço

Ao fundo d’alma toda vez que hesito…

Cada vez que uma lágrima ou que um grito

Trai-me a angústia – ao sentir que desfaleço…

 

E toda assombro, toda amor, confesso,

O limiar desse país bendito

Cruzo: – aguardam-me as festas do infinito!

O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

 

É que há dentro vales, céus, alturas,

Que o olhar do mundo não macula, a terna

Lua, flores, queridas criaturas,

 

E soa em cada moita, em cada gruta,

A sinfonia da paixão eterna!…

– E eis-me de novo forte para a luta.

 

 

FRAGMENTOS

 

Minh’alma é como a rôla gemedora

Que delira, palpita, harqueja e chora

Na folhagem sombria da mangueira;

Como um cyáhe gentil de argenteas plumas,

Que fallece de amôr sobre as espumas,

A soluçar a queixa derradeira!

Meu coração é o lothus do oriente,

Que desmaia aos languores do occidente

Implorando do orvalho as lacteas pérolas;

E na penumbra pallida se inclina,

E murmura rolando na campina,

O’ briza, me transporta ás plagas cérulas.

Ai! quero nos jardins da adolescência

Esquecer-me das urzes da existência,

Nectarizar o fél de acerbas dôres;

Depois... remontarei ao paraizo,

Nos lábios tendo os lyrios do sorriso,

Sobre as azas de mysticos amores.

 

 

RESIGNAÇÃO

 

No silêncio das noites perfumosas,

Quando a vaga chorando beija a praia,

Aos trêmulos rutilos das estrelas,

Inclino a triste fronte que desmaia.

 

E vejo o perpassar das sombras castas

Dos delírios da leda mocidade;

Comprimo o coração despedaçado

Pela garra cruenta da saudade.

 

Como é doce a lembrança desse tempo

Em que o chão da existência era de flores,

Quando entoava o múrmur das esferas

A copla tentadora dos amores!

 

Eu voava feliz nos ínvios serros

Empós das borboletas matizadas…

Era tão pura a abóbada do elísio

Pendida sobre as veigas rociadas!…

 

Hoje escalda-me os lábios riso insano,

É febre o brilho ardente de meus olhos:

Minha voz só retumba em ai plangente,

Só juncam minha senda agros abrolhos.

 

Mas que importa esta dor que me acabrunha,

Que separa-me dos cânticos ruidosos,

Se nas asas gentis da poesia

Eleva-me a outros mundos mais formosos?!…

 

Do céu azul, da flor, da névoa errante,

De fantásticos seres, de perfumes,

Criou-me regiões cheias de encanto,

Que a luz doura de suaves lumes!

 

No silêncio das noites perfumosas

Quando a vaga chorando beija a praia,

Ela ensina-me a orar, tímida e crente,

Aquece-me a esperança que desmaia.

 

Oh! Bendita esta dor que me acabrunha,

Que separa-me dos cânticos ruidosos,

De longe vejo as turbas que deliram,

E perdem-se em desvios tortuosos!…

 

 

RECORDAÇÃO

 

Lembras-te ainda, Adelaide,

De nossa infância querida?

Daquele tempo ditoso,

Daquele sol tão formoso

Que dava encantos à vida?

 

Tu era como a florinha

Desabrochando medrosa;

Tu, alva cecém do vale,

Entreabrias em teu caule

Da autora a luz d'ouro e rosa.

 

Nosso céu não tinha nuvens:

Nem uma aurora fulgia,

Nem uma ondina rolava,

Nem uma aragem passava

Que não desse uma alegria!

 

Tu me contavas teus sonhos

De pureza imaculada;

Eflúvios de poesia,

Trenos de mata harmonia...

Eras sílaba inspirada!...

 

E a nossos seres repleto

Desse amor que não fenece,

Como sorria a existência!

Quanto voto de inocência

Levava ao céu nossa prece!

 

 

SANDNESS

 

Still visit thus my nights, for you reserved,

And mount my soaring soul thougts like yours.

JAMES THOMSON

 

Meu anjo inspirador não tem nas faces

As tintas coralíneas da manhã,

Nem tem nos lábios as canções vivaces

Da cabocla pagã!

 

Não lhe pesa na fronte deslumbrante

Coroa de esplendor e maravilhas,

Nem rouba ao nevoeiro flutuante

As nítidas mantilhas.

 

Meu anjo inspirador é frio e triste

Como o sol que enrubesce o céu polar!

Trai-lhe o semblante pálido do antiste

O acerbo meditar!

 

Traz na cabeça estema de saudades,

Tem no lânguido olhar a morbideza;

Veste a clâmide eril das tempestades,

E chama-se Tristeza!...

 

 

 

 


TARŌ OKAMOTO (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakkenGeijutsu Fudoki (Redescoberta do JapãoTopografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 



Agulha Revista de Cultura

Número 259 | janeiro de 2025

Artista convidado: Tarō Okamoto  (Japão, 1911-1996)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com

 





  

 

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