quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

MARCO LUCCHESI (1963)

DOCUMENTA – A POESIA BRASILEIRA Agulha Revista de Cultura

 


Marco Lucchesi nasceu em 9 de dezembro de 1963, no Rio de Janeiro. Os versos da Divina Commedia e de Orlando Furioso fazem parte da memória de sua infância. De sua ampla produção bibliográfica, destacam-se as obras Adeus, Pirandello (2021, romance), O Dom do Crime (2010; 2022, romance), Domínios da Insônia: novos poemas reunidos (2019, poesia), Clio (2014, poesia); Os Olhos do Deserto (2000, memória), Saudades do Paraíso (1997, memória); Nove Cartas Para a Divina Comédia (2021, ensaio), Carteiro Imaterial (2016, ensaio), Ficções de um Gabinete Ocidental (2008, ensaio). Como tradutor, verteu para o português autores como Umberto Eco, Giambattista Vico, Georg Trakl, Hölderlin, Rûmî, Primo Levi, Ion Barbu, Angelus Silesius, Mohammed Iqbãl, Juan de la Cruz, dentre outros. Seus livros foram traduzidos para o árabe, romeno, italiano, inglês, francês, alemão, espanhol, persa, russo, turco, polonês, hindi, sueco, húngaro, urdu, bangla e latim. É professor titular de Literatura Comparada na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Formou-se em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Mestre e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ, com pós-doutoramento em Filosofia da Renascença pela Universidade de Colônia, na Alemanha. Em 2016, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Tibiscus, de Timisoara, e, em 2020, o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Aurel Vlaicu, de Arad. Presidiu a Academia Brasileira de Letras (ABL) de 2018 a 2021. Ex-presidente da Sociedade de Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. Atual presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), desde 2023.

 

 

SANTA CRUZ

 

Constança foi ao céu me visitar

                seu vestido era verde

como as pedras

                de Itacoatiara

trazia nos olhos

                um canarinho

um buquê de flores

                e os seios de minha mãe

soprou em meus pulmões

                como quem salva um

 

                afogado

 

nas terras ínvias do coração

 

inundadas

de pranto e algaravia

deitou ali todas as flores

                como se fosse o Éden

num céu terrivelmente

                azul

(havemos

                todos de ressuscitar

um dia sob esse mesmo

 

                azul )

o vento de meus pulmões

 

canta e silencia

recua e avança

 

não escondo minhas lágrimas

Jesus também chorou

no Jardim das Oliveiras

a vida é um arquipélago

                de amor atormentado

uma Roma

 

que se debate em delírios

enquanto espera

 

a chegada dos bárbaros

ou a vinda

 

fulminante do Messias

 

 

VESTÍGIOS DE MAR

 

Vestígios de mar

na cerração do hospital

vejo as costas de Benin e

                Moçambique

 

sou um navio

 

desapossado

 

preso a liames

 

e cordoalhas

 

içam

da garganta

a âncora

que baixaram de madrugada

 

a voz

do médico

                               ao longe

 

você sabe

                               onde está?

 

claro que sim

                estou

em mar português

 

e o Patriarca de Lisboa

manda lembranças

                ao Samorim

 

para Marcos Mendonça

 

 

AS PLÊIADES

 

São mais de mil

demônios

que povoam,

estrelas

solitárias!,

 

o vórtice

da noite…

 

Órion

volta

para as Plêiades

 

seu arco

luminoso

 

e a flecha

pontiaguda

 

torna

mais fria

nossa dor

 

e mais

espessa…

 

Súbita

flecha

 

fere

e arrebata

 

os mais de mil

demônios

que povoam,

 

no vórtice

do tempo,

 

a noite

fria

 

 

MODO INAUGURAL

 

Na luz deserta

do primeiro dia

 

está quebrada

a supersimetria

 

e assim despontam

múltiplos destinos

 

no mar onipresente

de neutrinos…

 

e vagam quase-seres

pelo mundo

 

lançados num abismo

alto e profundo

 

na luta intempestiva

onde se plasma

 

o modo inaugural

do protoplasma…

 

a sombra luminosa

de um quasar

 

e as formas múltiplas

de ser e estar

 

as quase borboletas

e sabores

 

de quarks, e de sombras,

e motores…

 

na antemanhã de rosas

o arrebol

 

e o quase amor que rege

o pôr-do-sol

 

resíduos de giocondas

beatrizes

 

sonhando com poetas

infelizes…

 

assim agia Deus

sive natura

 

na zona fria

da matéria escura

 

e o rígido

combate prosseguia

 

do ser e do não ser,

e ainda prossegue,

 

que o nada

se insinua noite e dia

 

 

[A NATUREZA, EM SEU AMOR ARDENTE]

 

A natureza, em seu amor ardente,

no círculo da própria negação,

em ouro, pedra e sal ambivalente,

trabalha na perene transição.

Dissolve e coagula eternamente

a vida, que renasce, em floração,

da morte, como a lua refulgente,

surgindo na profunda escuridão.

Na síntese do velho Magofonte,

a vívida matéria se desfaz

em águas claras, na secreta fonte:

até que inesperada se refaz,

envolta, como a Uroburos insonte,

num círculo sutil que não se esfaz. 




TARŌ OKAMOTO (Japão, 1911-1996). Filho do cartunista Ippei Okamoto e da escritora Kanoko Okamoto. Estudou na Sorbonne nos anos 1930 e criou muitas obras de arte, após a II Guerra Mundial. Foi um artista e escritor prolífico até sua morte. Entre os artistas com os quais Okamoto se associou durante a sua estadia em Paris estiveram André Breton e Kurt Seligmann, este último uma autoridade surrealista em magia e que conheceu os pais de Okamoto durante uma viagem ao Japão, em 1936. Okamoto também se associou com Pablo Picasso, Man Ray, Robert Capa e sua parceira, Gerda Tarō, que adotou o primeiro nome de Okamoto como seu próprio sobrenome. Em 1964, Tarō Okamoto publicou um livro intitulado Shinpi Nihon (Mistérios no Japão). Seu interesse em mistérios japoneses foi provocado por uma visita feita ao Museu Nacional de Tóquio. Depois de ficar intrigado com a cerâmica Jōmon que encontrou lá, ele viajou por todo o Japão para investigar o que entendia como o mistério que se encontra sob a cultura japonesa e, em seguida, publicou Nihon Sai hakkenGeijutsu Fudoki (Redescoberta do JapãoTopografia de Arte). Tarō Okamoto é o artista convidado desta edição de Agulha Revista de Cultura, e sua presença entre nós se deu graças à generosidade do bailarino e tradutor Daniel Aleixo. Sugerimos visitar o Museu de Arte Tarō Okamoto: https://taro-okamoto.or.jp.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 259 | janeiro de 2025

Artista convidado: Tarō Okamoto  (Japão, 1911-1996)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

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