quinta-feira, 20 de março de 2025

VALMIR SANTOS, BETH NÊSPOLI, SÉRGIO MAGGIO, PETER PÁL PELBART, NIDIA BURGOS | Biblioteca Taanteatro

 


1. VA
LMIR SANTOS | Livro apresenta o básico do butoh

Butoh – Dança Veredas D’Alma, de Maura Baiocchi, sintetiza o movimento criado por Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno

Publicação original: Diário de Mogi, 20/05/1995.

 

O que é butoh? Assim como a grafia (butô, auto, butoh), a palavra comporta vários significados enquanto manifestação artística. Em japonês, é composta por dois ideogramas: bu (dança) e toh (passo). Sobre olhar ocidental, pode ser também mãos e pés; movimentos etéreos e gestos concretos; pairar e pisar, etc. Mas a melhor forma de compreender o butoh está na vivência do artista, não na etimologia.

Butoh – Dança Veredas D’Alma, livro da dançarina e coreógrafa brasileira Maura Baiocchi, faz uma introdução seminal do movimento experimental que surgiu na dança e no teatro japonês dos anos 50 e 60, desabrochou para o mundo nos anos 80 e, recentemente, virou febre nos palcos do País.

Baiocchi, uma das principais pesquisadores do assunto no Brasil, foi curadora da Mostra 95 – Butoh e Teatro Pesquisa, realizada mês passado na Capital. Da biografia básica dos precursores da dança butoh no Japão pós-Segunda Guerra Tatsumi Hijikata (1928 a 1986) e Kasuo Ohno, 89 anos – aos introdutóres do movimento no Brasil, no final dos anos 70, Baiocchi faz um trabalho documental, didático.

E aí está o destaque do livro. Baiocchi (in)forma o leitor interessado. Dá uma visão abrangente do movimento e seus desdobramentos até os dias de hoje.

Hijikata e Ohno se conheceram em 1954. Quatro anos depois, davam início à parceria de 21 anos de palco. Eles geravam o butoh em plena crise de identidade do povo japonês no pós-guerra. A angústia diante de tantas mortes está representada no que Hijikata denominou inicialmente de ankoku butoh, ou dança das trevas.

Ao longo das décadas de 60 e 70, a dança destes rebeldes enveredou por caminhos opostos – e, consequentemente, complementares. Hijikata pregava um corpo espiritual mais visceral, escatológico, evocando Genet, Artaud. Ohno buscava o introspectivo, o lúdico, o lado claro da vida.

Minha dança nasceu da lama, resume Hijikata. Minha dança é uma regra para a vida, sintetiza Ohno. O Brasil recebeu mais influências de Ohno, quase nonagenário, que dançou no País em duas oportunidades: 1986 e 1992.

Diretores como Bobby Wilson, Tadashi Suzuki e Antunes Filho e coreógrafos com o Pina Bausch e Maguy Marin trazem referências do butoh em seus trabalhos. Já no berço natal, o Japão, o butoh é considerado marginal, contracultura.

Impera a tradição dos teatros nô e Kabuki

O livro traz também 16 páginas com fotos dos vários artistas citados. Tem-se, desta forma, ilustrações que ajudam o leitor a assimilar nomes importantes até então desconhecidos. Butoh – Dança Veredas D’Alma cumpre o objetivo de mostrar os ideais de Hijikata e Ono, bem como de seus discípulos, como Min Tanaka, Yoko Ashikawa, Ko Morubushi, Carlota Ikeda, e os grupos Dairakuda-kan e Byakko-sha.

 

 


2. BETH N
ÊSPOLI | Maura Baiocchi: radicalidade e reinvenção

Coreógrafa, dramaturga e performer lança obra sobre a trajetória da Taanteatro

Publicação original: O Estado de S. Paulo, 21/05/2007.

 

O simples registro da trajetória da coreógrafa, dramaturga, diretora e performer Maura Baiocchi, os cursos que frequentou e ministrou, suas criações cênicas e, a partir de 1991, seu trabalho na companhia por ela fundada, tomam 40 páginas do livro Taanteatro – Teatro Coreográfico de Tensões, escrito em parceria com o diretor e ator Wolfgang Pannek. O livro é fruto, retrabalhado, de sua dissertação de mestrado e reflete uma longa experiência artística acumulada, no Brasil e no exterior, que se traduz, no palco, numa linguagem em geral definida como dança-teatro, porém original em sua radicalidade, que escapa de enquadramentos rígidos.

Com apresentação de Peter Pál Pelbart, será lançado hoje, no Centro Cultural São Paulo, com uma palestra da dupla Maura e Pannek sobre a linguagem da Taanteatro. Basta uma conversa com essa artista para perceber que ela vai falar sobretudo da filosofia que norteia a companhia e criações como Frida Kahlo, Uma Mulher de Pedra Dá Luz à Noite, espetáculo que será também apresentado, hoje, amanhã e domingo, na sala Jardel Filho do CCSP.

Nascida no Pará, Maura viveu 25 anos em Brasília, estudou butô no Japão com Kazuo Ohno e Min Tanaka, porém jamais se fixou em uma única forma. 'A criação é um ato de rebelião em sua essência', diz. Ela explica que a palavra taan vem do sânscrito, quer dizer dança, mas também tensão, no sentido de alongar, estender. A partir daí, fala de conceitos que vão se modificando ao longo do tempo, da dança clássica à moderna.

Hoje à noite, o espectador pode entrar em contato com a filosofia dessa artista em sua palestra e também com sua arte, no palco. Depois, pode aprofundar esse conhecimento pela leitura do livro, editado com apoio do Programa Municipal de Fomento à Dança, bem ilustrado, que registra não só as idéias, mas também a prática, os processo de criação da Taanteatro.

 

 

 



3. S
ÉRGIO MAGGIO | Mil e um corpos

De sumidade do butô no Brasil a diretora de uma das mais instigantes companhias do País, Maura Baiocchi firm-se no concorrido mercado nacional como criadora singular: Brasília ampliou meu universo.

Publicação original: Correio Brasiliense, 09/12/2007.

 

Há quem imagine que foi a viagem de Maura Baiocchi ao Japão o pivô da virada artística da coreógrafa e diretora da Taanteatro Companhia (SP). Lá, no outro lado do mundo, ela descobriu o mestre de butô, Kazuo Ohno, em 1986, e aprendeu os fundamentos da dança oriental, tornando-se pioneira em difundir os delicados ensinamentos em terras brasileiras. Decerto, a vida se orientou em outro rumo desde que a bailarina formada em Brasília embrenhou-se por outra con- cepção de movimento. No entanto, foi aqui, em sua cidade-mãe, que fincou a base para a arte calcada em estética e linguagem próprias.

O Japão foi um momento importante, mas o decisivo foi o meu encontro com Brasília. Foi nesse lugar que ampliei meu universo. Era uma adolescente que estudava balé clássico, que estética, política e socialmente era limitado. De repente, passei pelas mãos de Laís Aderne, Hugo Rodas, Graziela Rodrigues, Regina Miranda, Yara de Cunto. Caí na experimentação do teatro-dança. Aí, Brasília tornou-se a minha fonte de inspiração, conta Maura.

Nos 25 anos em que morou na capital, a bailarina foi de um extremo ao outro. Come- çou equilibrando-se nas tradicionais sapatilhas, na Academia Lúcia Toller, para em seguida desconstruir os movimentos com o teatro-dança, com a chegada de Hugo Rodas à capital. Na década de 1970, Maura dança em meio ao desbunde do grupo Pitu, em Trabalho no 3, ao mesmo tempo em que busca vivências pessoais, como práticas de dança ao ar livre. Vinculada fortemente à cidade, segue com performances no Concerto Cabeças, com a personagem Lili Manicure, até estrear Bumerangue (1982), do grupo Asas e Eixos, montagem que à época quebrou padrões, ao misturar coreografia com cinema em super-8 de conteúdo político. O cenário era do artista plástico Wagner Hermuche, também autor do documentário com cenas de pobreza das comunidades do Entorno do Plano Piloto.

— Éramos influenciados pela imensidão do céu de Brasília. Espécie de seres aerófilos (que se compraz em viver ao ar livre). Esse espaço vasto foi para o palco, tudo nu, com a exposição das varas de luz, da coxia, das entranhas do teatro, lembra a coreógrafa.

O espírito investigativo de Maura Baiocchi a levou ao mundo. De Brasília ao Japão; do Japão à Alemanha; da Alemanha a São Paulo. De performance em performance, ela chamou a atenção de Antunes Filho, do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), numa apresentação no Masp. Estava decidida a morar em Berlim quando o mítico diretor a convidou a permanecer na capital paulista. A parceria entre os dois durou alguns meses. Não havia dinheiro para manter Maura em São Paulo. Ela tinha uma filha para criar.

Precisava, ao mínimo, pagar aluguel e contas. Aí, surgiu o convite para coordenar cursos de butô, que era o meu diferencial, conta Maura. São Paulo torna-se assim abrigo para as pesquisas da coreógrafa, que culminam com a criação da Taanteatro Companhia, em 1991.

Recentemente, Maura esteve em Brasília para lançar um livro em parceria com Wolfgang Pannek, co-diretor e marido. Em Taanteatro – Teatro coreográfico de tensões (Azougue Editorial), ela esmiúça as premissas da teoria que trabalha para construir as montagens celebradas pelo público e pela crítica especializada.

— Começamos com dois espetáculos, Frida Kahlo: Uma mulher de pedra dá luz à noite, numa época em que não se falava muito dessa artista; e O quadrado que ri ou O livro dos mortos de Alice, destaca.

O caminho aberto pela Taanteatro Companhia é de evolução e intercâmbio. Estabelecendo-se como um dos principais grupos de dança do país, segue se consolidando no concorrido mercado de São Paulo. Parte também para experiências no exterior, sobretudo na Argentina. O espetáculo Máquina Zaratustra, por exemplo, foi apontado pela crítica paulistana como um dos 10 melhores de 2006. Recentemente, Maura e Wolfgang foram convidados por José Celso Martinez Corrêa para coreografar Os sertões, uma das mais importantes experiências estéticas do novo teatro brasileiro.

Foram dois anos de trabalho, das 15h à meia-noite com um grupo de 60 pessoas, de 7 a 90 anos. Foi antropofágico, como deve ser todo o trabalho no Teatro Oficina. Saímos modificados, avalia Maura. 

 

 


4. PETER P
ÁL PELBART | Prefácio a Taanteatro – Teatro Coreográfico de Tensões
Publicação original: Azouge Editorial, 2007.

 

Quando uma artista do quilate de Maura Baiocchi decide compartilhar por escrito seu percurso criativo é porque sua experiência adensou-se a tal ponto que pede uma nova modalidade de propagação. Esse livro não é apenas o registro de um rico trajeto da autora e da Taanteatro Companhia na interface entre teatro, dança, performance, nem é só (embora também) um esforço respeitável em debruçar-se sobre sua produção a fim de enunciar a lógica de seu processo criativo, em meio aos árduos bastidores de um trabalho solitário, ainda que coletivo, e corajoso.

Este livro é também, e talvez sobretudo, uma obra por si só, onde os autores põem em cena por escrito os elementos que colheram ao longo do tempo, sejam eles conceitos, imagens, métodos, teorias, gestos, entrevistas, fotografias. O leitor se verá confrontado com um arrastão – em que os autores foram roubando tudo o que encontraram no seu caminho, a filosofia pré-socrática, a física quântica, as neurociências, a semiótica, a fisiologia, a psicologia transpessoal, a teoria do mandala etc.

Mas nada disso é gratuito: o leitor tem a chance de vislumbrar, na pulsação daí resultante, aquilo que parece constituir o fundo da própria estética do taanteatro e de sua prática artística – a coreografia das tensões. Para além de um teatro representacional, narrativo, dramático, que reserva à tensão um lugar pré-determinado, com funções de empatia ou identificação, e igualmente para além de um teatro épico, com seus efeitos de distanciamento e tomada de consciência, o taanteatro privilegia o teatro da crueldade e seus desdobramentos: a ideia física do teatro, a dimensão da convulsão, a linguagem anárquica, o domínio das forças, a matéria intensiva, o plano dos afectos, a prioridade da presentificação. Distanciando-se do teatro psicológico ou social, privilegia-se aqui a anulação de fronteiras entre linguagens, o ritmo, as sonoridades, o gesto, o movimento, a descontinuidade. Inscrevendo-se na linhagem do teatro pós-dramático, o principal aqui é o corpo, com sua potência e seu gesto livres de sentido, com sua tensão própria. Evocando referências provenientes do butoh, dos movimentos de vanguarda, da dança contemporânea, da experiência antropofágica, vão afinando e precisando sua concepção singular de teatro, de tensão, de corpo.

E ao buscar inspiração sobretudo em Nietzsche, Deleuze, Guattari, Lyotard, elaboram os conceitos originais de Vontade de Tensão, ou de Esquizopresença, entre muitos outros achados preciosos. Através do acoplamento de elementos díspares provenientes de filósofos diversos, e sobretudo a partir de sua rica experimentação ao longo das últimas décadas, apreende-se o que os autores entendem ser o estofo de sua arte e de seu método, muito justamente intitulada de coreografia das tensões. Atentos à qualidade das tensões, suas oscilações, níveis, limiares, se opõem ao performer e ator que não operam com essa matéria intensiva, apenas com a representação, o discursivo.

Assim, o que é o mar para um performer? Não se trata de imitar a forma, mas como que captar a força do mar, ou do cavalo, não é trotar como um cavalo, mas ser tomado pela destreza, velocidade, selvageria… Como dizem os autores, não é preciso ir a um haras, numa hípica, ver filmes de cavalos… pois o mundo, essa multiplicidade de forças já está dentro de nós.. o maior perigo é interpretar, resvalar para a caricatura ou o estereótipo… a própria dança é um estado de gênese, sendo o corpo um lugar onde tudo é possível, um estado de potência. Afinal, o jogo das tensões é o plano do acontecimento, com sua dimensão incorporal, onde o sentido é precisamente esse entre, esse jogo. No fundo, criam-se processos em vez de obra, individua-se acontecimentos em vez de sujeitos ou objetos. Se Deleuze está aqui presente, é um Deleuze devorado no próprio processo de fermentação estética, e não erigido em instância de caução filosófica. No fundo, como todo artista, os autores precisam de aliados, eles convocam contigüidades, reconhecem filiações, estabelecem vizinhanças teóricas.

O livro de Maura Baiocchi e Wolfgang Pannek é um convite generoso para que o leitor penetre no universo que eles mesmos freqüentaram e a partir do qual fecundaram seu trabalho. Há momentos em que estamos diante de um relato autobiográfico, ou melhor, histórico-autobiográfico, há momentos em que lemos uma espécie de manifesto, em outros temos como que o protocolo da experimentação que foi desenvolvido junto com seus parceiros e atores, em outros tem-se como que um guia para interessados em iniciar-se a esse trajeto, tem-se ainda trechos onde há uma coleta de material múltiplo, como entrevistas mais coloquiais, registro de experiências etc.

O conjunto é múltiplo, variado, e o leitor vai sendo conduzido a um conjunto de entradas e aproximações as mais distintas ao taanteatro e ao que caracteriza essa concepção de teatro, nas suas relações com a dança, com o ritual, com a música, com a textualidade, com a corporeidade, com a materialidade, com a espiritualidade, com o cosmos, com a vida, com a filosofia.

Como se vê, o trabalho tem, assim, uma tendência de ir percorrendo em círculos concêntricos esferas cada vez mais amplas, e no limite, a totalidade do universo. Isso tem a vantagem de favorecer as conexões, a multiplicidade das dimensões, a heterogeneidade das escalas, e vemos aí uma afinidade com o estilo de um Renato Cohen, mas sempre em função de uma perspectiva prospectiva, propositiva.

Se há um esforço louvável de sistematização do método de trabalho, mesmo quando a matéria prima é o acaso, o imprevisto, a indeterminação, a deriva, o estranhamento, a dissonância, a partiturização do corpo, é preciso insistir nisso: o próprio livro já constitui, por si só, uma tal coreografia de tensões, no plano mesmo da escrita, com momentos de grande intensidade.

Há uma página especialmente deslumbrante, em que os autores contam sua experiência no Teatro Oficina, e a preparação corporal dos atores do José Celso Martinez para Os Sertões, na parte referente ao trans-homem. Ao analisar com grande perspicácia o corpo do teatro Oficina (Sua expressão corporal era simples, direta, cotidiana, psicológica, com ênfase na insinuação sexual. Era recorrente a literalidade do movimento, duplicando ou reforçando o sentido já manifesto no texto da peça), Maura Baiocchi e Wolfgang Pannek reivindicam algo mais, a desterritorialização do corpo, a onda-gesto, o gesto-passagem, o ser-mar-oficina, que desse passagem a essa massa inconsciente e bruta, crescendo sem evolver, sem órgãos e sem funções especializadas, como diz Euclides, o polipeiro.

Escrevem eles: Se falamos de sexualidade, sensualidade ou o ato de comer, podermos fazer isso através de um corpo já territorializado, funcionalizado – fazer sexo com os órgãos genitais – quer dizer gestos, expressões já conhecidos. Ou: podemos comer com o corpo todo, encarar todo o corpo como uma vontade de sexo e digestão que copula e devora pelos olhos, braços, pés, pelos cabelos, pelas costas, pelo cérebro, que, resumindo, emana sensualidade, sexualidade e fome por todos os poros transando com o ar, entregue a um jogo cósmico de eros e thanatos. Podemos tentar ampliar nosso corpo, infectando nossa expressão pela dança do pólipo, tingindo nossa mente com seus coloridos fantásticos, sem restringir inconscientemente a nossa expressão a códigos exauridos cuja função principal reside em cooptar o público sem erotizar sua imaginação. Em termos práticos isso significa um enriquecimento de recursos, pois nada nos impede de voltar a fazer sexo ou de comer com os orifícios preferencialmente utilizados para essa tarefa. O Homem precisa ser criado – uma vez que o próprio termo homem ou ser humano não passa de uma convenção, como se fosse algo já conhecido, resolvido e acabado. Para ir além, para descobrir e criar algo novo a respeito da condição humana, necessitamos de um processo de des-humanização. O Transhomem exige um máximo de disposição, comprometimento e imaginação para transformações constantes de paradigma. É preciso fazer xixi pelo ouvido, e muito mais…

A meu ver, nesse trecho maravilhoso está a experimentação encarnada do que é uma desterritorialização do corpo, do que é um corpo-sem-órgãos, do que são os devires, do que é o humano demasiadamente humano, o além-do-homem. Do mesmo modo, quando dizem que não existe o corpo em si em cena, mas o acontecimento cênico que ocorre no confronto e no casamento e nas passagens entre as forças múltiplas da polifonia teatral, e que o tônus cênico (tensão, energia) resulta do jogo dinâmico e vivo entre as cinco musculaturas, donde a porosidade, penetrabilidade e atividade irradiadora do mundo, eles já puseram em cena pela escrita o cerne de sua concepção e de sua prática, acrescentando lindamente, sobre o performer:

 

Sua vontade de tensão vira também vontade de mistura e de composição, gerando uma perspectiva de fecunda imprevisibilidade. Na medida em que aprende a se lançar no entre, o performer se abre para o outro (não só o devir orgânico, humano e animal, mas também inorgânico), incorporando-o, tornando-o mestiço, monstruoso, ao mesmo tempo que entrega-se à devoração por outras forças da cena.

 

Que esses poucos fragmentos sirvam de convite a um livro instigante e generoso, que poderá servir de estímulo a criadores e pesquisadores de várias áreas, sobretudo àqueles que sentem a urgência de repensar as práticas estéticas da contemporaneidade. 

 

 



5. NIDIA BURGOS | Taanteatro – Teatro coreogr
áfico de tensões. por Baiocchi, Maura e Pannek, Wolfgang. Córdoba, Ediciones el Apuntador, 2011.

Publicação original: Palos y Piedras # 17, Ano 6, abril de 2013.

 

Esta tradução para o espanhol das pesquisas de Maura Baiocchi, criadora da abordagem taanteatro e diretora-fundadora da companhia brasileira Taanteatro, e Wolfgang Pannek, codiretor da referida companhia, constitui um importante nó da rede intelectual que vêm-se construindo desde 1994 no campo teatral de Córdoba.

Através de seminários ministrados na Universidade Nacional de Córdoba, [Baiocchi e Pannek] trouxeram as técnicas do Taanteatro e depois, em diversas ocasiões, artistas argentinos viajaram ao Brasil para estudar e experimentar, formando um espaço de conhecimento e intercâmbio supranacional.

O manual está dividido em três capítulos de teoria, um quarto de Processos e práticas” e culmina no quinto com três entrevistas.

O primeiro capítulo, Tensões e artes cênicas”, contextualiza histórica e conceitualmente a tensão, colocando ênfase nos fragmentos de época e nas circunstâncias em que a tensão foi mais valorizada no drama (ação).

A apropriação do teatro oriental torna-se evidente e com resultados diferentes em Meyerhold, Brecht e Artaud. A despersonalização sistemática do teatro de Bali, em que tudo produz o máximo efeito, estimula Artaud a exigir um teatro mágico e metafísico, no qual o espectador entra em contacto com o futuro do mundo através do estado de transe. Embora o termo tensão seja usado apenas uma vez por Artaud em O Teatro e seu Duplo, Baiocchi e Pannek listam vários aspectos do Teatro da Crueldade em que a tensão está presente.

A atração comunicativa do Teatro da Crueldade resulta do uso de dissonâncias que abordam todos os sentidos. O encontro entre dois corpos gera na linguagem de Deleuze o acontecimento ou puro devir, que corresponde, no teatro, à tensão.

A seguir, analisam especificamente a Dança e a Performance, percorrendo a história da dança moderna no Brasil. Antes de contextualizar o tema da tensão na contemporaneidade, os autores revisam a obra dos pioneiros da fase precursora e da fase histórica da Modernidade.

Segundo eles, a partir da década de 1950, a dança norte-americana invadiu a Europa Ocidental. A dança expressionista foi fortemente praticada no Japão, influenciando e inspirando os criadores da dança Butoh: Hijikata Tatsumi e Kazuo Onho. Com a dança butô, os japoneses, além de se apropriarem de técnicas ocidentais, conseguiram produzir uma linguagem gestual totalmente nova e ao mesmo tempo ligada à complexa contemporaneidade de seu país, nascida da destruição traumática de Hiroshima e Nagasaki e do conflito entre o modo de vida ocidental ultramoderno e uma cultura milenar.

Hijikata Tatsumi esperava que sua dança fundasse uma filosofia e não uma técnica ou estilo. Os autores apontam as macrotensões da dança Butô: corpo atávico japonês/corpo mestiço; arcaico/contemporâneo; memória/esquecimento, consciente/inconsciente; nascimento/morte; corpo vazio (não significativo)/corpo culturalmente padronizado); horizontalidade/verticalidade; acaso/predeterminação.

As microtensões operam na grande concentração de energia: o corpo do dançarino de butô é como uma tigela cheia que não pode receber nem mais uma gota de líquido. Não é uma técnica mas um método para regressar, através do corpo, às origens da existência e responder à pergunta: quem somos nós?

Kazuo Ohno e seu filho Yoshito dançaram pela primeira vez no Brasil em 1986. Com Min Tanaka, a Taanteatro Companhia conseguiu aprofundar a pesquisa sobre a dança butô por meio de processos criativos dirigidos por ele e realizados em São Paulo (1995 e 1996) e Tóquio (1998).

As macro e micro tensões tomam forma no corpo dos intérpretes com tal radicalidade que o resultado são olhos virados, pernas e pés retraídos para dentro (exatamente o oposto do en-dehors do balé clássico), mãos e dedos cerrados, contraídos, posturas fetais que lembram corpos carbonizados pela bomba atômica. A imersão nas mais remotas memórias individuais e coletivas e a viagem por elas, tensionando com o aqui-agora é a primeira motivação destes artistas.

A Taanteatro Companhia criou uma dança-teatro interdisciplinar, em diálogo com a filosofia, a antropologia, a literatura, o teatro e a performance, entre outras áreas, um modo de investigação contínua do corpo e da realização artística.

Está na busca perpétua pela dança, pelo teatro, pela comunicação e pelo corpo, como se este não existisse e devesse ser inventado. Se esforça para encontrar novas maneiras de gerar tensão e comunicação. Descarta a coerência, a consonância, a harmonia, a simetria, a completude, para, em vez disso, desenvolver interesse pelo irregular, inesperado, estranho, surpreendente, incoerente, assimétrico, incompleto, partindo da ideia de que qualquer inovação na linguagem é inicialmente tensa porque é dissonante.

Na medida em que o Taanteatro se interessa por formas aparentemente inconciliáveis ​​e se delicia com oposições e contradições, pode ser definido como pós-moderno ou pós-histórico, mas, devido à sua afinidade com as ideias de Friedrich Nietzsche, prefere ser concebido como um teatro extemporâneo.

Renato Cohen situa o taanteatro entre aqueles que nasceram no contexto do pós-estruturalismo, sob a égide da desconstrução. O criador acumula as funções de direção, criação, textualização do processo e articulação da mise-en-scène.

Eles [Os autores] explicam a origem do nome: A palavra dança deriva do prefixo sânscrito tan, que significa estender, soltar (especialmente a corda do arco). Acrescentaram a ao prefixo tan, para dar melodia à palavra que inventaram: Taanteatro e traduzem como teatro coreográfico de tensões. O ponto de partida é a compreensão do corpo pentamuscular, metáfora do corpo estendido, constituído como um fenômeno tenso, tanto no nível fisiológico quanto no cognitivo, em suas relações sensoriais, emocionais e reflexivas com o mundo.

Algo sempre acontece nos corpos e entre corpos, e esse evento sempre ocorre no entre. Seu foco está no que acontece entre os corpos, no entre. Para o teatro nada existe fora do jogo tenso. Existem, sim, diferentes graus de envolvimento e interação. O que surge é como interagir com a tensão, suas qualidades e intensidades. Dentro dos corpos percebe-se a tensão muscular, eletroquímica, intra e intercelular, superficial e tonal. Fora dos corpos, no encontro entre corpo e corpo, a tensão é menos perceptível. Ela envolve e atravessa os corpos como uma atmosfera tensa. A eficiência do intérprete depende do interesse permanente em questionar os seus códigos de atuação.

Intérprete e público são cúmplices inseparáveis ​​na tarefa de manter a vitalidade de um evento cênico. A interação e o movimento são a origem do processo que ocorre no Entre, um lugar que não pode ser localizado. A tensão opera como o rizoma (Deleuze e Guattari): não começa nem termina.

Depois de preceder as partes dos capítulos com citações de Deleuze e Guattari retiradas de seus Mil Platôs, estranhamente os autores esclarecem que sem ter conhecimento prévio e sem qualquer intenção de se referir aos conceitos de Deleuze e Guattari, o taanteatro procurou expressar sua duplicidade em relação ao processo de entidades e à entidade de processos, ao criar – dizem – uma forma inusitada de escrever o termo entre: ent(r)e. E acrescentam: na terminologia de Deleuze e Guattari, a palavra entre parece designar a mesma coisa.

Este revisor considera que não se trata de uma coincidência casual, mas sim que as pesquisas filosóficas e linguísticas dos autores ancoram-se no pensamento de Deleuze e Guattari, apropriando-se também produtivamente de alguns aspectos do pensamento de Nietzsche e Artaud. O teatro também adotou e modificou alguns critérios linguísticos desenvolvidos por Alwin Fill.

No corpo do performer, a materialidade do corpo coincide com a sua função de signo natural. Essa duplicidade é um indício de uma possível analogia entre a tensão no teatro e os conceitos de acontecimento e devir desenvolvidos por Deleuze. Para destacar essas semelhanças, eles sintetizam as noções de corpo e evento seguindo os conceitos deleuzianos para resumir que tanto na tensão quanto no evento tudo acontece no entre. A ação cênica é um constante rearranjo do ent(r)e, ou seja, um jogo de tensões que determina tanto a coreografia do corpo intenso quanto a dramaturgia da cena como um todo, incluindo o público.

Param então na visão do mundo do taanteatro: este considera o mundo um devir complexo e comunicativo (in)tenso e sem propósito. Seu princípio gerador é a tensão. A tensão é paradoxal. Abrange sempre e ao mesmo tempo pelo menos dois: diferença, oposição, interação, conflito. A tensão resulta de uma diferença de potencial entre forças e formas e, ao configurar um processo comunicativo, acrescenta um terceiro e dinâmico elemento que ultrapassa a mera coexistência das forças iniciais. Instale um campo de incerteza. Gera, sustenta e expressa o conflito, não o resolve.

Uma metáfora nietzschiana reflecte a visão antropológica do taanteatro: o ser humano é uma corda sobre um abismo, como uma ponte, não uma meta; caminhante e caminho, energia e signo - não como entidade, mas como ent(r)e. Sempre numa viagem perigosa, entre a sua origem unicelular mais remota e um futuro desconhecido, atravessada por tensões evolutivas, ancestrais, sociopolíticas e existenciais, (des)território e cruzamento de forças imensuráveis. O performer vivencia esta metáfora de forma exemplar sob o olhar do público.

A pentamusculatura define as suas esferas componentes e as suas fronteiras como porosas, permeáveis, interpenetráveis ​​e dotadas de plasticidade, razão pela qual se revela como um modelo dinâmico, motor de constantes desterritorializações e reterritorializações. Qualquer objeto ou sujeito da cena pertence simultaneamente a diferentes músculos, movendo-se entre eles e modificando seu significado.

A seguir, descrevem os resultados de suas pesquisas de 1992 e 1997, onde conseguem produzir uma descrição dos cinco músculos: aparentes: o superficial; cabelo, unhas, pele, vestido (já que vira uma segunda pele); interno: músculos, ossos, ligamentos e tendões, órgãos; estrangeiro: tudo o que nos rodeia: ar, natureza, pessoas, objetos animados e inanimados. Transparente: o psiquismo e suas funções, abrangendo conceitos como alma, espírito e ego. Absoluto ou absoluto: energia sem forma, geradora e destruidora de tudo o que existe. Impossível de ser explicado pela lógica e conhecido por nomes diferentes: Nada, Vazio, Princípio Supremo, o Inefável, Deus com nomes diferentes para cada religião. Eles ressaltam que mesmo músculos transparentes e absolutos também podem ser treinados e tonificados como qualquer outro.

A seguir, dão uma extensa lista de exemplos do funcionamento desses músculos cujos nomes e divisões são apenas operacionais, facilitam a comunicação e a criação de coreografias, cenas e personagens, gerando infinitas indagações. O corpo em tensão pentamuscular não tem limite, extensão ou identidade definida ou definitiva.

O corpo pentamuscular é desfeito e refeito a cada momento, assim como a imagem de si mesmo e dos acontecimentos para os quais serve de alimento: por isso os processos de comunicação que vivencia são incessantemente reconfigurados.

Nesta fase do estudo incorporam a noção de esquizopresença, inspirada na esquizoanálise desenvolvida por Guattari. A esquizopresença designa uma opção de presença cênica e a forma como se concretiza o corpo pentamuscular do performer: ele não representa nem interpreta, ele vivencia. Experimentar é habitar e ser habitado pela tensão fértil entre fluxo e representação e fluxo e interpretação.

No mesmo capítulo explicam estratégias de criação de tensão, a atmosfera tensa, as esferas tensas e seus pensamentos sobre o corpo intenso, estudando o excesso ou a falta de intratensões, a tensão supérflua, além da realidade fisiológica e cognitiva da tensão. Estudam a dinâmica do afrouxamento, do estouro e do ent(r)e como dramaturgias tensas.

O capítulo Despedida da representação?” explica que o taanteatro tenta, na encenação de ambientes tensos, criar um campo de experiência que permita múltiplos modos de desenvolvimento energético e intelectual produtivo.

No capítulo denominado Processos e Práticas” descrevem uma série de ações criativas desenvolvidas no contexto de sua pesquisa cênica: mandala de energia corporal, caminhada, rito de passagem e (des)construção da performance baseada na (trans)mitologia pessoal.

Também introduzem a noção de metacoreografia e exemplificam-na através da encenação de Os sertões del Teatro Oficina sob a direção de José Celso Martínez Correa. O volume encerra com entrevistas com Maura Baiocchi. A primeira feita por Daniela Rocha, a segunda por Nara Salles e a terceira por Débora Barreto.

O Taanteatro estuda e desenvolve o ato comunicativo através da sua encenação, partindo do pressuposto de que a qualidade e a eficácia da comunicação estão diretamente ligadas à capacidade de gerar acontecimentos através de tensões.

O texto é ilustrado por algumas interessantes fotografias de espetáculos do Taanteatro e a enorme bibliografia de apoio é citada no final das páginas.

Consideramos que este livro, para além do interesse que sem dúvida tem para artistas e investigadores teatrais, é um texto fundamental para conhecer um percurso epistemológico intenso, profundo e honesto. 

 


NIDIA BURGOS |
Taanteatro. Teatro coreográfico de tensiones, de Baiocchi, Maura, y Pannek, Wolfgang. Córdoba, Ediciones el Apuntador, 2011.

 

Esta traducción al español de las investigaciones de Maura Baiocchi, creadora del abordaje taanteatro y directora fundadora de la compañía brasileña Taanteatro y de Wolfgang Pannek, codirector de dicha compañía, constituye un importante nodo de la red intelectual que han venido construyendo desde 1994 en el campo teatral cordobés. A través de seminarios dictados en la Universidad Nacional de Córdoba, trajeron las técnicas del Taanteatro y luego en diversas oportunidades, artistas argentinos viajaron a Brasil a estudiar y experimentar conformando un espacio de conocimiento e intercambio supranacional.

El manual está dividido en tres capítulos de teoría, un cuarto de Procesos y prácticasy culmina en el quinto con tres entrevistas.

El primer capítulo, Tensiones y artes escénicas”, contextualiza histórica y conceptualmente la tensión, poniendo el acento en los fragmentos epocales y en las circunstancias en que fue más valorada la tensión en el drama (acción).

La apropiación del teatro oriental se hace evidente y con distintos resultados en Meyerhold, Brecht y Artaud. La despersonalización sistemática del teatro de Bali, en la que todo produce el efecto máximo, estimula a Artaud a exigir un teatro mágico y metafísico, en el que el espectador entra en contacto con el devenir del mundo a través del estado de trance. Si bien el término tensión es usado una sola vez por Artaud en El teatro y su doble, Baiocchi y Pannek enumeran diversos aspectos del Teatro de la crueldad en los que la tensión está presente.

La atracción comunicativa del Teatro de la crueldad resulta del uso de disonancias que se dirigen a todos los sentidos. El encuentro entre dos cuerpos genera en el lenguaje de Deleuze el acontecimiento o puro devenir, y que corresponde, en el taanteatro, a la tensión.

Seguidamente, analizan en forma puntual la Danza y el Performance, recorriendo la historia de la danza moderna en Brasil. Antes de contextualizar el tema de la tensión en la época contemporánea, los autores repasan el trabajo de los pioneros de la fase precursora y de la fase histórica de la Modernidad.

Según ellos, a partir de los años 50 la danza norteamericana invadió Europa occidental. La danza expresionista se practicó con fuerza en Japón, influenciando e inspirando a los creadores de la danza Butoh: Hijikata Tatsumi y Kazuo Onho. Con la danza butoh, los japoneses, además de apropiarse de técnicas occidentales, consiguieron producir un lenguaje gestual totalmente nuevo y a la vez vinculado a la compleja contemporaneidad de su país, nacida de la traumática destrucción de Hiroshima y Nagasaki y el conflicto entre el modo de vida occidental ultramoderno y una cultura milenaria.

Hijikata Tatsumi esperaba que su danza fundara una filosofía y no una técnica o un estilo. Los autores señalan las macro-tensiones de la danza Butoh: cuerpo atávico japonés/cuerpo mestizo; arcaico/contemporáneo; memoria/olvido, consciente/inconsciente; nacimiento/muerte; cuerpo vacío (no-significante)/cuerpo culturalmente estandarizado); horizontalidad/verticalidad; azar/predeterminación. Las micro tensiones operan en la gran concentración de energía: el cuerpo del bailarín de butoh es como un tazón lleno que no puede recibir una gota más de líquido. No es una técnica sino un método para retornar, a través del cuerpo, a los orígenes de la existencia y responder a la pregunta: ¿quiénes somos?

Kazuo Ohno y su hijo Yoshito danzaron en Brasil por primera vez en 1986. Con Min Tanaka la Compañía Taanteatro pudo profundizar la investigación en la danza butoh mediante procesos creativos dirigidos por él y realizados en San Pablo (1995 y 1996) y en Tokio (1998).

Las macro y micro tensiones se concretan en el cuerpo de los performers con tanta radicalidad que el resultado son ojos dados vuelta, piernas y pies retraídos hacia adentro (exactamente lo contrario del en-dehors del ballet clásico), manos y dedos crispados, contraídos, posturas fetales que recuerdan los cuerpos calcinados por la bomba atómica. La inmersión en las memorias individuales y colectivas más remotas y la travesía por ellas, tensionando con el aquí-ahora es la primera motivación de estos artistas.

La compañía Taanteatro ha procesado un teatro de danza interdisciplinar, en diálogo con la filosofía, la antropología, la literatura, el teatro y la performance, entre otras áreas, modo de investigación continuo del cuerpo y del quehacer artístico. Están en la perpetua búsqueda de la danza, del teatro, de la comunicación y del cuerpo, como si no existiera y debiera ser inventado. Se empeñan en la búsqueda de maneras inéditas de generar tensión y comunicación. Desestiman la coherencia, consonancia, armonía, simetría, completud, para, en cambio, desarrollar interés por lo irregular, inesperado, extraño, sorprendente, incoherente, asimétrico, incompleto, partiendo de la idea de que cualquier innovación en el lenguaje es inicialmente tensiva por ser disonante. En la medida en que el taanteatro se interesa por formas aparentemente irreconciliables y se deleita ante oposiciones y contradicciones, se puede definir como posmoderno o posthistórico, pero, por su afinidad con las ideas de Federico Nietzsche, prefiere concebirse como un teatro extemporáneo.

Renato Cohen sitúa al taanteatro entre los nacidos en el contexto del posestructuralismo, bajo la égida de la deconstrucción. El creador acumula las funciones de dirección, creación de textualización del proceso, y linkage de la mise-en-scene.

Explican el origen del nombre: La palabra danza deriva del prefijo sánscrito tan, que es extender, soltar (especialmente la cuerda del arco). Le agregaron a al prefijo tan, para dar melodía a la palabra que inventaron: Taanteatro y lo traducen por teatro coreográfico de tensiones. El punto de partida es la comprensión del cuerpo pentamuscular, metáfora del cuerpo extendido, constituido como fenómeno tensivo, tanto en el plano fisiológico como cognitivo en sus relaciones sensoriales, emocionales, y reflexivas con el mundo.

En los cuerpos y entre los cuerpos acontece siempre algo, y ese acontecimiento se realiza siempre en el entre. Su foco está en aquello que ocurre entre los cuerpos, en el entre. Para el taanteatro nada existe fuera del juego tensivo. Hay, sí grados distintos de implicación e interacción. Lo que se plantea es cómo interactuar con la tensión, sus cualidades e intensidades. Dentro de los cuerpos se percibe tensión muscular, electroquímica, intra e intercelular, de superficie, de tono. Fuera de los cuerpos, en el encuentro entre cuerpo y cuerpo, la tensión es menos perceptible. Envuelve y atraviesa los cuerpos como atmósfera tensiva. La eficiencia del performer depende del interés permanente en cuestionar sus códigos de actuación.

Performer y platea son cómplices inseparables en la tarea de mantener la vitalidad de un acontecimiento escénico. Interacción y movimiento es el origen del proceso que ocurre en el Entre, lugar por otra parte, que no puede ser localizado. La tensión opera como el rizoma (Deleuze y Guattari): no comienza ni concluye.

Después de preceder las partes de los capítulos con citas de Deleuze y Guattari extraídas de su Mil mesetas, extrañamente los autores aclaran que sin tener conocimiento previo y sin ninguna intención de hacer referencia a los conceptos de Deleuze y Guattari, el taanteatro procuró expresar su duplicidad en cuanto al proceso de los entes y la entidad de los procesos, al crear dicen– una manera poco usual de escribir el término entre: ent(r)e. Y agregan: en la terminología de Deleuze y Guattari, el vocablo entre-medio parece designar la misma cosa.

Esta reseñadora considera que no es una coincidencia casual, sino que justamente las búsquedas filosóficas y lingüísticas de los autores anclan en el pensamiento de Deleuze y Guattari, apropiando también productivamente, algunos aspectos del pensamiento de Nietszche y de Artaud. El taanteatro también adoptó y modificó algunos criterios lingüísticos desarrollados por Alwin Fill.

En el cuerpo del performer coincide la materialidad del cuerpo con su función de signo natural. Esa duplicidad es indicio de una posible analogía entre la tensión en el taanteatro y los conceptos del acontecimiento y del devenir desarrollados por Deleuze. Para resaltar esas semejanzas, sintetizan seguidamente las nociones de cuerpo y acontecimiento siguiendo los conceptos deleuzianos para resumir que tanto en la tensión como en el acontecimiento todo pasa en el entre.

La acción escénica es un constante reacomodo del ent(r)e, o sea un juego de tensiones determinando tanto la coreografía del cuerpo intenso, como la dramaturgia de la escena como un todo, incluyendo al público.

Se detienen luego en la visión del mundo del taanteatro: Considera el mundo un devenir (in) tensivo complejo y comunicativo sin finalidad. Su principio generador es la tensión. La tensión es paradójica. Abarca siempre y al mismo tiempo, por lo menos dos: diferencia, oposición, interacción, conflicto.

La tensión resulta de una diferencia de potencial entre fuerzas y formas, y al configurar un proceso comunicativo, agrega un tercer y dinámico elemento que supera la mera co-existencia de las fuerzas iniciales. Instala un campo de incertidumbre. Genera, sustenta y expresa el conflicto, no lo soluciona.

Una metáfora nietzschiana refleja la visión antropológica del taanteatro: el ser humano es una cuerda sobre un abismo, como un puente, no como meta; caminante y camino, energía y signo – no como ente, sino como ent(r)e. siempre en peligrosa travesía, entre su origen unicelular más remoto y un futuro desconocido, atravesado por tensiones evolutivas, ancestrales, sociopolíticas y existenciales, (des)territorio y cruzamiento de fuerzas inmensurables. El performer vivencia esta metáfora de forma ejemplar bajo la mirada del público.

La pentamusculatura define sus esferas integrantes y sus fronteras como porosas, permeables, interpenetrables y dotadas de plasticidad, por lo que se revela como un modelo dinámico, motor de constantes desterritorializaciones y reterritorializaciones. Cualquier objeto o sujeto de la escena pertenecen, simultáneamente, a musculaturas distintas, transitando entre ellas y modificando su significado.

A continuación, describen los resultados de sus investigaciones de 1992 y 1997, donde logran producir una descripción de las cinco musculaturas: aparente: lo superficial; cabellos, uñas, piel, vestido (ya que pasa a ser una segunda piel); interna: músculos, huesos, ligamentos y tendones, órganos; extranjera: todo lo que nos rodea: aire, naturaleza, personas, objetos animados e inanimados. Transparente: la psique y sus funciones, abarcando conceptos como alma, espíritu y ego. Absoluta o absoluto: energía sin forma, generadora y destructora de todo lo que existe. Imposible de ser explicada por la lógica y conocida bajo diversos nombres: Nada, Vacío, Principio Supremo, lo Inefable, Dios con distintos nombres para cada religión. Señalan que aún las musculaturas transparente y absoluta también pueden ser entrenadas y tonificadas como cualquiera otra. Seguidamente, dan extensa lista de ejemplos del funcionamiento de estas musculaturas cuyas denominaciones y divisiones son sólo operativas, facilitan la comunicación y creación de coreografías, escenas y personajes, generando indagaciones infinitas. El cuerpo en tensión pentamuscular no tiene límite, extensión ni identidad definida o definitiva.

El cuerpo pentamuscular se deshace y rehace a cada momento, así como la imagen de sí y los acontecimientos a los que sirve como alimento: por eso los procesos de comunicación que experimenta se reconfiguran incesantemente. En esta fase del estudio incorporan la noción de esquizopresencia, inspirada en el esquizoanálisis desarrollado por Guattari. Esquizopresencia designa una opción de presencia escénica y el modo como el cuerpo pentamuscular del performer se concretiza: Este no representa ni interpreta, experimenta. Experimentar es habitar y ser habitado por la tensión fecunda entre flujo y representación y flujo e interpretación.

Dentro del mismo capítulo explicitan estrategias para la creación de tensión, la atmósfera tensiva, las esferas tensivas y sus pensamientos acerca del cuerpo intenso, estudiando el exceso o la falta de intratensiones, la tensión superflua, amén de la realidad fisiológica y cognitiva de la tensión. Estudian las dinámicas del aflojar, reventar y el ent(r)e como dramaturgias tensivas.

El capítulo “¿Despedida de la representación?explica que el taanteatro intenta en la puesta en escena de atmósferas tensivas la creación de un campo de experiencia que permita múltiples modos de desarrollo energético e intelectual productivo.

En el capítulo llamado Procesos y prácticasdescriben una serie de acciones creativas desarrolladas en el contexto de su investigación escénica: mandala de energía corporal, caminata, rito de pasaje, y (des) construcción de la performance a partir de la mitología (trans) personal.

Introducen también la noción de metacoreografía y la ejemplifican por medio de la puesta en escena de Os sertões del Teatro Oficina bajo la dirección de José Celso Martínez Correa. Se cierra el volumen con las entrevistas a Maura Baiocchi. La primera realizada por Daniela Rocha, la segunda por Nara Salles, y la tercera por Débora Barreto.

El Taanteatro estudia y desarrolla el acto comunicativo a través de sus puestas en escena, partiendo del presupuesto de que la calidad y eficacia de la comunicación están directamente ligadas a la capacidad de generar acontecimiento por medio de las tensiones.

Ilustran el texto algunas interesantes fotografías de las puestas de Taanteatro y la enorme bibliografía de apoyo está citada al pie de las páginas.

Consideramos que este libro, más allá del interés que sin duda tiene para los teatristas e investigadores del teatro, es un texto fundamental para conocer un recorrido epistemológico intenso, profundo y honesto. 


NOTA

Traduções ao português assinadas por Wolfgang Pannek. As imagens que acompanham esta página integram o acervo da Taanteatro Companhia e foram gentilmente cedidas por Wolfgang Pannek.




BETH NÊSPOLI
| Jornalista, crítica e doutora em artes cênicas pela USP. Edita o site Teatrojornal – Leituras de Cena. Tem artigos publicados nas revistas Cult, Sala Preta e no livro O ato do espectador (Hucitec, 2017). Durante 15 anos, de 1995 a 2010, atuou como repórter e crítica no jornal O Estado de S.Paulo. Entre 2003 e 2008, foi comentarista de teatro na Rádio Eldorado. Realizou a cobertura de mostras nacionais e internacionais, como a Quadrienal de Praga: Espaço e Design Cênico (2007) e o Festival Internacional A. P. Tchéchov (Moscou, 2005). Foi jurada dos prêmios Governador do Estado de São Paulo, Shell, Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e Prêmio Itaú Cultural 30 anos.



NIDIA BURGOS
| Doutora em Letras. Professora em tempo integral na UNS, responsável pelas disciplinas Literatura Latino-Americana I e Literatura Argentina II, além de ministrar seminários de graduação e pós-graduação sobre Teatro Argentino. É Membro Correspondente do GETEA (Grupo de Estudos Teatrais Argentino e Ibero-Americano) da Universidade de Buenos Aires desde 1998 e, desde dezembro de 2003, é Membro do seu Conselho Consultivo. Foi presidente da Associação Argentina de Teatro Comparado entre 2005-2007. Desde 1º de abril de 2007, dirige a Editora da Universidade Nacional do Sul.



PETER PÁ
L PELBART | Filósofo, ensaísta, professor e tradutor húngaro, residente no Brasil. Graduado em Filosofia pela Universidade Paris IV (Sorbonne) (1983), é mestre pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (com Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazão, 1988, sob a orientação de Jeanne Marie Gagnebin), doutor em Filosofia, pela Universidade de São Paulo (com O tempo não-reconciliado: imagens de tempo em Deleuze, 1996, sob orientação de Bento Prado Júnior) e livre-docente pela PUC-SP (2000). Vive na cidade de São Paulo, onde é professor da PUC-SP e coordena a Companhia Teatral Ueinzz, formada por pacientes psiquiátricos do hospital-dia A Casa. É professor no Departamento de Filosofia e no Núcleo de Estudos da Subjetividade do Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP.



SÉRGIO MAGGIO
| Jornalista, diretor e dramaturgo do Criaturas Alaranjadas Núcleo de Criação Continuada. Formado em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia, atuou como crítico teatral por 10 anos nos jornais Correio da Bahia e Correio Braziliense. Participou como crítico convidado da Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo (SP) e do Festival de Cenas Curtas da Faculdade Dulcina de Moraes. Diretor-dramaturgo da peça Eros Impuro e dramaturgo em Cabaré das Donzelas Inocentes (adaptada do livro de sua autoria Conversas de Cafetinas/Prêmio Jabuti 2010). Integra, desde 2007, o coletivo Criaturas Alaranjadas Cia. de Teatro (DF).



VALMIR SANTOS
| Jornalista e crítico fundador do site Teatrojornal – Leituras de Cena, que edita desde 2010. Escreveu em publicações como Folha de S. Paulo, Valor Econômico, Bravo! e O Diário, de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Autor de livros ou capítulos afeitos ao campo, além de colaborador em curadorias ou consultorias para mostras, festivais ou enciclopédias. Cursa doutorado em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, onde fez mestrado na mesma área.

 


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CODINOME ABRAXAS # 02 – TAANTEATRO COMPANHIA (BRASIL)

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