FIO PARTIDO
Fugir à mágoa terrena
E ao sonho, que faz sofrer,
Deixar o mundo sem pena
Será morrer?
Fugir neste anseio infindo
À treva do anoitecer,
Buscar a aurora sorrindo
Será morrer?
E ao grito que a dor arranca
E o coração faz tremer,
Voar uma pomba branca
Será morrer?
II
Lá vai a pomba voando
Livre, através dos espaços…
Sacode as asas cantando:
“Quebrei meus laços!”
Aqui, n’amplidão liberta,
Quem pode deter-me os passos?
Deixei a prisão deserta,
Quebrei meus laços!
Jesus, este voo infindo
Há de amparar-me nos braços
Enquanto eu direi sorrindo:
Quebrei meus laços!
LUZ E SOMBRA
À poetisa Anna Lima
Vamos seguindo pela mesma estrada,
Em busca das paragens da ilusão;
A alma tranquila para o Céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.
Ris e eu soluço… (Loucas peregrinas!)
E em toda parte, enfim, onde passamos,
Deixo chorando os olhos das meninas,
Deixas cantando os pássaros nos ramos.
Porque elas amam tua voz canora,
Ó delicado sabiá da mata!
E eu lembro triste a juriti que chora
E a voz dorida em lágrimas desata.
Gostam de ver-te o rosto de criança
Limpo das névoas de um martírio vago,
O lábio em riso, desmanchada a trança,
No olhar sereno a candidez do lago.
Até perguntam quando sobre a areia
Em que tu pisas vão nascendo rosas:
“Bela criança, tímida sereia,
Irmã dos sonhos das manhãs radiosas.
Por que trilhando a terra dos caminhos,
Onde o teu passo faz brotar mil flores,
Esta velhinha vai deixando espinhos
E um longo rastro de saudade e dores?”
Não lhes respondas… Pela mesma estrada
Sigamos sempre em busca da Ilusão;
A alma tranquila para o céu voltada,
Suspensa a lira sobre o coração.
Vamos; desprende a doce voz canora,
Que ela afugenta da tristeza o açoite;
E, enquanto elevas o teu hino à aurora,
Eu vou rezando as orações da noite…
PÁGINA TRISTE
Há muita dor por este mundo a fora
Muita lágrima à toa derramada;
Muito pranto de mãe angustiada
Que vem saudar o despontar da aurora!
Alma inocente só de amor cercada
A criancinha a soluçar descora,
Talvez no berço onde o menino chora
Também, oh Dor, tu queiras, desolada,
Erguer um trono, procurar guarida…
Foge do berço! Não magoes a vida
D’esta ave implume, lirial botão…
Queres um ninho, um carinhoso abrigo?
Pois bem! Procura-o neste seio amigo,
Dentro em minh’alma, aqui no coração!
DESALENTO
Quando o meu pensamento se transporta
A’s praias de além-mar,
Sinto no peito uma tristeza imensa
Que manda-me chorar.
É que vejo morrerem, uma a uma,
Santas aspirações,
E voarem com os pássaros saudosos
As minhas ilusões…
Nunca julguei que a terra fosse um túmulo
De sonhos juvenis,
Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,
Podia ser feliz…
Enganei-me: – a tristeza, que me oprime
O coração sem luz…
Como o Sol o derradeiro raio
Nos braços de uma cruz…
A trêmula saudade que entristece
E faz desfalecer;
Essa agonia lenta que me inspira
Desejos de morrer… –
Tudo me diz que a vida é o desengano,
A morte da Ilusão,
E o mundo um grande manto de tristezas
Que enluta o coração.
CAMINHO DO SERTÃO
A meu irmão João Cancio
Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!
É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.
Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…
Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
FRANKLIN CASCAES (Brasil, 1908-1983). Folclorista, ceramista, antropólogo, gravurista e escritor. Dedicou sua vida ao estudo da cultura açoriana na Ilha de Santa Catarina e região, incluindo aspectos folclóricos, culturais, suas lendas e superstições. Usou uma linguagem fonética para retratar a fala do povo no cotidiano. Seu trabalho somente passou a ser divulgado em 1974, quando tinha 66 anos. A Universidade Federal de Santa Catarina mantém um arquivo com a obra de Cascaes, aproximadamente 4.000 peças em cerâmica, madeira, cestaria, gesso, gravuras em nanquim e desenhos a lápis, além de um razoável conjunto de escritos que envolvem lendas, contos, crônicas e cartas, todos resultados do trabalho de 30 anos do escritor junto a população ilhoa coletando depoimentos, histórias e estórias místicas em torno das bruxas, herança cultural açoriana. Por sugestão de Elys Regina Zils, Franklin Cascaes é o artista convidado da presente edição de Agulha Revista de Cultura.
Agulha Revista de Cultura
Número 261 | junho de 2025
Artista convidado: Franklin Cascaes (Brasil, 1908-1983)
Editores:
Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com
Elys Regina Zils | elysre@gmail.com
ARC Edições © 2025
∞ contatos
https://www.instagram.com/agulharevistadecultura/
http://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/
FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com
ELYS REGINA ZILS | elysre@gmail.com
.jpg)





Nenhum comentário:
Postar um comentário