quarta-feira, 18 de junho de 2025

AUTA DE SOUZA (1876-1901)

 


Auta Henriqueta de Souza nasceu em Macaíba, em 12 de setembro de 1876, filha de Elói Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina Rodrigues e irmã dos políticos norte-rio-grandenses Elói de Sousa e Henrique Castriciano. Ficou órfã aos três anos, com a morte de sua mãe por tuberculose, e no ano seguinte perdeu também o pai, pela mesma doença. Sua mãe morreu aos 27 anos e seu pai aos 38 anos. Durante a infância, foi criada por sua avó materna, Silvina Maria da Conceição de Paula Rodrigues, conhecida como Dindinha, em uma chácara no Recife, onde foi alfabetizada por professores particulares. Sua avó, embora analfabeta, conseguiu proporcionar boa educação aos netos. Aos onze anos, foi matriculada no Colégio São Vicente de Paula, dirigido por freiras vincentinas francesas, e onde aprendeu Francês, Inglês, Literatura (inclusive muita literatura religiosa), Música e Desenho. Lia no original as obras de Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand e Fénelon. Quando tinha doze anos, vivenciou nova tragédia: a morte acidental de seu irmão mais novo, Irineu Leão Rodrigues de Sousa, causada pela explosão de um candeeiro. Mais tarde, aos catorze anos, recebeu o diagnóstico de tuberculose, e teve que interromper seus estudos no colégio religioso, mas deu prosseguimento à sua formação intelectual como autodidata. Continuou participando da União Pia das Filhas de Maria, à qual se uniu na escola. Foi professora de catecismo em Macaíba e escreveu versos religiosos. Jackson Figueiredo (1914) a considera uma das mais altas expressões da poesia católica nas letras femininas brasileiras. Começou a escrever aos dezesseis anos, apesar da doença. Frequentava o Club do Biscoito, associação de amigos que promovia reuniões dançantes onde os convidados recitavam poemas de vários autores, como Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Castro Alves, Junqueira Freire e os potiguares Lourival Açucena, Areias Bajão e Segundo Wanderley. Por volta de 1895, Auta conheceu João Leopoldo da Silva Loureiro, promotor público de sua cidade natal, com quem namorou durante um ano e de quem foi obrigada a se separar pelos irmãos, que preocupavam-se com seu estado de saúde. Pouco depois da separação, ele também morreria vítima da tuberculose. Esta frustração amorosa se tornaria o quinto fator marcante de sua obra, junto à religiosidade, à orfandade, à morte trágica de seu irmão e à tuberculose. A poetisa, então, encerrou seu primeiro livro de manuscritos, intitulado Dhálias, que mais tarde seria publicado sob o título de Horto. Aos dezoito anos, passou a colaborar com a revista Oásis, e aos vinte escrevia para A República, jornal de maior circulação e que lhe deu visibilidade para a imprensa de outras regiões. Seus poemas foram publicados no jornal O Paiz, do Rio de Janeiro. No ano seguinte, passaria a escrever assiduamente para o prestigiado jornal A Tribuna, de Natal, e seus versos eram publicados junto aos de vários escritores famosos do Nordeste. Entre 1899 e 1900, assinou seus poemas com os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves, prática comum à época. Também foi publicada nos jornais A Gazetinha, de Recife, e no jornal religioso Oito de Setembro, de Natal, e na Revista do Rio Grande do Norte, onde era a única mulher entre os colaboradores. Venceu a resistência dos círculos literários masculinos e escrevia profissionalmente em uma sociedade em que este ofício era quase que exclusividade dos homens, já que a crítica ignorava as mulheres escritoras. Sua poesia passou a circular nas rodas literárias de todo o país, despertando grande interesse. Tornou-se a poetisa norte-rio-grandense mais conhecida fora do estado. Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, Auta de Souza morria tuberculosa. Foi sepultada no cemitério do Alecrim, em Natal, em 1904 seus restos mortais foram transportados para o jazigo da família, na parede da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Macaíba, sua cidade natal. No ano anterior (1900) havia publicado seu único livro de poemas sob o título de Horto, com prefácio de Olavo Bilac, que obteve significativa repercussão na crítica nacional. Em 1910 saía à segunda edição, em Paris, e, em 1936, a terceira, no Rio de janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.

 

 

FIO PARTIDO

 

Fugir à mágoa terrena

E ao sonho, que faz sofrer,

Deixar o mundo sem pena

Será morrer?

 

Fugir neste anseio infindo

À treva do anoitecer,

Buscar a aurora sorrindo

Será morrer?

 

E ao grito que a dor arranca

E o coração faz tremer,

Voar uma pomba branca

Será morrer?

 

II

 

Lá vai a pomba voando

Livre, através dos espaços…

Sacode as asas cantando:

“Quebrei meus laços!”

 

Aqui, n’amplidão liberta,

Quem pode deter-me os passos?

Deixei a prisão deserta,

Quebrei meus laços!

 

Jesus, este voo infindo

Há de amparar-me nos braços

Enquanto eu direi sorrindo:

Quebrei meus laços!

 

 

LUZ E SOMBRA

 

À poetisa Anna Lima

 

Vamos seguindo pela mesma estrada,

Em busca das paragens da ilusão;

A alma tranquila para o Céu voltada,

Suspensa a lira sobre o coração.

 

Ris e eu soluço… (Loucas peregrinas!)

E em toda parte, enfim, onde passamos,

Deixo chorando os olhos das meninas,

Deixas cantando os pássaros nos ramos.

 

Porque elas amam tua voz canora,

Ó delicado sabiá da mata!

E eu lembro triste a juriti que chora

E a voz dorida em lágrimas desata.

 

Gostam de ver-te o rosto de criança

Limpo das névoas de um martírio vago,

O lábio em riso, desmanchada a trança,

No olhar sereno a candidez do lago.

 

Até perguntam quando sobre a areia

Em que tu pisas vão nascendo rosas:

“Bela criança, tímida sereia,

Irmã dos sonhos das manhãs radiosas.

 

Por que trilhando a terra dos caminhos,

Onde o teu passo faz brotar mil flores,

Esta velhinha vai deixando espinhos

E um longo rastro de saudade e dores?”

 

Não lhes respondas… Pela mesma estrada

Sigamos sempre em busca da Ilusão;

A alma tranquila para o céu voltada,

Suspensa a lira sobre o coração.

 

Vamos; desprende a doce voz canora,

Que ela afugenta da tristeza o açoite;

E, enquanto elevas o teu hino à aurora,

Eu vou rezando as orações da noite…

 

 

PÁGINA TRISTE

 

Há muita dor por este mundo a fora

Muita lágrima à toa derramada;

Muito pranto de mãe angustiada

Que vem saudar o despontar da aurora!


Alma inocente só de amor cercada

A criancinha a soluçar descora,

Talvez no berço onde o menino chora

Também, oh Dor, tu queiras, desolada,


Erguer um trono, procurar guarida…

Foge do berço! Não magoes a vida

D’esta ave implume, lirial botão…


Queres um ninho, um carinhoso abrigo?

Pois bem! Procura-o neste seio amigo,

Dentro em minh’alma, aqui no coração!


 

DESALENTO

 

Quando o meu pensamento se transporta

A’s praias de além-mar,

Sinto no peito uma tristeza imensa

Que manda-me chorar.

 

É que vejo morrerem, uma a uma,

Santas aspirações,

E voarem com os pássaros saudosos

As minhas ilusões…

 

Nunca julguei que a terra fosse um túmulo

De sonhos juvenis,

Sorrindo acreditei que aqui, no mundo,

Podia ser feliz…

 

Enganei-me: – a tristeza, que me oprime

O coração sem luz…

Como o Sol o derradeiro raio

Nos braços de uma cruz…

 

A trêmula saudade que entristece

E faz desfalecer;

Essa agonia lenta que me inspira

Desejos de morrer… –

 

Tudo me diz que a vida é o desengano,

A morte da Ilusão,

E o mundo um grande manto de tristezas

Que enluta o coração.

 

 

CAMINHO DO SERTÃO

 

A meu irmão João Cancio

 

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço

Vê-la através da mata. Nos caminhos

A sombra desce; e, sem achar descanso,

Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

 

É noite já. Como em feliz remanso,

Dormem as aves nos pequenos ninhos…

Vamos mais devagar… de manso e manso,

Para não assustar os passarinhos.

 

Brilham estrelas. Todo o céu parece

Rezar de joelhos a chorosa prece

Que a Noite ensina ao desespero e a dor…

 

Ao longe, a Lua vem dourando a treva…

Turíbulo imenso para Deus eleva

O incenso agreste da jurema em flor. 




FRANKLIN CASCAES (Brasil, 1908-1983). Folclorista, ceramista, antropólogo, gravurista e escritor. Dedicou sua vida ao estudo da cultura açoriana na Ilha de Santa Catarina e região, incluindo aspectos folclóricos, culturais, suas lendas e superstições. Usou uma linguagem fonética para retratar a fala do povo no cotidiano. Seu trabalho somente passou a ser divulgado em 1974, quando tinha 66 anos. A Universidade Federal de Santa Catarina mantém um arquivo com a obra de Cascaes, aproximadamente 4.000 peças em cerâmica, madeira, cestaria, gesso, gravuras em nanquim e desenhos a lápis, além de um razoável conjunto de escritos que envolvem lendas, contos, crônicas e cartas, todos resultados do trabalho de 30 anos do escritor junto a população ilhoa coletando depoimentos, histórias e estórias místicas em torno das bruxas, herança cultural açoriana. Por sugestão de Elys Regina Zils, Franklin Cascaes é o artista convidado da presente edição de Agulha Revista de Cultura.

 


Agulha Revista de Cultura

Número 261 | junho de 2025

Artista convidado: Franklin Cascaes (Brasil, 1908-1983)

Editores:

Floriano Martins | floriano.agulha@gmail.com

Elys Regina Zils | elysre@gmail.com

ARC Edições © 2025


∞ contatos

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FLORIANO MARTINS | floriano.agulha@gmail.com

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